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Acórdão
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RECORRENTE : MARCO AURÉLIO DAMBROSKI.
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
RELATOR : Des.CLOTÁRIO PORTUGAL NETO.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO ESTUPRO FORNECER A ADOLESCENTE PRODUTOS CUJOS COMPONENTES POSSAM CAUSAR DEPENDÊNCIA FÍSICA OU PSÍQUICA PRONÚNCIA IRRESIGNAÇÃO DO RÉU ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE INDÍCIOS NECESSÁRIOS NO SENTIDO DE APONTAR QUE O RÉU TENHA AGIDO COM DOLO, RESTANDO DÚVIDAS QUANTO A AUTORIA ATRIBUÍDA AO ACUSADO DOS DELITOS DEVIDAMENTE COMPROVADA A EXISTÊNCIA DOS CRIMES E INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA - DECISÃO DE PRONÚNCIA BEM FUNDAMENTADA - SUBMISSÃO DO RÉU A JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI - NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito nº 111.831-4, de Guarapuava - Primeira Vara Criminal, em que é recorrente Marco Aurélio Dambroski e recorrido o Ministério Público do Estado do Paraná. I. Marco Aurélio Dambroski foi denunciado pelo Ministério Público do Estado do Paraná, como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos I, III e IV, combinado com o artigo 14, inciso II e com o artigo 69 (três vezes), e do artigo 213, caput, todos do Código Penal Brasileiro; e ainda, nas sanções do artigo 243, da Lei n° 8.069/90; combinados com o artigo 69 do código repressivo, por ter ele, segundo a oração exordial acusatória, verbis:
I. Consta do incluso inquérito policial que no dia 21 de setembro de 2000, durante a noite, no interior do Motel Cabana, localizado na Avenida Miguel Couto, n° 1043, Alto Cascavel, proximidades da Rodovia BR 277, em Guarapuava, MARCO AURÉLIO DAMBROSKI, agindo dolosamente, por motivo torpe, valendo-se de meio cruel e dissimulação, tentou matar, mediante a prática de relações sexuais (vaginal, anal e oral), APS, de 16 anos de idade, RMG, de 16 anos de idade, e MFSC, de 14 anos de idade, somente não consumando o delito por circunstâncias alheias à sua vontade. Segundo se apurou, MARCO AURÉLIO DAMBROSKI é portador do vírus HIV, cuja confirmação da doença se operou 24 de janeiro de 1997, após exame realizado no COAS Guarapuava. Desta condição, tem ele plena ciência e, pois, conhecimento acerca da letalidade da transmissão da AIDS. A despeito de tal fato, o denunciado, acompanhado da pessoa Marcos Antônio Lira, abordou as referidas adolescentes na Rua XV de Novembro, em Guarapuava proximidades do carrinho de cachorro-quente de que é proprietário e, após obter um táxi para o transporte, as conduziu para o referido motel. No seu interior, certo dos riscos à vida representado pela doença agravado pela falta de utilização de preservativo MARCO AURÉLIO DAMBROSKI manteve relação sexual com as três adolescentes, revezando-se com Marcos Antônio Lira na prática de conjunções carnais e nos atos libidinosos diversos dela (relações anais e orais) Consigne-se que, em relação à APS, MARCO AURÉLIO DAMBROSKI, durante a relação oral, ejaculou na boca da adolescente. Do evento já resultou a contaminação de RMG e de APS, pelo vírus HIV, conforme documentos acostados a fl. 43 e 114. Os delitos somente não se consumaram em virtude do curto lapso temporal decorrido desde a ação eis que o vírus HIV, apesar de letal, vulnera gradativamente o sistema imunológico ou demora a se manifestar. O denunciado agiu impelido por motivo torpe, na medida em que, de forma repugnante, tinha o propósito de disseminar a doença, tendo, inclusive, após o fato, alardeado publicamente a contaminação das ofendidas. O denunciado utilizou-se de meio cruel, eis que, mediante a transmissão do vírus HIV, impôs às ofendidas excessivo sofrimento, de ordem física e moral. O denunciado utilizou-se de dissimulação, porquanto, omitindo a circunstância de ser aidético, impossibilitou a defesa das ofendidas. II. Narra, ainda, o incluso inquisitivo que em dia no mês de julho de 1996, por volta das 18 horas, no Transmotel, localizado na Rua XV de Novembro, n° 770, proximidades do 16° Batalhão da Polícia Militar, em Guarapuava, MARCO AURÉLIO DAMBROSKI, mediante violência, constrangeu a adolescente EFS, de 14 anos de idade, à conjunção carnal. Segundo se apurou, o denunciado mantinha um namoro com a ofendida desde o início do mencionado ano. Aproveitando-se de tal condição e sob o argumento de visitar um amigo, MARCO AURÉLIO DAMBROSKI logrou conduzir a adolescente para o referido motel e, no seu interior, após o empregar força física e vencer a resistência pela violência corporal, consumou o ato sexual. Do evento resultou a contaminação de EFS pelo vírus HIV, conforme positivado no documento de fls. 61. III. Consta, por fim, que no dia 21 de setembro de 2000, durante a noite, no interior de um táxi, conduzido por Antonio Armando Crissi que transitava em via pública, na Rua XV de Novembro em direção ao Motel Cabana , em, Guarapuava, MARCO AURÉLIO DAMBROSKI entregou, de forma gratuita, às adolescentes APS, RMG e MFSC bebida alcoólica, consistente em vinho, que causa dependência física e psíquica. Recebida a denúncia às fls. 164, foi o réu citado e interrogado (fls. 190/191-verso), inquiridas as testemunhas arroladas e procedida à normal instrução do feito. Em alegações finais (fls.284/300), o agente ministerial a quo, entendendo demonstradas a autoria e materialidade, requereu a pronúncia do réu, nas imputações originais. A defesa às fls.302/305 propugnou pelo aditamento da denúncia, para desclassificar o delito de tentativa de homicídio para lesões corporais.
Por decisão de fls. 307/322, foi o réu pronunciado nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos I, III e IV, combinados com os artigos 14, inciso II, e 69, artigo 213, todos do Código Penal Brasileiro, e artigo 243, da Lei n° 8.069/90, com determinação de sua submissão a julgamento popular.
Inconformado, interpôs tempestivo Recurso em Sentido Estrito (fls. 324 e 329/334), aduzindo, em síntese, que não restou demonstrado os indícios necessários no sentido de apontar que o réu tenha agido com dolo, bem ao contrário, restam dúvidas que o acusado tenha praticado os delitos a ele imputados; requerendo a reforma da respeitável decisão, para impronunciar o acusado.
Contra-arrazoando O agente do Parquet em primeira instância, às fls.336/340, também em resumido relato, rebateu as teses da defesa, batendo-se pelo improvimento do recurso.
Em juízo de retratação de fls.342, foi mantida a decisão de pronúncia. A douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador de Justiça, Doutor, Francisco José Albuquerque de S. Branco, encartado às fls. 356/367, oferece entendimento no sentido do desprovimento da insurgência, por nesta fase imperar o princípio do in dubio pro societate, mantendo-se a decisão monocrática.
É o relatório. II. Em relação aos crimes de homicídios qualificados na forma tentada, restou consubstanciada sua materialidade delitiva através do exame de sorologia para HIV, realizado em 24.jan.97 (fls.125), diagnosticando que o réu é soropositivo, conseqüentemente, ao manter relações sexuais com as vítimas sem o uso devido de preservativos, tinha a plena consciência de que a doença estaria sendo disseminada.
Embora o ora acusado negue em parte a prática dos delitos, ora alegando que manteve relações sexuais apenas com Manoela, e que na ocasião usava preservativo (fls.37 e 281), ora dizendo que não manteve relações com nenhuma das vítimas (fls.190); sem dúvida alguma há indícios suficiente de autoria, e não meras conjecturas, como tenta alegar a defesa, tendo em vista as declarações do próprio réu.
As declarações das vítimas Rosa Marines Gomes (fls.17/18, 42 e 236/237), Ana Paula Soares (fls.19/20, 43/44, 40 e 229 e verso) e Manuela de Fátima dos Santos Carneiro (fls.25/26, 62 e verso e 249/251), vem no sentido de que conheciam o réu, e ao questioná-lo sobre ser ele portador do vírus HIV, o mesmo negava estar infectado.
Da mesma forma restou configurado a materialidade e os indícios de autoria em relação aos crimes de estupro contra a vítima Érica de Fátima dos Santos e de fornecimento de produtos que possam causar dependência física, capitulada no artigo 243, do Estatuto da Criança e do Adolescente, em relação as outras adolescentes, neste caso, a bebida alcoólica, representada pelo vinho, principalmente pelas declarações do réu, das vítimas e outra testemunha:
...que nesse meio tempo, à pedido de Marcos, o interrogando adquiriu um litro de vinho, retornando ao Trailer... (declarações do réu - fls.190 verso)
...que o réu deu vinho para todos... (declarações de Rosa fls.236) ...que o réu levou vinho sendo que todos estavam bebendo... (declarações de Ana Paula fls.229)
...que o réu chamou um táxi; que os levou para um motel; que no caminho foram tomando vinho, que foi fornecido pelo réu... (declarações de Manoela fls.249)
...que entraram no táxi além do réu três meninas e um rapaz; que o réu estava com uma garrafa de vinho, sendo que eles foram bebendo no caminho... (declarações Antonio, motorista do táxi fls.252) A decisão de pronúncia tem natureza meramente declaratória do juízo de acusação, não podendo ir além da recomendação prevista no artigo 408, do Código de Processo Penal, sob sério risco de invadir o mérito. Para tal decisão não se exige prova plena, como a exigida para as sentenças condenatórias.
Na oportunidade transcrevo parte do judicioso parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça:
A reconstrução dos fatos, com detido estudo das circunstâncias do delito, ocorrerá durante o julgamento pelo Conselho de Sentença, oportunidade em que poderá haver análise valorativa da prova, em âmbito consideravelmente mais amplo que na fase de pronúncia, já que para pronunciar o acusado, repita-se, é necessário só o convencimento do Juiz quanto à existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, não se exigindo apreciação minudente do comportamento do acusado. (fls.363) O digno Juízo pronunciante atendeu com acuidade às provas havidas nos autos, justificando seu entendimento no sentido do encaminhamento do feito a julgamento popular. Pelo conjunto probatório impõe-se a submissão do recorrente ao plenário popular do Tribunal do Júri, Juiz Natural da causa, onde melhor e com maior amplitude serão debatidas as teses apresentadas aos julgadores leigos. E, mesmo que persistam dúvidas acerca da conduta criminosa do réu, estas se resolvem pro societate, na presente fase de admissão da acusação, pois em caso de dúvidas, pronuncia-se o réu.
Assim sendo, conforme o acima exposto, não há como prosperar as alegações da defesa no sentido de não restar demonstrado os indícios necessários, bem como, restarem dúvidas quanto a autoria dos delitos imputados ao réu.
Nesse sentido, é de ser negado provimento ao recurso manejado. IV. Por todo o acima exposto, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores e o Juiz Convocado integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, à unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, submetendo o réu Marco Aurélio Dambroski à julgamento Popular. Participaram da sessão e acompanharam o voto do Relator, os Excelentíssimos Senhores Desembargador OTO SPONHOLZ - Presidente e o Juiz Convocado CAMPOS MARQUES. Curitiba, 13 de dezembro de 2001.
CLOTÁRIO PORTUGAL NETO Relator
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