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Acórdão
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REEXAME NECESSÁRIO Nº 963.525-0, DA VARA CÍVEL E ANEXOS DA COMARCA DE JACAREZINHO IMPETRANTE: PEDRO ROBERTO DE LIMA IMPETRADO: DIRETOR DO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO CENTRO DE LETRAS, COMUNICAÇÃO E ARTES DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ, CAMPUS DE JACAREZINHO RELATORA: DESª ÂNGELA KHURY MUNHOZ DA ROCHA MANDADO DE SEGURANÇA. ABONO DE FALTAS. CARACTERÍSTICAS PECULIARES. CABIMENTO. LIMINAR CONCEDIDA. SENTENÇA MANTIDA EM GRAU DE REEXAME NECESSÁRIO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Reexame Necessário nº 963.525-0, em Mandado de Segurança nº 3066.81.2011.8.16.0098 da Vara Cível e Anexos da Comarca de Jacarezinho, em que é impetrante PEDRO ROBERTO DE LIMA e impetrado DIRETOR DO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO CENTRO DE LETRAS, COMUNICAÇÃO E ARTES DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ, CAMPUS DE JACAREZINHO. 1. Pedro Roberto de Lima impetrou Mandado de Segurança nº 3066-81.2011.8.16.0098 contra ato da Diretora do
Centro de Ciências Humanas e da Educação Centro de Letras, Comunicação e Artes da Universidade Estadual do Norte do Paraná, Campus de Jacarezinho. Informou que é aluno regularmente matriculado no 3º ano do curso de Matemática na referida Instituição de Ensino e membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia e, segundo os dogmas pregados, o período compreendido entre o pôr-do-sol de sexta-feira até o pôr-do-sol de sábado deve ser dedicado a atividades assistenciais e/ou voltadas a questões religiosas. A fim de evitar prejuízo acadêmicos, sempre apresentou à direção da Faculdade pedido de dispensa da presença nas aulas de sexta-feira. Afirma que nos anos de 2009 e 2010, conseguiu referida dispensa, mas em 2011, o professor da disciplina de Física Geral e Experimental I lançou 16 (dezesseis) faltas ao impetrante no final do primeiro bimestre, tendo então protocolado em 31 de maio de 2011 novo requerimento perante a Secretaria, buscando a supressão do lançamento das faltas, bem como o abono das já lançadas, ressalvando que se propõe a repor as aulas perdidas. Fundamenta seu pedido no direito constitucional fundamental de que todos tem liberdade de crença (art. 5º incs. VI e VIII da CF) "ninguém deve ser privado de seus direitos por motivo de crença religiosa". Sustenta, ainda, que a Assembleia Legislativa do Estado do Paraná em 1997, por meio da Lei Estadual nº 11.662, tornou obrigatório o abono das faltas de alunos matriculados em instituições de ensino de 1º, 2º e 3º graus, da rede pública ou particular, quando motivados por princípios de consciência religiosa. No entanto, face a inércia da Universidade em dar um retorno, o impetrante protocolou o presente mandado de
segurança buscando a suspensão do lançamento de faltas nas disciplinas de Física Geral e Experimental I e Geometria Espacial, em carácter liminar; o deferimento para assistir as aulas em outro período ou que lhe sejam dadas atividades complementares para compensar as aulas perdidas; a concessão da segurança, com a determinação do abono das faltas já lançadas em relação às aulas ministradas nas sextas-feiras, afim de se evitar sua reprovação. O magistrado deferiu o pedido liminar para autorizar a abstenção no comparecimento às aulas ministradas, provas e quaisquer outras atividades às sextas-feiras, no período noturno de funcionamento da Instituição de ensino, e concedeu, ainda efeito retroativo à medida, para que o impetrante tenhas suas faltas abonadas desde o início. O imperado prestou informações, sustentando que, de fato, houve o pedido administrativo buscando o abono das faltas porém, sem esperar a resposta protocolou a presente medida. Não obstante tenha sido deferida a liminar está providenciado o imediato cumprimento da decisão, com a elaboração de um plano de estudo para o impetrante de forma a compensar o conteúdo perdido.(fls.36/37) O Ministério Público em primeiro grau opinou pela desnecessidade de intervenção. (fls. 44/45) A liminar foi confirmada e a segurança concedida em definitivo (fls. 50/57). Diante do contido no parágrafo 1º, do artigo 14, da Lei 12.016/2009, os autos vieram a este Tribunal. É o relatório.
2. O presente reexame necessário deve ser conhecido, pois amparado no artigo 14, § 1º, da Lei nº 12.016/09, que dispõe, verbis: "Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação. § 1º. Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição." A sentença deve ser confirmada. Pedro Roberto de Lima teve lançadas as faltas a ele imputadas, decorrentes da impossibilidade de frequentar a Universidade às sextas feiras à noite, em razão de sua crença religiosa. O estudante é membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, e está impossibilitado de praticar atividade no período compreendido entre o pôr-do-sol de sexta-feira e o pôr-do-sol de sábado, período que deve ser dedicado às atividades de carácter religioso. Não obstante tivesse a instituição de ensino conhecimento sobre tal fato, inclusive porque em anos anteriores já havia concedido ao impetrante o abono das faltas das aulas ministradas às sextas-feiras à noite, neste ano de 2011 teve o impetrante suas faltas lançadas, podendo ser reprovado nas disciplinas ministradas. A decisão mereceria reforma, se se considerasse que o princípio da liberdade de crença religiosa e o da isonomia estão no mesmo patamar, ambos previstos no artigo 5º da Constituição Federal, o que, a princípio, não autorizaria a concessão de tratamento
diferenciado ao impetrante, privilegiando-o em relação aos demais estudantes. Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; (grifei)
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FACULDADE ESTADUAL COM AULAS ÀS SEXTAS- FEIRAS À NOITE. ALUNA IMPETRANTE QUE PROFESSA O CREDO DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE COMPARECIMENTO ÀS ATIVIDADES ACADÊMICAS. PRETENDIDO ABONO DE FALTAS, MEDIANTE PRESTAÇÃO ALTERNATIVA. SEGURANÇA CONCEDIDA EM PRIMEIRO GRAU, PORÉM COM LIMINAR SUSPENSA ATÉ TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA. APELO DA FACULDADE IMPETRADA. LEI ESTADUAL Nº 11.662/97, EM CONFLITO COM A LEI FEDERAL Nº 9.394/96, QUE DISCIPLINA
AS DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO NORMATIVA DE PRESTAÇÃO ALTERNATIVA, EM CASOS DE FALTA POR CONVICÇÃO RELIGIOSA. NÃO CONFIGURAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA. PRINCÍPIO DA LIBERDADE RELIGIOSA QUE DEVE SER APLICADO DE FORMA RAZOÁVEL, SOB O PENA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, ISONOMIA E IMPESSOALIDADE, BEM COMO VIOLAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA, E DAS NORMAS QUE REGEM A INSTITUIÇÃO. RISCO DE COMPROMETER O FUNCIONAMENTO DA FACULDADE. ALUNA QUE INGRESSA NA INSTITUIÇÃO DE ENSINO CONHECENDO SUAS NORMAS, INCLUSIVE AQUELAS QUE NÃO ATENDEM A SUAS CRENÇAS RELIGIOSAS - IMPOSIÇÃO DE ADAPTAÇÃO QUE NÃO PODE SER APLICADA À FACULDADE. ALUNA QUE DEVE SEGUIR AS NORMAS IMPOSTAS A TODOS OS ALUNOS. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SENTENÇA MODIFICADA. SEGURANÇA DENEGADA. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. REEXAME NECESSÁRIO PREJUDICADO. (TJ/PR 591.093-6, Rel. Marco Antônio Moraes Leite. jul. 13/03/2012).
Ao impetrante caberia adequar os estudos à crença religiosa, até porque quando prestou vestibular e iniciou o curso no período noturno, tinha consciência das dificuldades que enfrentaria, face às limitações impostas pela religião. Os direitos por motivo de crença devem ser vistos com moderação e razoabilidade de modo que não se contraponham aos demais princípios basilares previstos na Carta Constitucional. No entanto, no presente caso, a medida liminarmente concedida deve ser mantida em especial diante da
disponibilidade da impetrada em compensar as faltas e o conteúdo ministrado com a elaboração de plano de estudo esclarecendo que o aluno não sofreria prejuízo. (fls.37) Note-se, ainda, que a liminar foi confirmada e não houve recurso da impetrada. Por fim, a situação está consolidada há mais de ano da interposição do presente mandado de segurança. Neste passo, há que se manter a sentença, em grau de reexame necessário.
Diante do exposto:
ACORDAM os Integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em manter a sentença reexaminada. Participaram da sessão de julgamento e acompanharam o voto da Relatora a Juíza Substituta em 2º Grau ANA LÚCIA LOURENÇO e o Desembargador CARLOS EDUARDO ANDERSEN ESPÍNOLA. Em 20 de novembro de 2012.
Desª ÂNGELA KHURY MUNHOZ DA ROCHA Relatora
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