EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE SENTENÇA DE CURATELA
O DR. MARCELO PIMENTEL BERTASSO, JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE UMUARAMA, ESTADO DO PARANÁ, NA FORMA DA LEI, ETC...
FAZ SABER a todos quantos o presente edital virem, ou dele conhecimento tiverem, que nos autos de CURATELA sob nº 0000264-81.2021.8.16.0156 em que Ministério Público do Estado do Paraná move em face de Terezinha Ribas Melo, foi decretada a curatela de Terezinha Ribas Melo e nomeado como curadora Cleide Barboza dos Santos Melo, nos termos da r. sentença, a seguir transcrita:
1. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ ingressou com ação de curatela em face de TEREZINHA RIBAS MELO alegando, em síntese, que em razão de moléstia, a curatelanda é incapaz para a realização de atos da vida civil. Requereu a concessão de antecipação de tutela, com nomeação de curador. No mérito, pediu a submissão da requerida a curatela. Juntou documentos (seqs. 1.2-1.5). O pedido de antecipação de tutela foi deferido (seq. 9.1), sendo nomeada como curadora provisória Leonilda Ribas de Melo. Na mesma decisão, foi determinada a expedição de ofício ao CREAS para elaboração de estudo psicossocial na residência da curadora. Relatório de estudo social no seq. 27.1, em que constatada a impossibilidade da curadora provisória de exercer a curatela da requerida. A curatelanda se manifestou por curador especial no seq. 36.1, que invocou negativa geral. Decisão no seq. 60.1, em que nomeada Neuza Farias de Almeida como curadora provisória em substituição à primeira. O interrogatório judicial da curatelanda foi realizado no seq. 153.2. Proferi decisão no seq. 279.1, em que nomeei Cleide Barbosa dos Santos como curadora provisória da curatelanda e determinei a realização de estudo social. Relatório técnico no seq. 289.1. Após vistas ao MP e prazo para manifestação do curador especial, os autos vieram-me conclusos. É o relatório. 2. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) deu disciplina totalmente nova ao tratamento jurídico atribuído às pessoas com deficiência intelectual ou física. Diz o art. 2º da nova norma que “Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. O art. 6º, por sua vez, é categórico em dizer que “A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa (...)”. Nessa esteira, o art. 114 da mesma lei revogou os incisos do art. 3º do Código Civil, retirando do mundo jurídico a previsão de incapacidade civil absoluta decorrente de deficiência mental ou física. O art. 84 do Estatuto afirma que “A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”. O § 1º autoriza, quando necessária, a submissão do deficiente à curatela, com a ressalva do § 3º no sentido de que “A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível”. O caput do art. 85, na mesma linha, prevê que “A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial”, constituindo, nos termos do § 2º, “medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado”. Comentando a novidade legislativa, ensina Pablo Stolze Gagliano [1]: Em outras palavras, a partir de sua entrada em vigor, a pessoa com deficiência - aquela que tem impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, nos termos do art. 2º - não deve ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz, na medida em que os arts. 6º e 84, do mesmo diploma, deixam claro que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa: Art. 6º. A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: I - casar-se e constituir união estável; II - exercer direitos sexuais e reprodutivos; III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. Esse último dispositivo é de clareza meridiana: a pessoa com deficiência é legalmente capaz. Considerando-se o sistema jurídico tradicional, vigente por décadas, no Brasil, que sempre tratou a incapacidade como um consectário quase inafastável da deficiência, pode parecer complicado, em uma leitura superficial, a compreensão da recente alteração legislativa. Mas uma reflexão mais detida é esclarecedora. Em verdade, o que o Estatuto pretendeu foi, homenageando o princípio da dignidade da pessoa humana, fazer com que a pessoa com deficiência deixasse de ser “rotulada” como incapaz, para ser considerada - em uma perspectiva constitucional isonômica - dotada de plena capacidade legal, ainda que haja a necessidade de adoção de institutos assistenciais específicos, como a tomada de decisão apoiada e, extraordinariamente, a curatela, para a prática de atos na vida civil. De acordo com este novo diploma, a curatela, restrita a atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial (art. 85, caput), passa a ser uma medida extraordinária: Art. 85, § 2º. A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado. Temos, portanto, um novo sistema que, vale salientar, fará com que se configure como “imprecisão técnica” considerar-se a pessoa com deficiência incapaz. Ela é dotada de capacidade legal, ainda que se valha de institutos assistenciais para a condução da sua própria vida. Maurício Requião[2], a seu turno, destaca que a nova lei apaga do mundo jurídico a previsão de incapacidade decorrente de deficiência, mas destaca que isso, contudo, não conduz necessariamente ao descabimento de curatela, embora agora prevista como medida extraordinária: Assim, o fato de um sujeito possuir transtorno mental de qualquer natureza, não faz com que ele, automaticamente, se insira no rol dos incapazes. É um passo importante na busca pela promoção da igualdade dos sujeitos portadores de transtorno mental, já que se dissocia o transtorno da necessária incapacidade. Mas é também uma grande mudança em todo o sistema das incapacidades, que merece cuidadosa análise. A mudança apontada não implica, entretanto, que o portador de transtorno mental não possa vir a ter a sua capacidade limitada para a prática de certos atos. Mantém-se a possibilidade de que venha ele a ser submetido ao regime de curatela. O que se afasta, repise-se, é a sua condição de incapaz. Esta determinação da nova lei, aliás, reforça entendimento que já se havia defendido em tese de doutorado, sobre a necessária distinção entre transtorno mental, incapacidade e curatela. A avaliação de existência de transtorno mental é algo que cabe ao campo médico, ou da psicanálise, sendo mais comumente objeto de estudo da psiquiatria e da psicopatologia. Os diagnósticos de transtorno mental na medicina costumam atualmente ser feitos com base no Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders (DSM), documento formulado pela Associação Americana de Psiquiatria, que se encontra atualmente na sua quinta edição (DSM 5), publicada oficialmente em 18 de maio de 2013. Destaque-se que diversas são as críticas feitas a tal documento, dada a amplitude de quadros que lá são alvo de diagnóstico, de modo que, dificilmente, um sujeito transcorrerá sua vida sem que em qualquer momento tenha possuído algum transtorno. O colunista e o próprio leitor, muito possivelmente, se encontram neste exato momento acometidos de algum dos transtornos lá descritos. Assim, não há relação necessária entre o sujeito ser portador de um transtorno mental e não possuir capacidade cognitiva ou de discernimento. A incapacidade, por sua vez, é categoria jurídica, estado civil aplicável a determinados sujeitos por conta de questões relativas ao seu status pessoal. Pode decorrer tanto da simples inexperiência de vida, como por conta de circunstâncias outras, tais como o vício em drogas de qualquer natureza. Dentre estas circunstâncias, até a chegada do Estatuto que ora se discute, encontrava-se o transtorno mental, sob as mais diversas denominações (enfermidade ou deficiência mental, excepcionais sem desenvolvimento mental completo). Independe a incapacidade de decretação judicial. Enquadrando-se o sujeito numa das hipóteses previstas no suporte fático normativo, é ele incapaz e, portanto, ao menos de algum modo limitado na prática dos seus atos. Já a curatela, que se estabelece a partir do processo de interdição, visa determinar os limites da incapacidade do sujeito para a prática de certos atos, bem como constituir um curador que venha a representá-lo ou assisti-lo nos atos jurídicos que venha a praticar. E é justamente sobre a curatela e a interdição que se faz sentir grande reflexo na mudança do sistema das incapacidades no Código Civil. Isto porque a regra passa a ser a garantia do exercício da capacidade legal por parte do portador de transtorno mental, em igualdade de condições com os demais sujeitos (artigo 84, Estatuto da Pessoa com Deficiência). A curatela passa a ter o caráter de medida excepcional, extraordinária, a ser adotada somente quando e na medida em que for necessária. Tanto assim que restaram revogados os incisos I, II e IV, do artigo 1.767, do Código Civil, em que se afirmava que os portadores de transtorno mental estariam sujeitos à curatela. Não mais estão; podem estar, e entender o grau de tal mudança é crucial. Diz textualmente a nova lei (artigo 84, parágrafo 3º) que a curatela deverá ser “proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível”. Legisla-se assim a obrigatoriedade da aplicação de tailored measures, que levem em conta as circunstâncias de cada caso concreto, afastando a tão comum saída, utilizada até então de forma quase total, de simples decretação da incapacidade absoluta com a limitação integral da capacidade do sujeito. A isto, aliás, conecta-se também a necessidade da exposição de motivos pelo magistrado, que agora terá, ainda mais, que justificar as razões pelas quais limita a capacidade do sujeito para a prática de certos atos. Ademais, tornou-se lei também a determinação de que a curatela afeta apenas os aspectos patrimoniais, mantendo o portador de transtorno mental o controle sobre os aspectos existenciais da sua vida, a exemplo do “direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto”, expressamente apontados no artigo 85, parágrafo 1º, do Estatuto. Já era sem tempo a necessidade de reconhecer que eventual necessidade de proteção patrimonial não poderia implicar em desnecessária limitação aos direitos existenciais do sujeito. Reforça-se, com tudo isto, que a curatela é medida que deve ser tomada em benefício do portador de transtorno mental, sem que lhe sejam impostas restrições indevidas. O estatuto traz regulamentação ampla acerca das consequências jurídicas da deficiência, afastando cabalmente a conclusão acerca da existência de incapacidade e regulamentando a forma de exercício de direitos tendo em conta a especial condição do deficiente, sempre reservando a curatela como medida de última ratio. Nesse norte, afastou-se a exigência de termo de curatela em diversas situações, como na emissão de documentos oficiais (art. 86) e para o requerimento e recebimento de benefícios previdenciários, a partir da inclusão, pelo art. 101 do Estatuto, do art. 110-A à Lei nº 8.213/1991, que diz: Art. 110-A. No ato de requerimento de benefícios operacionalizados pelo INSS, não será exigida apresentação de termo de curatela de titular ou de beneficiário com deficiência, observados os procedimentos a serem estabelecidos em regulamento. Vem daí, portanto, que, sendo a pessoa deficiente detentora de capacidade civil plena, somente se admite o processamento da interdição (entendida como ação de imposição de curatela e não mais voltada à declaração da incapacidade civil) quando demonstrada a imperiosa necessidade de prática de atos de gestão patrimonial pelo curador em razão da impossibilidade do exercício de seus direitos pelo interditando e quando for impossível recorrer-se ao mecanismo da tomada de decisão apoiada (como, por exemplo, quando o interditando possuir patrimônio que exija gestão e não tenha condições de tomar decisões referentes a essa gestão). O simples manejo da demanda como forma de viabilizar o acesso ao recebimento de benefícios previdenciários não mais conta com o beneplácito da lei. É que a curatela não é necessária para isso e sua utilização com essa finalidade constitui banalização da medida protetiva extraordinária, cabendo ao interditando, caso encontre resistência em fazer valer seus direitos frente à autarquia previdenciária, valer-se dos remédios jurídicos cabíveis para sanar a situação. Tendo em conta tais lineamentos, entendo que, no caso dos autos, o relatório médico trazido ao processo (seq. 141.1) revela que a curatelanda não tem condições de gerir seus próprios atos em razão de sequelas decorrentes de AVC, o que autoriza sua submissão à curatela, na forma proposta. Por outro lado, o relatório do seq. 289.1 foi favorável à nomeação de CLEIDE BARBOSA DOS SANTOS como curadora. 3. Pelo exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido na inicial para o fim de submeter TEREZINHA RIBAS MELOa curatela, restrita a aspectos patrimoniais e negociais, a ser exercida por CLEIDE BARBOSA DOS SANTOS, a quem competirá prestar contas anualmente dos atos de sua gestão. Sem custas, por ter a demanda sido proposta pelo MP. Sem honorários. Condeno o ESTADO DO PARANÁ ao pagamento dos honorários do curador especial, que arbitro, nos termos do art. 5, § 1º, da Lei nº 18.664/2015 e da Resolução Conjunta nº 15/2019 - PGE/SEFA, considerando a complexidade da demanda e que a atuação não se limitou à negativa geral (o curador inclusive participou do interrogatório realizado no seq. 153.1), em R$ 800,00 (oitocentos reais) Com o trânsito em julgado, providencie-se (art. 755, § 3º, do Código de Processo Civil): a) a inscrição da sentença no registro de pessoas naturais; b) a publicação da sentença na rede mundial de computadores, no site do Tribunal de Justiça do Paraná e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, se disponíveis; c) a publicação da sentença por três vezes no órgão oficial, com intervalos de dez dias entre cada, dispensando-se a publicação na imprensa local, porque promovida a demanda por beneficiária da gratuidade P. R. I. Umuarama, 10 de abril de 2024. Marcelo Pimentel Bertasso, Juiz de Direito.
Umuarama, 24 de abril de 2024.
(Assinado Digitalmente)
Marcelo Pimentel Bertasso
Juiz de Direito