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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 820775-4, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 4ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA, FALÊNCIAS E RECUPERAÇÃO JUDICIAL APELANTE: MARCOS VENITIUS DE ALMEIDA MUNIZ APELADO: URBS URBANIZAÇÃO DE CURITIBA SA RELATORA: DES.ª MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO LIMINAR. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DA INCOMPETÊNCIA DA URBS S.A. PARA A APLICAÇÃO DE SANÇÃO PECUNIÁRIA EM DECORRÊNCIA DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. DECISÃO QUE JULGOU IMPROCEDENTE A PRETENSÃO INICIAL. PEDIDO DE REFORMA. CONSTATAÇÃO DA REVELIA QUE NÃO CONDUZ À PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DAS ALEGAÇÕES FÁTICAS DO AUTOR E À PROCEDÊNCIA DO PEDIDO POR ELE AVIADO. ÓRGÃO ESPECIAL QUE EM JULGAMENTO À ADIN N.º 52764-2 RECONHECEU A ILEGALIDADE DA ATUAÇÃO DA URBS NAS AUTUAÇÕES DE TRÂNSITO EFETUADAS, DIANTE DA IMPOSSIBILIDADE DE DELEGAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA A UMA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA (URBS), MAS MODULOU OS EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA, MANTENDO INALTERADOS OS ATOS PRATICADOS PELA URBS E SEUS AGENTES ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO EM 28/09/2011. AUTOS DE INFRAÇÃO QUESTIONADOS PELO APELANTE, QUE POR SE REFERIREM A DATA ANTERIOR A ESTA DECISÃO DO ÓRGÃO ESPECIAL, NÃO PODEM SER DECLARADOS NULOS. EFEITO VINCULANTE DE CITADA DECISÃO (ARTIGO 272 DO RITJPR). RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 820775-4, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba 4.ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Recuperação Judicial, em que é Apelante MARCOS VENITIUS DE ALMEIDA MUNIZ e Apelado URBS- URBANIZAÇÃO DE CURITIBA SA. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por Marcos Venitus de Almeida Muniz contra a r. sentença de fls. 165/170, proferida nos autos n.º 008260-87.2910.8.16.0004 de Ação Ordinária com pedido liminar que julgou improcedente o pedido e diante do princípio de sucumbência, condenou a autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios ao procurador do réu, os quais foram fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do artigo 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil. Desta decisão foram opostos embargos de declaração (fls. 176/177), os quais foram rejeitados pela decisão de fls. 179/181. Inconformado, Marcos Venitius de Almeida Muniz recorreu (fls. 184/205), afirmando que propôs a ação visando declarar a nulidade das multas que lhe foram impostas pela empresa Agravada, que tem a DIRETRAN Diretoria de Trânsito de Curitiba como órgão, considerando a incompetência do referido órgão de trânsito para o exercício do poder de polícia. Narra que embora a sentença tenha calcado seu entendimento no fato de que a Lei Municipal teria autorizado a URBS S.A. a impor multas, mas este entendimento é equivocado segundo julgamentos do STJ, pelo que requer manifestação explícita acerca da aplicabilidade ao caso em análise do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 817.534-MG).
Para dar suporte a sua pretensão, sustentou a incompetência da apelada para aplicar multas de trânsito, uma vez que não é detentora do poder de polícia, em razão da personalidade jurídica de direito privado, cuja função social desta é a persecução do lucro, sendo equiparada por força constitucional a uma empresa privada. Mencionou também que a Apelada não pode ser responsável pela fiscalização de trânsito em Curitiba, pois o poder de polícia é próprio da administração pública direta, de modo que padecem de ilegalidade todas as infrações de trânsito sofridas pelo Apelante. Ao contestar a ação, a URBS alegou que o Apelante não juntou aos autos qualquer documento que comprove as autuações que sofreu. Alude a seguir, que a revelia argumentada na impugnação de contestação deve ser apreciada por esta Corte de Justiça. Explica que a URBS foi criada em 1963 com o objetivo de administrar o Fundo de Urbanização de Curitiba, para desenvolver obras de infra-estrutura, programas de equipamento urbanos, estudos e projetos vinculados aos referidos programas e aplicar seus próprios recursos nas mesmas finalidades e atividades relacionadas ao desenvolvimento urbano da cidade. Todavia, o Município de Curitiba, de acordo com as prerrogativas que lhe foram conferidas pelo artigo 24 do CNT, outorgou a URBS o gerenciamento do trânsito, para autuar, notificar e aplicar as penalidades de excesso de peso, dimensões e lotação de veículos, dentre outras atividades nos limites da jurisdição do Município de Curitiba.
Coloca que, no entanto, esse poder-dever em aplicar multas cabíveis ao ato infracional em concreto, não se coaduna com o artigo 24 do CNT, eis que somente os atos relativos à gerência do trânsito local foram delegados, ao passo que aqueles referentes à imposição de multas de trânsito são inerentes ao Poder de Polícia, por isso impossível a sua transferência à sociedade de economia mista, que tem personalidade jurídica de direito privado, e consequentemente não pode ser detentora do poder de polícia, não podendo exercer nenhuma prerrogativa que não seja reconhecida ao particular, por força do artigo 173, parágrafo 1º, II da CF. Conclui que ou o poder de polícia é exercido por pessoa de direito público ou não é licitamente exercido, pois o direito privado não comporta o exercício deste e de nenhuma outra prerrogativa que empresas particulares não tenham. Com o advento do CTB, alega que a competência de cada ente federado no que tange à matéria de trânsito encontra-se definida pelo artigo 24, que amplia consideravelmente as atribuições do Município, que as delegou para a URBS. Acrescentou que a execução da polícia administrativa de trânsito compete exclusivamente ao Poder Público, nos termos do artigo 78 do Código Tributário Nacional nos limites da Lei. Por fim, dentre outras considerações, requer o provimento do recurso, para fins de reformar a decisão recorrida para julgar procedente o pedido inicial, com a declaração de nulidade de todas as multas impostas pela URBS S/A, devolvendo os valores pagos a este título, invertendo as verbas de sucumbência e despesas processuais. O recurso foi recebido em ambos os efeitos (fls. 220).
Foram ofertadas as contrarrazões de fls. 222/248. A douta Procuradoria de Justiça manifestou-se em fls. 259, pelo conhecimento e desprovimento do recurso. É o relatório. Voto. Observados os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Cuida-se de ação ordinária com pedido liminar ajuizada pelo apelante Marcos Venitius de Almeida Muniz contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos contidos na exordial, condenando-o ao pagamento das despesas processuais e de honorários advocatícios ao procurador da ré. Verifica-se dos autos que o recorrente ajuizou a presente demanda, em face da URBS S.A., sob a alegação de que a referida entidade não possui legitimidade para aplicação de multas de trânsito, asseverando que o Poder de Polícia administrativa de trânsito não pode ser transferido à sociedade de economia mista, competindo, desta forma, a execução exclusivamente à Administração Pública Municipal. Requereu, assim, a declaração de ilegalidade dos autos de infração lavrados contra a autora, pendentes de notificação ou de julgamento, bem como das multas por infração de trânsito aplicadas, além da condenação da URBS na devolução de todos os valores pagos em função das multas por infração de trânsito lavradas no período anterior ao ajuizamento da ação.
Após apresentação da contestação da ré, a autora arguiu a extemporaneidade dessa peça de defesa, que implicaria na revelia, o que não foi acolhido pelo magistrado singular. Recebendo os autos para sentença, o magistrado singular julgou improcedentes os pedidos trazidos na inicial, com fundamento nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, condenando o autor ao pagamento dos ônus sucumbenciais. Contra esta decisão, o autor manejou recurso de apelação pleiteando, em suma, a reforma da sentença no sentido de declarar a revelia da ré e a nulidade de todas as multas impostas pela URBS S.A. em seu desfavor, com a restituição dos valores pagos a este título, bem como, a inversão do ônus de sucumbência e despesas processuais. Inicialmente, passemos à análise do pedido de aplicação dos efeitos da revelia ao Apelado. Em que pese tenha o magistrado singular afastado a alegação de intempestividade da contestação da ré arguida pelo Apelante tanto em sede de impugnação à contestação (fls. 116/132) como em seus embargos de declaração (fls. 176/177) constata-se dos autos que a peça contestatória, de fato, foi protocolizada extemporaneamente. Depreende-se dos autos que a URBS S.A. foi citada em 23/07/2010 (fls. 63) e o mandado de citação foi juntado aos autos em 29/07/2010 (fls. 61-verso), passando, a partir desta data, a contagem do prazo de 15 (quinze) dias para que fosse ofertada a peça contestatória. Contudo, como o termo ad quem ocorreu em 11/08/2010 e a defesa só foi protocolizada
em 17/08/2010 (fls. 71), mostra-se extemporânea. Não se diga que à sociedade de economia mista aplica-se a regra constante no artigo 188 do Código de Processo Civil (prazo em dobro para recorrer), pois as mesmas são regidas pelo regime jurídico de direito privado. O artigo 188 do Código de Processo Civil estabelece:
"Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte fora a Fazenda Pública ou o Ministério Público."
O Supremo Tribunal Federal, em julgamento no AgRg n. 349.477/PR, sob a relatoria do Min. Celso de Mello, julgada em 11.02.2003, DJ 28.02.2003, concluiu que as sociedades de economia mista, como é o caso da recorrida, não ingressam no conceito de Fazenda Pública. Esta Corte de Justiça também comunga do mesmo entendimento:
"AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR NEGANDO SEGUIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMPRESA DE ECONOMIA MISTA QUE NÃO TEM PRAZO EM DOBRO PARA RECORRER (ART. 188, CPC). RECURSO INTEMPESTIVO. AGRAVO INTERNO NÃO CONHECIDO. "A sociedade de economia mista, dotada de personalidade jurídica de direito privado, integrante da administração pública indireta, não possui prazo em dobro para recorrer porque não integra o conceito de Fazenda Pública. Inaplicabilidade do art. 188 do CPC. (...)" (STJ - AGRESP 200400565570 - (655497 RS) - 1ª T. - Rel.
Min. Denise Arruda - DJU 14.12.2006 - p. 253)." (TJPR, 5ª CC., Agravo n. 530599-1/01, rel. Rogério Ribas, julgado em 11/11/2008).
Entretanto, mesmo com o reconhecimento da intempestividade da defesa apresentada pela URBS S.A. e a conseqüente aplicação do princípio da revelia, tal circunstância, ao contrário das alegações do recorrente, não enseja a aplicação de presunção de veracidade dos fatos trazidos na inicial. No caso dos autos, como a discussão gira em torno da ilegalidade na lavratura de autos de infração de trânsito e conseqüente nulidade, o que se discute são direitos indisponíveis, razão pela qual não se aplicam os efeitos materiais da revelia, competindo ao autor da ação a comprovação do seu direito. A Procuradoria Geral de Justiça adota a mesma orientação:
"(...) resta saber se incidem na espécie as penas da revelia, vez que se está a discutir direitos indisponíveis ilegalidade em autos de infrações de trânsito e conseqüente nulidade (artigo 320, II do CPC), restando ao promovente da ação a comprovação do seu direito.
Embora a Urbs possa ser declarada revel, não significa que, apenas por esta circunstância, estarão comprovados os fatos alegados pelo autor. Ou seja, a ele caberia comprovas as alegações constantes da petição inicial, notadamente considerando a existência de direitos indisponíveis." (fls. 264-TJ) (grifo nosso).
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero1, em explanação acerca do efeito material da revelia, asseveram:
"3. Efeito Material da Revelia. O art. 319, CPC, prevê o efeito material da revelia, qual seja, a presunção de veracidade das alegações fáticas formuladas pelo autor na petição inicial. Trata-se de presunção júris tantum, que admite prova em contrário (STJ, 3ª Turma, REsp 723.083/SP, rel. Min. Nancy Andrighy, j. em 09.08.2007, DJ 27.08.2007, p. 223). A presunção de veracidade das alegações fáticas do autor não conduz necessariamente à procedência do pedido por ele aviado, nem dispensa o juiz de bem instruir o feito, julgando necessário (STJ, 4ª Turma, REsp 91.193/SP, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. em 15.09.1998, DJ 03.11.1998, p. 140). A revelia não conduz a presunção de veracidade das alegações de direito do autor (STJ, 4ª Turma, REsp 55, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 08.08.1989, DJ 06.11.1989, p. 16.689). (grifo nosso).
E, mais adiante2, destacam os autores:
"(...) Não ocorre o efeito material da revelia nas hipóteses do art. 320, CPC. Além desses casos, uma análise sociologia do perfil demandado pode conduzir à conclusão que, em nome da igualdade substancial entre os litigantes (art. 5º, I,CRFB), cuja observância o juiz patrocinar (art. 125, I, CPC), tem o juiz de elidir o efeito material da revelia e considerar fictamente contestadas as alegações fáticas do autor em determinadas situações. (...)."
Maria Lúcia L. C de Medeiros3, ao citar João Batista Lopes, consigna que: "(...) a regra do art. 319 do CPC, não pode ser interpretada literalmente, "mas segundo a ratio legis, isto é, a ausência de contestação apenas significa que o autor fica dispensado de provas suas alegações, que, contudo, poderão ser recusadas quando forem absurdas, inverossímeis ou contrária ao conjunto dos autos."
Assim, ainda que reconhecida a revelia da URBS, cumpre apreciar o mérito do pedido inicial, que cuida, basicamente, da (i)legitimidade da URBS em autuar as infrações de trânsito. A sentença de primeiro grau entendeu pela legitimidade da URBS em aplicar as regras de trânsito, diante da delegação concedida por meio da Lei Municipal n.º 9236/97, o que motivou a improcedência dos pedidos iniciais. Tal sentença foi proferida em 29.11.2010. Contudo, em 16.09.2011 quase um ano depois da sentença este Tribunal de Justiça, por seu Órgão Especial, julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 52764-2, Relator o Desembargador Antônio Martelozzo, cujo acórdão, publicado em 28/09/2011, declarou inconstitucional a atuação da URBS no exercício do poder de polícia administrativa de trânsito, haja vista que, por se tratar de uma sociedade de economia mista, não era passível de delegação de poder de polícia pelo poder público. Neste sentido, cumpre transcrever trechos do corpo do voto do Órgão Especial4, pontuais ao caso em estudo: "Em suma, o Município não pode, por vedação constitucional, exercer o poder de polícia de trânsito respeitante às regras gerais de trânsito, salvo quando se trate de normas relativas ao trânsito local. Razão pela qual os decretos municipais inclusive a parte final do inciso XV do art. 11 da LOMC, caso sua interpretação seja extensiva são inconstitucionais. (...) E mesmo na hipótese de que o Município pudesse exercer tal poder de polícia de trânsito, tampouco seria possível delegá-lo à URBS, uma sociedade de economia mista, de personalidade jurídica de direito privado, que conta, inclusive, com acionistas passíveis de auferir lucro. (...) Neste sentido, a URBS jamais terá competência para praticar atos típicos da Administração Pública, como o poder de polícia. Isso porque há que se respeitar os princípios encartados no artigo 27 da Constituição Estadual: (...) Portanto, considerando as normas, jurisprudência e doutrina analisadas, conclui-se que o Município de Curitiba, além de outorgar à URBS um poder que não detinha, não poderia tê-lo feito, haja vista tratar-se de atividade administrativa típica de Estado, indelegável, portanto, à entidade de caráter privado."
Desta forma, malgrado a conclusão do juiz sentenciante, é fato que o Órgão Especial concluiu pela ilegitimidade da atuação da URBS
na imposição de multas de trânsito, o que, em tese, implicaria na reforma da sentença recorrida e declaração de ilegalidade dos autos de infração impostos à Apelante, detalhados na certidão juntada às fls. 133/134. Contudo, é certo que, por outro lado, o mesmo Acórdão proferido pelo Órgão Especial, antes mencionado, fez expressa ressalva quanto aos efeitos de aludida declaração de inconstitucionalidade, modulando-os e limitando-os à data da publicação de referido acórdão, ou seja, com intuito de preservar os atos praticados pela URBS como entidade executiva municipal de trânsito, considerou válidos os atos praticados (multas lavradas) até a publicação do acórdão, o que se deu em 28/09/2011. No que toca à modulação de efeitos ou, como prefere GILMAR MENDES, a declaração de inconstitucionalidade de caráter limitativo ou restritivo são de grande valia as considerações feitas por KARL LARENZ à vista da experiência da Corte Constitucional Alemã. Consoante percebera o ilustre doutrinador:
"O que é para os tribunais civis, quando muito, uma excepção, adequa-se em muito maior medida a um Tribunal Constitucional. Decerto que se poderá, por exemplo, resolver muitas vezes sobre recursos constitucionais de modo rotineiro, com os meios normais da argumentação jurídica. Aqui tão pouco faltam casos comparáveis. Mas nas resoluções de grande alcance político para o futuro da comunidade, estes meios não são suficientes. Ao Tribunal Constitucional incumbe uma responsabilidade política na manutenção da ordem jurídico-estadual e da sua capacidade de funcionamento. Não pode proceder segundo a máxima: `fiat justitia, pereat res publica', nenhum juiz constitucional procederá assim na prática. Aqui a ponderação das conseqüências é,
portanto, de todo irrenunciável, e neste tem KRIELE razão. (...) No que se refere à avaliação das conseqüências previsíveis, esta avaliação só pode estar orientada à idéia de `bem comum', especialmente à manutenção ou aperfeiçoamento da capacidade funcional do Estado de Direito. É, neste sentido, uma avaliação política, mas devendo exigir-se de cada juiz constitucional que se liberte, tanto quanto lhe seja possível e este é, seguramente, em larga escala o caso da sua orientação política subjectiva, de simpatia para com determinados grupos políticos, ou de antipatia para com outros, e procure uma resolução despreconceituada, `racional'."5
Assim, o Tribunal de Justiça, nessa parcela que lhe cabe da responsabilidade política na manutenção da ordem jurídico-estadual e da sua capacidade de funcionamento, há de racionalizar se a aplicação pura e simples da teoria da nulidade originária ("ab inicio") a uma lei inconstitucional não acaba por fragilizar ainda mais a já abalada harmonia sistêmica do ordenamento jurídico. Trata-se um juízo de ponderação à vista do caso concreto, feito com base extraídos da própria realidade social. Nos dizeres de GILMAR MENDES6:
"Tal como observado, o princípio da nulidade continua a ser a regra também do direito brasileiro. O afastamento de sua incidência dependerá de um severo juízo de ponderação que, tendo em vista análise fundada no princípio da proporcionalidade, faça prevalecer a idéia de segurança jurídica ou outro princípio constitucionalmente importante, manifestado sob a forma de interesse social relevante. (...)
O princípio da nulidade somente há de ser afastado se se puder demonstrar, com base numa ponderação concreta, que a declaração de inconstitucionalidade ortodoxa envolveria o sacrifico da segurança jurídica ou de outro valor constitucional materializável sob a forma de interesse social. "
E o juízo de ponderação concreta realizada pelo Órgão Especial deste Tribunal se faz nítido no seguinte excerto do aresto:
"Cumpre seja analisado se o caso posto comporta ou não modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, consoante dispõe a Lei específica. Para que ela se dê, dois efeitos se apresentam como pressupostos materiais: razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social. No particular, os decretos municipais mencionados e a Lei Orgânica do Município de Curitiba (esta invalidada apenas em parte), atingidos pela presente decisão, vinham há muitos anos produzindo efeitos, em razão de serviços prestados pelos agentes da Urbs. A modulação dos efeitos impõe seja feita a partir da publicação do acórdão no órgão oficial do Judiciário, a fim de que sejam minoradas as consequências advindas da solução ora encontrada (os desembargadores Luiz Lopes e Carlos Mansur Arida conferiam efeito ex tunc); na oportunidade, fruto dos debates, ponderou-se para não se conferir referido efeito, o que importaria em retroagir à data em que os atos inválidos acabaram sendo praticados, o fato de o Município poder vir a ser responsabilizado e demandado, precisando arcar com recursos de que poderia prejudicá-lo, vez que o número de pessoas multadas, que tiveram veículos apreendidos, que chegaram a perder a carteira de habilitação etc, foi elevado. Também foi objeto de ponderação o fato de a Urbs haver prestado serviços de fiscalização."
Dele se percebe como os fundamentos que levaram este Tribunal de Justiça a limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade são extensíveis ao presente feito e a todos os demais da mesma natureza. Afinal, não se protraiu no tempo a eficácia de uma norma reconhecidamente nula senão justamente para preservar a validade de todos aqueles atos realizados sob sua égide. Ao mais, como bem destaca, "mutatis mutandi", GILMAR 7 MENDES :
"(...) se o STF declarar a inconstitucionalidade restrita, sem qualquer ressalva, essa decisão afeta os demais processo com pedidos idênticos pendentes de decisão nas diversas instâncias. Os próprios fundamentos constitucionais legitimadores da restrição embasam a declaração de inconstitucionalidade com eficácia ex tunc nos casos concretos. A inconstitucionalidade da lei há de ser reconhecida a partir do trânsito em julgado. Os casos concretos ainda não transitados em julgado hão de ter o mesmo tratamento (decisões com eficácia ex nunc) se e quanto submetidos ao STF.
Por esta razão, e diante do efeito vinculativo das decisões proferidas pelo Órgão Especial em Ações Diretas de Inconstitucionalidade conforme dispõe o artigo 272 do Regimento Interno desta Corte8 , não é o caso de se declarar a ilegalidade da atuação da URBS na hipótese em análise, eis que os autos de infração lavrados contra a Apelante e as multas aplicadas datam do período de 2007 a 2009, consoante
se vê do extrato de pontuação do Apelante juntado aos autos (fls. 133/134), ou seja, são anteriores à publicação do acórdão proferido na ADIN n.º 52764- 2. Assim, não há que se falar em nulidade da atuação na URBS na hipótese em estudo. Em situação semelhante, esta Corte de Justiça recentemente decidiu:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. MUNICÍPIO DE CURITIBA. "URBS". MULTAS DE TRÂNSITO. QUESTÃO PRELIMINAR: PODER DE POLÍCIA DA URBS RECONHECIDO PELO ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL NO JULGAMENTO DA ADI 52764-2, HAJA VISTA A OCORRÊNCIA DE MODULAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE PARA MANTER HÍGIDOS OS ATOS PRATICADOS PELA URBS E SEUS AGENTES ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO EM DATA DE 28.09.2011. EFEITO VINCULANTE DA CITADA DECISÃO. (...)." (TJ/PR, 5ª CC., Apelação Cível n. 829802-2, Rel. Rogério Ribas, julgado em 25/10/2011) (grifo nosso).
Decorre de toda essa exegese, ainda, um oportuno esclarecimento: a decisão proferida por esta Quarta Câmara Cível na Apelação Cível n.º 830182-2, de Relatoria da ilustre Juíza Substituta em Segundo Grau, Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes, julgada na sessão de 17.01.2012 e publicada no Diário da Justiça do dia 01.02.20129 objeto de notícia veiculada
no Jornal Gazeta do Povo do último dia 04 (caderno Vida e Cidadania, fl. 7) apesar de cuidar de questão bastante semelhante, não tem incidência ao caso dos autos, eis que, além de se tratar de decisão proferida inter partes, nela não restou enfrentada a questão da limitação temporal da ilegalidade da atuação da URBS, matéria expressamente ressalvada no Acórdão do Órgão Especial, o qual, repita-se, tem efeito vinculante (aplicação obrigatória) aos casos análogos que vierem a ser julgados pelos órgãos fracionários. Deste modo e por todos os ângulos em que se observe a questão, não há como ser atendido o pedido de declaração de nulidade formulado pelo Apelante. Por fim, e ainda diante de tudo o que se expôs até o momento, é que se pode afirmar que todas as matérias suscitadas no recurso foram objeto de análise e decisão, cabendo mencionar que não está o órgão julgador obrigado a responder a todos os questionamentos levantados pelas partes, bastando decidir de forma fundamentada. Não obstante isso é de se salientar que a presente decisão não implica em qualquer violação ao artigo 24 do Código Nacional de Trânsito e aos artigos 23, XII e 173, § 1º, II da Constituição Federal, eis que, repita-se, trata de simples aplicação obrigatória do entendimento já sufragado pelo Órgão Especial na Ação Direta de
Inconstitucionalidade já mencionada. Por estas razões, voto no sentido de negar provimento ao recurso de apelação interposto por Marcos Venitius de Almeida Muniz, mantendo-se hígida a decisão singular por seus próprios fundamentos. DECISÃO: Acordam os Desembargadores da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em negar provimento ao recurso de apelação interposto por Marcos Venitius de Almeida Muniz, nos termos do voto da Relatora. Participaram da sessão e acompanharam o voto da Relatora as Excelentíssimas Senhoras Desembargadoras REGINA AFONSO PORTES, Presidente, com voto e LÉLIA SAMARDÃ GIACOMET. Curitiba, 14 de fevereiro de 2012. Des.ª MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA Relatora
-- 1 Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. Ed. RT, São Paulo, 2008, págs. 324/325. 2 Idem. Pág. 325. 3 A revelia sob o aspecto da instrumentalidade. Ed. RT, São Paulo: 2003, pág. 105.
-- 4 A ementa do Acórdão é a seguinte: "AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PARTE FINAL DO INCISO XV DO ART. 11 DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE CURITIBA DECRETOS MUNICIPAIS 696/95 E 759/95 1) MUNICÍPIO QUE LEGISLA ACERCA DAS REGRAS DE TRÂNSITO VIOLAÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EXCLUSIVA DA UNIÃO AFRONTA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1º, I, 15 E 16 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL 2)POLICIAMENTO DAS VIAS URBANAS VIOLAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO ESTADO
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DO PARANÁ PARA EXERCER PODER DE POLÍCIA SOBRE O TRÂNSITO ATIVIDADE QUE CABE À POLÍCIA MILITAR AFRONTA AO ART. 48 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL 3) DELEGAÇÃO DE ATIVIDADE TÍPICA DE ESTADO PARA ENTIDADE PRIVADA, IN CASU, A URBS, SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE E DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PARTICULAR AÇÃO JULGADA PROCEDENTE." (TJPR - Órgão Especial - ADI 52764-2 - Curitiba - Rel.: Des. Antônio Martelozzo - Rel.Desig. p/ o Acórdão: Des. Antônio Martelozzo - Por maioria - J. 16.09.2011).
-- 5 LARENZ apud MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade: comentários à Lei n. 9.868, de 10-11-1999. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, págs. 528/529 6 Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, págs. 1.267/1.268.
-- 7 Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 1.271 8 "Art. 272. A decisão declaratória ou denegatória da inconstitucionalidade, se proferida por maioria absoluta, constituirá, para o futuro, decisão de aplicação obrigatória em casos análogos, salvo se algum órgão fracionário, por motivo relevante, entender necessário provocar novo pronunciamento do Órgão Especial sobre a matéria."
-- 9 Referido acórdão, com fundamento na decisão do Órgão Especial, decretou a nulidade dos autos de infração de trânsito e das multas aplicadas pela URBS contra a empresa Esse Brasil Consultoria e Representações Ltda., no período de 2008 a 2009, cuja ementa é a seguinte: APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA - MULTAS DE TRÂNSITO - PODER DE POLÍCIA - URBS - NATUREZA JURÍDICA DE SOCIEDADE DE ECONÔMIA MISTA -
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IMPOSSBILIDADE DE APLICAÇÃO DE ATOS DE SANÇÃO - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE E DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PARTICULAR - AUTOS DE INFRAÇÃO ILEGAIS - DIREITO LÍQUIDO E CERTO VIOLADO - SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Em relação ao Poder de Polícia de Trânsito, somente é possível a delegação dos atos relativos ao consentimento e à fiscalização, uma vez que os referentes à legislação e à sanção, derivam do poder de coerção do Poder Público e por este devem ser exercidos. 2. O exercício dos atos de sanção por particulares poderia, inclusive, aumentar a busca pelo lucro através de aplicação de multas decorrentes de autos de infração (TJPR - Ap. Cível 830182-2 4.ª CCv Rel. Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes julg. 17.01.2012, DJPR 794 de 01.02.2012).
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