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Acórdão
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Apelação Cível n.º 591.278-9 4ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Apelante: Ricardo Pimentel Daniel Apelado: Estado do Paraná Relator: Péricles B. de Batista Pereira
RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO - INDICIADO QUE UTILIZAVA DOCUMENTO DE IDENTIDADE ROUBADO E ALTERADO - DANO DA VÍTIMA (PORTADOR DA CÉDULA DE IDENTIDADE VERDADEIRA) - NÃO COMPROVADO - NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA DO ESTADO E O DANO SOFRIDO - NÃO DEMOSTRADO - INAPLICABILIDADE DA TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO NO CASO CONCRETO - POLICIAIS CIVIS QUE AGIRAM DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO VIGENTE - RECURSO DE APELAÇÃO NÃO PROVIDO. "A responsabilidade civil, mesmo objetiva, não pode existir sem a relação de causalidade entre o dano e a conduta do agente. Se houver dado sem a sua causa esteja relacionada com o comportamento do suposto ofensor, inexiste a relação de causalidade, não havendo a obrigação de indenizar. (...) Na responsabilidade objetiva o nexo de causalidade é formado pela conduta, cumulada com a previsão legal de responsabilidade sem culpa ou pela atividade de risco (art. 927, parágrafo único, do CC)." (TARTUCE, Flavio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil, v. 2, 3ª edição, São Paulo: Método, 2008, páginas 364/365).
RELATÓRIO: Cuida-se de apelação cível em ação de indenização por danos morais, cujo pedido foi julgado improcedente. Em razões de recurso (fls. 171-184), sustenta o apelante que: a) foi exposto a situação vexatória em razão de o Estado lhe ter imputado conduta criminosa, conforme consta em certidão de antecedentes criminais; b) a responsabilidade civil do Estado provém da teoria do risco, em outras palavras é a responsabilidade objetiva, elencada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal; c) teve sua honra agredida tanto no sentido subjetivo como no objetivo; d) o nexo de causalidade se evidencia pela negligência dos agentes da Administração Pública ao imputar ao autor conduta criminosa, sendo este o motivo determinante para a ocorrência do dano. Recurso respondido. O Ministério Público dispensou sua intervenção no feito (fls. 156-157). VOTO: Em 23-6-2004 o autor compareceu junto a Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos desta Capital para lavrar o Boletim de Ocorrência n.º 00083-004630/2004 (fl. 92) no qual noticiou: "Segundo o relato do declarante, ao chegar na entrada do estacionamento do seu local de trabalho, foi abordado por dois elementos, sendo um pardo, magro, alto, pequena cicatriz no rosto, aparentando 20 a 25 anos, o outro era mais claro, mesma estatura, magro, cabelos curtos e usava óculos, sendo que somente o primeiro portava arma, deram-lhe voz de assalto e fugiram com o veículo, juntamente com o veículo foram os seguintes documentos da vítima: RG, CPF, CNH, título eleitoral, cartão do banco Unibanco e um talão de cheques do mesmo banco e uma nota fiscal de compra do veículo em questão emitida pela Copava S/S." ("sic") Em 13-10-2004, nesta cidade de Curitiba, no Sétimo Distrito Policial, foi lavrado o auto de prisão em flagrante delito (fls. 16-17), registrado sob n.º 361/04, onde se noticia a prisão em flagrante de Ricardo Pimentel Daniel, por tentativa de furto, fato este ocorrido naquela data, às 17h20m, no Supermercado Jacomar, a Rua Paulo Setubal, 2765, bairro Boqueirão. Sustenta o autor que a pessoa indiciada no inquérito policial n.º 2004.9928-4, originado dos autos de prisão em flagrante delito n.º 361/04, apresentou documentos falsos fazendo se passar por ele (autor desta ação). Alega, ainda, que com o roubo dos seus documentos sofreu inúmeros problemas, um deles foi o envolvimento de seu nome em um inquérito policial, fato este, que lhe trouxeram inúmeros prejuízos. Aduz, por fim, a responsabilidade civil do Estado do Paraná, pois é dever da Polícia Civil proceder uma análise minuciosa na identificação de um criminoso. Convém destacar que na sistemática do Código Civil vigente são elementos essenciais para caracterizar a responsabilidade civil: a) conduta humana (positiva ou negativa); b) dano ou prejuízo; c) nexo causal existente entre a conduta e o dano e; d) culpa (apenas na responsabilidade subjetiva, o que não é o caso). No que concerne ao dano moral, Sérgio Cavalieri Filho leciona: "dano moral, à luz da Constituição vigente, nada mais é do que violação do direito à dignidade." (Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros, 2004, 5ª edição, p. 94). Ressalte-se que, quando se fala em dano moral significa dizer que deve ocorrer violação à dignidade humana, que é um dos fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito, conforme art. 1º, inciso III, da Constituição Federal. Dessa maneira, protegem-se todos os valores morais do cidadão, como a honra, a imagem, o nome, a intimidade, a privacidade, que englobam os chamados direitos da personalidade. Insta dizer que a regra constitucional objetiva proteger a ofensa à dignidade humana, o que leva-nos à conclusão de que não pode ocorrer a banalização do dano moral. Não se cuida de qualquer incômodo, de dissabores e inconvenientes. O autor deveria demonstrar de forma substancialmente concreta os danos por ele experimentados. É preciso que haja e seja comprovada ofensa à dignidade da pessoa ou algum reflexo externo, com exposição à situação de constrangimento, pois, simples dissabor, destituído de qualquer suporte fático não gera direito à indenização por dano moral. Não se pode olvidar que o dano moral reserva-se para os casos mais graves, de maior repercussão, onde ocorra efetiva ofensa à dignidade do ser humano. Sérgio Cavalieri Filho explica: "O dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Nessa linha de princípio, só deve ser reputado dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos." (Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros Editores, 2ª edição, p. 79) Arnaldo Marmitt leciona: "O dano moral que induz obrigação de indenizar deve ser de certa monta, de certa gravidade, com capacidade de efetivamente significar um prejuízo moral. O requisito da gravidade da lesão precisa estar presente, para que haja direito de ação. Ao ofendido cabe demonstrar razões convincentes no sentido de que, no seu íntimo, sofreu prejuízo moral em decorrência de determinado ilícito. Alterações de pouca importância não têm força para provocar dano extrapatrimonial reparável mediante processo judicial. A utilização da Justiça deve ser deixada para casos mais graves, de maior relevância jurídica." (Dano Moral, AIDE, 1ª edição, 1999, p. 20) Nossos Tribunais tem decidido em casos análogos: "Indenização. Dano moral. Mudanças da escala de vôo com conseqüente atraso. Verba indevida. Não cabem no rótulo de dano moral os transtornos, aborrecimentos ou contra-tempos que sofre o homem no seu dia a dia, absolutamente normais na vida de qualquer um; tais, como mudanças de escala de vôo com conseqüente atraso." Lê-se no corpo do acórdão: "O dano moral tem origem no que Polacco chama de "lesão da personalidade moral". Os danos morais passíveis de indenização são aqueles traduzidos mais especificamente pela dor intensa, pela elevada vergonha, pela injúria moral, etc." Acórdão do TJSP - Rel. Des. Pinheiro Franco (RT, 711:107)
"(...) II. Os danos morais surgem em decorrência de uma conduta ilícita ou injusta, que venha a causar forte sentimento negativo em qualquer pessoa de senso comum, como vexame, constrangimento, humilhação, dor. Isso, entretanto, não se vislumbra no caso dos autos, uma vez que os aborrecimentos ficaram limitados à indignação da pessoa, sem qualquer repercussão no mundo exterior. Recurso especial parcialmente provido." (REsp n.º 628.854/ES - Rel. Ministro Castro Filho - 3ª Turma - Publicado no DJU de 18-6-2007 p. 255) "O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige." (REsp n.º 403.919-MG - 4ª Turma do STJ - Rel. Min. César Asfor Rocha - DJU de 4-8-03, p. 308) "Dano moral - Banalização - Em se tratando de pedido de indenização decorrente de dano moral, deve ser adotada uma postura extremamente cuidadosa diante de situações rotuladas como causas desencadeadoras, sob pena de banalização do reconhecimento do dano moral, que em nada vem prestigiar as reais situações em que tal espécie de dor se verifica, comprometendo, desse modo, a credibilidade do art. 5º, inc. X da CF/88." (TRT 5ª Região - RO 01472-2000-551-05-85-7 - (1.314/04) - 4ª Turma - Relª Juíza Nélia Neves - J. 27.01.2004) Não ocorreu comprovação do dano moral e, destaque-se, ele não pode ser presumido. Note-se que não há notícias nos autos acerca da conclusão da ação penal. A certidão para fins criminais tirada na Vara de Inquéritos Policiais, datada de 18-10-2006, certifica que os autos estão arquivados em cartório (fl. 99). Cabe salientar que, no caso em análise verifica-se que a situação vivida pelo autor, embora desagradável, não passou de mero aborrecimento e ainda, o autor apenas se prestou a fazer alegações genéricas de que sofreu danos, não produzindo qualquer prova sobre os fatos constitutivos do seu direito conforme determina o art. 333, I, do CPC. Desse modo, ausente qualquer ato ilícito perpetrado pelo réu de modo a ensejar direito à reparação por dano moral, à luz do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Por outro lado, mesmo que houvesse a comprovação do dano, importante destacar que não se verifica nos autos elementos que configurem a ocorrência do nexo causal entre a conduta do Estado e o dano sofrido pelo autor. Não se pode esquecer que a Lei n.º 10.054/2000 que dispõe sobre a identificação criminal e dá outras providências estabelece: "Art. 1º O preso em flagrante delito, o indiciado em inquérito policial, aquele que pratica infração penal de menor gravidade (art. 61, caput, e parágrafo único do art. 69 da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995), assim como aqueles contra os quais tenha sido expedido mandado de prisão judicial, desde que não identificados civilmente, serão submetidos à identificação criminal, inclusive pelo processo datiloscópico e fotográfico. Parágrafo único. Sendo identificado criminalmente, a autoridade policial providenciará a juntada dos materiais datiloscópico e fotográfico nos autos da comunicação da prisão em flagrante ou nos do inquérito policial. Art. 2º A prova da identificação civil far-se-á mediante a apresentação de documento de identidade reconhecido pela legislação. Art. 3º O civilmente identificado por documento original não será submetido à identificação criminal, exceto quando: I - estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento público; II - houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento de identidade; III - o estado de conservação ou a distância temporal da expedição de documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais; IV - constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; V - houver registro de extravio do documento de identidade; VI - o indiciado ou o acusado não comprovar, em quarenta e oito horas, sua identificação civil. Dos documentos juntados, verifica-se que as autoridades policiais cumpriram as disposições constantes do art. 2º, da Lei n.º 10.054/2000, pois o indiciado foi identificado civilmente ao apresentar a carteira de identidade, expedida pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (fl. 32). Embora haja registro do extravio do documento pelo autor (fl. 92), sabe-se que as delegacias não possuem um sistema integrado de informações, impossibilitando desse modo, a troca de informações entre os distritos policiais. Desse modo, agiram, os agentes policiais, de acordo com o que estabelece a legislação vigente, não se podendo esperar conduta diversa. Flávio Tartuce leciona: (...) "A responsabilidade civil, mesmo objetiva, não pode existir sem a relação de causalidade entre o dano e a conduta do agente. Se houver dado sem a sua causa esteja relacionada com o comportamento do suposto ofensor, inexiste a relação de causalidade, não havendo a obrigação de indenizar. (...) Na responsabilidade objetiva o nexo de causalidade é formado pela conduta, cumulada com a previsão legal de responsabilidade sem culpa ou pela atividade de risco (art. 927, parágrafo único, do CC). (Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil, v. 2, 3ª edição, São Paulo: Método, 2008, páginas 364/365). Nem se alegue a aplicação do princípio da responsabilidade objetiva, amparada na teoria do risco administrativo. Nesse sentido, importante destacar as lições de Rui Stoco: "Portanto, o princípio da responsabilidade objetiva, escorada na teoria do risco administrativo mitigado (adotado em nosso ordenamento jurídico), não se reveste de caráter absoluto, ou seja, não é sempre e em todo e qualquer caso que se impõe ao Estado indenizar, pelo só fato do dano sofrido pelo particular, por ação ou omissão de seus prepostos. Cabe obtemperar, ainda, que o art. 37, § 6º, da CF só atribui responsabilidade objetiva à Administração pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, sendo certo que o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação, ou inação dos servidores públicos, mas não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causarem danos aos particulares." (Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 1011) Nestas condições, nego provimento ao recurso. > Decisão: Posto isso, ACORDAM os integrantes da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto do relator. Participaram do julgamento o Desembargador Antonio Renato Strapasson e a Juíza Josély Dittrich Ribas. Curitiba, 04 de agosto de 2009
Péricles Bellusci de Batista Pereira Juiz Relator
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