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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº. 143.516-9, DE COLORADO, VARA CÍVEL.
APELANTES: CLENILSON FERNANDES DE SOUSA E OUTROS. APELADO: SECRETÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO MUNICÍPIO DE COLORADO. RELATOR: DES. SÉRGIO ARENHART
APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DOCUMENTOS TRAZIDOS COM AS INFORMAÇÕES DA AUTORIDADE IMPETRADA QUE NÃO OBRIGA A OITIVA DOS IMPETRANTES. AUSÊNCIA, ADEMAIS, DE PREJUÍZO DEMONSTRADO. MÉRITO. CANDIDATOS EM CONCURSO PÚBLICO. ADVENTISTAS DO SÉTIMO DIA. PROVA REALIZADA EM UM SÁBADO. AVENTADO DIREITO LÍQUIDO E CERTO AO ADIAMENTO. INEXISTÊNCIA. PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO QUE SE TRADUZ EM MERA FACULDADE CUJO EXERCÍCIO PRESSUPÕE A ACEITAÇÃO DAS REGRAS DO EDITAL. RECURSO EM PARTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, IMPROVIDO. 1 - É da jurisprudência consolidada que não é obrigatória a audiência do impetrante sobre documentos juntos com as informações (RJTJESP 63/111, 106/170) 2 - A realização da prova num sábado não está eivada de qualquer ilegalidade, possuindo a administração o poder discricionário de marcar data da prova no dia que lhe for conveniente, prevalecendo seu interesse sobre o do particular, máxime quando este anuiu às regras do concurso previamente previstas no edital.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 143.516-9, de Colorado Vara Cível, em que são apelantes CLENILSON FERNANDES DE SOUSA E OUTROS e apelado SECRETÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO MUNICÍPIO DE COLORADO. Trata-se de recurso de apelação contra sentença exarada pelo Juízo de Direito da Vara Cível da Comarca de Colorado que, no Mandado de Segurança impetrado por Clenilson Fernandes de Souza, Cristiane Nunes Diamartini, Marcela Ferreira, Juliana Aparecida Rodrigues, Diogo Barbosa França de Paiva e Paula Renata Lobato em face do Secretário de Administração do Município de Colorado por ter este designado etapa seletiva de concurso público ao qual estavam inscritos, para 01.02.2003 (um sábado), dia em que estariam impossibilitados de comparecer por serem Adventistas do Sétimo Dia e guardarem o sábado e que julgou extinto o processo sem julgamento do mérito, pela falta de interesse de agir, em relação a Juliana Aparecida Rodrigues e Diogo Barbosa França, denegando ainda a ordem em respeito aos demais, condenando-os nas despesas processuais. Inconformados, os impetrantes recorrem, aduzindo, em preliminar, a nulidade da sentença por cerceamento defesa porque lançada com fundamento em documentos trazidos aos autos pela autoridade coatora e dos quais não lhes foi oportunizada a manifestação; no mérito, ser inadmissível a solução adotada pelo magistrado a quo segundo o qual o interesse público deve sobrepor-se ao particular eis que, in casu, o que está em jogo é a liberdade de crença religiosa protegida constitucionalmente; que a simples inscrição para participação do certame não lhes obriga a aceitar prévia e tacitamente todas as regras do edital eis que, de antemão, não poderiam prever a dia da realização das provas e que, é um direito que lhes assiste participar do concurso público sem que, a tanto, sejam obrigados a desvincular-se de sua crença religiosa que prega seja guardado o sábado para trabalhos espirituais. Buscam, ao final, a nulidade da sentença, face o dito cerceamento, ou, no mérito, a anulação da etapa seletiva para que outra prova seja realizada em data compatível. Embora intimado (fl. 150 verso), o apelado não respondeu, tendo o Ministério Público de primeiro grau opinado (fls. 153/155) pelo conhecimento e desprovimento do recurso. Com vista, a douta Procuradoria Geral da Justiça exarou parecer pelo parcial conhecimento do recurso e, na parte conhecida, pelo seu improvimento.
É o relatório. Voto.
Anoto, a início, que não deva ser conhecido o recurso apresentado por Juliana Aparecida Rodrigues e Diogo Barbosa França, em respeito aos quais existiu a sentença do processo sem julgamento de mérito por terem eles participado da prova seletiva que pretendiam adiar, posto que não corresponde a pleito recursal que fazem em confronto com as razões de reforma sustentada pelos outros impetrantes. Sobre o tema, cite-se a Súmula 4, do TASP: Não se conhece de apelação quando não é feita a exposição do direito e das razões do pedido de nova decisão. (RT 624/100 e JTA 97/9, com remissão a RT 548/139 e JTA 60/111; in. Brasil. Código de Processo civil e legislação processual em vigor/ organização e notas de Theotônio Negrão. 35. ed., atual. até jan. 2003. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 561).
Em verdade, as razões de apelação (fls. 140/146) dizem apenas com eventual direito ao adiamento do certame no que lhes falta, flagrantemente, o interesse de agir, por terem comparecido ao local de provas e realizado os exames. Quanto aos demais apelantes, o recurso deve ser conhecido uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade. Por preliminar, aduzem estar o feito eivado de nulidade pois, dos documentos juntados pela autoridade coatora, não lhes foi oportunizada qualquer manifestação em flagrante violação ao princípio do contraditório. Tal insurgência, por dupla motivação, improcede. A uma, porque a providência do art. 398, do Código de Processo Penal não se coaduna com o célere trâmite que se deve dar ao julgamento do mandado de segurança o qual nem ao menos comporta dilação probatória. Note-se que o Código de Processo Civil tem aplicação apenas subsidiária o que toca ao mandado de segurança que tem procedimento especial disciplinado na Lei nº 1.533/51, sendo incompatível a abertura de vistas à parte contrária com o rito em questão. Esse o entendimento da jurisprudência: Não é obrigatória a audiência do impetrante sobre documentos juntos com as informações (RJTJESP 63/111, 106/170; in. Brasil. Código de Processo civil e legislação processual em vigor/ organização e notas de Theotônio Negrão. 35. ed., atual. até jan. 2003. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 561).
A duas porque, da análise dos documentos juntados pela autoridade coatora, se afigurava desnecessário oportunizar aos impetrantes a vista. Vieram aos autos, junto às informações a Portaria e o Edital do Concurso Público que se impugnou (fls. 68/93); as cópias das fichas de inscrição dos impetrantes (fls. 95/106) e declarações dando conta da realização da prova por Juliana Aparecida Rodrigues e Diogo Barbosa França e da organização do concurso por uma empresa privada (fls. 94 e 107/111), todos de conhecimento público e prévio dos impetrantes e que, por si sós, não determinariam a improcedência da ação. Então, superadas as preliminares, cabe agora analisar a questão de fundo onde a razão não socorre os impetrantes face a inexistência de direito líquido e certo a amparar a pretensão trazida ao Juízo. Aduzem, em síntese, que fazem parte da religião Adventista do Sétimo Dia, a qual tem por preceito que seus membros guardem o dia de sábado como santificado, abstendo-se neste dia de qualquer atividade que não a participação em reuniões religiosas e dedicar-se a fazer o bem, e que a designação de 01/02/03 (um sábado) para a realização da prova do concurso a que estavam inscritos lhes impediria de participar do certame com o ferimento do direito de liberdade religiosa que é garantido constitucionalmente. Fulcram sua pretensão no art. 5º, inc. VIII, da Constituição Federal que vem assim redigido: (...) VIII - Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
A questão, data venia, não merece a interpretação pretendida pelos Apelantes. Sobre o tema, muito bem discorreu a representante da Procuradoria Geral da Justiça, Dra. Terezinha de Jesus Souza Signorini, no seguinte excerto do parecer que peço vênia para reportar, in verbis: A privação de direitos a que se refere o inciso, merece melhor interpretação, no sentido de que a norma supra-citada tem o condão de proteger a liberdade de convicção religiosa frente a eventuais perseguições ou discriminações de indivíduos pela fé que abracem. O que se pretende tutelar é o direito fundamental à liberdade de crença, pois ele é verdadeiro desdobramento da liberdade de pensamento e manifestação. Nesse sentido, ensina Alexandre de Moraes que, a religião representa o complexo de princípios que dirigem os pensamentos, ações e adoração do homem para com Deus, acaba por compreender a crença, o dogma, a moral, a liturgia e o culto. O constrangimento à pessoa humana de forma renunciar sua fé representa o desrespeito à diversidade democrática de idéias, filosofias e a própria diversidade espiritual. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12 ed., São Paulo: Atlas, 2002, p. 73). Veda-se, desta forma, a imposição de um ato discriminatório à coletividade de pessoas existentes na sociedade ofertando-se, para tanto, a possibilidade da escusa de consciência. É a conclusão que se extrai da lição do Constitucionalista Alexandre de Moraes: O direito à escusa de consciência pode abranger quaisquer obrigações coletivas que conflitem com as crenças religiosas, convicções políticas ou filosóficas, como, por exemplo, o dever de alistamento eleitoral aos maiores de 18 anos e dever de votar para os menores de 70 anos e maiores de 18, cujas prestações alternativas vêm estabelecidas nos artigos 7º e 8º do Código Eleitoral. (MORAES, Alexandre de. Obra citada. p, 72.). No caso em apreço, não há que falar em ato perseguidor ou discriminatório por parte do impetrado em ter designado para um sábado a data de realização da etapa seletiva, porque os impetrantes tinham a faculdade de participar ou não da prova e, sobretudo, porque não sofreriam por conta desse ato do Administrador algum prejuízo, uma vez que permaneceria intocada sua liberdade de continuar professando livremente a crença que abraçaram. Atente-se para o fato de que não é o impetrado que está compulsoriamente privando os impetrantes de um direito, mas são os impetrantes que preferiram seguir orientação religiosa e deixaram de comparecer ao local da prova. Tanto era uma faculdade de ambos os lados que, dois dos impetrantes se apresentaram para realizarem a prova. Assim, conclui o citado mestre de Direito Constitucional quanto aos limites do direito de crença em relação aos demais direitos consagrados pelo Texto Maior: Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna. Desta forma, quando houver conflitos entre dois ou mais direitos, o interprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, realizando uma redução proporcional no âmbito de alcance de cada qual. (MORAES, Alexandre de. Obra citada. p. 61). No caso em questão, a liberdade de crença deve ser compatibilizada com o interesse da comissão em realizar a prova no sábado, pois provavelmente a data não foi demarcada por mera discricionariedade, mas por critérios de conveniência e facilidade não apenas na organização, mas para todos os participantes. (sic, fls. 170/172).
A nossa Constituição Federal, prossigo, ao consagrar a inviolabilidade de crença religiosa visa proteger plenamente a liberdade de culto e suas liturgias e, bem assim, o direito de não professar nenhuma fé, contra qualquer discriminação decorrente deles. Esse, evidentemente, não é o caso dos autos. A autoridade coatora em nenhum momento perseguiu ou praticou qualquer ato discriminatório contra os Apelantes em razão de sua fé. Na verdade o que se contrapõe é a discricionariedade do Poder Público em designar o dia que lhe for conveniente para a realização da prova e a opção religiosa dos Apelantes que guardam o dia de sábado. Neste caso, prevalece o interesse da administração que não vedou ou dificultou o acesso dos impetrantes à realização da prova tanto que, segundo se informou (fls. 94), dois deles comparecerem ao local e a realizaram. A Administração Pública, pena de ofensa ao princípio da isonomia, não pode dispensar tratamento diferenciado a integrantes de quaisquer das religiões existentes no País, ou fora dele. Acolhida a tese dos Apelantes, estar-se-ia concedendo atendimento desigual aos integrantes de uma religião, e isso poderia gerar reclamações no mesmo sentido de católicos que guardam domingos e dias santos e evangélicos que guardam todos os dias da semana, não podendo a administração, sob pena de sempre estar ferindo a fé de alguém, designar dia nenhum para a realização de provas de concursos o que é inconcebível. A realização da prova num sábado não está eivada de qualquer ilegalidade possuindo a administração o poder discricionário de marcar data da prova no dia que lhe for conveniente, prevalecendo seu interesse sobre o do particular, máxime quando este anuiu às regras do concurso previamente previstas no edital (fls. 68/77). Destarte, a decisão pelo parcial conhecimento do recurso e, na parte conhecida, pelo seu improvimento. ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer em parte do recurso e na parte conhecida, negar-lhe provimento. Participaram do julgamento e acompanharam o voto do Relator, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores WANDERLEI RESENDE e DILMAR KESSLER. Curitiba, 07 de abril de 2004.
Des. SÉRGIO ARENHART - Relator
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