Protocolo nº0018127-12.2020.8.16.6000


DECISÃO Nº 92/2021 - I - Trata-se de recurso administrativo (doc. 6522422) interposto por COMPWIRE INFORMÁTICA S/A contra a decisão da Senhora Secretária deste Tribunal de Justiça (doc. 6444243) que aplicou a penalidade de “multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por hora, multiplicada por 8 dias, 1 hora e 54 minutos (193 horas), totalizando R$ 193.750,00 (cento e noventa e três mil, setecentos e cinquenta reais). No entanto, com redução à metade, R$ 96.875,00 (noventa e seis mil, oitocentos e setenta e cinco reais), conforme previsto no subitem 4.1 do item 4 do Capítulo 4 do Anexo I do Edital de Pregão Eletrônico n.º 1/2018”, em decorrência do atraso na prestação dos serviços de manutenção e reposição de peças.
Em suas razões recursais, a recorrente afirma que a decisão deve ser anulada em virtude da inobservância do devido processo legal, bem como dos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois não lhe foi oportunizado prazo para oferecimento de alegações finais.
Ainda, alega que a penalidade de multa foi desproporcional e desarrazoada.
Além disso, pugna pela aplicação supletiva do art. 413 do Código Civil, para que o valor da multa seja reduzido a R$ 10.000,00.
Caso se entenda pela manutenção da penalidade imposta, defende que o seu valor deve ser corrigido, porquanto não houve 193h de atraso na prestação do serviço, mas sim 188h.
Ao final, requer (i) a concessão de efeito suspensivo ao presente recurso; (ii) a anulação da decisão recorrida, em razão da inobservância do devido processo legal, bem como dos princípios do contraditório e da ampla defesa; (iii) ou a reforma da decisão para substituir a pena de multa por advertência, considerando os fatos apresentados (iv) ou a redução do valor da penalidade imposta para o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), tendo em vista os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade; (v) por fim, a correção dos cálculos, caso se mantenha a penalidade pecuniária da forma imposta.
A Consultoria Jurídica da Presidência opinou pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pelo parcial provimento (doc. 6730419).

É o relatório. Decido.

II - Do pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso.

De acordo com os fundamentos explicitados no parecer da Consultoria Jurídica da Presidência (doc. 6730419), o recurso contra a decisão que determina a aplicação de penalidade contratual não tem, em regra, efeito suspensivo, podendo ser deferido pela autoridade competente apenas nos casos em que o interesse público justificar”, e que, “no caso em foco, não se vislumbra razão de interesse público que justifique a concessão de efeito suspensivo ao recurso da recorrente”.
Assim, indefiro o pedido.

III - Do mérito.

Segundo a Consultoria Jurídica da Presidência, a prática da infração restou incontroversa, uma vez que a recorrente não apresentou questão de fato ou de direito que pudesse infirmá-la.
Com relação à tese de que houve violação dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, a Consultoria da Presidência entendeu que ela deve ser rejeitada:

O fato de não ter sido oportunizado prazo para oferecimento de alegações finais não significa que houve infringência aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.
As alegações finais são o ato final da instrução do processo, antecedente ao relatório da Comissão e à decisão, que tem por objetivo convencer a autoridade de que, diante das provas colhidas nos autos, o pleito merece provimento.
É o que se extrai dos incisos IV, V e VI do art. 162 da Lei Estadual nº 15.608/07 [...]
Da leitura dos dispositivos, depreende-se que a apresentação das alegações finais somente é imprescindível se houver dilação probatória, tendo em vista que constituem uma avaliação crítica da prova produzida nos autos.
[...]
Portanto, no presente caso, em que não houve dilação probatória, a ausência de intimação da recorrente para apresentação das razões finais mostrou-se correta, não tendo maculado os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório”.
[...]
Em suma, considerando que a aplicação da penalidade obedeceu ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, bem como aos ditames da Lei Estadual nº 15.608/07 e do Decreto Judiciário nº 711/2011, não há suporte jurídico hábil a embasar a anulação da decisão recorrida”.

No que tange à alegação de que o valor da penalidade de multa é desproporcional, a Consultoria assentou que:

“Oportuno salientar que o item 12.3 do capítulo 4 do Termo de Referência, que prevê o valor fixo de R$ 1.000,00 por hora de atraso, não confere ao administrador qualquer margem de discricionariedade para balizamento na dosimetria da pena em razão de sua taxatividade cerrada. Isso impede que o administrador utilize outra base de cálculo ou valor para impingir a sanção contratual.
Além do mais, aplicando-se as dimensões da proporcionalidade ao caso concreto, verifica-se que a penalidade é necessária, adequada e proporcional à conduta praticada, vejamos:
a) necessidade: com a prática do ato infracional, que restou incontroverso nos autos, surgiu para a Administração Pública o dever de responsabilizar a recorrente, sob pena de, em sentido contrário, ocorrer a responsabilização da autoridade pública.
O Manual de Sanções elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) assim orienta:
'Diante do poder disciplinar da Administração Pública, entende-se que a apuração para a aplicação de sanção, nos casos de infração administrativa, não é um ato discricionário, é um poder-dever. Assim, tendo conhecimento de indícios da existência de uma infração administrativa praticada por servidor ou particular, a Administração tem o dever de instaurar o procedimento adequado à sua apuração e, conforme o caso, realizar a consequente aplicação das penas cabíveis.
Quando determinada ação é classificada como ilícita, gera-se o dever de punição. A omissão de punição ao ilícito é tão antijurídica quanto a prática do próprio ilícito. Foge da discricionariedade da Administração punir ou não punir, segundo um juízo de conveniência política. Aliás, a conduta do agente público que deixa de adotar as providências destinadas a promover a punição do sujeito que praticou ilícito pode configurar crime. Portanto, a prévia definição normativa dos ilícitos puníveis vincula o administrador e retira a margem de liberdade sobre a conduta futura a adotar.'
b) adequação: como o valor total do contrato alcança o montante de R$ 4.300.000,00 (quatro milhões e trezentos mil reais), não se mostra inadequada a penalização na importância de R$ 96.875,00 (noventa e seis mil, oitocentos e setenta e cinco reais), a qual representa, em termos percentuais, apenas 2,25% do valor total contratado. Além do mais, indene de dúvida que a penalidade escolhida é o meio mais adequado para compensar a mora ocorrida;
c) proporcionalidade em sentido estrito: o caráter pedagógico da multa decorrente do significativo atraso verificado é superior ao desfalque patrimonial que provoca na recorrente. Com a aplicação da penalidade, evita-se eventual reincidência e a inexecução contratual por parte da contratada, de forma a assegurar que o interesse público subjacente ao contrato seja atingido.
(...)
Quanto à alegação de que a infração administrativa não causou prejuízos ao Tribunal de Justiça, esta não é suficiente para afastar a aplicação da penalidade.
Isso porque a ausência de prejuízo não desnatura a obrigação e não descaracteriza a infração, mormente porque, ainda que a prestação tenha sido adimplida, o foi a destempo, situação que por si só configura o descumprimento contratual (atraso na prestação do serviço contratado). Essa é exegese que se extrai da leitura do art. 117 da Lei Estadual nº 15.680/07, que prevê “o contrato deve ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas consequências de sua inexecução total ou parcial”
[...]
Por último, registra-se que mitigar a atuação faltosa da recorrente acarretaria inaceitável privilégio, ofendendo diretamente os princípios que regem as contratações públicas, tais como a impessoalidade, isonomia e vinculação ao instrumento convocatório.
Assim, sob todos os ângulos que se analise a questão, não há como acolher o pedido da recorrente de afastamento da multa ou a sua substituição pela pena de advertência”.
Quanto ao pedido de redução do valor da multa com base na aplicação supletiva do art. 413 do Código Civil, assinalou-se no ato opinativo que:

“Também não procede argumento de ser aplicável ao caso a regra do art. 413 do Código Civil, por força do art. 54 da Lei nº 8.666/1993, visando à redução na multa aplicada.
[...] embora se admita a aplicação supletiva das disposições de direito privado aos contratos administrativos, estas não podem ser incompatíveis com o regime de direito público.
[...]
No caso em tela, o contrato nº 129/2018 previu um método de pena exata ao estabelecer a espécie de sanção (multa) e o seu valor, os quais compõem equação imutável e insuscetível de manipulação pelo administrador público.
O único benefício que se admite no âmbito desse contrato é a redução da penalidade até a metade, na forma do subitem 4.1 do Capítulo 4 do Anexo II do Edital de Pregão Eletrônico nº 1/2018, o qual foi concedido à recorrente no grau máximo, ensejando a redução da multa de R$ 193.750,00 para R$ 96.785,00 (50%).
O que a recorrente pretende aqui é uma nova redução do valor da multa que lhe foi aplicada, para o importe de R$ 10.000,00 (redução de 90% do valor original), o que não pode ser admitido, sob pena de violação dos princípios da vinculação ao instrumento convocatório (que irradia seus efeitos no contrato) e do tratamento isonômico entre os contratados pela Administração.
Ademais, o acolhimento desse pedido estimularia centenas de outros contratados a simplesmente ignorarem as cláusulas contratuais, pois teriam a certeza que, ao final, as multas seriam reduzidas significativamente, premiando-se e incentivando-se o reiteramento desse tipo de comportamento, que é lesivo ao interesse público que se busca com o contrato administrativo.
Por arremate, em um contrato administrativo cujo valor é de R$ 4.300.000.00 (quatro milhões e trezentos mil reais), a fixação da pena de multa em R$ 96.785,00 não se mostra abusiva/excessiva, visto que equivale a 2,25% do valor total contratado. Registre-se, por oportuno, que não houve recurso da recorrente contra o edital de licitação, que previa referida cláusula penal.
Em virtude dessas considerações, deve ser afastada a aplicação supletiva do art. 413 do CC ao caso em questão”.

Por outro lado, a Consultoria Jurídica manifestou-se favoravelmente à correção do valor da multa moratória, aduzindo que:

“Denota-se que o chamado para assistência técnica foi aberto via “chat” em 13/02/2020, às 12h e 36min, segundo se extrai do relatório de serviço nº 4920782, sendo que a fabricante tinha até às 18h e 36min para finalizá-lo, conforme cláusula sétima do contrato administrativo nº 129/2018. [...]
Considerando que a mora pelo atraso ocorrido iniciou-se às 18h e 37m do dia 13/02/2020, e que o problema foi solucionado apenas às 14h e 30min do dia 21/02/2020, tem-se que houve um atraso de 7 dias, 19h e 53min (187h e 53min), e não de 8 dias, 1h e 54 min (193h), conforme constou na decisão 6444243 da Ilma. Secretária desta Corte.
[...]
Desse modo, é imperiosa a revisão do valor da penalidade aplicada, a fim de que a recorrente seja sancionada com multa de R$ 1.000,00 por hora multiplicado por 7 dias, 19h e 53min (187h e 53min de atraso), lembrando que para cada período de 01 hora poderão ser aplicadas proporcionalmente à fração de cada quarto de hora totalmente descumprido (item 12.1 do Termo de Referência.
Ainda, o valor da multa deverá ser reduzido pela metade, consoante o previsto no subitem 4.1 do item 4 do Capítulo 4 do Anexo I do Edital de Pregão Eletrônico n.º 1/2018 e deliberado pelo Grupo de Estudos de Rescisões Contratuais, Infrações e Aplicação de Penalidades (relatório 2361138)”.

IV - Ante o exposto, acolho o parecer jurídico da Consultoria Jurídica deste Gabinete da Presidência (doc. 6730419), cujos fundamentos adoto como razões de decidir, para conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe parcial provimento, reformando-se, em parte, a decisão STJPR-GS-CJ 6442430 para a redução da penalidade aplicada, devendo a multa moratória ser calculada da seguinte forma: R$ 1.000,00 por hora, multiplicado por 7 dias, 19h e 53 min (187h e 53min de atraso). No entanto, com redução à metade, conforme previsto no subitem 4.1 do item 4 do Capítulo 4 do Anexo I do Edital de Pregão Eletrônico n.º 1/2018 e deliberado pelo Grupo de Estudos de Rescisões Contratuais, Infrações e Aplicação de Penalidades (relatório 2361138).

V - À Coordenadoria de Arrecadação (FUNREJUS) para cálculo do valor da multa com base nas diretrizes acima expostas e posterior emissão da guia de recolhimento para pagamento. Ademais, deverá efetuar as verificações e diligências necessárias à execução da penalidade, bem como para proceder à inscrição no CADIN Estadual se verificada a inadimplência, tudo em conformidade com os artigos 20-A e ss. do Decreto Judiciário n.º 711/2011, com o art. 1º do Decreto Judiciário n.º 945/2018 e com o art. 4º do Decreto Judiciário n.º 53/2021.

VI - Após, à Comissão Permanente de Apuração de Irregularidades e Aplicação de Sanções Administrativas às Empresas Contratadas para as anotações devidas, ciência à empresa contratada e demais providências regulamentares.

VII - Oportunamente, arquive-se.

Curitiba, data registrada no sistema.


Curitiba, 24/08/2021.


Des. JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná