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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 716.005-6, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 15ª VARA CÍVEL APELANTE: ARLINDO BATISTA ALVES APELADO : HSBC BANK BRASIL S/A BANCO MÚLTIPLO RELATORA: DESª. ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO SUMÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS CHEQUE ESPECIAL LIMITE DE CRÉDITO SUPRESSÃO UNILATERAL PELO BANCO AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO PRÉVIA DEVERES DE INFORMAÇÃO E TRANSPARÊNCIA NÃO ATENDIDOS DANO MORAL CONFIGURADO DANO IN RE IPSA - DANO MATERIAL - DEVOLUÇÃO EM DOBRO DAS TAXAS INDEVIDAMENTE COBRADAS - SUCUMBÊNCIA CONFIGURADA. 1. Importa em responder por danos materiais e moral, aquele que unilateralmente suprime limite de crédito sem prévia comunicação ao cliente consumidor, em ferimento ao literal art. 422 do Código Civil. 2. Cobrados valores indevidos, estes devem ser devolvidos em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, por não estar presente erro justificável. 3. A reforma da sentença monocrática importa na procedência do pedido, e, de consequência, reconhece-se a sucumbência pelo princípio da causalidade. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 716.005-6, de Curitiba, 15ª Vara Cível, em que é Apelante Arlindo Batista Alves e Apelado HSBC Bank Brasil S/A Banco Multiplo.
Arlindo Batista Alves ajuizou Ação de Indenização (autos nº 1.164/2008), em face de HSBC Bank Brasil S/A Banco Múltiplo, alegando, em síntese, que utiliza os serviços bancários oferecidos pela instituição financeira desde 1998 e que possuía limite de cheque especial e de crédito especial. Esclarece que utilizando do seu limite do cheque especial que conferia saldo em sua conta, apto a solver suas obrigações, emitiu 05 cártulas para a compra de presentes e itens a serem utilizados nas festividades de final de ano. Assevera que o Requerido, eivado de má-fé e contrariando os princípios da prática comercial, cancelou unilateralmente, sem qualquer aviso, o limite de crédito e, por via de consequência, houve a recusa à compensação dos cheques emitidos, o que ensejou a inscrição nos órgãos de proteção ao crédito. Desse modo, requer indenização por dano moral, além da dobra dos gastos indevidos que teve com a devolução errônea dos cheques emitidos, bem como a taxa para a retirada de seu nome do cadastro, nos termos do artigo 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor.
Audiência de conciliação restou inexitosa1, tendo o Requerido apresentado contestação2 e o Requerente a impugnação3.
Em sede de contestação, o Requerido aduziu a ocorrência de prescrição. Sustenta que há prejuízo à sua defesa em razão de o número da conta informado pelo Requerente na inicial não coincidir com a conta constante dos extratos juntados. Aduz que não existe qualquer irregularidade ou ilegalidade nas atitudes e procedimentos adotados pelo Requerido. Afirma que no extrato de dezembro/2003 consta que o vencimento do contrato seria em 22/12/2003 e que todos os cheques apresentados para compensação são posteriores. Assevera que no dia 29/12/2003 o Autor possuía saldo negativo de R$ 515,00 e que, se os cheques fossem compensados no dia 30/12/2003 seriam devolvidos por insuficiência de fundos, já que ultrapassaria o valor do limite. Afirma a inexistência de nexo de causalidade entre a conduta do banco e o constrangimento do Autor em emitir cheques acima do seu limite de crédito. Assevera que em janeiro já inexistia limite em favor do Autor. Salienta que o limite do cheque especial pode ser alterado quando o cliente apresenta restrições em órgãos de proteção ao crédito, o que ocorreu na hipótese e ocasionou o vencimento antecipado em 22/12/2003. Assevera que o documento de fls. 26/27 comprova o conhecimento prévio pelo Autor do vencimento antecipado do seu cheque especial. Aduz não estarem presentes quaisquer dos requisitos para a configuração da responsabilidade civil. Pelo princípio da eventualidade, em caso de condenação, requer que o valor da indenização seja fixado prudentemente. Por fim, requer a improcedência do pedido de dano material e a dobra do artigo 42, § único do CDC4.
Impugnação à contestação ocorreu na audiência preliminar5.
A sentença6 de improcedência da pretensão inicial condenou o Autor ao pagamento das custas e honorários, estes arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Inconformado, Arlindo Batista Alves apela7, postulando pela integral reforma da r. sentença. Requer a condenação do Apelado, repisando os argumentos da inicial. Esclarece que o Magistrado a quo se olvidou de computar o limite de crédito especial concedido ao Apelante e a sua elevação. Assevera que os dois primeiros cheques devolvidos se encontravam dentro do limite de crédito concedido, estando caracterizado, portanto, o ato ilícito. Aduz que, pelo extrato de fls. 26-v, constata-se que em momento algum o saldo ficou negativo em valor superior ao limite concedido. Sustenta a necessidade de devolução em dobro dos valores despendidos com tarifas e taxas, inclusive para a retirada do seu nome do Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos. Requer a reforma da sentença.
Intimado8, o Apelado ofereceu contrarrazões.9
Vieram os autos em conclusão.
É o relatório.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Controverte-se aqui sobre um fato material decorrente do vencimento do limite do contrato para cheque especial, alegando-se emergir dano moral pelo vencimento não informado e danos materiais pelos gastos tidos em virtude da devolução errônea dos cheques emitidos.
Do dano moral
Insurge-se o Apelante em relação ao não reconhecimento, pela sentença, da existência de dano moral pelo cancelamento unilateral e sem aviso prévio do contrato do cheque especial.
Assiste-lhe razão.
De fato, não há nos autos a comprovação de que o Requerido, ora Apelado, teria comunicado ao Apelante do vencimento antecipado do limite de cheque especial.
Entende-se, assim, ter existido o elemento surpresa no cancelamento do limite e não ter havido prova de que tal procedimento teria sido previamente comunicado pelo Banco ao cliente, desrespeitando o Código de Defesa do Consumidor, cuja aplicação ao caso é indiscutível.
Compulsando os autos constata-se dos extratos de fls. 20/25, que o Apelante fazia uso do limite de crédito, cujo vencimento era 26/05/200410. No entanto, no documento de fls. 26/27, consta como data do vencimento do contrato do cheque
especial a data de 22/12/2003, antecipando-se o vencimento anteriormente contratado, porém, não há prova da comunicação prévia ao Apelante, pelo Apelado de que o seu limite do cheque especial teria o vencimento antecipado.
Não se discute acerca do direito do Banco Apelado antecipar o vencimento do contrato do cheque especial, mas há necessidade do consumidor ser previamente comunicado de tal antecipação. Com efeito, é manifestamente abusiva a antecipação do vencimento sem qualquer comunicação.
Cabia ao banco, ante a intenção de suprimir o limite de crédito, providenciar prévia comunicação ao demandante, para proceder ao cancelamento. Isto para evitar que o consumidor seja surpreendido com a descontinuidade. Destaque-se que, com a disponibilização do limite do cheque especial ao seu cliente, o banco criou a expectativa de que existia um crédito até a data previamente estipulada.
Assim, detinha o Apelado o ônus de demonstrar que fez tal comunicação. E, no caso em análise, inexiste tal comprovação, pois documento algum foi carreado como prova hábil na contestação.
A presunção milita, assim, em favor da parte Autora, uma vez que restou inequívoco, de um lado, (a) a concessão do limite de crédito11, e (b) a eliminação unilateral do mesmo limite.
Os transtornos que tal ato traduz na vida das relações comerciais de um cliente são razoavelmente consideráveis, configurando, pois, ação que se insere no comando do art. 186 do Código Civil, e por isso, no campo da responsabilidade civil, deve ser sancionada. Mormente no caso presente, os deveres de informação e de transparência não restaram atendidos, ocasionando descumprimento do contratado, ferindo literalmente o art. 422 do Código Civil.
Como decorrência, não se desincumbindo o banco Requerido da prova de suas alegações, especialmente para se contrapor, mediante elementar demonstração documental, ou mesmo testemunhal, à pretensão inicial que sustentou danos em suas relações comerciais ordinárias, decorrentes da supressão unilateral de limite de crédito, sem prévia comunicação ao cliente consumidor, subsistem os fatos preambularmente narrados, aptos a evidenciar, na ofensa aos deveres de informação e de transparência, ato gerador de situação jurídica qualificável como dano moral.
Além disso, considere-se que a situação acabou agravada, tendo em vista que a antecipação do vencimento do contrato do cheque especial gerou a devolução por insuficiência de fundos dos cheques n.ºs 349837 e 349824, os quais estariam dentro do limite de R$ 750,00 do cheque especial concedido pelo Apelado (consta dos autos que, na data da recusa do pagamento dos referidos cheques, apontava um saldo devedor de R$ 515,00, portanto, somado aos valores destes dois cheques recusados R$ 160,00, não ultrapassaria o limite).
Os demais cheques não podem ser considerados como de indevida devolução, já que o de nº 349839 extrapolaria o limite do cheque especial e os demais são relativos ao mês de janeiro, ocasião em que o Apelante já tinha conhecimento da antecipação do vencimento do seu contrato de cheque especial.
Veja que o documento de fls. 18 corrobora a certeza de que dispunha do crédito em limite do cheque especial no valor de R$ 750,00. Assim, ao promover o cancelamento causou danos materiais, além do dano moral, pois maculou a boa-fé do Apelante.
Ademais, a comunicação de fl. 31 se refere ao crédito especial.
A jurisprudência tem se manifestado em tal sentido:
"RESPONSABILIDADE CIVIL. CANCELAMENTO DE LIMITE CRÉDITO E DEVOLUÇÃO INDEVIDA DE CHEQUES. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO EXCESSIVO. REDUÇÃO. A jurisprudência deste Pretório está consolidada no sentido de que, na concepção moderna do ressarcimento por dano moral, prevalece a responsabilização do agente por força do simples fato da violação. "O valor da indenização por dano moral não pode escapar ao controle do Superior Tribunal de Justiça" (REsp n. 53.321/RJ, Min. Nilson Naves). Redução da condenação a patamares razoáveis, considerando as peculiaridades da espécie. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido."12 Grifou-se "É abusivo o cancelamento do limite de crédito em contrato de conta-corrente vigente, sem que o correntista seja previamente comunicado".13 Grifou-se
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E DEVOLUÇÃO DE TAXAS BANCÁRIAS. CHEQUE ESPECIAL. CANCELAMENTO. PRÉVIA CIENTIFICAÇÃO DO USUÁRIO. AUSÊNCIA. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. HIPÓTESE QUE SE CONSIDERA ESTAR O DANO MORAL IN RE IPSA. RESTITUIÇÃO DE TARIFA COBRADA DA QUAL ESTARIA ISENTA A CORRENTISTA EM RAZÃO DO PACOTE DE SERVIÇOS CONTRATADO. DEMAIS TARIFAS DEVIDAS. AÇÃO CAUTELAR. RESTITUIÇÃO PROVENTOS DEPOSITADOS EM CONTA- DOS CORRENTE E IMEDIATAMENTE BLOQUEADOS PELO BANCO. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DA AUTORA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 01. Não havendo outras provas, afora as documentais, que pudessem influenciar no convencimento do julgador, não há falar em cerceamento de defesa, posto que a dilação probatória somente retardaria a resolução do feito. 02. Não se admite o cancelamento do limite de crédito concedido em conta-corrente sem a prévia comunicação do correntista. 03. Fixa-se a indenização por dano moral consoante as circunstâncias de fato, como a extensão do dano, o seu tempo de duração, bem como a condição econômica das partes. 04. A prova documental, não impugnada pela requerida, indica que a "TARIF PROCES CHEQ" estava incluída no pacote básico de serviços pago pela autora, devendo ser restituído o valor cobrado a este título. 05. Se um litigante decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e honorários. Apelação cível parcialmente provida."14 Grifou-se
Inclusive, o enunciado n.º 2.2 da Turma Recursal Única do Paraná trata especificamente desta questão:
"Enunciado N.º 2.2 Cancelamento de limite de crédito ausência de comunicação prévia e de motivação dano moral: O cancelamento do limite de cheque
especial, sem comunicação prévia ao consumidor e sem a devida motivação, acarreta dano moral."
Dessa forma, necessário o reconhecimento do dano moral, em razão da conduta do Apelado de suprimir, unilateralmente, sem comunicação previa, o limite do cheque especial concedido ao Apelante.
Tratando-se de dano moral puro, independe de prova, bastando a comprovação do fato gerador que, no caso em apreço, se configurou pelo cancelamento do limite do cheque especial sem prévia comunicação do Apelante. Em casos como esse, o dano moral opera-se in re ipsa, prescindindo-se de sua demonstração.
A jurisprudência se manifesta neste sentido:
"APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. SUPRESSÃO DE LIMITE DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. CHEQUE ESPECIAL. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO PRÉVIA DO CORRENTISTA E DE CAUSA A JUSTIFICAR O CANCELAMENTO. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DEVOLUÇÃO DE CHEQUE POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDOS. ABALO DE CRÉDITO. DANO MORAL. QUANTUM. (...) 2. Evidenciado o descumprimento contratual por parte da instituição bancária, que suprimiu o limite de crédito da conta da requerente sem prévia comunicação nem razão plausível para tanto. E, diante da inesperada modificação nos limites de crédito, a autora teve um cheque devolvido sem provisão de fundos, o que, por si só, traz abalo de crédito, fato ensejador do dano moral. 3. Trata-se de dano moral in re ipsa, que dispensa a comprovação da extensão dos danos, sendo
estes evidenciados pelas circunstâncias do fato. (...)." 15
Dessa feita, o recurso deve ser provido neste tópico.
Do quantum indenizatório
Primeiramente, necessário esclarecer que, ante a impossibilidade de mensurar, em termos absolutos, o dano moral, bem como diante da inviabilidade da constituição de parâmetros estanques para a quantificação deste, não há um critério padrão e definitivo para a fixação do valor a título de reparação.
Dessa forma, é o órgão julgador que, em atenção às peculiares circunstâncias de cada caso concreto, tem as melhores condições de avaliar qual a reparação necessária, suficiente e adequada. Nesse sentido:
"Examinando o caso concreto, as circunstâncias pessoais das partes e as materiais que o circundam, o juiz fixará a indenização que entender adequada. Poderá fazê-la variar conforme as posses do agente causador do dano, a existência ou não do seguro, o grau de culpa e outros elementos particulares à hipótese em exame, fugindo de uma decisão ordenada por regra genérica, no geral desatenta às peculiaridades do caso concreto".16
"É preponderante, na reparação dos danos morais, o papel do juiz. A ele, a seu prudente arbítrio, compete medir as circunstâncias, ponderar os elementos
probatórios, inclinar-se sobre as almas e perscrutar as coincidências".17
A indenização por dano moral cumpre duas finalidades: compensação e prevenção. Por um lado, a indenização deve ser expressiva, de forma a compensar a vítima, e de outro, a indenização deve se converter em fator de desestímulo. Assim é que a aferição do valor pelo julgador deve atentar ao caso concreto, para que seja a mais justa possível. Daí sobressai a relevante lição de Rui Stocco:
"A tendência moderna, ademais, é a aplicação do binômio punição e compensação, ou seja, a incidência da teoria do valor do desestímulo (caráter punitivo da sanção pecuniária) juntamente com a teoria da compensação, visando destinar à vítima uma soma que compense o dano moral sofrido. (...) Obtempere-se, ainda, que estes são os pilares ou vigas mestras, mas não toda a estrutura. (...) É o que se colhe em Caio Mário da Silva Pereira, ao observar: `(...) O ofendido deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo Juiz, atendendo às circunstâncias pessoais de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne 18 inexpressiva'."
O doutrinador ilustra como a jurisprudência tempera o tema com razoabilidade, atenta à realidade da vida:
"A indenização por dano moral deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio. Há de orientar-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e às peculiaridades de cada caso" (STJ REsp 203.755-0 Rel. Sálvio de Figueiredo DJU 27.04.1999, Bol. STJ 19 10/26 e RSTJ 1121/409)."
A proposta, portanto, é realçar a função punitiva da indenização pelo dano moral, de modo a desestimular a prática de condutas semelhantes, ao lado da função compensatória, que busca a conferir à vítima do ato ilícito um lenitivo ao abalo moral sofrido.
Portanto, é pacífico o entendimento, tanto na doutrina, como na jurisprudência, de que a indenização por dano moral deve servir como forma de sanção para o ofensor e de compensação para a vítima, guardando proporcionalidade entre o dano e sua extensão.
A esse respeito, citam-se precedentes:
"(...) III - O valor arbitrado a título de indenização por danos morais deve ser certo, representando uma compensação à vítima e também uma punição ao ofensor, guardando-se proporcionalidade entre o ato lesivo e a ofensa sofrida. Se correspondente aos critérios apontados, deve ser conservado o patamar."20
"(...) 3. O arbitramento do valor do dano moral está conjugado à punição do infrator e à satisfação do ofendido, devendo sempre se harmonizar com o princípio da razoabilidade e não constituir meio de enriquecimento indevido. Apelação e recurso adesivo não providos." 21
Por derradeiro, necessário salientar que se está diante de um caso em que houve o cancelamento unilateral do contrato de cheque especial, trazendo inúmeros transtornos ao Apelante, já que tinha a expectativa da existência de um limite que poderia ser utilizado em sua conta corrente, inclusive, com a emissão de cheques para serem cobertos por tais valores.
O nexo causal entre o fato danoso e o infortúnio experimentado pela vítima está caracterizado, ensejando a recomposição do dano moral pela compensação pecuniária.
Portanto, o caráter sancionatório da condenação é justamente para evitar que se repitam casos semelhantes, mas que, ao mesmo tempo, tragam à vítima uma sensação de lenitivo pelo acontecido.
Ademais, em se fixando um valor pequeno a título de indenização por dano moral, muitas vezes o cometimento do ilícito torna-se vantajoso ao ofensor, pois sua conduta nem sempre será reprimida, e quando ocorrer, o valor não servirá como desestímulo a práticas semelhantes, não abarcando a responsabilidade civil como uma das formas de proteção efetiva ao
consumidor, de acordo com o escopo introduzido pelo artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor.
A reparação deve assumir um papel sócio- educativo, objetivando que as relações comerciais sejam pautadas nos princípios da probidade e da boa-fé, norteadores de todo o sistema jurídico.
Assim, o caráter sancionatório da condenação é justamente para evitar que se repitam casos semelhantes, tornando mais atraente a colocação no mercado de um serviço com qualidade.
Diante de tais ponderações, há que se concluir que o dano moral, ao ser quantificado nos casos, como o que aqui se apresenta, nos quais estão em causa valores imateriais, qual seja a honra e o bom nome da pessoa, deve servir para prevenir essas situações, a fim de que as atividades econômicas sejam pautadas na probidade e na boa-fé dos contratantes.
Considerando as especificidades do caso em tela, verifica-se que o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a título de dano moral se mostra suficiente para cumprir a dupla função, bem como atende ao princípio da proporcionalidade, da razoabilidade e está de acordo com os padrões desta Câmara.
O valor assim considerado será corrigido monetariamente a partir desta decisão e os juros de mora incidirão a partir do momento em que foi o devedor constituído em mora, o que, no caso presente, se dá pela citação inicial, nos termos do artigo 405 do Código Civil e artigo 219 do Código de Processo Civil.
Dos danos materiais
Requer o Apelante a condenação do Apelado ao ressarcimento em dobro dos valores despendidos com tarifas e taxas, inclusive para a sua retirada do Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos.
Assiste razão ao Apelante.
Tratando-se de relação de consumo, tem-se plena aplicação o Código de Defesa do Consumidor e o disposto em seu artigo 42, parágrafo único.
O comportamento do Apelado de recusar o pagamento dos cheques n.ºs 349837 e 349824, havendo limite para a cobertura, não se apresenta como erro justificável, já que é dever do estabelecimento bancário manter a transparência em suas relações.
Acerca do tema, complementam as palavras de Herman Benjamim:
"No Código Civil, só a má-fé permite a aplicação da sanção. Na legislação especial, tanto a má-fé como a culpa (imprudência, negligência e imperícia) dão ensejo à punição do fornecedor do produto em restituição em dobro."22 Grifou-se
Esse é o entendimento deste Tribunal de Justiça:
"(...) DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS, EM DOBRO. POSSIBILIDADE. ART. 42 DO CDC. CONDUTA ILÍCITA QUE NÃO SE APRESENTA COMO ERRO JUSTIFICÁVEL. PLEITO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NÃO ACOLHIMENTO. ABUSIVIDADE QUE NÃO GEROU ABALO DA IMAGEM OU CRÉDITO DA PESSOA JURÍDICA. VALORES DE SUCUMBÊNCIA. ALTERAÇÃO. (...) 2. Cobrados valores indevidos, estes devem ser devolvidos em dobro e devidamente corrigidos, bem como acrescidos de juros moratórios, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, por não configurarem erro justificável. 3. A quebra contratual, ante a cobrança indevida, por si só não se apresenta suficiente para determinar o dever de indenizar, eis que inexistente dano a imagem ou crédito da pessoa jurídica. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO." 23
"APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE CRÉDITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SERVIÇOS DE TELEFONIA. (...) RESCISÃO CONTRATUAL MOTIVADA PELA EMPRESA DE TELEFONIA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. CABIMENTO. PARÁGRAFO ÚNICO, DO ART. 42, DO CDC. MULTA RESCISÓRIA. COBRANÇA INCABÍVEL. APELAÇÃO 2. COMPRA DE APARELHO INTERFACE TRONCO-CELULAR. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO INDEVIDA. (...)"24
"APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO (...) PERMANÊNCIA POR PRAZO MÍNIMO MULTA VINCULADA À CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS AO CONSUMIDOR RESOLUÇÃO ANATEL 477/07, ART. 40 - COMUTAÇÃO INVIÁVEL DEVOLUÇÃO EM DOBRO PROCEDÊNCIA SUPRESSÃO DE BENEFÍCIOS COBRANÇA DE VALORES EM DESACORDO COM O CONTRATADO COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI DESNECESSIDADE CDC, ARTIGO 42 REQUISITO LEGAL AUSÊNCIA DE ENGANO JUSTIFICÁVEL CONDUTA DELIBERADA DA FORNECEDORA DIREITO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO AO 25 PAGO EM EXCESSO RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO."
Nesse sentido e diante de todo o exposto, deverão ser devolvidas em dobro as taxas/tarifas relativas aos cheques devolvidos, além da taxa necessária para a sua retirada do Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo, junto ao Banco Central do Brasil, corrigidas monetariamente a partir de cada desconto indevido.
Dos ônus de sucumbência
De consequência, pelo princípio da causalidade, necessária se faz a adequação da sucumbência.
Dessarte, fixa-se o montante, a título de honorários advocatícios, em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação principal, nos termos do artigo 20, §3º do Código de Processo Civil.
Do mesmo modo, as custas processuais serão suportadas integralmente pelo Apelado.
Eis as razões pelas quais voto pelo conhecimento e provimento do recurso de apelação.
Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao presente recurso de Apelação, nos termos do voto acima relatado.
O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador JOSÉ AUGUSTO GOMES ANICETO, com voto, e dele participou o Senhor Desembargador RENATO BRAGA BETTEGA.
Curitiba, 17 de fevereiro de 2011. ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN Desembargadora Relatora
-- 1 Fl. 44. 2 Fls.45/53. 3 Fls. 44.
-- 4 Fls. 45/56. 5 Fls. 44. 6 Fls. 58/59.
-- 7 Fls. 65/71. 8 Fls. 73. 9 Fls. 74/80.
-- 10 Fls. 20/25
-- 11 Fls. 18, 20/25.
-- 12 STJ, Quarta Turma, rel. Ministro Cezar Asfor Rocha, REsp 659294/RS, DJ. 11/12/2006.
-- 13 STJ, Terceira Turma, rel. Ministra Nancy Andrighi, REsp 621577/RO, DJ 23/08/2004 14 TJPR - 16ª C.Cível - AC 0545934-3 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Paulo Cezar Bellio - Unânime - J. 20.05.2009
-- 15 TJRS. 9ª Câmara Cível Apelação Cível nº 70014253553 Comarca de Gravataí Rel. Desa. Iris Helena Medeiros Nogueira. 16 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. São Paulo: Saraiva, Vol, IV, p. 187.
-- 17 SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação, Rio de Janeiro: Forense, p. 399. 18 STOCCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 1707-1708.
-- 19 Idem, Ibidem, p. 1700. 20 TJPR AC 351.969-9, Ac 3807, 9ª Câmara Cível, Rel. Tufi Maron Filho, Julg. 16.11.2006.
-- 21 TJPR - 15ª C.Cível - AC 0656783-5 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Hamilton Mussi Correa - Unânime - J. 07.04.2010.
-- 22 In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 396/397
-- 23 TJPR - 11ª C.Cível - AC 0665447-3 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Desª Vilma Régia Ramos de Rezende - Por maioria - J. 03.11.2010 24 Ac. un. n.º 15.659, da 11ª CC do TJPR, Ap. Cív. n.º 611.437-6, de Curitiba, Rel. Des. FERNANDO WOLFF BODZIAK, in DJ de 30/03/2010. 25 Ac. un. n.º 14.274, da 12ª CC do TJPR, Ap. Cív. n.º 632.301-1, de Curitiba, Rel. Des. Rafael Augusto Cassetari, in DJ de 16/03/2010.
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