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Acórdão
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 662607-7 DA COMARCA DE PRIMEIRO DE MAIO VARA ÚNICA AUTORES : EMÍLIA SIMONASSI RIBEIRO E OUTROS RÉU : SANEPAR CIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ RELATORA : DES.ª MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A DISPOSIÇÃO LITERAL DE LEI (ART. 485, INCISO V, CPC). SENTENÇA TERIA, A UM SÓ TEMPO, DESATENDIDO À HIPÓTESE DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL POR AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS À PROPOSITURA DA DEMANDA E DE CARÊNCIA DE AÇÃO POR ILEGITIMIDADE PASSIVA (SUBSTITUÇÃO PROCESSUAL POR VIÚVA QUE NÃO ERA INVENTARIANTE NEM HERDEIRA DO ANTIGO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL); INOBSERVADO O RITO APLICÁVEL E VERTIDO A CONDENAÇÃO A PESSOA DIVERSA DOS ATUAIS PROPRIETÁRIOS DO IMÓVEL (HERDEIROS). PRELIMINARES ARGUIDAS PELO RÉU. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL E ILEGITIMIDADE TANTO PASSIVA QUANTO ATIVA PARA A CAUSA. QUESTÃO DA LEGITIMIDADE DEVIDAMENTE ENFRENTADA POR DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEFINIU QUEM DEVERIA INTEGRAR CADA UM DOS PÓLOS DA RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL. AFASTADA A HIPÓTESE DE INÉPCIA. PETIÇÃO INICIAL TRAZ DE MANEIRA SUFICIENTEMENTE CLARA TODOS OS ELEMENTOS QUE COMPÕEM SUA PRETENSÃO (PEDIDO E CAUSA DE PEDIR). APENAS NULIDADES ABSOLUTAS (DE PLENO DIREITO) HAVIDAS NO CURSO DO PROCESSO PODEM LEGITIMAR O MANEJO DE AÇÃO RESCISÓRIA. DOS VÍCIOS APONTADOS NA INICIAL, APENAS A AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE LITISCONSORTES NECESSÁRIOS CONSTITUI UMA INVALIDADE INSANÁVEL. PRECEDENTES DO STJ. DEMAIS QUESTÃO PODEM E DEVEM SER APRECIADAS PELO JUÍZO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. PRETENSÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. RESCISÃO DA SENTENÇA PROFERIDA EM PRIMEIRO GRAU. CASSAÇÃO DOS ATOS POSTERIORES À SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL PROMOVIDA EM DESACORDO COM A LEGISLAÇÃO VIGENTE. EXCLUSÃO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE DA LIDE, A QUEM NÃO SOCORRE QUALQUER DIREITO SOBRE O BEM LITIGADO. INCLUSÃO DAQUELES QUE POR DIREITO DE HERANÇA SUCEDERAM O ANTERIOR PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL, NOS TERMOS DA PARTILHA HOMOLOGADA POR SENTENÇA NO JUÍZO DO INVENTÁRIO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Ação Rescisória nº 662.607-7, de Primeiro de Maio - Vara Única, em que são Autores EMÍLIA SIMONASSI RIBEIRO E OUTROS e Réu SANEPAR COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ. Trata-se de Ação Rescisória ajuizada por Emilia Simonassi Ribeiro com fundamento no artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil contra SANEPAR Companhia de Saneamento do Paraná, a fim de desconstituir sentença proferida nos autos de Ação de Constituição de Servidão Administrativa n.º 137/2007, do Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Primeiro de Maio, que julgou procedente o pedido para constituir, em favor da SANEPAR, servidão administrativa sobre o imóvel objeto da matrícula de n.º 2.602 do Registro de Imóveis da Comarca de Primeiro de Maio (fl. 38/40). Na petição inicial, Emilia Simonassi Ribeiro, afirma ser herdeira de Pedro Simonassi e inventariante nos autos de Inventário n.º 140/1988, portanto legítima possuidora e administradora dos bens que
compõem o espólio de Pedro Simonassi, e que a requerida adentrou com a ação de servidão administrativa contra Pedro Simonassi, mas este já era falecido. Alega que na Ação de Constituição de Servidão Administrativa de n.º 137/2007 a área de terras declarada de utilidade pública destina-se a faixa de servidão para implantação de interceptor de esgotos sanitários. Na ação rescindenda foi efetuado o depósito prévio de concedida a liminar de imissão de posse do imóvel. Informa que a senhora Maria Simonassi, viúva de Pedro Simonassi não detinha legitimidade para figurar no pólo passivo nos autos n.º 137/2007, eis que não possui qualquer direito sobre o imóvel. Relata que os autos de Ação de Constituição de Servidão estão eivados de nulidade, em virtude de que houve citação de parte ilegítima e a juntada de documentos estranhos ao feito. A ação rescindenda deveria ter sido julgada extinta sem resolução de mérito por faltar uma das condições da ação, qual seja, a legitimidade para a causa. Ao final, pugnou pelo deferimento da tutela antecipada, requerendo a procedência da ação, voltando ao "status quo ante", devendo ser restabelecida a posse do imóvel em questão, ficando no aguardo da requerida peticionar e demandar contra a parte legítima, ora requerente e demais herdeiros do espólio de Pedro, na forma da lei em vigor, condenando-se a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários de sucumbência. O pedido de tutela antecipada restou indeferido por esta Relatora no despacho proferido em fl. 53/57-TJ. Regularmente citada, a Companhia de Saneamento do Paraná, ofertou contestação (fls.64/78), alegando preliminarmente, que a inicial
seria inepta, pois a narração dos fatos e documentos juntados ao processo não comprovam as informações trazida pela autora, não demonstrando qualquer ato indevido por parte da contestante. Requereu a extinção do processo. A outra preliminar suscitada é a de ilegitimidade ativa "ad causam", sob o argumento de que a autora não pode figurar no pólo ativo da demanda, já que não mais possui a atribuição de inventariante, já que a partilha de bens do senhor Pedro foi homologada e a administração da herança é exercida pela inventariante apenas até a homologação da partilha. Ainda, afirma que a autora já não é mais detentora dos bens deixados pelo seu pai, não sendo a detentora da posse da área contida no lote 152-A do município de Primeiro de Maio. Alerta para o fato de que a autora teria herdado apenas 1/5 da área de propriedade do senhor Pedro, portanto, não poderia ingressar sozinha no feito, pois se trata de uma obrigação indivisível, devendo o feito ser julgado extinto. Arguiu ainda, não ser parte legítima para figurar no pólo passivo da ação, pois procedeu de maneira correta durante a instrução processual e quando teve ciência do falecimento do senhor Pedro, retificou o pólo passivo da demanda, constando como requerida a senhora Maria Soares Simonassi, viúva da parte falecida. Antes de abordar o mérito, requereu a denunciação da lide para que a senhora Maria Soares Simonassi ingressasse na lide por se tratar de pessoa diretamente interessada no julgamento do feito e explicou que procedeu de maneira correta, efetuando o depósito, no valor de R$ 3.250,00 quantia esta correspondente a 30% do valor da terra nua. Ainda, requereu o ingresso dos demais herdeiros nos autos, nominados em fls.68 por se tratar de
litisconsórcio necessário. No mérito, refutou a alegação de existência de vícios na petição inicial da ação de servidão administrativa, não se tratando de petição inepta, pois esta obedeceu aos ditames do artigo 282 do CPC. Menciona que os habitantes do município Primeiro de Maio seriam prejudicados com o deferimento do pedido da autora, eis que a instalação das tubulações dos interceptores do sistema de esgoto sanitário já foi realizada. O interesse da autora não pode se sobrepor ao interesse público. Caso seja deferia a pretensão da autora, a rescisão não poderá recair sobre o ato concessivo da imissão provisória na posse, o processo correu normalmente, sem nenhuma irregularidade e mesmo que tenha ocorrido irregularidade, não seria capaz de retirar a eficácia da declaração de utilidade pública, a imissão de posse e a conseqüente constituição da servidão da área. Argumenta que a autora age de má-fé, consoante disposto no artigo 17 do CPC, incisos II e V, e por esta razão deve arcar com o pagamento da multa disposta no artigo 18 do mesmo Código. Por fim, requer sejam acolhidas as preliminares, extinguindo-se o feito, sem resolução do mérito, na forma do artigo 267, inciso I, do CPC ou em caso de prosseguimento, seja a ação rescisória julgada improcedente; subsidiariamente, em caso de rescisão da sentença, que a mesma não abranja a imissão na posse e a constituição de servidão administrativa. Com a contestação foram juntados os documentos de fls.79/106TJ.
A autora impugnou os termos da contestação em fls.115/159TJ. A Procuradoria de Justiça interveio nos autos em fls. 163/165, requereu fosse providenciada a formação de litisconsórcio necessário, com a citação dos demais herdeiros de Pedro Simonassi, sob pena de ser julgado extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 47 do Código de Processo Civil. Ainda requereu a citação da senhora Maria Soares Simonassi e que fosse juntada a matrícula atualizada do imóvel. O despacho de fls. 168 determinou a citação dos demais herdeiros de Pedro Simonassi e de Maria Soares Simonassi ré da ação de servidão administrativa. Teresa Simonassi Vicentin, Francisco Simonassi e Jandira Simonassi Vincenti, compareceram aos autos em fls. 176/182, sustentando que a decisão de mérito proferida nos autos n.º 137/2007 violou disposição literal de lei; na ação rescindenda não houve citação dos herdeiros de Pedro Simonassi, mas apenas do cônjuge supérstite, casada sob o regime de separação de bens. Ao final, pugnaram para fossem rejeitadas as preliminares, ratificando-se a inicial e reiterando o pedido contido na ação rescisória, requerendo a rescisão da sentença proferida nos autos n.º 137/2007,julgando-se a lide de imediato com integral procedência,reconhecendo-se a ilegitimidade passiva da Sra. Maria Soares Simonassi, condenando-se a SANEPAR nas custas e despesas processuais e na verba honorária advocatícia. Maria Soares Simonassi, também contestou os termos da ação, alegando que a ação de constituição de servidão administrativa é ação
de domínio e exige que o efetivo proprietário do bem imóvel esteja no pólo passivo da demanda. Acentua que os herdeiros no momento da propositura da ação de constituição de servidão administrativa, eram os verdadeiros proprietários do imóvel. Não houve a citação dos sucessores de Pedro Simonassi na ação rescindenda, Ao fim, requereram fosse reconhecida a nulidade desde o início da ação de servidão administrativa n.º 137/2007. A Companhia de Saneamento do Paraná refutou os termos das contestações apresentadas (fl. 437/445TJ). As partes não especificaram provas a serem produzidas, nem apresentaram razões finais. Emilia Simonassi Ribeiro requereu fosse julgado o feito de forma antecipada (fls. 431/432) por fac-símile e, no original em fls. 434/435. A Procuradoria de Justiça manifestou-se em fls. 451/458, pela parcial procedência da ação rescisória, para fins de anular a sentença proferida nos autos de constituição de Servidão administrativa de n.º 137/2007 e os demais atos processuais posteriores a cotação, para determinar a repetição na forma da lei. É o relatório. Voto. Pretende-se, por meio da presente demanda, a rescisão da sentença que julgou procedente o pedido deduzido nos autos de n.º 137/2007 da Vara Única da Comarca de Primeiro de Maio, constituindo mediante pagamento de indenização servidão administrativa, em favor da
SANEPAR (hoje ré), sobre um excerto de imóvel1 de propriedade dos autores declarado de utilidade pública pela Municipalidade com vista à instalação de um interceptor de esgotos sanitários. Os autores escoram seu pedido em uma inquinada violação a literal disposição de lei (artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil) por parte da sentença que teria desatendido, a um só tempo, diversos dispositivos das leis processual e material civil. Primeiro deles, a sentença deveria ter indeferido a petição inicial (art. 295, I, CPC) e extinguido o processo sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, I, do Código de Processo Civil, haja vista a inépcia da peça vestibular, que viera desacompanhada de documentos indispensáveis à propositura da demanda (extraídos da combinação entre os artigos 283 do Código de Processo Civil e 13 do Decreto-lei n.º 3.365/41), trazendo registros atinentes a outra gleba de terra que não a dos autores2. Levando ao mesmo resultado vale repisar, o indeferimento da petição inicial, mas agora com espeque no artigo 295, II, do Código de Processo Civil ou mesmo a uma extinção não-liminar do processo sem resolução do mérito (artigo 267, VI, CPC), o réu (SANEPAR) seria carente de ação porque propusera a demanda contra parte manifestamente ilegítima: inicialmente uma pessoa morta3, posteriormente substituída pelo cônjuge
sobrevivente4, que não representava o espólio nem sequer era sucessora do autor da herança. Afirmam, ao mais, que o pedido formulado naquela demanda seria juridicamente impossível; que o feito não teria tramitado segundo o rito sumário (artigo 275, I, CPC) e que a condenação do ente público a indenizar os danos econômicos advindos do especial encargo imprimido dirigiu-se ao benefício de pessoa diversa dos herdeiros, violando a sucessão legítima (artigo 1829 do Código Civil). A SANEPAR, a seu turno, alega preliminarmente a inépcia da petição inicial da rescisória, por ausência de fundamentos de direito a ampararem as alegações autorais (artigo 295, parágrafo único, incisos I e II, do Código de Processo Civil); a ilegitimidade ativa "ad causam" da primeira autora que originariamente pretendia atuar em representação do espólio, na condição de inventariante, mesmo depois de homologada por sentença a partilha dos bens (afrontando ao disposto no artigo 1.991 do Código Civil) e sua própria ilegitimidade para figurar no pólo passivo da demanda, sob a premissa de que a não inclusão dos autores na demanda originária teria se dado por única e exclusiva responsabilidade de Maria Soares Simonassi, a quem pediu fosse denunciada a lide (artigo 70, III, CPC). Quanto ao mérito da presente demanda, infere a retidão do processo e, por conseguinte, da sentença nele prolatada. Afirma que o resultado auferido com a demanda seria inevitável (sendo, portanto, impossível a rescisão do julgado), dada a supremacia do interesse público sobre o
particular, tendo os autores litigado de má-fé. Subsidiariamente, pede que o juízo rescisório se dê apenas de forma parcial, mantendo intactas a imissão na posse e a constituição da servidão administrativa. Cumpre, logo de início, enfrentar a questão preliminar de inépcia da petição inicial da rescisória, uma vez que as demais preliminares, de ilegitimidade tanto ativa quanto passiva, já foram devidamente superadas pela decisão de fl. 168-TJPR, que definiu a relação jurídica processual colocando, a um extremo, os herdeiros e a viúva do proprietário primitivo do imóvel (autores) e, a outro, a SANEPAR (ré na demanda rescisória) e afastou, por conseguinte, a hipótese de denunciação da lide à viúva, Maria Soares Simonassi. Em relação à aventada inépcia da inicial, não há de prosperar os argumentos trazidos na contestação. Afinal, é possível deduzir com bastante clareza da peça inicial o pedido (desconstituição da sentença transitada em julgado) e os fundamentos fáticos e jurídicos que o fundamentam (ditas, respectivamente, causa de pedir remota e próxima), tais sejam a inquinada violação à lei e o direito rescisão do "decisum" insculpido no artigo 485 do Código de Processo Civil. Todavia, antes de se adentrar ao chamado mérito da demanda rescisória é preciso aferir se a pretensão deduzida na petição inicial efetivamente se amolda a uma das hipóteses de cabimento previstas na lei processual civil para a desconstituição de sentença acobertada pela coisa julgada. É lição de BARBOSA MOREIRA:
O julgamento da ação rescisória comporta em princípio três etapas sucessivas: a verificação da admissibilidade da ação; o exame do pedido de rescisão no mérito, em que o tribunal decide rescindir ou não a sentença impugnada (iudicium rescindens); e, finalmente, o rejulgamento da matéria que por ela fora decidida (iudicium rescissorium). É claro que só se passa à segunda etapa caso, na primeira, a ação tenha sido considerável admissível; e só se passa à terceira caso, na segunda, o pedido haja sido julgado procedente e, pois, rescindida a sentença. Quer isso dizer que cada uma das etapas é, tecnicamente, preliminar à seguinte.5
Para tanto, é preciso investigar se as invalidades que se disse havidas no curso do processo efetivamente repercutiram sobre a sentença atacada e, mais do que isso, se elas de fato podem ser entendidas como violações a disposição legal para efeito do artigo 485, V, do Código de Processo Civil. Tal indagação é respondida com bastante clareza pelo Superior Tribunal de Justiça em voto da lavra da Ministra NANCY ANDRIGHI cujo excerto ora se transcreve:
A exclusividade da ação anulatória prevista no artigo 486 do CPC para a declaração de nulidade da sentença proferida sem a citação de litisconsorte necessário, apesar de defendida por alguns doutrinadores, representa solução extremamente marcada pelo formalismo processual, pois qualquer via é adequada para insurgência contra o vício verificado na presente hipótese. Com efeito, o princípio da fungibilidade dos meios processuais autoriza o ajuizamento da rescisória para a
impugnação da sentença proferida em processo no qual não houve ou foi nula a citação do herdeiro em ação de investigação de paternidade ajuizada em face de seu falecido pai. A ausência de citação do litisconsorte necessário, além do mais, configura hipótese de nulidade ipso jure, sendo certo que tais nulidades "devem ser conhecidas e declaradas independentemente de procedimento especial para esse fim, e podem sê-lo até mesmo incidentalmente em qualquer juízo ou grau de jurisdição, até mesmo de ofício (...)" (Theodoro Junior, Humberto. Curso de direito processual civil. Vol. I. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2004, p. 656). Assim, a desconstituição da sentença rescindenda pode ocorrer tanto nos autos de ação rescisória ajuizada com fundamento no art. 485, V, do CPC quanto nos autos de ação anulatória, declaratória ou de qualquer outro remédio processual. (REsp 1.028.503/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/10/2010, DJe 09/11/2010 salvo quanto aos grifos). Percebe-se do trecho citado, a recepção de doutrina defendida, entre outros, por TEREZA ARRUDA ALVIM WAMBIER, para quem os únicos vícios ocorridos no curso do processo com o condão de macular a sentença tornando-a rescindível são as nulidades absolutas, também chamadas de pleno direito. Cita-se:
A nosso ver, conforme tivermos ocasião de sustentar em outro estudo, todas as nulidades de pleno direito que tenha havido no processo maculam a sentença e a tornam rescindível, todos estes casos, com exceção daqueles acerca dos quais a lei dispõe de maneira expressa, encartáveis no art. 485, V. Elas não são, portanto, diretamente declaradas, mas só mediatamente, depois de ter sido desconstituída a coisa julgada que, apesar delas, se formou. Não há, portanto, nulidade de
pleno direito que não se encarte nas previsões legais para o cabimento da ação rescisória. 6 (com exceção aos grifos, ausentes no original).
Ao que se passa a perquirir se algum dos vícios apontados pelos autores constitui uma nulidade absoluta, uma vez que afora esta possibilidade não há sequer de se admitir a propositura de uma demanda rescisória à espécie. Colhe-se tanto junto à doutrina quanto à jurisprudência construída sobre o tema que ao menos uma das irresignações trazidas pelos autores atende ao pressuposto de admissibilidade acima aduzido, isto é constitui hipótese de nulidade absoluta: a ausência de citação de litisconsortes necessários. Segundo CÂNDIDO DINAMARCO:
Não implementado litisconsórcio necessário, será nula a sentença assim proferida sem a presença de partes indispensáveis. Ainda que formalmente perfeita e estruturada de modo adequado (art. 458), ela é inválida por contaminação porque a omissão do juiz terá sido causa de nulidade de todo o processo. Ele terá descumprido o que preceitua o parágrafo único do art. 47 do Código de Processo Civil e, a partir da omissão, estará comprometido tudo o que houver sido feito no processo (CPC, art. 248 infra, n. 715). Essa é uma nulidade absoluta porque não diz respeito exclusivamente ao interesse das partes do processo mas da própria Justiça e dos terceiros omitidos (infra, n.712); por ser absoluta, ela será conhecida pelo tribunal ao qual a causa venha a ser endereçada em eventual agravo ou
apleação, ainda quando nenhuma das partes a invoque ou peça a anulação da sentença (arts. 245, par., e 267, § 3º). Se ocorrer o trânsito em julgado, será admissível a ação rescisória (art. 485, inc. V) com fundamento na violação à literal disposição do art. 47, que institui a necessariedade do litisconsórcio, e do seu parágrafo, que manda o juiz determinar a implementação; em caso de litisconsórcio necessário por força de lei, terá sido violada também a específica disposição que o exige (usucapião, ação popular etc.). 7 (destaques inexistentes no original).
Vale dizer, a partir da decisão que deferiu a substituição da parte falecida por sua viúva8 desatendendo com isto o disposto no artigo 43 do Código de Processo Civil, haja vista a pessoa eleita não representar o espólio (não era a inventariante) nem tampouco ser sucessora do autor da herança (aplica-se à espécie a regra do artigo 1.829, I, do Código Civil já que havia descentes sucessíveis e o regime de casamento escolhido fora o da separação obrigatória de bens9) todos os demais atos promovidos no processo devem ser reputados nulos. Nesse mesmo sentido já se postou o STJ:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. FALTA DE CITAÇÃO DE LITISCONSORTE NECESSÁRIO NA AÇÃO ORIGINÁRIA. INTERVENÇÃO APENAS COMO REPRESENTANTE DE ESPÓLIO. INSUFICIÊNCIA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. É nulo o processo em que não figurou litisconsorte necessário.
2. Quem assina escritura pública é litisconsorte necessário no processo instaurado para desconstituir o ato jurídico nela documentado. 3. A intervenção do signatário do documento em via de desconstituição, apenas como inventariante, representando espólio, não supre a necessidade de sua citação pessoal, para atuar em nome próprio. (REsp 705.412/GO, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/03/2005, DJ 12/09/2005 salvo quanto aos grifos). Cujo voto condutor assim determinou: "Por tais razões, dou provimento ao recurso especial. Julgo procedente a ação rescisória. Declaro nulo o processo de anulação e cancelamento de registro imobiliário movido pelo ora recorrido, devendo ser providenciada a integração da Sra. Ireni vieira Ribeiro como litisconsorte necessária". Quanto aos demais vícios apontados (tanto no que se refere à inépcia da petição inicial quanto ao rito a ser adotado), porque plenamente sanáveis, podem e devem ser submetidos ao conhecimento do juízo originário10 quando da reconstrução do processo, como já reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. REPRESENTAÇÃO. PROCURAÇÃO. FIRMA. EMENDA À PETIÇÃO INICIAL. POSSIBILIDADE. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. Não há confundir ausência de fundamentação com regular prestação jurisdicional contrária aos interesses da parte. 2. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial." (Súmula do Superior Tribunal de Justiça, Enunciado nº 7). 3. Não se conhece de recurso especial na hipótese da matéria da insurgência não ter sido debatida e decidida pela Corte Estadual. 4. Não há falar em violação do artigo 284 do Código de Processo Civil, em se lhes deferindo aos autores prazo para emendar a petição inicial, após o ofertamento da contestação, por isso que a norma instrumental inserta nesse dispositivo legal, à luz da sua própria letra, não estabelece tempo preclusivo qualquer para que o juiz da causa proveja relativamente à perfectibilidade da peça inaugural da ação, o que exclui a invocada violação da lei federal. 5. Recurso não conhecido. (REsp 101.013/CE, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 11/06/2002, DJ 18/08/2003 ressalvados os destaques). Posição reafirmada em julgado posterior, já invocando a força dos precedentes daquela Corte:
REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO. FALTA DOS COMPROVANTES DE RECOLHIMENTO. CONTESTAÇÃO. EMENDA À INICIAL. POSSIBILIDADE. ART. 284 DO CPC. PRESCRIÇÃO. INOVAÇÃO DE DEMANDA. I - Mesmo após o oferecimento da contestação, pode o juiz determinar que se emende a inicial quando faltar documento indispensável à propositura da demanda. Precedentes: REsp nº 674215/RJ, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, DJ de 20.11.2006; REsp nº 425140/SC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ de 25.09.2006; REsp 101013/CE, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, DJ de 18.08.2003.
II - Constitui inovação de demanda a invocação de prescrição somente no agravo regimental, não havendo apreciação do tema pelo aresto estadual, tampouco pela decisão singular. III - Agravo regimental improvido. (AgRg no AgRg no REsp 628.463/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/02/2007, DJ 29/03/2007 salvo quanto aos grifos). Razões pelas quais voto para que seja julgado parcialmente procedente a pretensão deduzida nesta demanda de modo a rescindir a sentença proferida em primeiro grau; cassar os atos posteriores à substituição processual promovida em desacordo com a legislação vigente e determinar a exclusão da lide do cônjuge sobrevivente, porque não lhe socorre qualquer direito sobre o bem litigado, e a inclusão daqueles que por direito de herança sucederam Pedro Simonassi na propriedade do imóvel matrículado sob o n.º 2.602 junto ao Registro de Imóveis da Comarca de Primeiro de Maio (conforme partilha de bens homologada por sentença fls. 100/105TJ). Pelo princípio da sucumbência, há de ser condenada a ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios da parte autora, que fixo em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), nos termos do artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil, considerando a importância da causa, o trabalho realizado pelos patronos dos réus, o julgamento antecipado da lide e a ausência de maior complexidade com relação à matéria tratada. Ao fim, resta prejudicada a questão do depósito (art. 494, CPC), haja vista sua dispensa pela decisão que deferiu o pedido de assistência judiciária gratuita.11
DECISÃO: ACORDAM os Desembargadores da Quarta Câmara Cível em Composição Integral do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar parcialmente procedente a pretensão deduzida na petição inicial, nos termos do voto da Relatora. Participaram da sessão e acompanharam o voto da Relatora os Excelentíssimos Senhores Desembargadores ABRAHAM LINCOLN CALIXTO, Presidente, sem voto, LÉLIA SAMARDÃ GIACOMET e LUÍS CARLOS XAVIER . Curitiba, 22 de março de 2011. Des.ª MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA Relatora
-- 1 Área de terra medindo 1.062,66 m² contida no lote n.º 152, parte "A", inscrito em matricula de n.º 2.602 do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Primeiro de Maio. 2 Documentos de fls. 218/234TJPR. 3 Pedro Simonassi (falecido desde 07.01.1997, conforme certidão de óbito n.º 1.316 acostada à fl. 16).
-- 4 Maria Soares Simonassi (fls. 252/253TJPR).
-- 5 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. vol. V: arts. 476 a 565. 13. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 205/206.
-- 6 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. ref. e atual. São Paulo: RT, 2008, p. 472.
-- 7 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil: vol. II. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 363/364. 8 Fl. 253TJPR. 9 Fls. 16/17TJPR.
-- 10 Cita-se, por sua maestria, lição de BARBOSA MOREIRA, a quem "(...) embora insuficiente a rescisão, o remédio adequado à correção do que erradamente se fizera não consista na imediata reapreciação da causa pelo próprio tribunal que rescinde a sentença, tornando-se necessária a remessa a outro órgão v. g., quando tiver ocorrido incompetência absoluta (art. 485, n.º II, fine), hipótese em que a cognição dever ser devolvida ao juízo competente, só se justificando que o tribunal passe ao iudicium rescissorium se era a ele mesmo que pertencia a competência para a causa; ou, ainda, quando a invalidade da sentença houver sido mera conseqüência de vício que afetara o processo anterior, de tal sorte que este precisará ser refeito, na medida em que aquele o haja comprometido (exemplos: a citação fora nula, sem convalidação; deixara de intimar-se o Ministério Público, apesar de obrigatória a sua intervenção)." (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ob. cit., p. 208).
-- 11 Fl. 46-TJ.
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