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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1126367-3, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 20ª VARA CÍVEL. APELANTE : UNIMED CURITIBA SOCIEDADE COOPERATIVA DE MÉDICOS APELADA : MARIA DA GRAÇA BRANCO PATZA. RELATOR : DES. JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAIS LINFOMA DE HODGKIN TRATAMENTO PELA TÉCNICA DE RADIOTERAPIA COM INTENSIDADE MODULADA DO FEIXE OU IMRT NEGATIVA NA LIBERAÇÃO - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DE PROCEDIMENTOS DA ANS - ILEGALIDADE - ROL EXEMPLIFICATIVO - PROCEDIMENTO NÃO EXCLUÍDO EXPRESSAMENTE PELO CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES - INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR - PLANO QUE PREVÊ A COBERTURA PARA O TRATAMENTO DE RADIOTERAPIA - DEVER DE LIBERAÇÃO DO PROCEDIMENTO - EVIDÊNCIA DE TRANSTORNOS PSICOLÓGICOS - AUTORA FRAGILIZADA POR DOENÇA GRAVE - DANO MORAL CONFIGURADO - MANUTENÇÃO DO VALOR FIXADO NA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO POR UNANIMIDADE. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1126367-3, de Curitiba - 20ª Vara Cível, em que é Apelante UNIMED CURITIBA SOCIEDADE COOPERATIVA DE MÉDICOS e Apelada MARIA DA GRAÇA BRANCO PATZA. I - Trata-se de recurso de apelação cível interposto por UNIMED CURITIBA SOCIEDADE COOPERATIVA DE MÉDICOS, em face da sentença
proferida nos autos da ação nº 25356-56.2012.8.16.0001, em que o MM Juízo "a quo", julgou procedentes os pedidos formulados pela autora Maria da Graça Branco Patza para o fim de: a) determinar que a ré Unimed Curitiba promova o tratamento da autora referente à Radioterapia com Intensidade Modulada do Feixe ou IMRT; b) condenar a ré Unimed Curitiba ao pagamento de indenização por danos morais sofridos pela autora, no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) corrigidos monetariamente desde a sentença (Súmula 362 do STJ) e com juros de mora de 1% ao mês desde a negativa (Súmula 54 do STJ). Pelo princípio da sucumbência condenar ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação. UNIMED Curitiba, inconformada, recorreu alegando, em síntese, que a negativa baseia-se no fato de que Radioterapia pretendida não está prevista no Rol de Procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar ANS, Rol este que elenca os procedimentos que às operadoras de planos de saúde são obrigadas a custear. Salienta que o artigo 10 da Lei 9656/98 traz consigo uma série de limitações de atendimentos, pois o parágrafo 4º do referido artigo estabelece que ANS regulamentará a amplitude de cobertura dos procedimentos de alta complexidade. Ressalta que a negativa baseou-se no contrato e na própria Lei, pois se não está no Rol a Operadora não precisa custear. Afirma que o conteúdo deste dispositivo contratual é discutível, e mereceu a interpretação de órgão do Poder Judiciário, hipóteses em que se reconhece a inexistência de danos morais. Pugna pelo provimento do recurso (fls. 176/183). Contrarrazões pela autora (fls. 188/200). É a breve exposição. II - 1 - O recurso preenche seus requisitos de admissibilidade, assim, merece conhecimento. 2 - Extrai-se dos autos que a Senhora Maria da Graça Branco Patza ajuizou ação de obrigação de fazer em face da Unimed Curitiba, relatando para tanto que possui contrato de prestação de serviços médico-hospitalar com a
ré. Que é portadora de Linfoma de Hodgkin, necessitando de tratamento por meio de Radioterapia, sendo-lhe prescrita a técnica Radioterapia com Intensidade Modulada do Feixe ou IMRT. Contudo, ao solicitar a liberação para inicio do tratamento foi-lhe negado pela ré. A exclusão da cobertura é a própria discórdia entre as partes, reclamada pela enferma ao Judiciário por meio da presente ação. É cediço que ao firmar contrato de seguro-saúde, o consumidor tem como objetivo resguardar à garantia, de que no futuro, quando necessitar, será concedida a cobertura das despesas relativas ao tratamento adequado de determinada patologia. Até porque, o objetivo primordial do contrato de seguro de assistência médico-hospitalar é o de garantir a saúde do segurado contra evento futuro e incerto. Ressalte-se, em primeiro lugar, que, em casos envolvendo contratos de adesão e de prestação de serviços de plano de saúde, em que o usuário/cooperado figura como destinatário final, é amplamente aplicável o Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente no que diz respeito ao disposto no art. 47, in verbis: "As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor". Ademais, é preciso observar que o objeto ou a finalidade do contrato de prestação de serviços médicos é a saúde do consumidor. Do escólio da professora Cláudia Lima Marques extrai- se que: "Nesse sentido, a relação contratual básica do plano de saúde é uma obrigação de resultado, um serviço que deve possuir a qualidade e a adequação imposta pela nova doutrina contratual. É obrigação de resultado porque o que se espera do segurador ou prestador é um 'fato', um 'ato' preciso, um prestar serviços médicos, um reembolsar quantias, um fornecer exames, alimentação, medicamentos, um resultado independente dos 'esforços' (diligentes ou não) para obter os atos e fatos contratualmente esperados." (in Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 4ª ed., RT, São Paulo: 2004, p. 414).
Nos fatos ora submetidos à apreciação, observa-se que essas garantias não foram respeitadas, já que a exclusão ao tratamento prescrito por médico limita o direito da proteção da saúde da usuária do plano de assistência médico-hospitalar. A questão foi muito bem abordada pela ilustre Magistrada sentenciante, Doutora CAMILE SANTOS DE SOUZA SIQUEIRA, nos seguintes termos: "A autora está acometida de enfermidade de linfoma de Hodgkin, conforme relatório médico de fl. 71. Extrai-se deste mesmo documento que a autora recebeu como tratamento em 2009 procedimento de radioterapia. Logo, denota-se a existência de cobertura de radioterapia. Entretanto, em decorrência de novos sinais de atividade da doença, o profissional devidamente habilitado prescreveu como tratamento as técnicas de IMRT. A requerida por sua vez, sustenta que o plano da autora não possui cobertura, eis que o procedimento solicitado não está elencado no rol de procedimentos mínios junto a ANS. (...) Extrai-se do contrato entabulado pelas partes à fl. 46, na cláusula 35ª, VI, no que concerne a cobertura dos procedimentos considerados especiais, na alínea "c" é cediço à autora a realização de radioterapia ambulatorial. Destaca-se a existência de alguns exemplos de radioterapia, seguido da expressão "etc". Assim sendo, a requerida não deliberou quais as modalidades de radioterapia especificamente seria cobertas. Ao contrário, expressão "etc" demonstra que o rol é apenas exemplificativo." (fl. 160). A requerida se negou a liberar o procedimento sob o argumento de ausência de cobertura, já que não consta no rol de Procedimentos editado pela Agência Nacional de Saúde ANS. Entretanto, insta registrar que o principal objetivo da ANS é
o de conferir máxima proteção à saúde. Portanto, seria incoerente invocar a própria ANS para abstenção de liberação de exame indispensável para o tratamento prescrito. Além disso, a Resolução da ANS estabelece uma relação meramente exemplificativa, com os atendimentos mínimos aos usuários de plano de saúde privado, como referência para que as operadoras de plano de saúde elaborem sua própria lista, não impedindo, por certo, o oferecimento de coberturas mais amplas. Analisando o contrato entabulado entre as partes (fls. 47, 49 e 50/51) é possível verificar que não consta cláusula expressa de exclusão do tratamento solicitado e, como o contrato deve ser analisado à luz do Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (art. 47 do CDC). Portanto, era dever do apelante a liberação do procedimento solicitado. Neste sentido é a jurisprudência desta Corte: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. PLANO DE SAÚDE. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. EXAME "PET CT SCAN". NEGATIVA DE COBERTURA. PREVISÃO NO ROL DE PROCEDIMENTOS DA ANS. AUSÊNCIA DE EXCLUSÃO EXPRESSA E DESTACADA NO CONTRATO. COBERTURA DEVIDA. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1. São aplicadas as regras protetivas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde. 2. É devida a cobertura de procedimento que não contenha exclusão expressa e destacada no contrato, ainda que não esteja previsto no rol da ANS, que constitui mera referência dos procedimentos básicos de cobertura. 3. (...) APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (TJPR - 10ª C.Cível - AC 855776-0 - Cascavel - Rel.: Nilson Mizuta - Unânime - J. 03.05.2012) A pretensão da autora/apelada merece total procedência, como bem decidido em primeiro grau. No tocante aos danos morais, pondera-se que, normalmente,
nos contratos, o mero inadimplemento não implica necessariamente em danos morais. Contudo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem admitindo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura de seguro saúde, pois é inevitável admitir que a recusa injustificada agrava a situação de aflição psicológica e de angústia do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico em decorrência da saúde debilitada. Portanto, não há como negar que a indevida negativa do plano de saúde causa inúmeros transtornos de ordem moral a autora. Na definição de René Savatier, dano moral "é qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc" (Traité de La Responsibilité Civile, vol. II, nº 525, in DA SILVA PEREIRA, Caio Mario. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1989). Desta feita, o indevido inadimplemento contratual por parte do plano de saúde, ensejou dissabor, angústia, aflição e abalo psicológico na autora, no momento em que se encontrava mais fragilizada pelo grave estado de saúde que lhe acometia. Ainda mais no caso dos autos, em que a doença que acometeu a segurada (câncer), por si só, já é grave o suficiente para provocar alterações psicológicas e sofrimento. Esta Corte de Justiça vem, reiteradamente, acatando a condenação em danos morais em julgamento de casos semelhantes aos dos autos, senão vejamos: "RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONEXÃO. LEGITIMIDADE DA USUÁRIA PARA DISCUSSÃO DA VALIDADE DE CLÁUSULAS DE PLANO DE SAÚDE COLETIVO. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE
COBERTURA DE EXAME PET-SCAN ONCOLÓGICO. ILEGALIDADE. DANO MORAL CARACTERIZADO. INDENIZAÇÃO. PRIMEIRA APELAÇÃO PROVIDA. SEGUNDA APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJPR - 10ª C.Cível - AC 886102-3 - Maringá - Rel.: Albino Jacomel Guerios - Unânime - J. 24.05.2012) Assim, configurado o dever de indenizar, resta se alcançar o quantum indenizatório. E, consideradas as peculiaridades do caso em tela, isto é, que atende às condições da apelante, do ofendido e do bem jurídico lesado, assim como à intensidade e duração do sofrimento, e à reprovação da conduta do agressor, não se olvidando, ainda, que o ressarcimento da lesão ao patrimônio moral deve ser suficiente para recompor os prejuízos suportados, sem importar em enriquecimento sem causa da vítima, entende-se que o patamar fixado de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) deve ser mantido. Em conclusão, voto no sentido de negar provimento ao presente recurso de apelação cível. Ante ao exposto, ACORDAM os Senhores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o voto do eminente Desembargador Relator, o Exmo. Des. Sérgio Roberto N Rolanski e o Exmo. Juiz Substituto em 2º Grau Marco Antônio Massaneiro. Curitiba, 24 de outubro de 2013. Des. JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO Presidente e Relator
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