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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 684572-3 - DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA, FALÊNCIAS E CONCORDATAS APELANTE : ALAN CRISTIAN POSS APELADO : PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA RELATORA : DES.ª MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA, CONCURSO PÚBLICO PARA GUARDA MUNICIPAL. CURSO DE FORMAÇÃO COM AULAS AOS SÁBADOS. CANDIDATO ADVENTISTA. PRETENSÃO DE FREQUENTAR AS AULAS EM DIA DIVERSO DO ANTERIORMENTE FIXADO. IMPOSSIBILIDADE. SENTEÇA QUE JULGOU EXTINTO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO POR INEXISTIR DIREITO LÍQUIDO E CERTO A SER AMAPARADO. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE DEVE SOBREPOR- SE AO DIREITO CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE CRENÇAS. EDITAL DO CONCURSO QUE DEVE OBSERVAR O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DA ISONOMIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 684572-3, de Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - 2ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas, em que é Apelante ALAN CRISTIAN POSS e Apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA.
Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Alan Cristian Poss, voltado contra a r. sentença proferida às fls. 73/74 nos autos nº 1255/2009 de mandado de segurança impetrado pelo recorrente contra ato praticado pela Prefeitura Municipal de Curitiba, que indeferiu a petição inicial e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, por não vislumbrar de plano direito líquido e certo do impetrante, condenando-o ao pagamento das custas processuais. Irresignado, Alan Cristian Poss, em seu arrazoado recursal (fls.77/113), sustentou preliminarmente que a sentença incorreu em error in judicando vez que o seu fundamento para extinção do mandamus foi baseado em lei já revogada, acarretando à referida decisão vício insanável e nulidade. Quanto ao mérito discorre que a análise jurídica da sentença pauto- se somente no direito strictu sensu, não sendo observadas as normas constitucionais e infraconstitucionais. Assevera que a informação trazida pelo recorrente aos autos à fl. 71, referente a possibilidade de encaixá-lo em outra turma ante a concessão de liminar, sequer foi observada pelo juízo singular. Discorre que de acordo com o disposto no inciso VIII, do artigo 5º da Constituição Federal, ser dever da Administração Pública encontrar meios alternativos para o acesso dos candidatos ao concurso em que foram aprovados. Argumenta que as regras do edital do concurso a que se submeteu se sobrepõem as regras maiores e soberanas da Constituição Federal. Aponta ser inconstitucional o item 18.1, vez que obriga o candidato a aceitar tacitamente todas as condições estabelecidas no edital do certame. Assevera ainda, que no momento que efetuou a inscrição do concurso não
tinha conhecimento que haveria treinamento aos sábados, vez que o referido edital só previa o treinamento com armas não informando qual seria a data, sendo que soube que as aulas de treinamento com armas seria aos sábados só após a 4ª fase do concurso. Afirma que a Administração deve obedecer os direitos constitucionalmente protegidos, principalmente aqueles elencados nos incisos VI e VIII do artigo 5º da Constituição Federal. Finaliza salientando que o mandamento constitucional que prevê o acesso aos cargos públicos tão só mediante concurso público, não pode violar outras garantias constitucionais, tais como o direito de liberdade de consciência e de crença. Por fim, pleiteia pela reforma da sentença e concessão da medida liminar para que a autoridade coatora garanta a permanência do recorrente na Guarda Municipal, até que nova turma seja organizada, compatível com sua crença religiosa, ou em outro dia que não o sábado. O recurso de apelação foi recebido em seus legais efeitos (fl.116). Sem contrarazões. Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça manifestou-se em fls.125/139, pelo conhecimento e desprovimento do recurso. É o relatório.
VOTO Observados os pressupostos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido. Depreende-se dos autos que o apelante foi aprovado no concurso público para guarda municipal e nomeado pela Portaria nº 1156/2009 (fl. 61). Porém, a aula prática de Técnicas de Armamento e Tiro do Curso de Formação de Guardas Municipais ocorre aos sábados. Entretanto, o impetrante é membro em exercício da Igreja Adventista do Sétimo Dia que tem o sábado como dia sagrado por ordenação divina. Em razão de tais fatos impetrou mandado de segurança contra a Prefeitura Municipal de Curitiba, objetivando a concessão de liminar autorizando o impetrante a realizar as aulas práticas de armamento e técnica de tiro, em horário compatível com a sua crença religiosa. Em síntese alega que o ato ilegal e abusivo tem origem na negação da autoridade coatora em ministrar as aulas práticas de armamento e técnicas de tiro ao impetrante em horários alternativos, em razão do recorrente ser adventista e haver aulas aos sábados. Afirma estar sendo lesado seu direito líquido e certo à liberdade de crença religiosa O magistrado singular, às fls. 73/74, extinguiu o processo sem julgamento do mérito, ante a ausência de direito líquido e certo do impetrante e ausência de ato ilegal da autoridade coatora. O recorrente pretende obter ordem jurisdicional que
assegure a sua participação nas aulas práticas de armamento e técnica de tiro, em horário compatível com a sua crença religiosa. Preliminarmente o apelante afirma que a sentença foi fundamentada em lei revogada, resultando em vício insanável error in judicando tendo como conseqüência sua nulidade. Embora o juízo singular tenha citado na sentença uma lei já revogada, a decisão não é passível de anulação, porquanto o error in judicando motiva somente a reforma da sentença e não a sua nulidade. No presente caso, a magistrada tomou por base o artigo 8ª da antiga Lei de Mandado de Segurança, contudo o posicionamento adotado enquadra-se em outro dispositivo legal que é o artigo 10 da nova Lei do Mandado de Segurança Lei 12016/09. Sendo assim o alegado vício presente na sentença é sanável, desta forma afasto esta preliminar. Para além disso, a argumentação do apelante de que a magistrada a quo não analisou as normas constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis ao caso, não procede. Observe-se o disposto no caput do artigo 10 da Lei de Mandado de Segurança que diz:
Art. 10. A inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou decorrido o prazo legal para impetração.
Considerando os requisitos legais do mandado de segurança, o doutrinador Hely Lopes MEIRELLES orienta:
"[o mandado de segurança] destina-se a coibir atos ilegais de autoridade que lesam direitos subjetivos, líquido e certo, do impetrante. Por autoridade, suscetível de mandado de segurança, entende-se toda ação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê- las. Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração ou seja, pressupõe fatos incontroversos, demonstrados de plano por prova pré-constituída, por não admitir dilação probatória."1
Diante do citado dispositivo legal da orientação doutrinária, verifica-se que a julgadora agiu bem quando expôs na decisão que "não se vislumbra de plano o ato ilegal ou abusivo da autoridade dita coatora e tão pouco o direito líquido e certo do impetrante", pois neste caso estar-se-ia entrando no mérito do mandamus, ou seja, seria necessário examinar a possibilidade do apelante freqüentar as aulas de técnica de armamento e tiro em outra turma. Sendo assim, a sentença encontra-se bem fundamentada, pois não restou demonstrado de plano a presença de ato ilegal ou abusivo da autoridade coatora, bem como a presença de direito líquido e certo do impetrante. Em casos semelhantes como o ora analisado, o direito à liberdade religiosa deve coadunar-se com o princípio da isonomia e demais disposições constitucionais já é pacífico em nossa jurisprudência, como se verifica dos julgados abaixo transcritos: ADMINISTRATIVO. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA. ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. DIREITO DE ABONAR FALTAS E PRESTAR PROVAS DA FACULDADE EM HORÁRIOS DIVERSOS DO PREVISTO. IMPOSSIBILIDADE. - O direito à liberdade de crença religiosa, garantido no art. 5º, incisos VI e VIII, da Constituição não outorga ao impetrante a prerrogativa de prestar prova de concurso em horário diverso dos demais candidatos. - Prevalência dos princípios constitucionais da legalidade e da igualdade em face do direito de liberdade de crença. - Sucumbência mantida, fixada na esteira dos precedentes da Turma. - Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. - Apelação improvida. (TRF4, AC 2003.70.02.005660-9, Terceira Turma, Relator do Acórdão Silvia Maria Gonçalves Goraieb, DJ 26/10/2005)
RECURSO ORDINÁRIA EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. TESTE DE CAPACIDADE FÍSICA. REALIZAÇÃO EM DIA DIVERSO DO PROGRAMADO. LIMINBAR DEFERIDA. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA. IMPOSSIBILIDADE. ISONOMIA E VINCULAÇÃO AO EDITAL. RECURSO DESPROVIDO. I Omissis. II O direito à liberdade de crença, assegurado pela Constituição da República, não pode almejar criar situações que importem tratamento diferenciado seja o favoritismo seja a perseguição em relação a outros candidatos de concurso público que não professam a mesma crença religiosa. Precedente. Recurso Ordinário desprovido. (STJ 5ª Turma - RMS 22825/RO. Relator Ministro Felix Fischer. Julgado em 26/06/207, publicado no DJ de 13/08/2007, p. 390)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR INOMINADA. DECISÃO RECORRIDA QUE INDEFERIU A LIMINAR "INITIO LITIS". CONCURSO VESTIBULAR. PRETENSÃO DA AGRAVANTE, POR CONVICÇÃO RELIGIOSA, OBJETIVANDO A MUDANÇA DO HORÁRIO DO CERTAME PREVISTO NO RESPECTIVO EDITAL. INADMISSIBILIDADE. PRETENSÃO QUE POR CRITÉRIO RELIGIOSO SE CONSTITUIRIA EM TRATAMENTO DIFERENCIADO EM DETRIMENTO DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA RELATIVAMENTE AOS DEMAIS CANDIDATOS. DECISÃO MONOCRÁTICA CORRETAMENTE LANÇADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 7ª C.Cível - AI 0386352-3 - Ponta Grossa - Rel.: Des. Ruy Francisco Thomaz - Unânime - J. 13.02.2007) A pretensão do apelante em para determinar que a autoridade coatora o autorize a realizar as aulas práticas de armamento e técnica de tiro em horário compatível com a sua crença religiosa, não merece prosperar, pois implica violação de uma série de princípios constitucionais. Trata-se de confronto de direitos assegurados constitucionalmente: a liberdade de crença religiosa em face de princípios como o da legalidade, igualdade e isonomia, contudo entendo que devam prevalecer os últimos. Não se olvide que deve ser respeitado o direito à liberdade de crença do autor que é adepto à religião Adventista, a qual preconiza que o sábado é um dia sagrado e, por este motivo, ele não tem possibilidade de freqüentar as aulas práticas do curso de formação que são realizadas aos sábados. Todavia, com o indeferimento de seu pedido não se estará intervindo em suas manifestações e convicções religiosas, que são os
valores protegidos pela Carta Magna, estando assegurados no art. 5º, VIII. O que se busca é garantir a igualdade de condições de todos os candidatos aprovados no concurso. Não pode a Administração Pública adaptar seus atos consoante os preceitos da religião de cada candidato aprovado em concurso. Portanto, a realização das aulas práticas do curso de formação em horário e dia diversos do estabelecido pelo edital que regeu o certame, afronta o princípio da legalidade, pois não seguirá o devido processo legal e, também, da igualdade, haja vista que se estaria privilegiando, de certa forma, um candidato em decorrência de suas crenças religiosas, pois neste caso ele não se sujeitaria às mesmas regras previstas no instrumento convocatório do concurso. Por conseguinte o princípio constitucional da igualdade deve sobrepor-se ao direito constitucional da liberdade de crenças, porquanto não pode o autor, ora apelante, ser tratado com distinção. Partindo-se da premissa que a Administração Pública é subordinada aos princípios da legalidade, impessoalidade e isonomia, não procede a alegação do recorrente de que a autoridade coatora deveria encontrar meios alternativos para o acesso dos candidatos que foram aprovados no referido concurso freqüentarem as aulas de prática de armamento e de técnica de tiro em dia diverso que não o sábado. No caso em análise, verifica-se que no edital que regulamentou o certame, não houve previsão de meio alternativo para os
candidatos que não pudessem realizar as aulas do Curso de Formação aos sábados, além disso, uma vez publicado o edital à Administração Pública é vedado fazer qualquer alteração no mesmo, sob pena de ferir o princípio da legalidade. Neste sentido é a lição de Hely Lopes Meirelles2:
"A administração é livre para estabelecer as bases do concurso e os critérios de julgamento, desde que o faça com igualdade, para todos os candidatos, tendo, ainda, o poder de, a todo tempo, alterar as condições e requisitos da admissão concorrentes, para melhor atendimento do interesse público".
Caso fosse atendida a pretensão do recorrente, o princípio da isonomia estaria sendo violado, vez que seria dado ao impetrante uma oportunidade que não fora dada aos demais candidatos, havendo uma afronta à igualdade, pois no certame não é permitido desenvolver qualquer espécie de favoritismo ou desvalia entre os candidatos. Assim sendo, resta evidente que a alteração na data das aulas práticas de técnica de armamento e tiro, não é possível, pois neste caso estaria sendo transgredido o princípio constitucional da isonomia. Ressalte-se que quando o Apelante fez sua inscrição, tinha ciência das exigências contidas no instrumento convocatório e, em momento algum, as impugnou. O Edital do referido concurso dispõe em seu item 18.1: 18.1 A inscrição do candidato implicará no conhecimento e na tácita aceitação das condições estabelecidas no inteiro teor deste edital e demais normas do concurso, atos dos quais não poderá alegar desconhecimento
Destarte, vale enfatizar que o edital faz Lei entre as partes, aplicando-se o princípio da vinculação ao edital, que dispõe que todos os atos que regem o concurso público ligam-se e devem obediência ao edital (que não só é o instrumento que convoca os candidatos interessados em participar do certame como também contém os ditames que o regerão). Ademais, a publicação do edital torna explícita quais são as regras que nortearão o relacionamento entre a Administração e aqueles que concorrerão aos seus cargos e empregos públicos. Daí a necessária observância bilateral, a exemplo do que ocorre no caso em tela: o poder público exibe suas condições no edital e o candidato, inscrevendo-se, concorda com elas, estando estabelecido o vínculo jurídico do qual decorrem direitos e obrigações. Observa-se do edital acostado aos autos às fls. 32/60, que o mesmo não fez nenhuma discriminação com relação à opção religiosa dos candidatos, portanto não há que se falar em direito líquido e certo que resguarde a pretensão do recorrente para realizar as aulas práticas de técnicas de armamento e tiro do Curso de Formação, em data diversa daquela previamente fixada para todos os aprovados no referido certame. Diante do exposto, mantenho a sentença que extinguiu o processo sem julgamento do mérito, com base no artigo 10 da Lei 12.016/09 e
no artigo 267, inciso I do Código de Processo Civil e voto pelo conhecimento e desprovimento do presente recurso de Apelação. DECISÃO Acordam os Desembargadores da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em conhecer e desprover o presente recurso. Participaram da sessão e acompanharam o voto da Relatora os Excelentíssimos Senhores Desembargadores ABRAHAM LINCOLN CALIXTO, Presidente, sem voto, LÉLIA SAMARDÃ GIACOMET e LUÍS CARLOS XAVIER. Curitiba, 24 de agosto de 2010. Des.ª MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA Relatora
-- 1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33. ed., atual. até Emenda Constitucional 53, de 19.12.2006, e Lei 11.448, de 15.1.2007. São Paulo: Malheiros. P. 717/718
-- 2 MEIRELLES, Hely Lopes. "Direito Administrativo Brasileiro", 31.ª ed., Malheiros: São Paulo, p. 432.
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