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Acórdão
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3ª CÂMARA CRIMINAL - APELAÇÃO CRIME Nº 647027-3, DO FORO REGIONAL DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 1ª VARA CRIMINAL APELANTE: BERNARD SISTEMAS LTDA APELADOS: JOSÉ ELOIR KRUPECHACKE E OUTROS RELATOR: JUIZ JEFFERSON ALBERTO JOHNSSON. REVISORA: DES. SÔNIA REGINA DE CASTRO APELAÇÃO CRIMINAL - VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL (ART. 184, § 2º, DO CP) E CONCORRÊNCIA DESLEAL (ART. 195, INCISOS I E III DA LEI Nº 9.279/1996) PLEITO DE CONVERSÃO DO FEITO EM JULGAMENTO PARA A REALIZAÇÃO DE NOVA AUDIÊNCIA PARA OITIVA DE TODOS OS PERITOS AFASTAMENTO PARTE QUE JÁ TEVE OPORTUNIDADE DE SANAR SUAS DÚVIDAS- PLEITO DE REFORMA DA SENTENÇA PARA REAVALIAR AS PROVAS E CONDENAR OS QUERELADOS ÀS PENAS DOS CRIMES DE VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL E CONCORRÊNCIA DESLEAL PERÍCIA TÉCNICA CONCLUSIVA, REALIZADA POR DOIS PERITOS NOMEADOS PELO JUÍZO- INEXISTÊNCIA DE QUALQUER IMPUGNAÇÃO OBJETIVA A SEU CONTEÚDO LAUDO QUE CONCLUIU PELA EXISTÊNCIA DE DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS ENTRE OS SOFTWARES EM QUESTÃO- ILICITUDES NÃO DEMONSTRADAS - DECISÃO CONFIRMADA. - RECURSO NÃO PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime nº 647027-3, de Foro Regional de São José dos Pinhais da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - 1ª Vara Criminal, em que é Apelante BERNARD SISTEMAS LTDA e Apelados JOSÉ ELOIR KRUPECHACKE E OUTROS. Trata-se de recurso interposto pelo querelante, em face da sentença de fls. 956/1010, que absolveu os querelados, Dewey Moreto Wolmann, Elcio Douglas Joaquim, José Eloir Krupechacke e Reginaldo
Witiuk, das sanções do artigo 184, §1º e 2º, do Código Penal e artigo 195, da Lei nº 9.279/96. O querelante nas suas razões recursais (fls. 1052/1075) requer a reforma da sentença de primeiro grau, pugnando em preliminar, para que o feito seja convertido em diligência e assim possa ser marcada audiência com os peritos, para que sejam sanadas dúvidas sobre os critérios da pericia. No mérito, deseja a revisão das provas trazidas aos autos, com a conseqüente condenação dos querelados. Contra-arrazoando o recurso vieram os querelados Reginaldo Witiuk (fls. 1120/1132) e Dewey Wolmann, Elcio Joaquim e José Eloir (fls. 1133/1168), pleiteando pelo improvimento do recurso. O Promotor de Justiça pleiteou pelo provimento do recurso de apelação (fls. 1171/1182). A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou no sentido de conhecer e improver o recurso. É o relatório. II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: Por presentes os pressupostos recursais de
admissibilidade intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato impeditivo e extintivo) e extrínsecos (tempestividade e regularidade formal), conheço do recurso. Tenho que o recurso não merece provimento. A primeira insurgência cinge-se na conversão do feito em diligência para que houvesse nova manifestação acerca dos laudos periciais apresentados. Todavia, observa-se que o douto magistrado "a quo", durante o processo criminal, após a apresentação dos laudos periciais, abriu prazo para que as partes se manifestassem acerca dos referidos laudos, o que realmente ocorreu, consoante fls. 722/752, tendo sido respondidos os quesitos pelos peritos as fls. 754/824, ocasião que foram novamente inquiridos pelo querelante às fls. 842/854. As dúvidas quanto a resposta dos quesitos, devem ser feita em momento processual adequado, sob pena de se perpetuar a demanda, pois uma das partes sempre estará inconformada com o resultado da perícia. Assim, a conversão do feito em julgamento não é a medida adequada nesse momento, razão pela qual afasto tal alegação.
No mérito, a insurgência cinge-se na valoração adequada dos laudos periciais constantes nos autos, insistindo na condenação dos querelados. Todavia, tenho que não merece êxito a pretendida condenação. Após uma apurada análise no processo, vislumbra-se que a perícia oficial de fls. 619/706 concluiu que não houve violação ao direito autoral (vide fls. 655 e 656) tendo o gráfico de fls. 672 chegado à mesma conclusão. A aparente semelhança entre os produtos não é suficiente à configuração do crime. Além do mais a análise da douta juíza sentenciante concluiu com propriedade: "Conforme depreende-se da análise do Laudo de fls. 621-622, verifica-se que os Sistemas foram desenvolvidos em plataformas diferentes, conforme explanação abaixo: "Na partição do Windows 98 SE, foi instalado o SIND 3.2, de propriedade da Bernard Sistemas.
Nesse mesmo computador foi instalado o Borland Delphi 5, visto que o simulador SIND foi desenvolvido nesse ambiente". "Na partição do Windows XP Pro foi instalado o TANGRAM 4.02, de propriedade da Tangram Ssitemas. Nesse notebook foi instalado o PowerBuilder 8.0, visto que o simulador TANGRAM foi desenvolvido nesse ambiente". No quesito 04, constatou-se a diferença entre os sistemas, em especial quanto à simulação do ambiente industrial, a saber: "O SIND 3.2 não é capaz de simular um ambiente industrial que produza um produto diferente de P. O ambiente industrial é único e fixo. A empresa produz somente um tipo de bem de consumo durável. Para a sua produção são necessárias 03 (três) unidades da matéria-prima A e 02 unidades de matéria-prima B. A situação inicial da simulação é única para todas as simulações". "O TANGRAM 4.02 é capaz de simular um ambiente industrial que produz produtos diferentes de P e com n unidades de matéria-prima, e podendo ser com n máquinas. Portanto, o ambiente industrial é definido a cada simulação". Outro ponto de diferença entre os sistemas reside no
fato de o Sistema TANGRAM 4.02 permite a realização de aplicação em bolsa de valores, conforme quesito: "O SIND 3.2 não simula a compra e venda de ações de empresas virtuais. O que faz é determinar os valores das ações da empresa sendo simulada, com base no desempenho de um conjunto de indicadores, definidos do sistema". "O Simulador TANGRAM 4.02 permite que os diretores efetuem aplicações no mercado de ações. Os recursos disponíveis para aplicação, são divulgados mensalmente, a partir de um demonstrativo de conta corrente, por diretor. O percentual a ser aplicado, definido pelo diretor, é sobre o lucro, como forma de bônus. Mensalmente, a empresa provisiona 25% dos seus lucros para serem distribuídos no mês seguinte aos acionistas. O valor apurado, através das funcionalidades do Relatório de Decisão da Bolsa de Valores e do Estrato da Bolsa de Valores, será dividido proporcionalmente aos acionistas, de acordo com a quantidade das ações". O Sistema TANGRAM permite a avaliação de desempenho dos alunos, diversamente do Sistema SIND 3.02, conforme se vê abaixo: "O SIND 3.2 não
é capaz de atribuir, automaticamente, notas para o desempenho dos alunos. O manual do coordenador, não implementado no sistema, apenas sugere avaliação dos alunos através da avaliação do desempenho das empresas ou através da avaliação do aprendizado dos alunos. Ele somente emite certificado de participação". "O Simulador Tangram 4.02 possui dois tipos de avaliação de desempenho: da empresa e dos investidores no mercado de ações. O relatório de notas possui os valores atribuídos automaticamente pelo sistema, conforme desempenho no uso do mesmo". Além de uma série de diferenças existentes e que já foram transcritas acima, quando do início da presente decisão. O ponto mais relevante da perícia recai sobre a resposta dos quesitos de fls. 772 a 774, in verbis: "fls. 639 (...) No Anexo E é apresentado o percentual obtido, de similaridade funcional, dos simuladores SIND 3.2 e TANGRAM 4.02. Entendendo que a análise das funcionalidades dos simuladores foi realizada, em função da comparação de diversos objetos: código fonte, manuais, relatórios e a
execução no simulador. Foram adotadas as seguintes categorias: (i) IGUAL: Quando os simuladores apresentam as mesmas características para a funcionalidade; (ii) PARCIAL: Quando uma determinada funcionalidade está presente, mas parte(s) das características é (são) diferente(s); e (iii) DIFERENTE: Quando uma funcionalidade está presente, mas sua forma de expressão é distinta. Nesse contexto, o simulador TANGRAM 4.02, apresenta apenas 18,87% de suas funcionalidades consideradas IGUAIS ao do SIND 3.2. Como funcionalidades PARCIALMENTE IGUAIS, há um percentual de 20,75%. E as funcionalidades consideradas DIFERENTES totalizam 60,38%." Conforme se vê, a perícia constatou certa similaridade entre os Simuladores de Empresa, no quantum de 18,87% do total do Sistema, e ainda parcialmente iguais uma quantia de 20,75% do Sistema, sendo que a grande maioria do Sistema, qual seja, 60,38% é totalmente diferente, ou seja, não possui qualquer similaridade com o Sistema da Empresa Querelante, SIND 3.2. Ademais, importante destacar que do conjunto dos Laudos elaborados quando das perícias realizadas
no presente feito, torna-se possível constatar que o Sistema TANGRAM consiste em um Simulador Empresarial mais avançado do que o Sistema SIND 3.2 de propriedade da Querelante, vez que permite uma série de aplicações e resultados diversos, por meio da combinação de escolhas, as quais são feitas pelos alunos que utilizam o sistema, permitindo assim um vasto acervo de resultados, diferentemente do Sistema SIND 3.2 que segundo a perícia, permite uma limitada gama de resultados, permitindo assim uma previsibilidade dos resultados após a utilização constante do sistema." Assim concluiu a r. sentença com proeminência e correção. Ensina Moacyr Amaral dos Santos, in "Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, p. 330: "Na avaliação se desenvolve trabalho intelectual do juiz. É ato seu. É ele quem pesa e estima as provas. Ele, que as coligiu, dirigiu, inspecionou, é quem delas vai extrair a verdade". E continua:
"Efetivamente, o juiz brasileiro é livre na apreciação dos elementos de prova, no sentido de que deve pesar as provas colhidas, apreciá-las e submetê-las aos rigores do seu raciocínio esclarecido e desapaixonado, e formar convicção, quanto à verdade daí surgida, ao abrigo de qualquer constrangimento moral. É livre porque, como investigador da verdade, não está sujeito de forma absoluta a seguir as regras que atribuam valor quantitativo aos meios de prova, mas ao contrário, tem a faculdade de atribuir-lhes a eficácia que resultar da influência que exerçam em sua consciência" (obra citada, p. 334). Acerca da apreciação da prova pericial, aquele doutrinador esclarece: "Ocorre, porém, que nem sempre o Juiz, por mais culto e arguto, estará em condições, em face da coisa, de verificar o fato, ou porque lhe faltem conhecimentos, científicos ou técnicos especializados ou mesmo, até, por carência da perfeição de seus órgãos sensórios. A natureza das coisas e dos fatos,
a necessidade de perscrutar suas causas e conseqüências, impõem possua o observador qualidades ou conhecimentos técnicos especiais. Como o observador será o juiz e como este não possui tais conhecimentos, mesmo porque não são próprios de sua formação científica ou técnica, ele, para que a observação da coisa e dos fatos se faça por forma útil, se utiliza de `pessoas entendidas' na matéria, as quais lhe transmitem as suas observações. Essas pessoas entendidas ou técnicas são os `peritos': o processo de verificação dos fatos por peritos é que se chama perícia" (p. 414). No caso dos autos, o MM. Juiz de primeiro grau prolatou sua decisão arrimando-se, principalmente, na conclusão do laudo pericial de fls. 619/706, que vai de encontro com a prova oral produzida em audiência.A perícia foi realizada por uma Dra. em Ciência Computação e um Mestre em Telecomunicações. Cumpre destacar que a perícia realizada em sede de busca e apreensão, foi realizada por um único perito, sem o necessário contraditório.A necessidade da realização da segunda perícia já foi objeto de exame por esta Câmara no julgamento da Correição Parcial n.º 448.288-2, que concluiu pela sua necessidade em razão da busca da verdade real e do respeito ao contraditório.Na Cautelar somente se examinou o fumus boni iuris e o
periculum in mora, para defesa urgente, sem incursões sobre o mérito da causa. Com efeito, a preponderância da análise técnica da segunda períc sobre qualquer outra se impõe. Urge salientar, destarte, o fato de que o laudo pericial, elaborado por peritos do Juízo é conclusivo, e não sofreu prova contrária capaz de elidi-lo. De fato, para a desconstituição da referida prova caberia ao querelante fundamentar sua pretensão em dados robustos que pudessem desacreditá-la, ou ao menos suscitar dúvida relevante, não sendo suficiente para tal mister o simples argumento de ilegalidade ou desacordo com a perícia oficial conclusiva. Desta forma, o contexto probatório demonstrou, com absoluta segurança, que apesar da similitude dos sistemas em discussão, não há a pretensa identidade entre eles. Neste diapasão e ponderados todos os válidos elementos probantes coligidos, é bem de ver que, ao contrário do que alegado pelo querelante, o juízo absolutório formou-se com base em firme e correto convencimento advindo do exame de prova lícita e oficial, não havendo que se
acolher o perseguido pedido condenatório formulado pelo querelante. Quanto à condenação pretendida pelo artigo 195, I e III da Lei nº 9.279/1996, tenho que melhor sorte não assiste o recorrente. O artigo 195 reza: "Comete crime de concorrência desleal quem: I publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem; (...) III emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem: (...)". Para Pontes de Miranda "o que se condena, na repressão da concorrência desleal, é o emprego de certos meios de luta". Ele também diz que "ato de concorrência desleal é ato reprimível criminalmente e gerador de pretensão à abstenção ou à indenização, que se praticou no exercício de alguma atividade e ofende à de outrem no plano da livre concorrência" (PEREIRA, Marco Antônio Marcondes. Concorrência desleal por meio da publicidade. São Paulo: Juarez de Oliveira., 2001.p. 15)
Portanto, ausente a violação do direito autoral, consubstanciada na manutenção da absolvição dos querelados resta inviável a condenação pelo crime de concorrência desleal, já que se afastou, no que tange ao inciso I, o intuito de obtenção de vantagem e no inciso III o desvio de clientela por meio fraudulento. Repito que o laudo de fls.621/622, foi firme na conclusão de que existem inúmeras diferenças entre os dois sistemas em questão, apontando do sistema SIND 3.2 como mais "compacto" e o sistema TANGRAM 4.02 mais complexo. Cumpre destacar que nada impede que, no âmbito dos softwares, seja criado programa de computador com funções assemelhadas às de outro anterior, bastando para tanto que não seja idêntico em sua constituição como no presente caso, já que a idéia que culminou em sua criação não é protegida por nosso ordenamento jurídico. A propósito é da doutrina que: "... vale relembrar que o programa de computador, por ser protegido pelo direito autoral, submete-se ao regime próprio desse gênero de propriedade intelectual. Em decorrência, é possível a qualquer um comercializar logiciários que atendam às mesmas necessidades dos já existentes no mercado, desde que não os reproduzam (o que configuraria plágio). Também em virtude deste enquadramento no campo do direito do autor, não é ilícita a desengenharia dos logiciários, isto é, a descoberta do modo de operação do programa, através de sua desestruturação, como forma de pesquisa de novas alternativas de
desenvolvimento da informática." (Curso de Direito Comercial, Fábio Ulhôa Coelho, vol. 1, Ed. Saraiva, p. 145/146, grifei) Assim, é de curial saber que a idéia da apelante, no sentido da criação de um simulador empresarial, não está a salvo da utilização em programa de computador diverso, com destinação assemelhada. Em conclusão, voto no sentido de que seja negado provimento do recurso, mantendo-se incólumes os termos do r. decisum guerreado. III - DECISÃO: Acordam os Desembargadores do 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos em negar provimento ao recurso, nos termos do voto. Presidiu o julgamento o Des. Marques Cury, sem voto, e acompanharam o voto do Relator, a Desembargadora Sonia Regina de Castro e o Desembargador Rogério Kanayama. Curitiba, 19 de agosto de 2010. Assinado Digitalmente JEFFERSON ALBERTO JOHNSSON Juiz Substituto em 2º grau
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