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Acórdão
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CORREIÇÃO PARCIAL Nº 101717-6, DE CURITIBA, VARA DA AUDITORIA DA JUSTIÇA MILITAR. REQUERENTE - LUIZ FERNANDO DE LARA REQUERIDO - JUIZ DE DIREITO DA VARA DA AUDITORIA DA JUSTIÇA MILITAR RELATOR - DES. TELMO CHEREM
JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL CONSELHO ESPECIAL COMPOSIÇÃO. O art. 19, §3º, c, da Lei Federal nº 8.457/92, não contempla hipóteses de impedimentos para a composição de Conselho Especial da Justiça Militar, mas apenas prescrição às autoridades militares para que os oficiais nele mencionados sejam, em razão de funções que exercem e no interesse da administração militar, excluídos da lista a ser trimestralmente encaminhada à Justiça Castrense. Por outro lado, sua aplicação à Justiça Militar Estadual inviabilizaria, dado o reduzido número de oficiais-coronéis em serviço ativo na Polícia Militar do Estado, a formação de Conselho Especial para o julgamento de oficial do mesmo posto.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de CORREIÇÃO PARCIAL Nº 101717-6, DE CURITIBA, VARA DA AUDITORIA MILITAR, em que é REQUERENTE: LUIZ FERNANDO DE LARA e REQUERIDO: JUIZ DE DIREITO DA VARA DA AUDITORIA DA JUSTIÇA MILITAR.
1. Luiz Fernando de Lara manejou correição parcial em face da decisão do Dr. Juiz Auditor da Justiça Militar Estadual que, nos autos do processo crime nº 30/2000, designou sorteio para nova composição do Conselho Especial de Justiça Militar já constituído para o julgamento do feito, suscitando, preliminarmente, a nulidade do pronunciamento por falta de fundamentação, visto não ter explicitado qualquer motivo pelo qual acolheu os argumentos do Ministério Público e rejeitou os da defesa. No mérito, alegou conter o "decisum" erro manifesto e abuso de poder, ocasionando inversão tumultuária do processo, posto que, "desde a instalação da Justiça Militar no Paraná até hoje, todos os Conselhos Especiais foram constituídos por oficiais-coronéis da ativa, ainda que exercentes das funções, ou em outra condição, dentre as enumeradas no §3º, alíneas a usque f do art. 19 da Lei nº 8.457/92". Argumentou, ainda, não haver impedimento ou suspeição de qualquer dos oficiais-coronéis integrantes do Conselho Especial já formado, não bastando para configurar suspeição as referências do Ministério Público a eventuais ligações de amizade e dívidas de gratidão, sem nenhuma comprovação. Requereu, então, o deferimento de providência liminar que suspendesse o sorteio marcado e a concessão, afinal, da medida para, cassando-se o despacho impugnado, ordenar-se o prosseguimento do processo perante o Conselho Especial já composto. Deferida a medida liminar postulada, o digno Dr. Juiz Auditor prestou informações, salientando que, além das razões deduzidas pelo Ministério Público, mais um motivo estaria a justificar a decisão impugnada: o coronel Luiz Fernando de Lara, ao tempo do sorteio dos membros do Conselho Especial, estava na ativa e era mais antigo em relação aos coronéis sorteados para o seu julgamento, o que afrontaria o disposto no art. 23 da Lei Federal nº 8.457/92. Após nova manifestação do requerente a f. 167/178, esclarecendo pontos acerca do enfoque apresentado nas informações, os autos foram encaminhados à d. Procuradoria Geral de Justiça, que emitiu parecer pelo conhecimento e deferimento da correição parcial (f. 231/238).
2. Colhe-se que, nos autos da ação penal nº 30/2000 em curso perante a Auditoria da Justiça Militar Estadual, o ora requerente Luiz Fernando de Lara foi denunciado como incurso nos arts. 303, caput (segunda figura) e §1º (duas vezes), 308, caput, e §1º, e 335 (duas vezes), na forma dos arts. 53 e 80, todos do Código Penal Militar, sendo também acusado Celso Binda, capitão da Polícia Militar, por infração ao art. 303, §3º (duas vezes), c/c os arts. 53 e 80, do mesmo Código. Recebida a denúncia, foi realizado, nos termos do art. 399 do Código de Processo Penal Militar, o sorteio do Conselho Especial, que restou composto pelos coronéis PM da ativa Luiz Carlos Reksidler, Wilson Wanderlei Wolter, Gilberto Foltran e Alberto Augusto da Silva, ao que se seguiu, na forma do art. 400, o compromisso legal para sua instalação, sobrevindo, após, o interrogatório dos co-réus e a designação de data para inquirição das testemunhas arroladas pela acusação. Antes da realização deste último ato, contudo, e cerca de três meses depois do sorteio dos componentes do Conselho Especial, o Dr. Promotor de Justiça, sem que houvesse argüido, no prazo do art. 408, do CPPM, a suspeição ou o impedimento de qualquer deles, requereu fossem solicitadas informações acerca da situação funcional dos oficiais sorteados, a pretexto de que, na eventualidade de estarem enquadrados nas hipóteses previstas no art. 19, §3º, da Lei Federal nº 8.457/92, não poderiam compor o Órgão encarregado do julgamento dos réus. Na mesma oportunidade, requereu fosse providenciada uma relação de todos os oficiais ex-comandantes-gerais da Polícia Militar do Estado pertencentes ao quadro da reserva remunerada, para eventual convocação ao desempenho de missão judicial-militar, nos termos do art. 161 da Lei Estadual nº 1.943/54 (Código da Polícia Militar do Paraná). O pleito foi prontamente agasalhado pelo Dr. Juiz Auditor que, invocando as razões expostas na manifestação do Ministério Público, admitiu a realização de novo sorteio para composição de outro Conselho Especial, determinando, para tanto, fosse providenciada a relação de coronéis da ativa, que não estivessem proibidos de funcionar, e também de coronéis da reserva, ao efeito de serem convocados em caso de necessidade. Daí, o presente pedido de correição parcial. 3. Registre-se, desde logo, que a reclamação não se volta contra despacho de mero expediente, mas contra decisão interlocutória simples que, guardando carga decisória bastante para comprometer a boa ordem processual, permite, na ausência de previsão de recurso específico, o manejo da correição parcial. O juízo de admissibilidade da medida pode, pois, ser vencido. 4. Quanto à questão de fundo, verifica-se, de início, que o operoso Dr. Juiz Auditor, ao anular o anterior sorteio do Conselho Especial e determinar que outro fosse realizado, cingiu-se a encampar os motivos desfilados pelo Órgão da acusação. Ocorre que a defesa se contrapôs ao pleito do Agente Ministerial e o fez mediante consistente motivação, enunciando fundamentos de fato e de direito que exigiam explícita consideração - a fundamentação das decisões judiciais, sabe-se, é franquia constitucional impostergável (art. 93, IX), assegurando a Lei Fundamental (art. 5º, LV), aos acusados em geral, o direito à ampla defesa e ao contraditório, o que lhes garante o direito de saber a motivação da decisão desfavorável. O princípio do aproveitamento racional do nulo (art. 249, §2º, do CPC, c/c o art. 3º, e, do CPPM), entretanto, permite a superação desse vício, visto como, no mérito, a quaestio deve ser resolvida em favor do requerente. 5. Com efeito, controverte-se sobre se o art. 19, §3º, da Lei Federal nº 8.457/92, contempla causas impeditivas de participação de oficiais no Conselho Especial da Justiça Militar e, para além disso, se esse dispositivo pode ser aplicado à Justiça Militar Estadual. Tal diploma, que cuida da organização da Justiça Militar da União e regula o funcionamento de seus serviços auxiliares, estabelece em seu art. 18 que os juízes militares dos Conselhos Especiais e Permanente são sorteados dentre oficiais da Marinha, Exército e Aeronáutica, em serviço na sede da Auditoria, recorrendo-se a oficiais fora deste local, porém no âmbito da jurisdição da Auditoria, quando insuficientes os da sede. O art. 19 seguinte dispõe que, para efeito de composição dos Conselhos de que trata o artigo anterior, nas respectivas Circunscrições, os comandantes de Distrito ou Comando Naval, Região Militar e Comando Aéreo Regional organizarão, trimestralmente, relação de todos os oficiais em serviço ativo, com respectivos postos, antigüidade e local de serviço, publicando-a em boletim e remetendo-a ao Juiz-Auditor competente, recomendando o seu §3º que a relação não incluirá os comandantes, diretores ou chefes, professores, instrutores e alunos de escolas, institutos, academias, centros e cursos de formação, aperfeiçoamento, Estado-Maior e altos estudos (letra c). A exegese sistemática deste último dispositivo permite concluir que o legislador não pretendeu estabelecer, ali, fatores impeditivos do excepcional exercício da jurisdição pelos militares que ocupam as funções nele mencionadas. Ao revés, a lei apenas prescreve aos comandantes de Distrito ou Comando Naval, Região Militar e Comando Aéreo Regional que não incluam na lista trimestral certos subordinados, em razão de encargos que transitoriamente ocupam e que poderiam ser eventualmente prejudicados pelo exercício da atividade judicial-militar. Não significa, todavia, que, acaso tais militares venham a integrar Conselho Especial, os julgamentos possam ser invalidados - a norma está claramente predisposta para a preservação da administração militar e dirige-se aos encarregados da elaboração das listas trimestrais, não para preservar a isenção dos julgamentos da Justiça Militar, que não poderia restar afetada tão-só pela participação no Conselho Especial de, v.g., um oficial diretor, professor ou instrutor de instituto militar de ensino. Outrossim, a norma, a teor do que dispõe o art. 56 do Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Paraná, não pode ter aplicação à Justiça Militar Estadual, em face da peculiar situação dos quadros da Corporação. A Lei Federal limita, como se viu, a composição da lista trimestral a ser fornecida à Justiça Militar, dela excluindo aqueles que exercem as funções que menciona, porque expressivo o contingente de oficiais que integram as três Armas e que podem, sem sacrifício das funções fundamentais, exercer a atividade jurisdicional. No âmbito estadual, porém, cingir-se aos seus limites é, em última análise, inviabilizar o exercício da atividade judicial-militar, porquanto o contingente de oficiais é, em termos comparativos, sobremaneira reduzido, estando eles, ordinariamente, a ocupar uma daquelas funções que recomendam evitar sobrecarregá-los com a participação em Conselhos Especiais. Estar-se-ia, aliás, diante de um paradoxo, porque, como destacado no parecer da douta Procuradoria Geral da Justiça, se as hipóteses indicadas no art. 19, §3º, e alíneas, da Lei Federal nº 8457/92 fossem causas impeditivas de participação no Conselho Especial e se essa regra se aplicasse na Justiça Militar Estadual, haveria entre ela e o disposto no art. 18 da mesma lei, ao impor que os seus integrantes sejam do serviço ativo, uma marcante e incontornável contradição, pois sempre haveria falta de oficiais da ativa em condições de desempenhar a função judicial-militar. Essa circunstância, aliás, vem sendo observada nos diversos precedentes enumerados na petição inicial e na manifestação de f. 167/178, certo que, em julgamentos anteriores, por igual relevantes, os Conselhos Especiais foram formados por oficiais que ocupavam funções correlatas àquelas elencadas no multicitado §3º do art. 19 da Lei Federal nº 8.457/92, não se tendo notícia de qualquer objeção. Superado, pois, o impasse de ordem objetiva, cumpre ressaltar que o agente do Ministério Público em primeiro grau não argüiu, no tempo oportuno (art. 408 do CPPM), a suspeição ou o impedimento de qualquer dos oficiais sorteados para compor o Conselho Especial. E, conforme é sabido, para afastar o Julgador do processo não basta a alusão, lacônica e isolada, a eventual amizade íntima ou malquerença pessoal, quer em face de estreitas relações funcionais e sentimento de gratidão ou deferência, máxime quando, como no caso, o próprio Órgão acusador não afirma nenhuma dessas situações, reconhecendo-as como meras conjecturas. Por derradeiro e em atenção ao contido nas informações de f. 125/132 do zeloso Dr. Juiz Auditor, no sentido de que o requerente, ao tempo da composição do Conselho Especial (29.06.00), era mais antigo do que os coronéis sorteados para julgá-lo, merece observado que os documentos trazidos a f. 180/190 comprovam, cabalmente, que naquela oportunidade já havia ele passado para a reserva remunerada (desde 26.10.99). E, consoante estabelece o art. 24, §3º, do Código da Polícia Militar do Estado, em igualdade de posto ou graduações, os militares da ativa têm preferência sobre os da reserva ou reformados, não se registrando, destarte, quebra de hierarquia que pudesse macular o Conselho Especial já composto. ANTE O EXPOSTO: ACORDAM os Desembargadores da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, à unanimidade de votos, em DEFERIR a correição parcial, determinando o prosseguimento da ação penal nº 30/2000 em seus ulteriores termos perante o Conselho Especial já regularmente formado. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores TROTTA TELLES (Presidente) e NEWTON LUZ. Curitiba, 15 de março de 2001.
TELMO CHEREM - Relator
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