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Certificado digitalmente por: GUILHERME FREIRE DE BARROS TEIXEIRA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.469.711-1, DA 2ª VARA CÍVEL E DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CIANORTE APELANTE 1 : JOSÉ DENILSON DOS SANTOS APELANTE 2 : FERREIRA E GOMES LTDA. (AUTO POSTO AMAZONAS) REC. ADESIVO : MATEUS DA SILVA TINTI (REPRESENTADO) APELADOS : OUTROS RELATOR : DES. GUILHERME FREIRE TEIXEIRA RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. I - PRELIMINAR DE DECISÃO ULTRA PETITA. NÃO ACOLHIMENTO. ADEQUAÇÃO DA SENTENÇA AOS LIMITES TRAÇADOS NA INICIAL. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. II - OFENSAS À HONRA. CONDUTA DE FRENTISTA DE POSTO DE GASOLINA QUE, EM TOM JOCOSO, REFERE- SE A ADOLESCENTE DE 12 ANOS POR TERMOS IMPRÓPRIOS, COMO "GORDINHO" E "FREE WILLY". III BULLYING. NÃO CARACTERIZAÇÃO. FATO ISOLADO. INEXISTÊNCIA DE REITERAÇÃO DA CONDUTA. INTIMIDAÇÃO SISTEMÁTICA NÃO CARACTERIZADA. IV - CONDUTA PASSÍVEL DE CARACTERIZAR AGRAVO MORAL. IDADE DO AUTOR QUE O TORNA MAIS SUSCETÍVEL À OFENSA DA HONRA SUBJETIVA. V - PEDIDO DE MAJORAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO NÃO ACOLHIDO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 1.469.711-1 APELAÇÕES CÍVEIS 1 E 2 E RECURSO ADESIVO 1 CONHECIDOS E DESPROVIDOS. RECURSO ADESIVO 2 NÃO CONHECIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.469.711-1, da 2ª Vara Cível e da Fazenda Pública do Foro Central de Cianorte, em que são apelantes JOSÉ DENILSON DOS SANTOS (1), FERREIRA E GOMES LTDA. (AUTO POSTO AMAZONAS) (2) e Recorrente Adesivo MATEUS DA SILVA TINTI (representado). 1. RELATÓRIO. Tratam os autos de Apelações Cíveis e Recurso Adesivo interpostos por José Denílson dos Santos (1), Ferreira e Gomes Ltda. (2) e Mateus da Silva Tinti contra a sentença (Mov. 127.1) que, nos autos de Ação de Indenização por Danos Morais n.º 2222-53.2013.8.16.0069, julgou procedente o pedido inicial e condenou os Réus, de forma solidária, ao pagamento de indenização em favor do Autor no montante de R$ 8.000,00 (oito mil reais), que deverão ser atualizados pela média dos índices INPC/IGP-DI, desde a data do arbitramento, e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, contados do evento danoso. Em razão da sucumbência, condenou os Réus ao pagamento das custas e honorários em favor da parte contrária, estes fixados em 15% sobre o valor da condenação. Os embargos de declaração opostos pela empresa Ré (Mov. 139.1) foram rejeitados (Mov. 143.1). O Réu José Denílson dos Santos interpôs recurso de Apelação Cível (Mov. 141.1). Alega que não restou configurada a prática de bullying, pois não houve atitude intencional e repetitiva de intimidação ou ultraje ao Autor. Informa que apenas utilizou o termo "gordinho" e que isso não enseja dano moral a ser reparado.
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Defende, ainda, que não ficou comprovada pelas provas documentais ou testemunhais a ocorrência de danos psicológicos, bem como não há prova do nexo causal entre a conduta do Apelante e os alegados danos. Comprovado o preparo na Mov. 141.2, o recurso foi recebido em ambos os efeitos na mesma decisão que rejeitou os embargos de declaração (Mov. 143.1). A Ré Ferreira e Gomes Ltda., que opera sob o nome Auto Posto Amazonas, também apresentou recurso de Apelação (Mov. 153.1). Aduz, preliminarmente, que a sentença atacada é ultra petita, pois afastou a ocorrência de bullying e condenou os Réus ao pagamento de danos morais decorrentes das ofensas verbais proferidas. Contudo, teria o Autor limitado o pedido à reparação dos danos decorrentes da prática de bullying, motivo pelo qual a sentença desatende a regra da congruência, violando os artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil/1973. Assevera, ainda, que a decisão atacada não possui lastro em provas, que as testemunhas e informantes confirmaram que o fato se deu em tom de brincadeira e que não houve reiteração da conduta. Aduz que o comportamento de seu preposto apenas correspondeu à brincadeira iniciada pelos colegas do Autor que estavam na Van, de forma que não houve leviandade ou agressividade. Ressalta não estar cabalmente demonstrada a ocorrência do dano ou do nexo causal e haver exageros e invenções nos fatos relatados na inicial. Preparo recursal na Mov. 153.2. O Autor valeu-se do recurso na modalidade adesiva, o qual foi repetido nas Mov. 164.1 e 176.1. Pretende, em suma, a majoração do valor da indenização arbitrado na origem e enfatiza, para tanto, que as ofensas foram dirigidas para um menino de 12 anos fazendo referência à sua condição física. Alega que o fato prejudicou o convívio social do Autor e contribuiu para sua reprovação escolar naquele ano. Aponta a existência de diretriz constitucional de proteção à criança e adolescente como razão para justificar a majoração da indenização, o que também propiciará um melhor atendimento ao caráter punitivo e compensatório do
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dano. A Apelação interposta por Ferreira e Gomes Ltda. e o Recurso Adesivo foram recebidos na Mov. 167.1, em ambos os efeitos. O Autor apresentou contrarrazões nas Mov. 163.1 e 175.1, a Ré Ferreira e Gomes Ltda. na Mov. 177.1 e o Réu José Denílson dos Santos na Mov. 192.1. O membro do Ministério Público com atribuições em segundo grau emitiu parecer de mérito às fls. 13/22 TJ, através do qual pugnou pelo desprovimento dos recursos, mantendo o valor da condenação imposto pela sentença. Vieram os autos conclusos. Em síntese, é o relatório. 2. FUNDAMENTAÇÃO. Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, conheço os recursos, à exceção do recurso adesivo de Mov. 176.1, que não deve ser conhecido em razão do princípio da unirrecorribilidade recursal. Não há, todavia, qualquer prejuízo ao Autor, que apenas repetiu o recurso interposto na Mov. 164.1, com plena identidade entre as razões de ambos. Por haver pontos em comum, passo à análise dos recursos de forma conjunta. Tratam os autos de Apelações Cíveis e Recurso Adesivo interpostos contra a sentença que julgou procedente o pedido inicial, condenando os Réus de forma solidária a indenizar o Autor pelas ofensas rogadas pelo primeiro Réu. O Autor ajuizou a ação em desfavor de José Denilson dos Santos e Ferreira e Gomes Ltda. (Auto Posto Amazonas), em razão de ofensas proferidas pelo primeiro Requerido, preposto da pessoa jurídica. Segundo relata a inicial, no dia 13.08.2012, o Autor estava no posto de gasolina em razão do abastecimento da van de transporte escolar que o transportava, quando o primeiro Requerido passou a lhe ofender a honra com alusão 4
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pejorativa à sua condição física, chamando-o de "gordinho" e "free willy" e dizendo que o mesmo "deveria ir a pé para o colégio, para emagrecer". Constou na sentença (Mov. 127.1) Assim, no caso dos autos não deve ser reconhecida a prática do bullying, haja vista que, conforme a prova testemunhal produzida e afirmações do próprio autor em sua exordial, não houve reiteração da prática ilícita prolongada no tempo, tendo o fato ocorrido apenas uma única vez. Destarte, deve ser afastada a ocorrência de bullying. Contudo, em que pese não ter ocorrido o bullying, houve ofensas verbais proferidas pelo primeiro requerido em face do autor, as quais levaram em consideração as características físicas deste. Analisando as provas produzidas nos autos, verifica-se que o primeiro requerido, em seu depoimento prestado em Juízo, confessou ter chamado o autor de "gordinho", mas que esta atitude teve apenas o objetivo de descontração e não de ofender o adolescente. Outrossim, negou tê-lo chamado de `Free Willy.' (...) Assim, pelo conjunto probatório dos autos não há dúvidas quanto às ofensas verbais proferidas pelo primeiro requerido em face do autor, bastando apenas averiguar se este fato é caracterizador de dano moral indenizável. (...) Portanto, embora não tenha caracterizado a prática de bullying, a conduta do agente em proferir ofensas, xingamentos e chacotas atinentes às características físicas do autor, é grave e ultrapassa a seara do mero dissabor cotidiano, causando danos a honra e a dignidade do adolescente, que deve ser coibida e reparada."
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Preliminar de sentença Ultra Petita A Ré Ferreira e Gomes Ltda., em seu Apelo (Mov. 153.1), alega que a sentença é ultra petita, pois teria afastado a ocorrência de bullying e julgado procedente o pedido em razão das ofensas proferidas pelo primeiro Réu. Contudo, teria o próprio Autor limitado a causa de pedir à ocorrência do bullying, de modo que não poderia a sentença ter arbitrado indenização por ato/fato diverso. Entendo que a hipótese não configura violação ao princípio da adstrição, como reclamado pela Apelante, pois não houve limitação do pedido de indenização à prática do bullying. Sobre o tema, lecionam Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira: "(a) na decisão ultra petita, o magistrado analisa o pedido da parte ou os fatos essenciais debatidos nos autos, mas vai além deles, concedendo um provimento ou um bem da vida não pleiteado, ou ainda analisando outros fatos, também essenciais, não postos pelas partes;"1 No caso, a decisão vergastada não extrapola os limites da lide, eis que não condenou os réus em pedido diverso daquele formulado pelo Autor nem analisou fatos não descritos ou não relatados na inicial. Veja-se que o demandante não restringiu seu pedido à tutela indenizatória por bullying, mas formulou pedido de reparação por danos morais nos seguintes termos: "Seja JULGADA PROCEDENTE a presente ação a fim de condenar as requeridas a indenizarem solidariamente o Requerente em Danos Morais, indenização esta que deve ser arbitrada por Vossa
1 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela. 4 ed. Bahia: Editora JusPodivm, 2009. p. 312. 6
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Excelência, em grau máximo, tendo-se em base o tratado neste petitório;" O fato de ter o Autor fundamentado a causa de pedir na prática de bullying não pode ser utilizado como único fundamento para afastar o dever de reparação, pois há pleno ajuste entre os fatos e a causa de pedir descritos na peça preambular ao conteúdo decisório da sentença. Logo, não há julgamento ultra petita ou violação aos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil/1973, então vigentes. Neste sentido, veja-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: (...) 6. Na aplicação do direito à espécie, o magistrado deve decidir os pontos controversos nos limites das balizas prescritas pelo autor, atendo-se aos requerimentos ao final postulados sem, contudo, abster-se da interpretação lógico-sistemática das questões desenvolvidas pela parte ao longo da petição inicial. 7. Nos termos do princípio jura novit curia - segundo o qual, diante dos fatos da causa, compete ao juiz dizer o direito -, a mera adoção de fundamento legal diverso do invocado pela parte demandante não importa em julgamento extra petita. (...) (REsp 1208207/RN, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/03/2015, DJe 27/03/2015) (grifei) Aliás, é certo que a inicial deve ser examinada de forma global, extraindo-se de todo o contexto da narrativa o bem da vida pretendido e os fatos que embasam o pedido. Com efeito, estabelece o Novo Código de Processo Civil que, "A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé" (art. 322, §2º, do NCPC).
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Logo, havendo pedido expresso de indenização por danos morais, não há que se falar em decisão ultra petita, sendo incabível o acolhimento do pleito recursal de declaração de nulidade da sentença. Da responsabilidade Primeiramente, há que se considerar que a prática do bullying foi afastada pela sentença, que reconheceu a existência de ofensa moral apta a ensejar o dever de reparação, independentemente da caracterização do bullying. Desta forma, não haveria interesse recursal na parte dos apelos que pretendem afastar esta prática. De qualquer modo, a fim de melhor elucidar o julgado, consigno que o bullying, palavra de origem inglesa, refere-se a atos de violência física ou psicológica que são praticados por uma pessoa ou grupo de pessoas contra alguém em posição de inferioridade. O termo abrange diversas condutas, como intimidar, humilhar, caçoar, assediar, insultar, ameaçar, zombar etc. Em razão da crescente verificação da prática e seus efeitos deletérios ao meio social, o legislador pátrio instituiu, através da Lei n.º 13.185/2015, o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). Rege o artigo 1º do referido diploma que bullying é "todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas". Neste contexto, casos em que não se observa a intimidação sistemática, com a prática intencional e repetida destes atos, não podem ser classificados como bullying, o que em nenhum momento autoriza a prática isolada de condutas que afrontem direitos da personalidade de terceiros. Na hipótese em apreço, há confissão do primeiro Réu de que chamou o Autor de "gordinho", divergindo as testemunhas quanto à existência de demais ofensas.
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Conforme informações veiculadas na exordial, corroboradas pelos depoimentos prestados no Termo Circunstanciado de Mov. 1.6/1.7 e pelas oitivas em juízo de testemunhas arroladas pela parte Autora (Mov. 114), o primeiro Réu teria dito ao Autor que, por ser "gordinho", deveria ir à escola a pé, pois precisava emagrecer, despedindo-se com a expressão "Tchau Free Willy", sempre em alusão à condição física do menor. Este fato foi confirmado em juízo pela testemunha José Domingos Patriarcha, motorista da Van Escolar que fazia o transporte do Autor, e pelo informante Higor Patriarcha (mov. 114.3), que também estava na Van no momento do fato. A despeito de as testemunhas João Ademar Lazaro e Antonio Carlos Ferreti terem afirmado que presenciaram o fato e que tudo não passou de uma brincadeira entre o frentista e as crianças que estavam na Van, os depoimentos devem ser lidos com ressalva, pois as testemunhas são colegas de profissão do primeiro Réu e funcionários da segunda Ré. Aliás, mesmo que as testemunhas de defesa estivessem no pátio do posto de gasolina no momento dos fatos, dificilmente teriam ouvido com muita clareza os diálogos das partes, pois usualmente cada frentista é responsável pelo abastecimento de um carro, ficando os demais incumbidos do atendimento aos clientes em outras bombas de combustível. Desta forma, diante do acervo probatório construído nos autos, imperiosa a observância do artigo 333 do Código de Processo Civil/1973 (reproduzido pelo art. 373 do CPC/2015), segundo o qual: Art. 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Isso porque,
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[...] persistindo dúvida invencível, como ao juiz não é dado não julgar a causa, devendo dar ao caso a solução, ainda que as provas não tenham sido suficientes ao esclarecimento perfeito do caso, perguntar-se-á à qual das partes incumbia fazer a prova. Se era do autor o ônus, e este não o fez, a solução será o julgamento de improcedência. Em contrapartida, se cabia ao réu, e este não atingiu seu mister, a procedência será de rigor. (TEIXEIRA, Guilherme Freire de Barros. Direito processual civil. 1ª edição. Juruá: 2010, p. 249). Cumpria aos Réus, portanto, desconstituir a versão dos fatos trazidas pela inicial, porém, deixaram de atender a regra do artigo 333, inciso II, do Código Processo Civil. Em paralelo, consigno que a responsabilidade civil subjetiva exige, para sua configuração, um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária, um elemento subjetivo, que pode ser dolo ou culpa, e, ainda, um elemento causal-material, qual seja, o dano e a respectiva relação de causalidade. Bastante didática, neste ponto, a lição do Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, que leciona: "Portanto, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar, consoante o art. 927 do Código Civil. Por violação de direito, deve-se entender todo e qualquer direito subjetivo, não só os relativos, os que se fazem mais presentes no campo da responsabilidade contratual, como também e principalmente os absolutos, reais e personalíssimos, nestes incluídos o direito à vida, à saúde, à liberdade, à honra, à intimidade, ao nome e à imagem". (Programa de responsabilidade civil. 11. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014, pg. 33)
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A despeito da argumentação lançada pelos Réus em seus Apelos, entendo presentes, no caso dos autos, os elementos ensejadores da responsabilidade civil. A Constituição Federal garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, e assegura o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (artigo 5º, inciso X). No presente caso, interessa a inviolabilidade da honra. Segundo José Afonso da Silva, a "honra é o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação. É direito da pessoa resguardar essas qualidades" (in Curso de direito constitucional positivo. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 191). Trata-se de conceito extremamente eivado de subjetivismo, delimitável apenas pelo seu titular. Isso porque: [...] a honra, e, portanto, o direito à honra, mudam de pessoa para pessoa e no tempo. A honra só pode ser percebida pelo homem de forma isolada, e de acordo com as experiências que teve no decorrer de sua vida. A honra concebida por um determinado indivíduo é diferente da honra concebida por seus semelhantes porque é simplesmente impossível que tais experiências tenham sido idênticas entre dois indivíduos, ainda que vivam numa mesma sociedade, com valores parecidos a serem defendidos. [...] Desta forma, variando o conceito de direito à honra no tempo, no espaço, de pessoa para pessoa, e, por fim, nas diferentes fases da vida de uma pessoa, o conceito de honra se torna modificável e sem a estabilidade que é característica em outros direitos. [...] Sendo cada ser humano único em virtude de milhares de experiências que teve durante a vida e que colaboram para a formação de sua personalidade, é fácil perceber que as concepções de honra mudam de indivíduo para indivíduo. O que é desonra para um, pode ser honra para outro. (CRAVEIRO, Renato de Souza Marques. O direito à honra post mortem e sua tutela. Dissertação de mestrado apresentada ao
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Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito de São Paulo. São Paulo, 2012, pp. 103/105). Portanto, sendo a honra entendida e construída de forma diferente para cada pessoa, a ocorrência de dano moral depende da percepção individual da suposta vítima. Pois bem, entendo que a conduta adotada pelo primeiro Requerido não pode ser considerada mera brincadeira ou chacota tolerável, pois, mediante qualquer análise que se faça, conclui-se que ultrapassa o limite da liberdade entre estranhos e infringe um padrão de cortesia que se pode esperar no trato das relações interpessoais, em especial entre profissionais e clientes, como é o caso do abastecimento da van. A hipótese também não é de simples desconforto ou aborrecimento inerente ao cotidiano. Igualmente, não se pode invocar proteção à conduta através do direito à liberdade de expressão e pensamento, pois não vejo como sustentar o direito à crítica se a ideia exposta viola direitos subjetivos de terceiros e não contribui de qualquer forma para a disseminação de informação relevante. Claro é que a liberdade de manifestação de pensamento, como todo e qualquer direito fundamental, também não é absoluta, tendo em vista a diversidade de opiniões, assim: O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. [...] As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte) (HC 82424, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2003, DJ 19-03-2004 PP-00017 EMENT VOL-02144-03 PP-00524).
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Portanto, essa garantia constitucional encontra no direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem um de seus limites, de tal forma que, quando exercida de maneira a ultrapassar essas barreiras, resultará na obrigação de reparar o dano causado ao que se julgar prejudicado. No feito em análise, aliás, saltam aos olhos as peculiares condições da vítima das ofensas. O Autor é adolescente, possuía apenas 12 anos na data do fato e estava na companhia de seus colegas de colégio que eram transportadas pela mesma van. Estas circunstâncias, estando o Autor em fase de formação do caráter e desenvolvimento intelectual, conjugadas com as demais peculiaridades do fato, trazem à tona o dever de reparação civil por violação da honra subjetiva. Também o fato de a conduta ofensiva ter sido tomada diante de vários colegas do Autor enseja a violação da honra objetiva. Friso ser irrelevante a existência ou não da intenção de ofender, pois o animus da conduta, por mais que possa servir para o balizamento do valor da indenização, não afasta o direito da vítima de ter seu pedido acolhido no caso de grave ofensa à honra. Diante disso, conjugados os elementos de prova trazidos aos autos com os fatores aqui expostos, não há que se falar no acolhimento das insurgências recursais dos Réus. Do valor da indenização O Autor apresentou recurso adesivo (Mov. 164.1) pretendendo a majoração do valor da indenização, que foi fixado na sentença em R$ 8.000,00 (oito mil reais). Sobre a fixação do valor da indenização, a doutrina esclarece que: [...] o dano que se prefere denominar extrapatrimonial consubstancia vulneração a direitos da personalidade e reclama fixação 13
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indenizatória que represente uma compensação à vítima, da mesma maneira que, simultaneamente, deve representar um desestímulo ao ofensor, ainda que, no caso concreto, se pondere o grau de culpabilidade do agente, se afinal não se arbitra o quantum indenizatório pela extensão de um prejuízo que não é materialmente mensurável. (PELUSO. Cezar. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 6ª ed. Barueri: Manole, 2012, p. 950). Igualmente, a jurisprudência aponta que: CIVIL. DANO MORAL. QUANTIFICAÇÃO. [...] Para se estipular o valor do dano moral devem ser consideradas as condições pessoais dos envolvidos, evitando-se que sejam desbordados os limites dos bons princípios e da igualdade que regem as relações de direito, para que não importe em um prêmio indevido ao ofendido, indo muito além da recompensa ao desconforto, ao desagrado, aos efeitos do gravame suportado. Recurso parcialmente conhecido e nessa parte provido. (REsp 214.053/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2000, DJ 19/03/2001, p. 113) Portanto, na fixação do quantum indenizatório, é necessário respeitar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, as condições pessoais e econômicas dos envolvidos, bem como a gravidade e extensão do dano, a fim de evitar o enriquecimento indevido daquele que pleiteia a indenização. Importante também acentuar que o valor arbitrado a título de indenização deve possuir tanto caráter compensatório como punitivo. Compensatório porque, ainda que não seja capaz de restabelecer o status quo ante, pode proporcionar à parte certo conforto material no sentido de lhe minorar o sofrimento. Punitivo ou educativo porque a condenação objetiva coibir condutas semelhantes, desestimulando assim a repetição do dano. Diante destas premissas, entendo que o valor da indenização não comporta alteração.
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Isto porque, não obstante tenha sido relevante a ofensa, não ficaram cabalmente demonstrados o prejuízo ao convívio social ou a piora no desempenho escolar alegados no recurso. As testemunhas apenas afirmam que o Autor faltou por dois dias as aulas, porém, não ficaram comprovadas a necessidade de acompanhamento psicológico posterior ao fato ou alteração comportamental do menor. Em arremate, a condição do Autor como pessoa em desenvolvimento e a diretriz constitucional da absoluta prioridade (art. 227 da CF) já foram devidamente consideradas pelo magistrado a quo na fixação do valor arbitrado em sentença. 3. CONCLUSÃO. Do exposto, voto pelo não conhecimento do Recurso Adesivo 2 e pelo conhecimento e desprovimento dos recursos de Apelações Cíveis 1 e 2 e do Recurso Adesivo 1, mantendo a sentença proferida na origem. 4. DECISÃO.
ACORDAM os integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em não conhecer o Recurso Adesivo 2 e em conhecer e negar provimento às Apelações Cíveis 1 e 2 e ao Recurso Adesivo 1, nos termos da fundamentação. Participaram da sessão e acompanharam o voto do Relator os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Ângela Khury (Presidente) e Luiz Lopes. Curitiba, 19 de maio de 2016. GUILHERME FREIRE TEIXEIRA Desembargador Relator
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