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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ESTADO DO PARANÁ APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO N. 661.559-2 DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA- 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA, FALÊNCIAS E CONCORDATAS. RELATOR: DES. RUY CUNHA SOBRINHO APELANTE 1: ESTADO DO PARANÁ APELANTE 2: MANOEL MARTINS MARQUES APELADOS: ESTADO DO PARANÁ, MANOEL MARTINS MARQUES E MÁRIO MARTINS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. LEVANTAMENTO DE NUMERÁRIO DEPOSITADO EM CONTA JUDICIAL. ALVARÁ EXPEDIDO EM FAVOR DE PESSOA QUE NÃO FIGURAVA COMO PROCURADOR DA PARTE A QUEM SE DESTINAVA O NUMERÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE CULPA DE TERCEIRO A ENSEJAR A EXCLUSÃO DO DEVER DE REPARAÇÃO. PECULIARIDADE DO CASO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ESCRIVÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS A INDICAR CULPA OU DOLO DO ESCRIVÃO OU SEUS PREPOSTOS. Recursos não providos e sentença mantida em sede de Reexame Necessário, conhecido de ofício. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível e Reexame Necessário n. 661.559-2, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba 1ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas, em que são Apelantes Estado do Paraná e Manoel Martins Marques, Apelados Estado do Paraná, Manoel Martins Marques e Mário Martins. I. Manoel Martins Marques ajuizou ação de reparação de danos em face do Estado do Paraná e de Mário Martins. Na petição inicial aduziu figurar como exequente na execução de título extrajudicial (autos 17858/0000) do Juízo da 13ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, ajuizada em face de Domicilium Consultoria em Comércio Exterior Ltda.; que arrematou os bens penhorados, tendo depositado em Juízo em 27/11/2000 a diferença de R$28.000,00; que posteriormente a alienação judicial foi declarada nula e, ao pretender levantar o numerário que lhe deveria ser restituído, foi surpreendido com o fato de já ter sido levantada; que de acordo com as informações da Serventia do Juízo, teria sido expedido o alvará n. 193/2004 autorizando um suposto advogado a levantar o numerário (Nilson Vieira, OAB-SP 39.414); que no alvará teria constado inscrição na OAB-PR, mas no documento apresentado em cartório constava a inscrição como sendo da seccional de São Paulo, tratando-se de um documento em modelo antigo. Afirmou não ter constituído referida pessoa como seu advogado; que não haveria prova de ser advogado, sendo inexistentes tanto o nome quanto o número de inscrição nas seccionais do Paraná e de São Paulo; que em data de 17/03/2007 foi levantada a quantia de R$37.563,36 e o processo teria sido retirado em carga pelo suposto advogado, o qual não procedeu à devolução dos autos. Sustentou que seria flagrante a responsabilidade do Estado pelos danos materiais suportados, decorrente da má prestação do serviço; que nenhuma diligência teria sido tomada para verificar se a pessoa que se apresentou como Nilson Vieira seria ou não advogado; que somente depois do ocorrido é que a Escrivania teria diligenciado e obtido informações de que referido nome não seria inscrito na OAB. Pediu a condenação solidária dos réus à devolução da quantia indevidamente levantada, corrigida a partir do ilícito até a efetiva devolução. A petição inicial foi instruída com os documentos de fls. 07-22. Citados, os réus ofertaram resposta. O Estado do Paraná (fls. 39-42) sustentou a ausência de prova do nexo causal e que o ônus da prova de eventual negligência da Escrivania seria do autor. Também argumentou que a Escrivania teria sido vítima de atuação ilícita da pessoa que teria se passado por Nilson Vieira, além do que, não haveria prova de ter o agente público faltado com obrigação que lhe competia. Mario Martins (fls. 49-59) arguiu as preliminares de inépcia da petição inicial e de ilegitimidade passiva. No mérito defendeu a ausência do dever de reparação, uma vez que ausente obrigação de ter diligenciado junto à Ordem dos Advogados do Brasil acerca da veracidade material e ideológica do documento apresentado, além do que, a subtração dos autos impediria a verificação das responsabilidades dos envolvidos; que certamente teria havido verificação formal, e de acordo com a normatização dos serviços, de toda a documentação apresentada à época dos fatos, fato confirmado pelo próprio ato do Magistrado em determinar o levantamento do numerário; que ao Juiz caberia a verificação da existência dos pressupostos autorizadores do levantamento pretendido, sendo deste o dever de vigilância; que a sindicância instaurada para a apuração dos fatos teria concluído pela ausência de negligência de sua parte. O autor replicou às fls. 61-63 e 64-65, aduzindo que a responsabilidade do Escrivão seria objetiva e a suficiência da prova do dano a ensejar a responsabilidade civil do Estado. O Ministério Público em primeiro grau entendeu ser o caso de ser dispensada sua intervenção no processo (fls. 67-68). À fl. 69 foi oportunizada às partes a especificação de provas, tendo o Estado do Paraná ofertado manifestação à fl. 71. Sobreveio a sentença (fls. 76-82), decidindo o condutor do processo pela parcial procedência do pedido, para o fim de condenar (somente) o Estado do Paraná ao pagamento da quantia de R$37.563,36, corrigida monetariamente desde o ilícito e com juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação. O Estado do Paraná restou ainda condenado ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios ao patrono do autor, estes arbitrados em R$4.000,00, restando o autor condenado ao pagamento dos honorários de sucumbência para o segundo réu, arbitrados no valor de R$1.500,00. Não se conformando com o decidido, o Estado do Paraná (primeiro réu) apela a este Tribunal (fls. 91-96). Defende que, em que pese a natureza objetiva da responsabilidade, não haveria nexo causal a ensejar seu dever de reparação, por tratar-se, no seu entender, de dano decorrente de ato de terceiro (a pessoa que se fez passar por advogado da vítima). O autor também apela (fls. 98-104), sustentando a caracterização da responsabilidade do segundo réu (Escrivão) e a possibilidade de ser condenado solidariamente ao pagamento da quantia indevidamente levantada. Para tanto, argumenta que o Escrivão teria agido com desídia ao deixar de conferir se a pessoa que levantou o numerário seria constituída nos autos; que seria incontroverso o levantamento do dinheiro por pessoa que não era seu procurador e que o documento apresentado para comprovar o registro na OAB era falso, tratando-se de modelo já em desuso; que a responsabilidade do Escrivão seria objetiva. Com as contrarrazões (fls. 109, 114-117 e 120- 130) os autos subiram a este Tribunal, após o que foi colhido o pronunciamento da d. Procuradoria Geral de Justiça (fls. 142-143), que veio no sentido de não haver interesse público a justificar sua intervenção no processo (pronunciamento da lavra da Procuradora de Justiça Janina Costa Saucedo). É o relatório. Voto. II. Na presente irresignação, conforme já relatado, as partes controvertem a respeito da caracterização ou não da responsabilidade dos réus pelo dano material suportado pelo autor, o qual foi privado de levantar numerário depositado em conta judicial e que lhe deveria ser restituída em decorrência do desfazimento da arrematação judicial de bens. Para o digno sentenciante, na espécie (i) seriam fatos incontroversos nos autos o levantamento do numerário por um falsário e o valor do prejuízo suportado pelo autor; (ii) a responsabilidade do Estado pelo evento danoso seria objetiva, sendo irrelevante a perquirição da intenção ou modo de atuação do agente público, bastando a prova do nexo causal entre a ação lesiva e o dano experimentado; (iii) o nexo causal estaria evidenciado, na medida em que o alvará teria sido indevidamente expedido e essa conduta teria acarretado o dano material (perda do numerário que o autor havia depositado em Juízo a título de complementação da arrematação realizada), inexistindo elemento a evidenciar alguma hipótese de exclusão do dever de reparação; (iv) não poderia o segundo réu responder pelo evento, por não ser possível afirmar que tenha sido negligente em razão da ausência de prévia certificação da autenticidade do registro da OAB apresentada pelo falsário, mesmo porque a não devolução dos autos da execução seria empecilho para a análise de sua conduta e, ainda que recomendável ao Escrivão exceder-se em zelo no cumprimento do seu mister, não poderia responder pela ausência desse excesso, inexistindo obrigação de certificar-se junto ao órgão de classe acerca da autenticidade do registro da OAB apresentada, tampouco certificar-se da autenticidade de eventual procuração apresentada, salvo em se tratando de erro grosseiro, hipótese inocorrente. A pretensão recursal do Estado do Paraná é a de ter excluída sua responsabilidade pelo evento, a pretexto de estar caracterizada a culpa de terceiro. Em contrapartida, o autor insiste na possibilidade de o segundo réu (Escrivão) ser responsabilizado pelo evento de forma solidária. Em primeiro lugar há necessidade de registrar que o Reexame Necessário revela-se cabível à espécie, nos termos do art. 475, I, do CPC, não incidindo nenhuma das hipóteses excepcionadoras (§§ 2º e 3º do art. 475 do CPC). Pois bem. II. 1. O recurso do primeiro réu (Estado do Paraná) não merece guarida. Isso porque, e conforme muito bem pontuado pelo digno sentenciante em sua fundamentação, não está evidenciada nenhuma excludente capaz de romper o nexo causal entre a conduta da Serventia do Juízo e o dano experimentado pelo autor. A partir do que é extraído dos elementos constantes dos autos, efetivamente um sujeito indeterminado se fez passar por advogado, supostamente constituído pelo autor, utilizando-se de falso nome e falsa inscrição na OAB-SP. Entretanto, essa circunstância é insuficiente para fazer desaparecer o dever de reparação do recorrente. Como cediço, a conduta imputável a terceiro, capaz de romper o nexo causal, é aquela atribuída exclusivamente a terceiro. Mas e o falsário, no caso, seria terceiro? Seria alguém que trabalha na Escrivania? Não há como saber. Nos autos as partes trouxeram informações superficiais. Não há dados sobre o desfecho da sindicância instaurada para apuração dos fatos e do eventual processo criminal que, se presume, tenha sido instaurado. Se na hipótese versada nos presentes autos existe a figura de um falsário, não se pode desconsiderar que houve uma falha do aparato judicial (foi expedido o alvará pela Serventia do Juízo, fato incontroverso), falha essa que possibilitou o levantamento do numerário em prejuízo do autor, segundo recorrente. A pretensão ao reconhecimento da presença de culpa de terceiro, portanto, não pode ser acolhida. Pois não há elemento de convicção a evidenciar que o falsário seja terceiro e que seu agir tenha sido exclusivo e determinante do prejuízo suportado pelo autor, segundo apelante. Desta forma, agiu com acerto o digno sentenciante ao decidir pela caracterização do indispensável nexo de causalidade a ensejar o dever de reparação do Estado do Paraná. É importante ressaltar que a peculiaridade dos fatos narrados na presente demanda torna certo o dever de reparação do Estado do Paraná: se há uma evidente falha na prestação de um serviço (no caso, a prestação jurisdicional), de modo que um cidadão seja impedido de levantar um numerário depositado em conta judicial e que lhe deveria ser restituído, o Estado deve arcar com as consequências dessa falha. Isso é jurídico e moral, tanto que não discute em sua irresignação a natureza de sua responsabilidade, entendida pelo sentenciante como sendo de índole objetiva. Tenho que aqui, a Administração Pública, frente ao jurisdicionado, é quem deve em primeiro lugar garantir que o numerário depositado em conta judicial cumpra sua destinação. No caso, a destinação do numerário era a de ser restituída ao segundo apelante. Não logrando êxito de receber o que de direito cabia a este, ainda que se possa atribuir tal fato, em parte, a um estelionatário, o Estado deve responder pela falha deflagrada neste caso, devendo depois buscar o ressarcimento de quem efetivamente deu causa ou de alguma forma contribuiu para o dano. Não é outro senão esse o propósito de se ter a responsabilidade objetiva do Estado, tal como preconizada no art. 37, §6º da CF. Portanto, não há meios de se acolher a pretensão recursal do Estado do Paraná. II. 2. Com relação ao reconhecimento da responsabilidade solidária do Escrivão, conforme pretendido pelo autor, segundo apelante, tenho que na hipótese melhor sorte não lhe socorre. E isso, conforme será adiante abordado, se dá em razão de que a responsabilidade passível de ser imputada ao Escrivão somente pode ser considerada subjetiva, inexistindo elementos que apontem para a presença de culpa ou dolo deste ou de seus prepostos. Para o condutor do processo em primeiro grau não seria possível verificar a presença de culpa do Escrivão nos fatos, pois não tinha a obrigação de verificar a veracidade do registro da OAB apresentado pelo falsário, além do que, a não devolução dos autos impediria o exame de sua conduta e não haveria elemento que indicasse erro grosseiro. Pois bem. No Estado do Paraná, as Escrivanias Cíveis não são todas oficializadas ainda, o que é o caso da 13ª Vara Cível. O Escrivão exerce função delegada pelo Poder Público em caráter privado, sendo remunerado pelas custas pagas pelas partes e não pelos cofres públicos. À toda evidência, trata-se de delegação do serviço, mas a atividade da Escrivania do Juízo deve ser considerada exercida pelo Escrivão como agente da pessoa jurídica de direito público. Nesse sentido é a lição de Yussef Said Cahali (Responsabilidade Civil do Estado, 3ª Ed, São Paulo: RT, 2007, p. 265): "(...) os escrivães judiciais são, efetivamente, funcionários ou servidores públicos, exercendo sua atividade como agentes da pessoa jurídica de direito público, diversamente do que ocorre com os notários e oficiais de registro, que exercem atividade delegada na prestação de serviço público (...)".
É ainda oportuno trazer à colação outro excerto extraído da obra de Cahali (obra citada, p. 256): (...). De há muito, acha-se a doutrina assente que os tabeliães e titulares de cartórios não oficializados, desempenhando funções públicas, embora particulares colaborando com o Poder Público nessa delegada atuação, são considerados agentes públicos, compreendidos na generalidade da expressão `funcionários" (...), e por cujos atos danosos o Estado sempre responde". Em que pese os deveres funcionais do Escrivão de zelar pelas normas procedimentais inerentes ao seu ofício, e a possibilidade de arcar com prejuízos que eventual negligência ou desídia de sua parte (ou prepostos) acarrete a terceiros, não há sequer indício que aponte para a violação de dever legal. Trata-se de alvará judicial de levantamento expedido pela Escrivania e assinado pelo Magistrado. Além de obter o alvará e proceder ao levantamento de numerário depositado em conta judicial, os autos foram levados da Escrivania e não restituídos. É lamentável, mas efetivamente não é possível imputar falha atribuível ao Escrivão ou a seus prepostos. É de se presumir que o deferimento do pedido de levantamento e a expedição do respectivo numerário tenha se dado à vista de documentação carreada aos autos e que se mostrava idônea. Na verdade, para que o Escrivão fosse responsabilizado na forma pretendida pelo recorrente, deveria ter comprovado a conduta ilícita do agente estatal. Poderia trazer informações sobre o trâmite do pedido de providências que formalizou perante a d. Corregedoria Geral de Justiça (documento de fls. 21-22), mas sequer manifestou interesse na dilação probatória quando o condutor do processo oportunizou a especificação de provas. A simples constatação de se tratar de nome e inscrição inexistentes na Ordem dos Advogados do Brasil, desacompanhada de qualquer outro elemento de convicção, não autoriza a formação de um Juízo de presença de culpa do Escrivão a ensejar sua responsabilidade solidária.
Ressalte-se que a alegada divergência de seccional da OAB observada entre o alvará expedido e o documento que teria sido apresentado junto à instituição financeira depositária do numerário (documentos de fls. 17 e 18) não serve à comprovação de culpa ou dolo da Escrivania. Pois não se pode, à míngua de qualquer suporte probatório, presumir tenham sido estes acostados aos autos e considerados pelo Magistrado por ocasião do deferimento e assinatura do alvará. Conforme evidenciado pelo documento de fl. 12- 13, consistente em cópia do despacho do Juiz ao determinar a apuração dos fatos, se os documentos apresentados pelo falsário foram adulterados somente apuração criminal poderia revelar. Versando sobre a caracterização de responsabilidade subjetiva do Escrivão, o seguinte precedente, do extinto Tribunal de Alçada deste Estado: "AÇÃO DE INDENIZAÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL ATO DE EMPREGADO JURAMENTADO OFÍCIO CIVIL RESPONSABILIDADE DO ESTADO DENUNCIAÇÃO À LIDE DIREITO DE REGRESSO AUSÊNCIA IMPOSSIBILIDADE DE INTROMISSÃO DE FUNDAMENTO NOVO JUROS MORATÓRIOS INCIDÊNCIA ESCRIVÃO CULPA IN ELIGENDO E IN VIGILANDO APELAÇÕES DESPROVIDAS SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO DE OFÍCIO. (...). O Escrivão responde civilmente por ato de seus prepostos, ainda que empregado juramentado, estando configurada sua culpa subjetiva em razão de haver concorrido, por omissão no dever de vigiar a sua conduta, na produção do evento danoso, motivo pelo qual deve ressarcir o Estado do Paraná na condenação em que foi imposta" (APRN n. 162.259-1, 3ª Câmara Cível do extinto TA, Rel. então Juiz Rogério Coelho, j. 06/02/2001). No mesmo rumo, a jurisprudência deste Tribunal:
"Civil e Administrativo. Escrivão. Responsabilidade civil. Dano causado por empregado juramentado. Apropriação de importância, decorrente de execução, depositada em cartório. Autor que, deixando de orientar a ação contra o Estado, endereçou-a contra o escrivão. A despeito do disposto no art. 37, parágrafo 6o., da CF, nada impede que o lesado, ao invés de acionar a Administração, por ato lesivo do seu agente, venha fazê-lo diretamente contra este. Neste caso, ao invés da parte autora provar apenas o evento danoso, o nexo de causalidade e a qualidade do funcionário que praticou o ato, terá que demonstrar que este agiu culposa ou dolosamente. Assim, deixando o lesado de valer-se da ação prevista constitucionalmente, poderá utilizar-se daquela arrolada no âmbito civil (cf C. Civil, art. 1521, III), acionando diretamente o agente público responsável pelo dano. Tratando-se de apropriação praticada por empregado juramentado, a responsabilidade é do escrivão, a quem incumbe pagar-lhe os salários e fiscalizar-lhe as atividades. Culpa "in vigilando" e "in eligendo" configurada. Indenização. Correção monetária da importância apropriada pelo empregado. Termo inicial que deve coincidir com a data em que o juiz determinou o depósito em caderneta de poupança. Apelação parcialmente provida. (AP 22693-9, 2ª Câmara Cível, Rel. Des. Sydney Zappa, j. 16/12/1992). sem o destaque no original. "AÇÃO DE INDENIZAÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL ESCRIVÃO ATO DE EMPREGADO JURAMENTADO APROPRIAÇÃO SDE IMPORTÂNCIA DEPOSITADA EM CARTÓRIO LEGITIMIDADE PASSIVA CULPA `IN ELIGENDO' E `IN VIGILANDO' IMPROVIMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO CULPA OBJETIVA HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ART. 20, PARÁGRAFO 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PROVIMENTO PARCIAL E SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE EM GRAU DE REEXAME NECESSÁRIO. O fato de a Constituição Federal prever direito regressivo as pessoas jurídicas de direito público contra o funcionário responsável pelo dano não impede que este último seja acionado conjuntamente com aquelas, vez que a hipótese configura típico litisconsórcio facultativo. O Escrivão responde civilmente por ato de empregado seu que se apropria de importância depositada em cartório pois, mesmo juramentado, ele não deixa de ser seu preposto, estando configurada sua culpa "in eligendo" e "in vigilando", em razão de haver concorrido, por ter sido omisso no seu dever de vigiá-lo, para a prática do ato lesivo. A responsabilidade civil do Estado está assentada no risco administrativo, bastando que o lesado demonstre a existência de nexo causal entre o fato e o dano, de vez que independe de prova da culpa da Administração. Aplica-se o parágrafo 4º. e não o parágrafo 3º. do artigo 20 do Código de Processo Civil quando for vencida a Fazenda Publica, na fixação dos honorários advocatícios. (APRN 22076-8, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Cordeiro Cleve, j. 10/8/1994)
Para que o segundo réu (Escrivão) pudesse ser obrigado a reparar o dano material experimentado pelo ora apelante de forma solidária, deveria estar evidenciada sua culpa ou dolo no evento (direta ou indireta, por atos de seus prepostos), hipótese inocorrente nos autos. Desse modo, a sentença deve ser mantida quanto à ausência de responsabilidade solidária do segundo réu. Apenas para constar registro que de acordo com informações obtidas pelo meu gabinete junto à Corregedoria Geral de Justiça, em fevereiro de 2008 a sindicância instaurada para a apuração dos fatos (protocolado n. 0056287/2005) foi arquivada por não ter o Escrivão agido de forma dolosa ou culposa, devendo a apuração dos responsáveis pelo fato ser feita na esfera criminal. II.3 . Reexame Necessário. Nesta sede a sentença não merece reparos. Com relação à Remessa Oficial não custa lembrar a lição do Desembargador Federal aposentado Vladimir Passos de Freitas, do TRF-4ª, no julgamento dos EDclAP 97.04.55380-3-PR, j. pela 1ª T. em 15.6.99: "A obrigação de submeter ao segundo grau de jurisdição os casos de sentenças proferidas contra a Fazenda Pública tem por meta evitar decisões ilegais ou manifestamente equivocadas. Não significa, todavia, que no segundo grau de jurisdição deva ser enfrentado aspecto não alegado em momento algum do processo e não mencionado no recurso voluntário da vencida. O juiz de segunda instância não pode ser transformado em um fiscal do poder público quanto aos incalculáveis aspectos da demanda, sob pena de perder a neutralidade".
Em sentido mais ou menos conforme é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL (ART. 475, II, CPC). "REFORMATIO IN PEJUS". SUMULA 45 - STJ. A REMESSA OFICIAL, POR SI, NÃO AUTORIZA O TRIBUNAL AD QUEM A MANIFESTAR-SE SOBRE TODA A MATÉRIA POSTA EM JUÍZO. CONSIDERAÇÕES DIVERGENTES DO RELATOR. RECURSO PROVIDO. (REsp 24.268/SP, Rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/08/1992, DJ 21/09/1992 p. 15667)". Assim, nesta ocasião cabe apenas verificar se a decisão de primeiro grau, na matéria enfrentada, foi ilegal ou manifestamente equivocada, e nada mais. Verifica-se que agiu com acerto o sentenciante ao considerar o levantamento de numerário por um falsário e o valor do prejuízo como fatos não controvertidos; que a responsabilidade do Estado seria objetiva e que a responsabilização do Escrivão de forma solidária exigiria a demonstração de culpa ou dolo. Ainda, conforme já abordado por ocasião do exame do recurso do autor, não há está demonstrado o alegado fato de terceiro a ensejar o rompimento do nexo de causalidade verificado entre o evento e os danos suportados pelo autor. Também se revela adequada a condenação do Estado do Paraná às verbas de sucumbência, não sendo exorbitante o montante arbitrado para a verba honorária. Por tudo isto e aderindo inteiramente aos termos da sentença, aos quais me reporto, proponho que ela seja mantida em sede de remessa oficial. Em resumo, voto no sentido de se negar provimento aos recursos e manter a sentença em sede de Reexame Necessário, conhecido de ofício. Decisão. III. Em face do exposto, ACORDAM os integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos em negar provimento aos recursos e
manter a sentença em sede de Reexame Necessário, conhecido de ofício. Participaram da Sessão e acompanharam o voto do Relator os Senhores Desembargadores Rubens Oliveira Fontoura e Salvatore Antonio Astuti (Presidente). Curitiba, 23 de novembro de 2010.
DES. RUY CUNHA SOBRINHO Relator
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