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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL N.º 934.028-1, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 3ª. VARA DA FAZENDA PÚBLICA, FALÊNCIAS E RECUPERAÇÃO JUDICIAL APELANTE: ESTADO DO PARANÁ APELADO: MAURÍCIO ROCCO LOEWN RELATOR: DES. ABRAHAM LINCOLN CALIXTO APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO DE OFÍCIO. EXEGESE DO ARTIGO 14, § 1º. DA LEI N.º 12.016/09. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE INVESTIGADOR DA POLICIA CIVIL. PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE ETAPA DO CERTAME EM DIA DE SEMANA DIVERSO DO SÁBADO, EM RAZÃO DO CANDIDATO SER DEVOTO DA RELIGIÃO ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. DIREITO À LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA QUE, VIA DE REGRA, NÃO ASSEGURA O DESCUMPRIMENTO DAS NORMAS EDITALÍCIAS. CONCESSÃO DE NOVA DATA A OUTROS CANDIDATOS PARA REALIZAÇÃO DA PROVA DE APTIDÃO FÍSICA EM DATA DIVERSA DA QUAL HAVIAM SIDO CONVOCADOS INICIALMENTE, SEM APONTAR A JUSTIFICATIVA LEGAL OU JUDICIAL DO NOVO CHAMAMENTO. COLISÃO DOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA ISONOMIA NO CASO CONCRETO. NECESSIDADE DE INVOCAR-SE O PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA OU DA HARMONIZAÇÃO. POSSIBILIDADE DO IMPETRANTE OBTER A RECONVOCAÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DO EXAME INDEPENDENTEMENTE DE MOTIVAÇÃO RELIGIOSA. VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO CARACTERIZADO. SENTENÇA MANTIDA EM GRAU DE REEXAME NECESSÁRIO, CONHECIDO DE OFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível sob n.º 934.028-1, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba 3ª. Vara da Fazenda Pública, Falências e Recuperação Judicial, em que é apelante o ESTADO DO PARANÁ e apelado, MAURÍCIO ROCCO LOEWEN.
I. RELATÓRIO 1. Trata-se de recurso de apelação cível interposto pelo ESTADO DO PARANÁ contra a respeitável sentença (fls. 177/180) que em sede de Mandado de Segurança impetrado por MAURÍCIO ROCCO LOEWEN, concedeu a ordem para determinar que a autoridade coatora designe nova data para o impetrante realizar a terceira e quarta etapa do concurso para o cargo de investigador de polícia, data diferente do período compreendido entre o pôr-do-sol de sexta-feira e o pôr-do-sol de sábado. Pela sucumbência, condenou o Estado do Paraná ao pagamento das custas e despesas processuais, deixando de fixar honorários advocatícios, conforme Súmula n.º 512 do Supremo Tribunal Federal.
2. Através de suas razões recursais, o ESTADO DO PARANÁ pretende a reforma do decisum, alegando que o indeferimento do pedido administrativo para a realização da terceira e quarta fase do concurso fora da data designada ocorreu em observância as regras estabelecidas no edital do certame, na lei e na Constituição federal. .Nesse sentido, sustenta que as normas que norteiam os concursos públicos não podem ter sua aplicação restringida em decorrência de interesses particulares de cada um dos candidatos. Assevera que a convocação de outra candidata para realizar a avaliação em outra data, não gera o direito pretendido pelo impetrante e não legitima a sua justificativa para a ausência na data para o qual foi convocado. Após colacionar precedente jurisprudencial encampando sua tese, propugna o conhecimento e provimento do recurso em seus aspectos abordados. 3. O apelado deixou transcorrer in albis o prazo para apresentar contrarrazões (fls. 193). 4. Regularmente processados, vieram os autos a esta Corte para julgamento. 5. Em parecer exarado às fls. 201/206, a douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso interposto. É o relatório.
II. VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO 1. Presentes os pressupostos de admissibilidade conheço do recurso interposto, assim como recepciono de ofício os autos em reexame necessário, por força do artigo 14, § 1º. da Lei. n.º 12.016/09. 2. Em que pesem os argumentos expendidos pelo apelante, a respeitável decisão guerreada não merece ressalvas. Senão vejamos. 3. A controvérsia recursal cinge-se em verificar se o ato praticado pelas autoridades impetradas, consistente no indeferimento do pedido do impetrante de realizar a terceira e quarta fases do concurso para o cargo de investigador de polícia em dia de semana diferente do sábado, em razão da crença religiosa denominada Adventista do Sétimo Dia, reveste-se ou não de ilegalidade. 4. Como é sabido, em sede de concurso público o edital estabelece os critérios para análise e avaliação dos proponentes. Assim, pelo chamado princípio da vinculação ao instrumento convocatório, impende ressaltar que tanto os candidatos quanto a Administração Pública devem observar, estritamente, às normas e condições previamente definidas no edital, sobre as quais não recai qualquer excepcionalidade. Prefacialmente, sobreleva destacar que é assente nesta egrégia Corte de Justiça que o preceito fundamental insculpido no inciso VI do artigo 5º. da Constituição Federal, referente à liberdade de crença religiosa, via de regra, não assegura ao candidato regularmente inscrito em concurso público o direito de furtar-se ao cumprimento das normas editalícias, pois o direito à crença não pode criar situações que importem em tratamento diferenciado, seja de favoritismo ou de perseguição, em relação
a outros candidatos, máxime em concurso público, o qual está pautado nos princípios da legalidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da igualdade. A propósito, confira-se a decisão emanada deste Colegiado sobre o tema: "APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA, CONCURSO PÚBLICO PARA GUARDA MUNICIPAL. CURSO DE FORMAÇÃO COM AULAS AOS SÁBADOS. CANDIDATO ADVENTISTA. PRETENSÃO DE FREQUENTAR AS AULAS EM DIA DIVERSO DO ANTERIORMENTE FIXADO. IMPOSSIBILIDADE. SENTEÇA QUE JULGOU EXTINTO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO POR INEXISTIR DIREITO LÍQUIDO E CERTO A SER AMAPARADO. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE DEVE SOBREPOR- SE AO DIREITO CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE CRENÇAS. EDITAL DO CONCURSO QUE DEVE OBSERVAR O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DA ISONOMIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO." (Apelação Cível n.º 684.572-3, 4ª. Câmara Cível, Relatora Desembargadora MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA, DJ 22/09/10). Outrossim, tal orientação encontra-se em compasso com o posicionamento adotado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça. "RECURSO ORDINÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO - PROVAS DISCURSIVAS DESIGNADAS PARA O DIA DE SÁBADO - CANDIDATO MEMBRO DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA - PEDIDO ADMINISTRATIVO PARA ALTERAÇÃO DA DATA DA PROVA INDEFERIDO - INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE - NÃO VIOLAÇÃO DO ART. 5º, VI E VII, CR/88 - ISONOMIA E VINCULAÇÃO AO EDITAL - RECURSO DESPROVIDO. 1. O concurso público subordina-se aos princípios da legalidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da isonomia, de modo que todo e qualquer tratamento diferenciado entre os candidatos tem que ter expressa autorização em lei ou no edital. 2. O indeferimento do pedido de realização das provas discursivas, fora da data e horário previamente designados, não contraria o disposto nos incisos VI e VIII, do art. 5º, da CR/88, pois a Administração não pode criar, depois de publicado o edital, critérios de avaliação discriminada, seja de favoritismo ou de perseguição, entre os candidatos. 3. Recurso não provido." (RMS 16.107/PA, 6ª. Turma, Relator Ministro PAULO MEDINA, DJ 01/08/05). "RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. TESTE DE CAPACIDADE FÍSICA. REALIZAÇÃO EM DIA DIVERSO DO PROGRAMADO. LIMINAR DEFERIDA. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA. IMPOSSIBILIDADE. ISONOMIA E VINCULAÇÃO AO EDITAL. RECURSO DESPROVIDO. (...) II - O direito à liberdade de crença, assegurado pela Constituição da República, não pode almejar criar situações que importem tratamento diferenciado - seja de favoritismo seja de perseguição - em relação a outros candidatos de concurso público que não professam a mesma crença religiosa. Precedente. Recurso ordinário desprovido." (RMS 22.825/RO, 5ª. Turma, Relator Ministro FELIX FISCHER, DJ 13/08/07). Todavia, consoante se infere da análise do caderno processual, mesmo existindo expressa vedação no edital inaugural, a Administração Pública concedeu a outros candidatos a oportunidade de realizar a prova de aptidão física em data diferente daquela para a qual haviam sido convocados, sem apontar em alguns casos o motivo justificador do novo chamamento, conforme se denota das convocações promovidas pelos Editais n.ºs 14/10 e 16/10, o qual consta ao lado do nome dos candidatos simplesmente a expressão "não avaliado". Ora, vê-se daí que não é possível precisar com clareza o motivo que ensejou a determinados candidatos constarem em listagem de reconvocação. Essa situação é perceptível em relação à candidata Fabíola da Motta Figueira que foi convocada três vezes para a realização da prova física, inicialmente em 15/05/2010 (fls. 55), e posteriormente em 06/11/2010 (fls.75) e 27/11/2010 (fls. 33), sem qualquer referência se as convocações foram motivadas por ordem judicial. Igualmente, as candidatas Roberta Mayna Arnaez Gimenes e Claudiane de Oliveira foram convocadas mais de uma vez para a realização do teste sem menção de terem sido chamadas por força de ordem judicial, apenas com a situação descrita como "não avaliado", conforme os Editais de n.ºs 006/10 (fls. 42) e 014/10 (fls. 74). À luz de tais considerações, emerge claramente que incumbiria a Administração Pública ter justificado o motivo do chamamento de candidatos para a segunda e terceira chamadas, já que o edital vedava tal conduta. Ocorre que assim não o fez, logo o argumento do apelante de que a convocação de outra candidata para realizar a avaliação em outra data, não gera o
direito pretendido pelo apelado e não legitima a sua justificativa para a ausência na data para o qual foi convocado, não se sustenta. Isso porque, indeferir o pedido do impetrante para a designação de nova data implicaria em violação ao princípio da isonomia, já que a mesma oportunidade foi dada a outros candidatos sem justificativa. Nesse toar, a ponderação das circunstâncias que envolvem o caso concreto, aponta pela necessidade de invocar-se o princípio da harmonização ou da concordância prática, diante da nítida colisão do princípio da legalidade em confronto com o princípio da isonomia. A doutrina pátria, aqui representada por DIRLEY DA CUNHA JUNIOR, ensina que tal princípio é embasado pela "(...) pela ideia de que todos os bens jurídico-constitucionais ostentam igual valor, situação que impede a negação de um em face de outro e vice-versa e impõe limites e condicionamentos recíprocos de modo a alcançar uma harmonização ou concordância prática entre eles." (in CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL, 2ª. ed., p. 218). Desta feita, a considerar que o preceito maior do princípio constitucional da igualdade é vetar qualquer tipo de privilégio ou desfavor a todos que se encontrem em igualdade de condições, sobressai nitidamente que no caso em tela deferir- se ao impetrante a possibilidade de obter a reconvocação para a realização do exame físico, atende aos ditames do princípio da harmonização, eis que o chamamento de diversos candidatos por parte da Administração Pública, como se vê da leitura dos editais citados, não resultou, tão somente, de situações albergadas por decisões judiciais. Daí a necessidade de apreciar o presente caso sob a ótica dos princípios constitucionais invocados, independentemente do posicionamento já consolidado neste Colegiado, quanto a vedação de garantir-se privilégio a candidato por motivação religiosa. Mais uma vez, importante salientar que a peculiaridade da lide reside no fato da Administração Pública ter convocado outros candidatos para a
realização da etapa física, sem ressalvar a justificativa legal que amparava cada um dos candidatos concorrentes no momento do novo chamamento. Ademais, do teor do Edital n.º 06/10 (fls. 42), a realização da terceira e quarta fase do certame foi realizada em diversas datas do mês de maio/2010, não existindo qualquer exclusividade com relação ao dia do sábado, pois há vários grupamentos convocados para a realização do teste de aptidão física durante os dias da semana. Logo, a não realização da prova na data inicialmente designada não trará qualquer beneficio ao impetrante em detrimento aos demais candidatos,nem implicará em prejuízo a Administração Pública. Destarte, é medida de justiça negar provimento ao recurso interposto e confirmar a sentença de primeiro grau em sede de reexame necessário, pautando-se na ilegalidade do ato administrativo que indeferiu o pedido de realização da terceira e quarta etapa do concurso em dia diverso daquela que o impetrante foi convocado, por restar violado direito líquido e certo, diante do tratamento diferenciado conferido a alguns candidatos. 5. Forte em tais argumentos, voto no sentido de negar provimento ao recurso interposto pelo ESTADO DO PARANÁ, confirmando a sentença em sede de reexame necessário, conhecido de ofício.
III. DISPOSITIVO ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento e manter a sentença em reexame necessário conhecido de ofício, nos termos do voto e sua fundamentação.
Participaram do julgamento, as Excelentíssimas Senhoras Desembargadoras REGINA AFONSO PORTES, MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA e LÉLIA SAMARDÃ GIACOMET. Curitiba, 18 de setembro de 2012.
DES. ABRAHAM LINCOLN CALIXTO RELATOR
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