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Acórdão
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 814233-4 DA VARA DE CRIMES CONTRA A CRIANÇA E ADOLESCENTE DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA APELANTES: MARLENE BONIFÁCIO FERREIRA E NATAL DE JESUS CIRIACO FERREIRA APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RELATOR: DES. JORGE WAGIH MASSAD RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL PARTO SUPOSTO PRESCRIÇÃO NÃO OCORRÊNCIA, NO CASO CAUSA PRIVILEGIADORA INTELIGÊNCIA DO ART. 242, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL PERDÃO JUDICIAL SENTENÇA REFORMADA RECURSO PROVIDO. No crime de parto suposto, o prazo prescricional somente se inicia a partir do momento em que o fato torna-se conhecido, conforme previsão legal do art. 111, inciso IV, do Código Penal. Cabe o perdão judicial ao registro de filho de outrem, popularmente conhecido como "adoção à brasileira", quando realizado por motivo de reconhecida nobreza, nos exatos termos do art. 242, parágrafo único, do Código Penal. Apelação conhecida e provida. Trata-se de recurso de apelação criminal deduzido contra a respeitável sentença do Meritíssimo Juiz de Direito da Vara de Crimes Contra a Criança e Adolescente do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Marlene Bonifácio Ferreira, Natal de Jesus Ciriaco Ferreira e Terezinha de Jesus Ciriaco Fernandes foram condenados às idênticas penas de 02 (dois) anos de reclusão, com cumprimento inicial em regime aberto, por infringirem o disposto no art. 242, c/c art. 29, do Código Penal. As penas privativas de liberdade dos apelantes foram substituídas por restritiva de direitos, consistente em prestação de serviço à comunidade. A persecução criminal teve como substrato a seguinte narração fática: "No dia 15 de maio de 2003, no cartório distrital do Bacacheri, situado junto ao endereço Avenida Paraná, nº 1330, nesta Capital, os denunciados MARLENE BONIFÁCIO FERREIRA, NATAL DE JESUS CIRIACO FERREIRA e TEREZINHA DE JESUS CIRIACO FERNANDES, mancomunados entre si, um aderindo à conduta do outro, objetivando a adoção irregular (à brasileira) da recém-nascida L. M. R. compareceram no citado cartório e declararam falsamente que a referida infante era filha legítima da denunciada MARLENE juntamente com o denunciado NATAL, tendo a denunciada TEREZINHA assinado como testemunha deste fato (conforme documento às folhas 10, 23, 24 e 64), registrando assim, filha de outrem como sendo sua, uma vez que, posteriormente comprovou-se que eles não eram os pais biológicos, a qual na verdade era filha de Valtenir Cavalheiro Ribeiro e Eliane Aparecida Marcondes, conforme certidão de nascimento lavrada anteriormente no Cartório Agner, na comarca de Guarapuava (fl. 67)". A defesa dos apelantes Marlene Bonifácio Ferreira e Natal de Jesus Ciriaco Ferreira, irresignada com os termos da decisão, pugna, preliminarmente, a extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa. No mérito, postula o reconhecimento da forma privilegiada do delito, com a aplicação do perdão judicial. Não sendo este o entendimento, requer o reconhecimento do erro de proibição, da atenuante da confissão espontânea, bem como a redução da pena restritiva de direitos pela metade. Fls. 478/484. Em contrarrazões, o digno Promotor de Justiça se manifestou pelo conhecimento e não provimento do recurso. Fls. 486/500. O ilustre representante da Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer, opinou pelo provimento do recurso, a fim de que seja reconhecida a extinção da punibilidade dos apelantes, nos termos do art. 242, parágrafo único, do Código Penal, com extensão, de ofício, à corré Teresinha de Jesus Ciriaco Fernandes. Fls. 512/522. É o relatório. Preenchidos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do apelo. O recurso comporta provimento. Preliminarmente, não verifico, no caso, a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva. Cinge-se a questão somente quanto ao termo inicial de contagem do prazo prescricional.
Ao regular o tema, o art. 111, inciso IV, do Código Penal prevê: "Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: (...) IV - nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido." Na hipótese, em se tratando de crime de alteração de assentamento do registro civil, vez que os recorrentes registraram falsamente a criança como sendo sua filha, a data para o início da contagem do prazo prescricional passa a ser do momento em que o fato se torna conhecido. Neste ponto, totalmente descabida a tese da defesa de que este momento seria o do registro civil, vez que o auxiliar de cartório tomou conhecimento do delito. Ora, os apelantes registraram a criança como sua filha legítima, afirmando que seu nascimento teria ocorrido em casa. Embora o recurso acuse o cartorário de coautoria no delito, pois, segundo alega o defensor, tinha conhecimento da falsidade das informações sobre o registro civil da criança, ainda assim, mesmo que conseguisse comprovar sua grave acusação, em nada alteraria o momento em que o fato tornou-se conhecido. A ocasião em que o delito restou público coincide com a instauração de inquérito policial para sua apuração, através da portaria de fls. 06, em 06 de julho de 2006. Com efeito, tendo em conta que o prazo prescricional, na espécie, regula-se pela pena aplicada em concreto, não há que se falar em extinção da punibilidade.
No crime de parto suposto, o prazo prescricional somente se inicia a partir do momento em que o fato torna-se conhecido, conforme previsão legal do art. 111, inciso IV, do Código Penal. Com relação ao pleito de aplicação da forma privilegiada do delito pelo perdão judicial, assiste razão ao recurso. O art. 242 do Código Penal traz em sua redação: "Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena - reclusão, de dois a seis anos. Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena." No caso, consoante assevera o acurado parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, as peculiaridades do caso sugerem que o delito foi cometido por motivo de reconhecida nobreza. Os elementos probatórios coligidos na instrução criminal demonstram que os recorrentes decidiram "adotar" a criança, registrando-a falsamente como sua filha biológica, porque souberam das condições precárias em que vivia e da intenção de sua mãe de entregar a criança a terceiros, por não ter condições de criá-la. Ao ser interrogada em Juízo, Marlene Bonifácio Ferreira afirmou (fls. 397/398): "A interroganda e seu marido Natal de Jesus registraram a menor Larissa como sua filha e não sabiam que a menor já possuía um registro de nascimento; na casa de Terezinha de Jesus a interroganda e seu marido souberam
que em uma favela havia uma criança cuja mãe pretendia `dar' a menor; alguns dias depois foram até a residência e a mãe da menor perguntou se eram eles o casal que foi buscar a criança; disseram que foram conhecer e levaram consigo a menor, já com seus pertences entregues pela mãe biológica porque esta afirmou que não tinha condições de cuidar da criança e entregaria para alguém;" Natal de Jesus Ciriaco Ferreira, do mesmo modo, confessou o crime e confirmou os fatos descritos por sua esposa (fls. 399/400): "O interrogando e sua esposa Marlene registraram a menor Thalita como sua filha, quando não era filha biológica do casal; não sabiam que a menor já possuía registro de nascimento; a criança foi dada ao casal pela própria mãe porque não tinha condições de cria-la e não queria tê-la sob os seus cuidados, na ocasião a mãe da menor queria dar também a outra criança então com três anos de idade, um menino e o interrogando se arrepende de não ter pego o menor;" A situação precária em que se encontrava a criança restou retratada pela testemunha Margarete da Trindade do Rosário, irmã da mãe biológica, Eliane Aparecida Marcondes (fls. 347/348): "que no início do ano de 2003 a sua irmã veio morar nesta cidade e trouxe consigo uma criança do sexo feminino, de aproximadamente três meses de idade; que no período da manhã, não se recorda a data, Eliane comentou que iria doar a criança porque esta a incomodava muito, não parava de chorar e que esta não queria ficar morando de favor na casa dos outros com uma criança; (...); que Eliane ingeria muita bebida alcoólica juntamente com seu companheiro conhecido como `Nego', e Eliane sempre oferecia bebida alcoólica para seu filho, chamado Vinícius, com sete anos de idade; (...); Eliane não possui a guarda da criança Vinícius nem desta última criança, sexo masculino, quem possui a guarda da criança Vinícius é a irmã da depoente, a senhora Marli Terezinha Marcondes, e a
última criança, sexo feminino, com um ano de idade quem possui é a avó paterna, conhecida como `baixinha';" A mãe biológica Eliane Aparecida Marcondes confirmou, sob o crivo do contraditório, que resolveu por livre e espontânea vontade entregar sua filha aos apelantes (fls. 351/352): "que ficou morando na casa de sua irmã, Ines Fátima Marcondes juntamente com os dois filhos Antonio Vinícius e Larissa; que esta última ficou muito doente, com problemas de pneumonia, e não tinha dinheiro para comprar remédios nem leva-la ao médico, e que a criança chorava muito devido a muitas dores;" Resta evidente, portanto, que a infante, de apenas 03 (três) meses de vida, encontrava-se com a saúde debilitada e vivendo em um ambiente nocivo a seu crescimento e desenvolvimento. Deste modo, a atitude dos apelantes de "adotá-la", registrando-a falsamente como filha natural, mesmo configurando o crime previsto no art. 242 do Código Penal, reveste-se de nobreza, por buscar não somente o anseio de constituir uma família, mas, também, ajudar uma criança que visivelmente carecia de urgente amparo. Nada obstante, impende frisar que a bem lançada sentença acertadamente ponderou ser o crime perpetrado pelos recorrentes uma afronta ao sistema legal de adoção e, por conseguinte, atingindo tanto as demais crianças que vivem em orfanatos e instituições afins quanto os futuros pais que aguardam ansiosamente o ato de adotar uma criança. Contudo, no caso, a meu ver, aplicável o perdão judicial previsto no art. 242, parágrafo único, do Código Penal. Sobre o tema, destaco os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci:
"Figura Privilegiada ou perdão judicial: praticando qualquer das condutas típicas por motivo de reconhecida nobreza, isto é, se a razão que levou o agente assim agir foi nitidamente elevada ou superior, pode o juiz julgar extinta a punibilidade. Nem sempre o criminoso tem má intenção, podendo querer salvar da miséria um recém-nascido, cuja mãe reconhecidamente não o quer. Assim, termina registrando, por exemplo, o filho de outra pessoa como se fosse seu. Eventualmente, não sendo o caso de aplicar o perdão, porque o magistrado detectou outras condições pessoais desfavoráveis (ex.: maus antecedentes, reincidência, péssima conduta social), incide, então, a figura privilegiada, aplicando-se pena bem menor do que a prevista no caput. Lembremos que há duas opções fixadas pelo legislador ao juiz, quando houver motivo de reconhecida nobreza: aplicar o privilégio (pena menor) ou o perdão judicial (extinção da punibilidade), razão pela qual pode ele valer-se dos fatores pessoais do agente para essa avaliação." (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 7ª edição São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 880). Portanto, cabe o perdão judicial ao registro de filho de outrem, popularmente conhecido como "adoção à brasileira", quando realizado por motivo de reconhecida nobreza, nos exatos termos do art. 242, parágrafo único, do Código Penal. Considerando que as condições pessoais dos condenados são todas favoráveis, aplico o perdão judicial à Marlene Bonifácio Ferreira e Natal de Jesus Ciriaco Ferreira, com a extinção da punibilidade, nos termos do art. 242, parágrafo único, do Código Penal. Com esteio no art. 580 do Código de Processo Penal, estendo o benefício à corré Teresinha de Jesus Ciriaco Fernandes, com a extinção da punibilidade.
Deixo de analisar os demais pedidos alternativos do apelo, ante a sua prejudicialidade. Isto posto, em consonância com o judicioso parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, meu voto é no sentido de dar provimento ao recurso, com a concessão de perdão judicial aos recorrentes, extensivo à corré Terezinha de Jesus Ciriaco Fernandes. É como decido. ACORDAM os integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO, nos termos do voto do relator. Participaram do julgamento os Desembargadores Rogério Coelho e Marcus Vinicius de Lacerda Costa. Curitiba, 01 de dezembro de 2011.
JORGE WAGIH MASSAD Relator
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