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Acórdão
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 677671-0 - COMARCA DE TIBAGI VARA CRIMINAL.
APELANTE: LEOPOLDO SELHORST.
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO.
RELATORA: DESª SÔNIA REGINA DE CASTRO.
REVISOR: JUIZ JEFFERSON ALBERTO JOHNSSON. PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA O ESTADO DE FILIAÇÃO. REGISTRAR COMO SEU O FILHO DE OUTREM. ARTIGO 242 DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA FIGURA PRIVILEGIADA CONTIDA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO TIPO PENAL IMPUTADO. PERDÃO JUDICIAL E EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE. PRETENSÃO ACOLHIDA. REGISTRO DE FILHO DE OUTREM PRATICADO POR MOTIVO DE NOBREZA. EXCLUDENTE DE PUNIBILIDADE RECONHECIDA EM FAVOR DO APELANTE. DECISÃO EXTENSIVA À CORRÉ NÃO APELANTE, POR FORÇA DO ARTIGO 580 DO CPC. RECURSO PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Criminal sob nº 677671-0, de Tibagi, Vara Criminal, em que figura como apelante o sentenciado LEOPOLDO SELHORST, sendo apelado o MINISTÉRIO PÚBLICO. LEOPOLDO SELHORST, já qualificado nos autos, foi, juntamente com a corré Terezinha Aparecida Coelho, denunciado e processado perante o douto Juízo de Direito da Vara Criminal de Tibagi, por incursão às penas do artigo 242 do Código Penal, sendo, ao final da instrução, condenado, ambos, pelo crime a eles imputado, à pena, definitiva, de 02 anos de reclusão, em regime aberto, substituída por penas restritivas de direitos (vide sentença de fls. 174/186. Da decisão condenatória apela apenas o réu LEOPOLDO SELHORST (fls. 194-verso). apelante pugna pelo reconhecimento da figura privilegiada do delito a ele imputado, contida no parágrafo único do artigo 242, do Código Penal, com a consequente decretação do perdão judicial e extinção de punibilidade, nos termos do artigo 107, inciso IX, do Código Penal. Contra-arrazoado o recurso, no sentido do seu provimento, com extensão dos efeitos à corré Terezinha Aparecida Coelho, em face do artigo 580 do CPP (fls. 208/217), subiram os autos a esta superior instância, opinando a douta Procuradoria Geral de Justiça, igualmente, pelo seu provimento (vide fls. 226/232). É O RELATÓRIO. VOTO. DO CONHECIMENTO. Presentes os seus pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso ora interposto. DO MÉRITO RECURSAL. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA FIGURA PRIVILEGIADA DO CRIME TIPIFICADO NO ARTIGO 242 DO CÓDIGO PENAL. PRETENSÃO ACOLHIDA. DELITO PRATICADO POR MOTIVO NOBRE. Pelo presente recurso, a douta Defesa do sentenciado LEOPOLDO SELHORST pleiteia o reconhecimento, em seu favor, da figura privilegiada do crime descrito no artigo 242 do Código Penal, não acolhida pela r. sentença ora atacada. Com razão o apelante. Primeiramente, cumpre-me destacar que a materialidade delitiva se encontra demonstrada pela cópia da certidão de nascimento do menor L.S., acostada às fls. 09, bem como a autoria é incontroversa, confessada por ambos os réus (fls. 100 e 152). O recurso ora em exame, interposto apenas por LEOPOLDO, visa ao reconhecimento, em seu favor, da benesse contida no parágrafo único do tipo penal contra si imputado, e que foi negado quando da prolação da r. sentença, ocasião em que o nobre julgador a quo salientou que: "se realmente a conduta do réu fosse por motivo de nobreza, é certo que o sexo da criança em momento algum interferiria em seu uma vez que é cunhado da ré e tio da criança, o que lhe propiciaria até mesmo a possibilidade, em tese, de adquirir a guarda do menor pelas vias legais". Os motivos elencados pelo Dr. Juiz sentenciante decorrem da versão apresentada pelo ora apelante, quando de seu interrogatório. Na ocasião, o réu declarou, às fls. 152, ter dito "para a esposa falar com Terezinha que se fosse homem iria criar; mais tarde, analisando o que tinha dito, falou para a esposa dizer a Terezinha que ainda que fosse menina ficaria com a criança, e dela cuidaria como filho..." Pelo entendimento do nobre julgador a quo, o fato de ter o ora apelante titubeado em reconhecer, ilicitamente, a paternidade da criança que a corré esperava, ao levar em conta o sexo do bebê, tira da conduta do réu o caráter nobre exigido pelo tipo penal para o reconhecimento do perdão judicial ora pleiteado. No entanto, entendo que a prova dos autos é inconteste no sentido de que LEOPOLDO apenas registrou como seu filho de outrem com vistas a dar apoio financeiro à criança, dadas as parcas condições em que vivia a mãe do bebê, a corré Terezinha, cunhada do apelante. Neste sentido, reporto=me aos depoimentos de fls. 117, 125 e 126. O argumento do qual se valeu o Dr. Juiz não pode ser ratificado por esta Corte, pois este não reconheceu a possibilidade de arrependimento do réu em proceder ao registro da criança em seu nome, ainda que num primeiro momento, titubeasse em relação ao sexo da criança. Ademais, na r. sentença está consignado que "o que ocorreu nos autos foi a chamada `Adoção à Brasileira' onde embora não se tenha vislumbrado nenhum acordo financeiro, os réus realizaram a manobra para burlar a lei, deixando de lado os interesses da criança que devem ser, primordialmente, protegidos". Ocorre que a prova dos autos, em nenhum momento, aponta para este fim apontado pelo Dr. Juiz, até porque no caso presente apenas o ora apelante reconhece filho de outrem como sendo seu, já que a corré Terezinha é mãe biológica da criança, além de ser cunhada de LEOPOLDO, este, portanto, casado com a irmã da corré, circunstância esta que me convence de que a chamada "adoção à brasileira" não foi o motivo da prática do crime, até mesmo pela situação de fato constrangedora que se instalaria no âmbito daquela família. Certo é que os réus cometeram o delito em questão, ainda que a solução para o problema pudesse se dar de outras formas, tal como sugerido pelo Dr. mãe biológica, a corré Terezinha, porque acreditava não poder dar à criança os cuidados que a mesma necessitava, almejando um futuro melhor a ela; e o ora apelante, que atendeu à súplica de sua cunhada e mesmo de sua esposa, que se comoveu com a situação vivida pela irmã, abandonada pelo pai biológico da criança. Diferentemente do que ocorre quando os falsos registros são lavrados com a finalidade de encobrir certas situações ou outros ilícitos - como a mãe que atribui paternidade aquele que não é o pai, ao fim de esconder o adultério ou garantir pensão alimentícia daquele que tem melhores condições econômicas; ou, do abusador da filha, que registra o filho havido com ela como seu e de sua esposa e avó para esconder a prova do incesto; ou, ainda, do abusador da enteada que a registra, quando esta engravida, na intenção de fazerem crer em sua idoneidade moral, desacreditando eventual imputação - na espécie o réu o fez, com o fim de ajudar a criança, rejeitada pelo pai biológico. In casu, não há qualquer indício de prova de que o registro da criança em nome do ora apelante tivesse por escopo a supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil da criança, inexistiu dano potencial e inexistiu o animus nocendi, conforme preceitua o caput do artigo 242 do CP, o que, entretanto, não afasta o cometimento da hipótese delitiva, sendo acertado neste caso, deixar de aplicar a pena, visto que ambos os acusados agiram imbuídos de reconhecida nobreza. É da jurisprudência que:
"É de ser reconhecido o motivo de nobreza, a que alude o parágrafo único do art.242 do CP, à ré, expulsa do lar, grávida de meses e ao desamparo, que preferiu gerar o filho, ao invés de recorrer ao processo abortivo, que seria mais deletério, entregando-o, quando de seu nascimento, aos cuidados de quem melhor pudesse criá-lo" (TJSP AC Rel. Camargo Sampaio-RT 525/334 e RT 613/334) "Parto suposto. Registro de filho alheio como próprio. (...) Sem o sentido de reprovabilidade da conduta, que caracteriza a culpa lato sensu, não merece punição o ato imputado a quem registra, como próprio, filho de pessoa em estado de penúria financeira e com seu consentimento. Seria constrangedor impor condenação a quem age com tal espírito de reconhecida nobreza. A concessão de perdão judicial como forma de extinção da punibilidade, abrangente dos efeitos primários e secundários da sentença, inclusive a não- inclusão de seu nome no rol dos culpados, conseqüências jurídico-penais dessa ação" (RT 613/33) Desta maneira, embora o ora apelante tenha cometido o crime descrito no artigo 242 do Código Penal, na modalidade de registrar como seu filho de outrem, pelos motivos nobres que o moveram, tenho que merece ele o perdão judicial, cuja consequência é a extinção de punibilidade. CONCLUSÃO. Pelo exposto, o voto que proponho aos meus eminentes pares é no sentido de dar provimento ao recurso, para reconhecer em favor do ora apelante LEOPOLDO SELHORST, em face da conduta por ele perpetrada, a figura privilegiada contida no parágrafo único do artigo 242 do Código Penal, de forma que, em seu favor, concedo o perdão judicial, haja vista as circunstâncias do crime verificadas no caso concreto, declarando, pois, extinta a sua punibilidade, nos termos do artigo 107, inciso IX, do Código Penal, decisão esta que estendo à corréu Terezinha Aparecida Coelho, nos termos do artigo 580 do Código de Processo Penal. "EX POSITIS" ACORDAM os integrantes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto. Participaram da sessão os eminentes Desembargadores Marques Cury (Presidente sem voto), Edvino Bochnia e o ilustre Juiz Substituto de 2º Grau Jefferson Alberto Johnsson. Curitiba, em 13 de janeiro de 2011. Acórdão lavrado pela relatora Desª Sônia Regina de Castro, e assinado digitalmente.
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