Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.Recomenda-se acessar o PDF assinado.
Apelação Cível nº 1255999-2, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, 1ª Vara da Fazenda Pública. Apelante: Estado do Paraná. Apelado: Sérgio Maciel de Matos. Relator: Des. Luiz Mateus de Lima. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA O CARGO DE POLICIAL MILITAR. DESCLASSIFICAÇÃO NA FASE DE AVALIAÇÃO SOCIAL. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE IDONEIDADE MORAL E SOCIAL COMPATÍVEL COM A FUNÇÃO QUE NÃO SE MOSTRA DESARRAZOADA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SENTENÇA REFORMADA INTEGRALMENTE. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. Por mais que o apelado aduza que não possui qualquer anotação com trânsito em julgado de sentença condenatória, argumentando que a manutenção da desclassificação no certame acabaria por violar o Princípio da Presunção da Inocência, tal desclassificação não se afigura ilegal, tampouco, desarrazoada, vez que é cabível à Administração Pública estabelecer critérios e regras, visando selecionar os candidatos melhor preparados, bem como com comprovada idoneidade moral e social para o exercício do cargo de policial militar. O ato administrativo que entendeu pela eliminação do apelado não é ilegal e, tampouco, desarrazoado, vez que a conduta social por ele apresentada não se mostra condizente com a postura moral e social que se espera de um policial militar. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1255999-2, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, 1ª Vara da Fazenda Publica, em que é apelante Estado do Paraná e apelado Sérgio Maciel de Matos. Sérgio Maciel de Matos impetrou mandado de segurança em face do Presidente da Comissão de Concurso da Polícia Militar do Estado do Paraná, alegando que: (a) participou do concurso público para a Polícia Militar do Paraná, regulamentado pelo Edital nº 1107/2012; (b) foi excluído do certame na última fase, qual seja, de investigação social; (c) a comissão fundamentou a contraindicação no fato de o impetrante ter um processo em andamento contra sua pessoa; (d) tal desclassificação viola o Princípio da Presunção da Inocência, haja vista que não houve condenação transitada em julgado; (e) em momento algum omitiu a informação de que estaria respondendo a
processo criminal. Assim, requereu o deferimento da liminar e, ao final, a concessão em definitivo da segurança. A liminar postulada foi deferida nos termos do despacho de fls. 28/29. Foram prestadas informações às fls. 60/91. Sobreveio a r. sentença (fls. 115/118), tendo a Doutora Juíza concedido a segurança, a fim de incluir o impetrante na lista final do concurso como aprovado, considerada a sua classificação nas fases anteriores do concurso. Por fim, condenou o impetrado ao pagamento das custas processuais e deixou de condená-lo ao pagamento de honorários advocatícios (Súmulas nºs 512, STF e 105, STJ). Inconformado com a r. decisão, o Estado do Paraná interpôs recurso de apelação (fls. 131/136), alegando, em síntese, que: (a) é requisito para o cargo de soldado da polícia militar a comprovada moralidade; (b) o subitem 5.2.1 do Edital nº 61/2009 estabelece como condição para ingresso na Polícia Militar que o candidato não se encontre denunciado em processo criminal pela prática de crime de natureza dolosa e nem possua antecedentes criminais ou policiais incompatíveis com a carreira militar; (c) o requisito previsto no edital não se confunde com os institutos da primariedade e de antecedentes criminais; (d) o apelado possui indicações contra a sua pessoa que representam conduta diversa a esperada e exigida para o cargo que visa ocupar; (e) "(...) Destaque-se que apesar de o Apelado estar ciente de todas as normas de ingresso do edital do concurso público para a PMPR, por ocasião do
preenchimento do Formulário de Dados Biográficos, negou a existência de seus antecedentes criminais, possivelmente acreditando que sua negativa seria suficiente para que a Administração Militar Estadual procedesse a inclusão em seus quadros. (...)" (fl. 135) Foram apresentadas contrarrazões às fls. 167/173. A Douta Procuradoria Geral de Justiça emitiu parecer (fls. 11/15), subscrito pelo Procurador de Justiça, Doutor Colmar José Ribeiro Campos, manifestou-se pelo desprovimento do recurso de apelação. É o relatório. II VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO. Presentes os pressupostos recursais de admissibilidade, conheço do recurso de apelação e lhe dou provimento. Da análise do caderno processual, verifica- se que o apelado efetuou concurso público para Policial Militar (Edital nº 1107/2012), tendo sido aprovado nas três primeiras fases e desclassificado na última fase, pela Comissão de Pesquisa Social, por violação ao disposto no item 11, subitens `b', `h' e `n', do edital (fl. 95). Para o correto deslinde do feito, faz-se necessária a análise do que dispõe a legislação da Polícia Militar, bem como o edital de regulamentação do concurso, a
respeito dos requisitos/condições exigidos dos candidatos para o ingresso na carreira. A Lei Estadual nº 1.943/54, que trata do Código da Polícia Militar do Estado do Paraná, assim dispõe a respeito dos requisitos básicos para o ingresso na carreira de policial militar. É o que se verifica do artigo 21, verbis: "Art. 21 São condições para ingresso: (...) II como soldado: (...) d) ter comprovada moralidade;"
Como se observa do próprio edital que regeu o concurso (Edital nº 1107/2012), este também previu em seu Anexo VIII os procedimentos da fase de Pesquisa Social e Documental: "1. A Pesquisa Social, de caráter eliminatório, será realizada pelo órgão de Inteligência da PMPR, cujo resultado será avaliado por subcomissão designada pela Diretoria de Pessoal da PMPR e composta, preferencialmente por membros integrantes da 2ª Seção do Estado-Maior da PMPR, a fim de verificar todos os aspectos da vida pregressa e atual do candidato, quer seja social, moral, profissional, escolar, e demais aspectos de vida em sociedade, bem como, a existência de antecedentes de caráter policial ou criminal que contraindiquem os candidatos, dada a natureza e o grau de responsabilidades inerentes ao cargo militar estadual e ao exercício das funções institucionais, impedindo que pessoa com situação incompatível ingresse na Instituição. 2. A investigação social pauta-se nos valores morais e éticos imprescindíveis ao exercício da profissão policial-militar, cujas atividades visam a realização do bem comum, tais como patriotismos, o civismo, a hierarquia, a disciplina, o profissionalismo, a lealdade, a constância, a verdade real, a honra, a dignidade humana, a honestidade e a coragem.
(...) 7. A Pesquisa Social compreenderá o preenchimento de questionário, a verificação de ambiência doméstica e comportamento social, entrevistas e pedidos de informação, podendo se estender inclusive ao período de formação. 8. As diligências destinam-se a verificar in loco se o comportamento, de um modo geral, bem como se a conduta social do candidato, não contrariam: a) os requisitos estabelecidos neste Edital para ingresso na PMPR; b) as obrigações e deveres inerentes ao futuro militar estadual, de acordo com o previsto na Lei Estadual nº 1.943, de 23/06/1954 - Código da Polícia Militar do Paraná; c) a conduta dos futuros militares não divergem dos valores e deveres militares previstos no Decreto nº 5.075, de 28/12/98 Código de Ética da PMPR. (...) 11. A Pesquisa Social será realizada em caráter sigiloso de tal forma que identifique condutas inadequadas e reprováveis do candidato, nos mais diversos aspectos da vida em sociedade, tais como: a) toxicômanos; b) pessoas com antecedentes criminais incompatíveis com o exercício da função, registros policiais nas condições de averiguado em crime, contravenção penal ou qualquer ato reprovável; c) indiciado em inquérito policial, ter sido beneficiado pela suspensão condicional de processo ou suspensão condicional de pena, ou respondendo ação penal ou a procedimento administrativo disciplinar; d) traficantes; e) alcoolistas; f) procurados pela justiça; g) aqueles que possuem registros funcionais desabonadores em seus locais de trabalho; h) violentos e agressivos; i) inadimplentes e/ou desonestos em compromissos financeiros; j) possuidores de certificados escolares inidôneos ou inválidos e não reconhecidos pelo Ministério da Educação ou órgão Estadual de educação; l) desajustados no serviço militar obrigatório; m) candidatos que possuam relação de convivência e/ou conivência com pessoas de notórios e desabonadores antecedentes criminais; n) pessoas contumazes em infringir o Código de Trânsito Brasileiro, que sejam autuadas ou vistas
cometendo infrações, tipificadas como crime, que coloquem em risco a integridade física ou a vida de outrem; o) não ter sido arrolado como autor em Termo Circunstanciado de Infração Penal pelos crimes previstos nos art. 329 (resistência), 330 (desobediência) e 331 (desacato) do Código Penal Brasileiro, praticadas contra autoridades policiais. p) outras que a Subcomissão de Pesquisa Social julgar pertinente; (...)"
Por sua vez, infere-se dos documentos carreados aos autos, que o apelado possui contra si a ocorrência relativa à ação penal nº 2012.0003044-3, tendo sido denunciado pelos delitos previstos no artigo 129 e 140 Código Penal (fls. 17/18). Nesse contexto, a comissão do concurso apresentou como motivação da contraindicação (fl. 99), verbis: "O candidato foi contraindicado com fulcro nos itens 11 letras `b', `h' e `n' do Anexo VIII do Edital 1.107/2012, regulador do certame, porque pesa em seu desfavor a existência da ação penal nº 00184100820128160021 da 4ª Vara Criminal de Cascavel, cujo boletim de ocorrência de nº 2012/399062, oriunda da 15ª Subdivisão de Delegacia de Polícia, em infração ao artigo 129 e 140 do CPB, onde em data de 05/05/12, o candidato veio a desentender-se com sua ex-esposa, vindo injuriá-la e atingi-la com seu veículo. 11-b) Pessoas com antecedentes criminais incompatíveis com o exercício da função, contravenção penal ou qualquer outro ato reprovável 11-h) Violentos e agressivos
11-n) Infringir o Código de Trânsito Brasileiro, cometem infrações tipificadas como crime, que coloque em risco a integridade física ou a vida. (...)"
Dessa forma, por mais que o apelado aduza que não possui qualquer anotação com trânsito em julgado de sentença condenatória, argumentando que a manutenção da desclassificação no certame acabaria por violar o Princípio da Presunção da Inocência, tal desclassificação não se afigura ilegal, tampouco, desarrazoada, vez que é cabível à Administração Pública estabelecer critérios e regras, visando selecionar os candidatos melhor preparados, bem como com comprovada idoneidade moral e social para o exercício do cargo de policial militar. Ora, não me parece razoável conceder a segurança, permitindo o ingresso na carreira de candidato acusado de injúria e lesão corporal quando, na verdade, o que se espera de um policial é justamente a confiança de que este agirá dentro dos padrões da moralidade e da ética. Assim, a desclassificação do candidato não é desarrazoada, tanto diante da boa reputação moral que se exige de um policial militar, quanto das tarefas desempenhadas pelo cargo, o qual visa prevenir e reprimir ilícitos penais. Neste sentido, tem-se o seguinte entendimento jurisprudencial:
"1) DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.AGRAVO DE INSTRUMENTO. CURSO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS DA PMPR. EXAME SOCIAL. DESCLASSIFICAÇÃO DO CANDIDATO. ANTECEDENTE POLICIAL. CONTRAINDICAÇÃO DO CANDIDATO. a) Para o ingresso no Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Paraná, é razoável que se exija do candidato conduta moral ilibada, dada a peculiaridade da função a ser desempenhada. b) O Edital do Concurso Público nº 588/2001 exigia do candidato a inexistência de antecedentes criminais ou policiais incompatíveis com a carreira militar, o que, a primeira vista, não fora atendido pelo candidato. c) No caso dos autos, o candidato possui passagem policial por associação ao tráfico de entorpecentes, o que o contraindica, ao menos em primeira análise, ao exercício da função de Oficial da Polícia Militar. 2) AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGA PROVIMENTO." (TJPR, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Leonel Cunha, Ai nº 937940-4, DJ 06/03/2013) 1) DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INVESTIGADOR DA POLÍCIA CIVIL. REPUTAÇÃO ILIBADA. EXCLUSÃO DO CANDIDATO, NA FASE DE "INVESTIGAÇÃO DE CONDUTA". COMPORTAMENTO SOCIAL E CARACTERÍSTICAS PESSOAIS INADEQUADOS, APURADOS EM DILIGÊNCIAS DA CORREGEDORIA GERAL DA POLÍCIA CIVIL. INDICIAMENTO DO CANDIDATO POR FURTO DE VEÍCULO. IRRELEVÂNCIA PARA A EXCLUSÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NÃO CARACTERIZADO. a) A "investigação social" e a exigência de boa conduta dos candidatos ao ingresso em cargos ou empregos públicos atende ao princípio constitucional da moralidade e, no caso de candidatos ao ingresso na carreira Policial Civil no Estado do Paraná, estão positivadas nos artigos 14, 18, 19, § 1º, 25 e 210, XVIII da Lei Complementar nº 14/82- Estatuto da Polícia Civil. b) O objetivo da "investigação de conduta" é aferir a existência, ou não, de "bons antecedentes" (lato senso), e busca informar se o candidato merece, ou não, a confiança da sociedade e da Administração Pública, como possível futuro ocupante de cargo ou emprego públicos. c) O princípio constitucional da presunção da inocência (ou da não culpabilidade), por sua vez, tem o objetivo de evitar, como regra
geral, a antecipação de sanções ou de restrições a direitos do réu, efeitos típicos e próprios de sentença condenatória transitada em julgado; assim, o ambiente de aplicação do princípio da presunção de inocência é o da lide estabelecida em procedimento administrativo ou judicial, que vise impor sanção ou restringir direitos do acusado. d) A exclusão de candidato de concurso público não se equipara a "sanção", nem possui ele direito à aprovação em todas as etapas do certame, o que está condicionado ao preenchimento de requisitos previstos no Edital e na legislação de regência. e) Se, a partir das diligências realizadas pela Corregedoria Geral da Polícia Civil, restou evidenciado para a Comissão do Concurso o comportamento social inadequado do Candidato ("truculento", "dissimulado", "irresponsável", "mal intencionado", "inconsequente" e "inconveniente ao extremo", segundo os autos), não há que se falar em afronta ao princípio da presunção de inocência, porque seu indiciamento pelo crime de furto de veículo não foi, de fato, o determinante para sua exclusão do certame. 2) APELO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. REEXAME NECESSÁRIO PREJUDICADO." (TJPR, Câmara Cível, Rel. Des. Leonel Cunha, Ap e Rn nº 902762-1, DJ 25/07/2012) Assim sendo, entendo que o ato administrativo que entendeu pela eliminação do apelado não é ilegal e, tampouco, desarrazoado, vez que a conduta social por ele apresentada não se mostra condizente com a postura moral e social que se espera de um policial militar. Portanto, conheço do presente recurso e lhe dou provimento, a fim de denegar a segurança. Custas pelo impetrante (observado o artigo 12 da Lei nº 1.060/50). Sem honorários advocatícios (Súmulas nºs 105 do STJ e 512 do STF).
III DECISÃO. Diante do exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso de apelação e lhe dar provimento, nos termos do voto. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Carlos Mansur Arida (presidente, sem voto), Luiz Mateus de Lima, Adalberto Jorge Xisto Pereira e o Juiz Substituto em 2º Grau Edison de Oliveira Macedo Filho. Curitiba, 14 de outubro de 2014.
LUIZ MATEUS DE LIMA
Desembargador Relator
|