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Acórdão
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Certificado digitalmente por: CARLOS HENRIQUE LICHESKI KLEIN AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.599.842-2, DO FORO REGIONAL DE ARAUCÁRIA, COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 2ª VARA CÍVEL E DA FAZENDA PÚBLICA AGRAVANTE: LUIZ AUGUSTO BORKOWSKI AGRAVADO: BRF S/A RELATOR: JUIZ SUBST. 2º GRAU CARLOS HENRIQUE LICHESKI KLEIN (EM SUBST. AO DES. CARGO VAGO EDUARDO FAGUNDES) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. ROL TAXATIVO. ART. 1.015, I, CPC/15. HIPÓTESE CABÍVEL. CAMPANHA PUBLICITÁRIA EM REDE NACIONAL. PRODUTO CONCORRENTE, AO QUAL É ATRIBUÍDA QUALIDADE INFERIOR. HOMÔNIMO AO AUTOR. SUPOSTA RIDICULARIZAÇÃO DO NOME DO MENOR IMPÚBERE. OCORRÊNCIA BULLYING EM AMBIENTE ESCOLAR DEVIDO À PROPAGANDA. PROBABILIDADE DO DIREITO PLEITEADO E RISCO DE DANO IRREVERSÍVEL NÃO CONFIGURADOS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. SUPOSTA OFENSA NÃO FOI DIRIGIDA DIRETAMENTE AO AUTOR. ABALO OU DANO MORAL, EM PRINCÍPIO, NÃO CONFIGURADOS. MERO DISSABOR. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. PRESERVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO INTELECTUAL, ARTÍSTICA, CIENTÍFICA E DE COMUNICAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E, NO MÉRITO, DESPROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento, em trâmite perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Araucária sob nº 1.599.842-2, em que é agravante LUIZ AUGUSTO BORKOWSKI, e agravado BRF S/A. I- RELATÓRIO
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por LUIZ AUGUSTO BORKOWSKI, em face de decisão interlocutória que, em Ação de Indenização por Danos Morais, indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela, por entender que o uso do nome próprio "Luiz(s) Augusto" em propaganda veiculada pela requerida não demonstrava, ao menos naquele momento, a evidência do direito, tampouco a depreciação e ofensa ao nome do requerente (fls. 80/81).
Inconformado, alega o agravante, em breve síntese, que: a) resta demonstrado que vem sofrendo bullying na escola em razão da forma pejorativa com que seu nome é tratado em propaganda da empresa ré, bem como que sua vida se tornou tormentosa e insuportável após a veiculação da publicidade nas emissoras de televisão; b) antes de praticar o ato ilícito e arbitrário, a requerida não considerou os danos que seriam causados aos indivíduos denominados "Luiz(s) Augusto", sobretudo nos ambientes escolares; c) não há dúvida sobre a probabilidade do direito alegado, uma vez que mesmo formalizadas reclamações junto à equipe pedagógica da escola e tendo esta empreendido todos os esforços possíveis para repreender a conduta dos ofensores, o adolescente segue sendo alvo de chacotas e humilhações; d) é também evidente o perigo de dano psicológico irreparável ou de difícil reparação caso a empresa ré não seja imediatamente compelida a retirar a propaganda do ar; e) ademais, inexiste perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
Pugna, ao final, pela antecipação da tutela recursal para que seja ordenado à agravada que, no prazo de 48 horas, suspenda a veiculação e promova a retirada de suas propagandas relacionadas ao nome "Luiz(s) Augusto" de todos os meios de comunicação do país, sob pena de aplicação de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). No mérito, requer que seja conhecido e provido o presente agravo, nos termos da fundamentação.
Comunicado o juiz da causa para, querendo, prestar informações que julgasse pertinentes, este não se manifestou.
Devidamente intimado, o recorrido apresentou contrarrazões às fls. 121-128/TJ.
Manifestação da douta Procuradoria, no sentido de que se dê provimento ao recurso de agravo (fls. 137-139/TJ), ao argumento central de que deve prevalecer a proteção do nome e da honra do incapaz.
Voltaram-me conclusos.
É o que de relevante tinha a relatar.
II- VOTO E FUNDAMENTAÇÃO
Embora dispensado de juntar as peças obrigatórias contempladas no art. 1.017, I, do CPC/15, tendo em conta que os autos do processo são eletrônicos (§5º do mesmo artigo), o agravante as trouxe às fls. 44/45 (procuração), 20/43 (petição inicial e, consequentemente, a que ensejou a decisão agravada), 80/81 (decisão agravada) e 85 (certidão da intimação). Ausentes a procuração da agravada e a contestação por ainda não terem sido apresentadas perante o juízo singular.
Dispensado o preparo recursal por ser o agravante beneficiário da justiça gratuita.
O recurso é tempestivo.
Por se tratar o conteúdo da decisão agravada de tutela provisória, estando, portanto, elencado no rol previsto no art. 1.015 (1.015, I), conheço do presente agravo de instrumento.
Da Tutela Provisória
O novel Código de Processo Civil possibilita a
antecipação dos efeitos da tutela fundada em urgência, em caráter antecedente ou incidental, ou em evidência. In casu, trata-se de tutela antecipada em caráter de urgência que, para ser concedida, de acordo com o art. 300 do CPC/15, necessita da existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. A medida, ainda, deve ser reversível (art. 300, §3º).
No que concerne à probabilidade do direito, Daniel Mitidieiro1 leciona que:
A probabilidade que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a probabilidade lógica que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder `tutela provisória'.
E, sobre o perigo de dano e o risco ao resultado útil do processo, afirma André Luiz Bäuml Tesser2 que:
(...) O Código de Processo Civil de 2015 positivou dois "perigos" que podem dar fundamento à concessão da tutela de urgência. São eles: o perigo de dano e o risco ao resultado útil do processo. Ambas as expressões, em verdade, representam igual fenômeno, qual seja, os males que o tempo pode trazer para o processo ou para o direito nele postulado. Na verdade, a nova legislação processual civil não reconhece a existência de dois tipos de perigo específicos que podem incidir e demandar provimentos urgentes: o perigo de dano e o perigo de demora. Ao unificar essas expressões, parece que se pretendeu
1 MITIDIEIRO, Daniel. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim [et. al.], coordenadores. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 782. 2 TESSER, André Luiz Bäuml. In: Código de processo civil comentado. Coordenação geral
de José Sebastião Fagundes Cunha. São Paulo: RT, 2016. p. 537.
estabelecer que tanto o risco de dano quanto o de demora são situações que não merecem distinção, ao menos para os fins legislativos.
In casu, com a vênia devida ao entendimento da parte da douta Procuradoria, não vislumbro a presença dos requisitos que autorizam a antecipação da tutela recursal, senão vejamos.
Da análise do CD-R anexado à fl. 93, verifico que a empresa agravada veiculou propaganda em que ressalta as qualidades de presunto por ela comercializado em detrimento de outro, denominado "Luiz(s) Augusto".
Ao comparar os produtos, a empresa afirma, por exemplo, que o presunto Sadia está "sempre fresquinho", ao passo que o presunto "Luiz(s) Augusto" está parado no estabelecimento "há um tempão", tendo um aspecto "feio". E, ressaltando a superioridade de seu produto, que é feito "com carnes nobres e cozido a vapor", adverte: "não leve Luiz(s) Augusto por Sadia, presunto é Sadia".
O fato de a empresa agravada ter utilizado um nome próprio qualquer para se referir a produto concorrente, ao qual, por óbvio, não seria de esperar que fossem atribuídas características positivas superiores, com o claro objetivo de demonstrar sua superioridade em relação àquele, não permite afirmar que a propaganda atinge diretamente a honra, a imagem ou mesmo o nome do agravante, causando-lhe danos morais.
Em que pese o nome, assim como a imagem e, de modo geral, a vida privada do indivíduo recebam proteção constitucional (art. 5º, V e X da CF) e infraconstitucional (art. 11 e seguintes do CC e outros), não se pode olvidar que também a liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação foi consagrada como direito fundamental (art. 5º, IX da CF), preocupando-se o constituinte, inclusive, em traçar diretrizes básicas acerca da comunicação social (art. 220 e seguintes da CF). Assim, havendo conflito entre estes interesses, pertencentes a mesma categoria, caberá ao Poder Judiciário "sopesar, no caso concreto, o grau de realização do interesse lesivo com o grau de sacrifício do interesse lesado. Trata-se, em outras palavras, de verificar se, naquelas condições concretas, o grau de realização do interesse lesivo justifica o grau de afetação do interesse lesado3".
Vale dizer: ainda que os direitos da personalidade tenham o status de direitos fundamentais, não podem ser considerados absolutos quando confrontados com outras garantias fundamentais, uma vez que, abstratamente, todos os interesses elencados no art. 5º da Carta Magna possuem idêntica relevância.
Nessa linha, não há como afirmar, ao menos a priori, que qualquer contrariedade relacionada aos direitos personalíssimos basta para a configuração do dano moral. Tal como nas demais hipóteses, é necessária a efetiva ofensa à dignidade humana para sua caracterização.
Sobre o assunto, afirma Sérgio Cavalieri Filho4 que:
(...) só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento, ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando- lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem- estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de 3SCHEREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2011. p. 109-110. 4CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 93.
indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. (Grifo nosso)
A par dessas premissas, oportuno lembrar que quanto ao direito personalíssimo de preservação da imagem, embora o Superior Tribunal de Justiça tenha estabelecido que a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais prescinda de prova do prejuízo, também consolidou o entendimento de que o conteúdo exibido deve ser capaz de distinguir e individualizar a pessoa para que enseje o ressarcimento por danos morais5.
No caso em apreço, não obstante o prenome do autor que, diga-se, também pertence a outros milhares de indivíduos tenha sido utilizado em referência a presunto velho e feio, o comercial publicitário não alude de maneira específica ao requerente, tampouco contém elementos capazes de individualizá- lo, como, por exemplo, seu nome completo, endereço, imagem, etc.
A propósito, inevitavelmente são utilizados prenomes e sobrenomes comuns para denominar os mais diversos personagens de obras fictícias (filmes, novelas, músicas, livros, etc.), tenham eles ou não conotações/características pejorativas, sem que isso caracterize afronta a todos os indivíduos que, coincidentemente, portem a mesma denominação. Admitir o contrário seria inviabilizar a atividade artística que, como já mencionado, tem sua liberdade assegurada constitucionalmente.
Acerca do tema, reporto a julgado deste Tribunal de Justiça que, a contrário senso, manteve o reconhecimento dos danos morais diante de reportagem que satirizava o nome da apelada e continha elementos suficientes para sua identificação, causando-lhe, por si só, humilhação e constrangimento:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS
5Vide AgRg nos EREsp 1235926/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/10/2013, DJe 21/11/2013 e REsp 794.586/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 15/03/2012, DJe 21/03/2012.
MORAIS - RESPONSABILIDADE CIVIL - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - INSURGÊNCIA DOS REQUERIDOS - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO, POR SE TRATAR DE EXERCÍCIO REGULAR DA ATIVIDADE DE IMPRENSA - NÃO OCORRÊNCIA - ANTINOMIA JURÍDICA IMPRÓPRIA - ENFRENTAMENTO DO DIREITO À LIBERDADE DE IMPRENSA COM OS DIREITOS DE PERSONALIDADE - NÃO HÁ PRECEITO CONSTITUCIONAL ABSOLUTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO, DEVENDO SE VERIFICAR CASO A CASO QUAL DEVERÁ PREVALECER - POSSIBILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO SUPRIMIR TEXTO JORNALÍSTICO QUE CONSTITUI ATO ILÍCITO E ATENTÓRIO AO DIREITO À HONRA, INTIMIDADE, PERSONALIDADE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DO CIDADÃO - ART. 5º, INC. XXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - "A LEI NÃO EXCLUIRÁ DA APRECIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO LESÃO OU AMEAÇA A DIREITO" - TEXTO QUE ULTRAPASSA OS LIMITES DO CONSIDERADO ACEITÁVEL PELOS PADRÕES DO HOMEM MÉDIO (CHAMADO TAMBÉM DE "HOMEM STANDART" PELO STF) AO EXPOR AO RIDÍCULO O NOME CIVIL DA APELADA, FAZENDO LIGAÇÃO INDECOROSA DO SEU SOBRENOME À EXPRESSÃO COLOQUIAL RUDE QUE POPULARMENTE DEMONSTRA DESPREZO, DESVALORIZAÇÃO E REPULSA - INDIVIDUALIZAÇÃO COM PRENOME E SOBRENOME, ALÉM DE LOCAL DE RESIDÊNCIA E ENDEREÇO PROFISSIONAL A EXCLUIR A POSSIBILIDADE DE TRATAR-SE DE HOMÔNIMO - SENTENÇA QUE ULTRAPASSA OS LIMITES DA LIDE AO ENGLOBAR O PARÁGRAFO NA ÍNTEGRA - SUPRESSÃO APENAS DO TEXTO QUE FAZ REFERÊNCIA À PARTE AUTORA, CONFORME PEDIDO DEDUZIDO NA INICIAL - DANOS MORAIS - OCORRÊNCIA - DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO - SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA E MUITO O MERO ABORRECIMENTO A QUE TODOS ESTAMOS SUJEITOS POR CONVIVER EM SOCIEDADE - AUTORA QUE FOI ALVO DE CHACOTA DESPREZÍVEL EM JORNAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO E ABRANGÊNCIA NACIONAL - INDENIZAÇÃO EM R$ 15.000,00 - VALOR ARBITRADO PELO JUÍZO DE ORIGEM QUE NÃO COMPORTA REDUÇÃO, EM ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE - SENTENÇA PARCIALMENTE
REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 8ª C.Cível - AC - 1388704-6 - Curitiba - Rel.: Themis Furquim Cortes - Unânime - - J. 18.02.2016) (grifo nosso)
Como se vê, ao avesso da matéria analisada no precedente, o comercial em questão não se refere especificamente ao autor. Além disso, não parece ter a intenção de desqualificar todo e qualquer "Luiz(s) Augusto", tampouco de incentivar a discriminação de pessoas com esse nome. Quis a empresa, obviamente, ressaltar as qualidades de seu produto em relação aos demais disponíveis no mercado, escolhendo um nome qualquer para, simplesmente, reforçar a relação de intimidade entre o presunto "velho e feio" e o atendente, por sua longa permanência no estabelecimento comercial.
Aliás, a propaganda foi alvo de reclamações ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária CONAR, sendo que em 08/09/2016 a 2ª Câmara decidiu, por unanimidade de votos, pelo arquivamento da Representação nº 186/16, intitulada "Presunto Sadia Não leve Luis Augusto por Sadia", conforme notícia veiculada no site do órgão6.
Em que pese a decisão ainda não tenha sido publicada, presume-se que não foram apuradas violações ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que, dentre outros princípios, prevê a respeitabilidade e a proteção da intimidade, além da responsabilidade publicitária na formação das crianças e jovens.
Diante disso, ainda que se possa discutir eventual mau gosto na atribuição de nome próprio a um presunto, o cunho irreverente da campanha publicitária, por si só, não é suficiente para demonstrar a prática de ato ilícito pela empresa agravada, observadas as limitações constitucionais à liberdade de comunicação social e o conceito de ato ilícito adotado pelo Código Civil (arts. 186 e seguintes). 6 http://www.conar.org.br/
Por fim, nem mesmo o argumento do agravante de que iniciou acompanhamento psicológico após sofrer ofensas por parte de seus colegas de escola justifica, neste momento, a concessão da tutela de urgência.
De fato, consta nos autos declaração de psicólogo (fl. 60), segundo a qual o agravante foi submetido a consulta em virtude de bullying sofrido no ambiente escolar, bem como atas da escola (fls. 58/60), nas quais foram registradas as queixas do autor acerca do comportamento das demais crianças, tendo a equipe pedagógica recomendado aos estudantes que parassem com os apelidos e aconselhado o autor a levar as brincadeiras na esportiva, já que, como se sabe, quanto mais aparente o incômodo com as provocações, maior a chance de continuarem.
No entanto, das informações trazidas pelo recorrente é possível inferir que os dissabores têm sido causados por atitudes de terceiros, ou seja, a campanha publicitária individualmente considerada, não ocasionou qualquer abalo moral ao adolescente.
Ausente, em princípio, o nexo específico de causalidade entre o comercial publicitário e o tratamento psicológico.
No mesmo sentido foi o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em caso semelhante, senão vejamos:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO RETIDO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PRENOME DO AUTOR UTILIZADO EM CAMPANHA PUBLICITÁRIA. 1. O apelo não deve ser conhecido quanto ao pedido de apreciação do agravo retido, pois não foi interposto tal recurso nos autos. 2. Rejeitada a preliminar de nulidade da sentença, pois ainda que de forma sucinta, o MM Juízo a quo apreciou o conjunto probatório dos autos com a devida fundamentação. 3. Mantida a sentença que julgou improcedente o pedido de danos morais,
pois embora o prenome "Bráulio" tenha sido utilizado em campanha publicitária como sinônimo do órgão sexual masculino, não há como dizer que tal atitude tenha ferido a dignidade do autor, já que a campanha ficou poucos dias no ar e, por si só, não causou danos ao recorrente. 4. As demais peças trazidas aos autos não estão relacionadas à referida campanha, foram elaborados por terceiros, de forma que desfeito, quanto a elas, o nexo causal necessário ao reconhecimento da responsabilidade civil objetiva. 5. Não-conhecido do agravo retido. Rejeitada a preliminar de nulidade da sentença. No mérito, improvido o recurso. (TRF4, AC 2001.04.01.057010-3, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, DJ 07/11/2001) (grifo nosso)
Reforço que, in casu, a propaganda não incentiva qualquer atitude discriminatória com relação às pessoas denominadas "Luiz(s) Augusto", tampouco induz à ideia de que a qualidade inferior do presunto está relacionada ao nome que lhe foi dado.
Se, do contrário, em alguma medida o conteúdo da campanha publicitária fosse discriminatório ou ofensivo, ou mesmo instigasse práticas vexatórias ou inferiorizantes em relação a qualquer pessoa ou grupo de pessoas, haveria razões suficientes para inibir, desde logo, a propaganda.
Que fique claro que não se pretende menosprezar atos de violência física ou psicológica intencionais e repetidos, sobretudo em ambientes escolares. Todavia, ainda que se admitisse, a priori, que as importunações causadas ao autor ofendam sua dignidade, faltam elementos para afirmar que o comercial de televisão é, de fato, o responsável pela conduta inadequada de seus colegas e, consequentemente, pelo alegado abalo moral.
Vale acrescentar que, na faixa etária do requerente, em que a compreensão da realidade aflora com mais vigor, é necessário enfrentar os dramas/dificuldades de todos os seres humanos, a perda de entes queridos, as dificuldades na
relação com os colegas, o acolhimento no grupo, eventuais frustrações amorosas, etc., pois é esse enfrentamento que nos prepara para a vida.
Como diz a poeta: "viver é este momento: a única possibilidade de fuga é o enfrentamento."7
Assim sendo, e diante do sopesamento dos princípios constitucionais no caso concreto, não vislumbro a presença dos requisitos necessários para a concessão da tutela de urgência.
Isto posto, ante fundamentação supra, VOTO no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso de Agravo de Instrumento.
É como voto.
III DECISÃO
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer o recurso e, no mérito, negar-lhe provimento, nos termos do voto acima relatado.
O julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Desembargador GUILHERME FREIRE DE BARROS TEIXEIRA, sem voto e participaram da sessão de julgamento acompanhando o voto do Relator o Exmo. Des. LUIZ LOPES e Desa. ÂNGELA KHURY.
Curitiba, 25 de maio de 2017 CARLOS HENRIQUE LICHESKI KLEIN Juiz de Direito Subst. em 2º Grau Relator (vap)
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