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Acórdão
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REEXAME NECESSÁRIO N°. 479691-6, DA 10ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE LONDRINA. REMETENTE: JUIZ DE DIREITO AUTOR: WELTON ALMEIDA COSTA RÉU: DIRETOR DE ASSUNTOS ACADÊMICOS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA. RELATOR: DES. RENATO BRAGA BETTEGA. REVISOR: DES. IDEVAN LOPES.
REEXAME NECESSÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - ENSINO - PEDIDO ADMINISTRATIVO PARA FREQUENTAR DISCIPLINAS EM HORÁRIO DIVERSO - PRÁTICAS DE ATIVIDADES RELIGIOSAS NA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA - POSSIBILIDADE EM OBTER ABONO DE FALTAS OU FORMA ALTERNATIVA DE ACESSO AOS CONTEÚDOS E AVALIAÇÕES - CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. A pretensão do impetrante encontra respaldo nos incisos VI e VII do artigo 5º da Constituição Federal, que preserva e assegura o direito fundamental à liberdade de culto.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Reexame Necessário n°. 479691-6, da 10ª Vara Cível da Comarca de Londrina em que é autor Welton Almeida Costa e réu Diretor de Assuntos Acadêmicos - PROGRAD da Universidade Estadual de Londrina. I - RELATÓRIO Trata-se de reexame necessário em face da sentença proferida pelo MM. Juiz da 10º Vara Cível da Comarca de Londrina, nos Autos de Mandado de Segurança impetrado por Welton Almeida Costa contra ato praticado pelo Diretor de Assuntos Acadêmicos da Universidade Estadual de Londrina, que julgou procedente os pedidos inseridos na inicial para o fim de garantir a matrícula do impetrante na 2ª série Noturna do Curso de Administração da UEL, e determinar que não fossem computadas, para efeito de reprovação, as faltas às aulas ministradas nas noites de sexta-feira. Em sua fundamentação o Juízo a quo decidiu no sentido de que a Universidade deveria disponibilizar forma alternativa de acesso aos conteúdos e avaliações naquelas disciplinas, fornecendo programa substitutivo, o qual deveria ser cumprido integralmente pelo impetrante como condição de sua aprovação naquelas matérias. Da inicial O impetrante afirmou que é aluno regular da Instituição de Ensino Superior devidamente matriculado no período noturno do Curso de Graduação em Administração. Asseverou que é cristão praticante e vinculado à Igreja Adventista do Sétimo Dia, pelo que estaria impossibilitado de freqüentar as aulas ministradas às sextas-feiras à noite. Juntou documentações (fls. 33/37) Em conseqüência, reprovou por faltas nas matérias ministradas nas sextas-feiras à noite, ficando impedido de assistir às aulas e realizar as provas. Informou que protocolou pedido administrativo solicitando abono de faltas naquelas disciplinas, ou, alternativamente, pleiteou pela apresentação de trabalho. Alegou que teve seu requerimento indeferido pelo fato e a instituição exigir presença física do aluno em sala de aula, como prevê o parecer da PROGRAD ASTEC nº 42/2006 (fls. 44/47). Frisou que mesmo não tendo freqüentado as aulas de sexta-feira à noite conseguiu aprovação por nota, pugnando tão somente pelo abono das faltas naquelas disciplinas. Afirmou estar sendo cerceado em seu direito líquido e certo de exercer sua liberdade religiosa, o que motivou o mandado segurança com pedido liminar. Juntou cópia da Lei Estadual nº 11.6662/97 e jurisprudência sobre o tema (fls. 50/55) Às fls. 60/61 o magistrado singular concedeu a liminar pleiteada a fim de garantir a matrícula e freqüência do impetrante na segunda série noturna do Curso de Administração da UEL, determinando o abono de faltas, bem como o estabelecimento de formas alternativas de avaliação nas disciplinas ministradas às sextas-feiras no período noturno. Regularmente notificada, a autoridade apontada como coatora apresentou resposta ao despacho proferido, requerendo a revogação da medida liminar com base no Regimento Geral da Universidade, que não prevê nenhuma forma e abono de faltas (fls. 65/73). Em seu parecer, o Parquet pugnou pela concessão da ordem (fls. 83/87). Sobreveio decisão de fls. 88/91 que concedeu em definitivo a segurança e confirmou a liminar anteriormente deferida. Por fim, decretou a extinção do processo com resolução de mérito tendo em vista que a Universidade reconheceu o direito do impetrante e disponibilizou programa de horário alternativo para cumprimento das disciplinas. Ponderou pelo não cabimento da análise, em sede de mandado de segurança, de provas a respeito de eventual comparecimento ou não do impetrante ao programa alternativo. Não houve recurso voluntário interposto pelas partes. Em seguida os autos foram remetidos ao Tribunal de Justiça para o reexame necessário da matéria. A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pela manutenção da decisão monocrática em sede de reexame (fls. 103/107). É o relatório. II - VOTO E FUNDAMENTAÇÃO O reexame necessário tem cabimento a teor do contido no artigo 12, parágrafo único, da Lei nº 1.533/1951, que prevê o seguinte: "a sentença, que conceder o mandado, fica sujeito ao duplo grau de jurisdição, podendo, entretanto, ser executada provisoriamente". Na hipótese em exame o impetrante deixou de freqüentar as aulas ministradas na sexta-feira, no período noturno do Curso de Administração da Universidade, tendo em vista a prática de atividade religiosa junto à Igreja Adventista do Sétimo Dia. O requerente protocolou pedido administrativo sugerindo forma alternativa de acesso aos conteúdos e avaliações naquelas disciplinas. Todavia, tal solicitação foi negada sob o argumento de que o Regimento Interno da Instituição exige a presença física do aluno em sala de aula. Ocorre que o impetrante mesmo não tendo freqüentado as aulas de sexta-feira à noite conseguiu aprovação por nota, pugnando tão somente pelo abono das faltas naquelas disciplinas. Primeiramente vale salientar que a pretensão do impetrante encontra respaldo nos incisos VI e VII, do artigo 5º, da Constituição Federal, que preserva e assegura o direito fundamental à liberdade de culto, que dispõe: "Art. 5º: VI - é inviolável a liberdades de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias". VIII - ninguém será privado de direitos por motivos de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei".
A privação de direitos em virtude de crença religiosa depende da existência de dois requisitos, quais sejam, o não cumprimento de uma obrigação a todos imposta e o descumprimento de prestação alternativa fixada em lei. Segundo lição de Alexandre de Moraes, "o direito à escusa de consciência não está adstrito simplesmente ao serviço militar obrigatório, mas pode abranger quaisquer obrigações coletivas que conflitem com as crenças religiosas, convicções políticas ou filosóficas, como, por exemplo, o dever de alistamento eleitoral aos maiores de 18 anos e o dever do voto aos maiores de 18 anos e menores de 70 anos (CF, art. 14 § 1º, I, II), cujas prestações alternativas vêm estabelecidas nos arts. 7º e 8º do Código Eleitoral (justificação ou pagamento de multa pecuniária) e ainda, à obrigatoriedade do Júri". (in Direito Constitucional, 17ª Ed. Atualizada até EC 44/04. São Paulo. Atlas. 2004. p. 74) No presente caso, o impetrante ponderou sobre a impossibilidade de comparecer a determinadas disciplinas ministradas em horários incompatíveis com sua prática religiosa. Sendo assim, não descumpriu nenhum dos requisitos inerentes à aplicação do princípio constitucional, ou seja, não pretendeu eximir-se de obrigação legal a todos imposta e nem tampouco deixou de efetivar prestação alternativa fixada em lei. Dessa forma, o pleito do impetrante não poderia ser negado administrativamente com base tão somente em regras estabelecidas pelo Regimento Interno da Instituição de Ensino, sob pena de cercear a liberdade de crença do impetrante e o direito constitucional assegurado. Nesse sentido vide os seguintes julgados: "MANDADO DE SEGURANÇA CONCURSO PÚBLICO PROVA ESCRITA A SER REALIZADA EM UM SÁBADO - CANDIDATOS MEMBROS DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA SÁBADO COMO DIA SAGRADO PROVA QUE DEVE SER REALIZADA EM HORÁRIO COMPATÍVEL COM A RELIGIÃO DOS IMPETRANTES LIBERDADE DE CRENÇA E DIREITO DE ACESSO À FUNÇÃO PÚBLICA ASSEGURADOS CONSTITUCIONALMENTE SEGURANÇA DEFINITIVAMENTE CONCEDIDA. A atuação da Administração Pública deve ser pautada pelos princípios da liberdade de crença e acesso à função pública, buscando harmonizá-los e compatibilizá-los. O fato dos impetrantes realizarem a prova em outro horário, que obedeça à sua crença religiosa, não prejudica os demais candidatos e muito menos confere qualquer privilégio àqueles (TJ/PR MS 1.0132338-8, IV GCC, rel. Celso Rotoli de Macedo, p. 14/04/2003, DJ 6349)
"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DIREITO DE PRESTAR PROVA EM HORÁRIO DIVERSO DO DETERMINADO. CRENÇA RELIGIOSA. POSSIBILIDADE" (TRF4 - 3ª Turma - Remessa Ex-Offício 2002.70.00.068143-9, j. 22/06/2004, p. DJ 11/08/2004)
"PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. LIBERADE DE CRENÇA RELIGIOSA. INCISO VI DO ARTIGO 5º DA CF/88. VESTIBULANDOS. ADVENTISTAS DO 7º DIA. LIMINAR PARA GARNTIR A PARTICIPAÇÃO EM EXAME VESTIBULAR. PROVAS REALIZADAS EM HORÁRIO ESPECIAL. PRESENÇA DOS REQUISITOS CONSTANTES NO INCISO II DO ART. 7º DA LEI 1533/51. CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR (TRF1, 2ª Turma, AI 2001.01.00.050436-4/PI, DJ 09/09/2002, p. 41) Dessa forma, restou caracterizada a violação do direito líquido e certo do impetrante (art. 5º, LXIX, CF), o que autoriza a concessão da segurança.
Pelo exposto, mantenho a r. sentença em sede de reexame necessário. III - DISPOSITIVO Diante do exposto, acordam os Desembargadores da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em manter a sentença em sede de reexame necessário nos termos acima expostos. Participaram da sessão e acompanharam o voto do Relator os Excelentíssimos Senhores Juiz Convocado Edison de Oliveira Macedo Filho e Desembargador Sérgio Arenhart. Curitiba, 14 de outubro de 2008. Des. RENATO BRAGA BETTEGA Relator
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