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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 671044-9, DE FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 7ª VARA CÍVEL APELANTE 1: ATHAYDE DE OLIVEIRA NETO APELANTE 2: FM STUDIO 96 LTDA. APELANTES 3: LUIZ FERNANDO PIMENTEL MUSSI E OUTRO APELANTE 4: MAHA SKATES LTDA. APELANTE 5: JOCKEY CLUB DO PARANÁ APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RELATOR : DES. LUÍS CARLOS XAVIER AÇÃO CIVIL PÚBLICA "SHOW UNIDOS PELA PAZ" TUMULTO VÍTIMAS ADOLESCENTES - PROCEDÊNCIA EM PARTE INDENIZAÇÃO SOLIDÁRIA POR DANOS MORAIS COLETIVOS RELAÇÃO DE CONSUMO CADEIA DE FORNECIMENTO DE SERVIÇOS - DECISÃO CORRETA APELAÇÕES CÍVEIS. RECURSO 1 ALEGAÇÃO INVERÍDICA DE QUE O EVENTO DANOSO SE REALIZOU FORA DO LOCAL DO SHOW INEXISTÊNCIA DE ALVARÁS E AUTORIZAÇÕES RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO E DO MUNICÍPIO DESCARACTERIZADAS DEMONSTRADA A AUSÊNCIA DE ORGANIZAÇÃO (FALHAS NO SERVIÇO PRESTADO) REQUERIMENTO DE DIMINUIÇÃO DO DANO MORAL IMPROCEDÊNCIA APELAÇÃO DESPROVIDA. RECURSO 2 AGRAVO RETIDO PROVIDO E APELAÇÃO PROVIDA, POR MAIORIA. RECURSO 3 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EFEITOS INFRINGENTES - DEVIDAMENTE REJEITADOS LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ART. 129, INCISO III DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ORGANIZADOR/PATROCINADOR DO EVENTO RESPONSABILIDADE CONFIGURADA SOLIDARIEDADE ENTRE PESSOA FÍSICA E JURÍDICA ART. 7º PARÁGRAFO ÚNICO E ART. 25, PARÁGRAFO 1º DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - REQUERIMENTO DE DIMINUIÇÃO DO DANO MORAL IMPROCEDÊNCIA JUROS DE MORA DEVIDOS A PARTIR DA DATA DO EVENTO APELAÇÃO DESPROVIDA. RECURSO 4 APOIADOR E COLABORADOR DO EVENTO DEVIDAMENTE DEMONSTRADOS APELAÇÃO DESPROVIDA. RECURSO 5 AGRAVO RETIDO DESPROVIDO (DENUNCIAÇÃO DA LIDE E DO CHAMAMENTO AO PROCESSO IMPOSSIBILIDADE EX VI DO ART. 88 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR) - ENTRETENIMENTO PÚBLICO CONSUMIDOR EX VI DO ART. 3º E 14º DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR CONDUTA DOLOSA DEVIDAMENTE DEMONSTRADA EXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL/RESPONSABILIDADE CIVIL INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 8.245/91 ALEGAÇÃO DA OCORRÊNCIA DA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA CULPA DE TERCEIROS - IMPROCEDÊNCIA APELAÇÃO DESPROVIDA. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 671044-9, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - 7ª Vara Cível, em que são Apelantes ATHAYDE DE OLIVEIRA NETO, FM STUDIO 96 LTDA, LUIZ FERNANDO PIMENTEL MUSSI E OUTRO, MAHA SKATES LTDA. e JOCKEY CLUB DO PARANÁ e Apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
Tratam-se de apelações cíveis interpostas em face da sentença de fls. 2394-2426, que julgou parcialmente procedente a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Paraná em desfavor do Jockey Club do Paraná, Athayde de Oliveira Neto, Luiz Fernando Mussi Pimentel, Feturski Comércio de Discos Ltda., ME (Loja Mania do CD), Indústria e Comércio de Confecções Damyller Ltda., Maha Skates Wear Promoções de Eventos Esportivos Ltda., FM Studio 96 Ltda. e, Rádio e Televisão Rotioner Ltda. (Canal 21), condenando-os a, solidariamente, pagar a importância de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de indenização por danos morais coletivos, importância esta a ser atualizada monetariamente pela média entre o INPC e o IGP-DI a partir da presente data, acrescida de juros de mora de 1% a partir da data do evento, e que deverá ser recolhida ao Fundo de Reparação dos Direitos Difusos de que trata o art. 13 da Lei de Ação Civil Pública, instituído
no Estado do Paraná pela Lei Estadual nº 11.987/98 e regulamentada pelo Decreto Estadual nº 3.981/2001, devendo arcar com os honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da condenação.
Diageo Brasil Ltda., Abril Difusão S.A., Jockey Club do Paraná, Luiz Fernando Pimentel Mussi e Rádio Televisão Rotioner Ltda., (Canal 21), opuseram embargos de declaração (fls.2.434-2440/TJ; 2.442- 2443/TJ; 2.445-2449/TJ; 2451-2468/TJ, os quais foram rejeitados, pela decisão de fls.2.537-2.549/TJ.
Apela Athayde de Oliveira Neto (fls. 2.474-2516/TJ), aduzindo para tanto que o acidente que vitimou os três adolescentes e feriu diversas pessoas ocorreu fora do local onde foi realizado o evento e se deu pela ausência de policiamento no local e proximidades, mesmo tendo sido requisitado e oficialmente comunicado, com antecedência, todos os órgãos da segurança pública, além do Juizado da Infância e da Juventude e Prefeitura Municipal de Curitiba.
Aduz, que para a realização do evento foi concedido alvará pela Secretaria de Estado de Segurança Pública, conforme documentos acostado às fls. 1.609 dos autos.
Aponta para a responsabilidade objetiva do Estado e do Município de Curitiba, nos termos dos arts. 46, 47 e 48 da Constituição do Estado do Paraná e art. 37, § 6º da Constituição Federal.
Assevera que de sua parte não houve falha no serviço prestado, vez que, como dito, dentro do local onde se realizou o show não ocorreu nenhum infortúnio, portanto, demonstrado o devido cumprimento do serviço proposto por ele, deve ser reformada a r. sentença para que seja afastada a condenação que lhe foi imposta.
Por fim, em não se entender dessa maneira, pugna pela diminuição do valor fixado a título de dano moral.
Pugna pelo recebimento do recurso de apelação em ambos os efeitos (fls. 2.556-2.557), vez que fora protocolado anteriormente aos embargos de declaração, opostos por alguns requeridos, os quais foram rejeitados, sem qualquer modificação à sentença, como se pode ver às fls. 2.537- 2.549.
FM Studio 96 Ltda., também manejou recurso de apelação (fls. 2.520-2.532), onde pugna em preliminar pelo conhecimento e provimento do agravo retido interposto (fls. 2.085-2.087) a fim de que seja reconhecida sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo da ação, sob a alegação de que "Não patrocinou e muito menos teve qualquer participação ativa na organização do evento".
Alega ainda, que teve sua defesa cerceada pelo indeferimento da prova testemunhal requerida, devendo, pois, ser anulada a sentença a partir dessa fase, para que seja realizada tal prova e consequentemente proferida nova decisão.
No mérito, pugna pela reforma da sentença, aduzindo para tanto que para ela, não se aplica o disposto no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, vez que não foi fornecedora do evento, nem sequer patrocinadora, não tendo sido beneficiada com absolutamente nada, razão pela qual, sua culpa não pode ser presumida. Diz que, apenas foi contratada pelo organizador do evento para divulgá-lo e nada mais.
Por outro lado, sustenta a nulidade da sentença por falta de fundamentação, na parte em que arbitrou o valor a título de dano moral, vez que esse deveria ser de, no máximo, 100 (cem) salários mínimos.
Por derradeiro, pontua que não são devidos os honorários advocatícios em ações desta natureza, devendo os mesmos ser excluídos da condenação. No entanto, sendo outro o entendimento, requer a diminuição do valor fixado para o correspondente a um ou dois salários mínimos.
Luis Fernando Pimentel Mussi e Rádio e Televisão Rotioner Ltda., também recorrem às fls. 2.606-2664, sustentando a necessidade de reforma da sentença, argüindo inicialmente, que a decisão que apreciou os embargos de declaração negou vigência ao disposto no art. 535, incisos I e II do Código de Processo Civil, além de afrontar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e carecer de fundamentação, razão pela qual deve a mesma ser cassada, remetendo-se os autos à origem para que outra decisão seja proferida, enfrentando todos os pontos elencados nos embargos de declaração.
Na sequência, alegam a ilegitimidade do Ministério Público para propor a presente ação em defesa de interesses individuais disponíveis, conforme dispõem os artigos 127 e 129, ambos da Constituição Federal.
No mérito, afirmam não ter responsabilidade pelo acidente ocorrido, pois não eram organizadores nem patrocinadores do evento realizado, conforme comprovam os depoimentos testemunhais constantes dos autos, tanto é que, não foram denunciados pelo Ministério Público após a conclusão do inquérito civil.
Ressaltam que não há nexo de causalidade entre a conduta de divulgador e o evento danoso, morte, pois, a causa primária do acidente se deve a ausência de organização e fiscalização dos órgãos competentes. Ademais, afirmam "que o ato de divulgar o evento, ainda que mediante permuta com o organizador do evento, não torna o Canal 21 responsável, não é capaz de
gerar o dever de indenizar, à luz do que estabelecem os arts. 186, 187 e 927 do Código Civil, tampouco à luz do Código de Defesa do Consumidor, pois não está presente o conceito de fornecedor".
Sustentam não ser possível atribuir-lhes qualquer responsabilidade, principalmente o mesmo grau de culpa dado ao organizador do evento, inclusive, dizem que "a própria sentença admite a existência de grau de culpa diferenciado entre os réus, fato que impede a aplicação da tese da responsabilidade solidária, portanto, a condenação de cada um deve se dar conforme a participação no evento".
A par disso, alegam que não há que se falar, no caso, em cadeia de fornecedores, na medida em que a divulgação não integra o conceito de fornecimento em eventos dessa natureza, não sendo o caso de aplicação dos arts. 3º, 7º, 14 e 25, todos do Código de Defesa do Consumidor.
Ainda, discorrem quanto à impossibilidade de confundir a pessoa jurídica (Canal 21) com o administrador/gerente (Luis Fernando), o qual somente poderia ser atingido pela decisão se sobreviesse à desconsideração da pessoa jurídica, porquanto o fato de ter representado o Canal 21, enquanto gerente, na permuta da mídia, não o torna organizador ou responsável pelo evento danoso.
Por fim, acaso superados os argumentos acima expostos, requerem a diminuição do valor fixado a título de dano moral e modificação da incidência dos juros de mora a partir da citação, nos termos do art. 219 do Código de Processo Civil.
Maha Skates Wear Ltda., em seu recurso (fls. 2.669-2.670), pugna pela anulação da sentença, pois foi proferida em desacordo com as provas produzidas no processo e deixou de especificar qualquer situação capaz de
imputarlhe responsabilidade pelo fato ocorrido.
Por derradeiro, Jockey Club do Paraná (fls. 2.674-2.698) em suas razões recursais, pugna em preliminar pelo conhecimento e provimento do agravo retido interposto às (fls. 2.021-2.030), a fim de que se reconheça a necessidade da intervenção de terceiros no processo, assim considerados tanto o Município de Curitiba, bem como o Estado do Paraná, seja na modalidade de denunciação à lide ou no chamamento ao processo, ambos aplicáveis ao caso.
No mérito, assevera que os valores que se pretende tutelar na presente ação são de índole individual e, como tal, devem ser analisados individualmente, pois se deram em proporções diferentes a cada uma das vítimas. Ainda, que não ficou demonstrado qual bem jurídico da sociedade efetivamente violado, portanto, não existe dano moral difuso a ser reparado, sendo impróprio o meio utilizado pelo Ministério Público na busca de proteção desses direitos.
Entende não haver prova nos autos de sua imprudência, imperícia ou negligência ao locar a área para a realização do show, tampouco de dolo, ainda que na modalidade eventual. Assim, inexistindo conduta danosa na produção do evento, inexiste o dever de reparar.
Aduz, quanto à inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso em mesa, vez que a relação jurídica da qual participou é regulamentada pela lei de locações (Lei nº 8.245/91), pois sua participação nos fatos que deram origem ao evento danoso restringiu-se na locação de suas dependências.
No entanto, acaso não se entenda dessa forma, destaca a ocorrência da excludente de responsabilidade objetiva em razão do evento danoso ter ocorrido por culpa exclusiva de terceiros, no caso, o Estado do Paraná e do Município de Curitiba.
Anotados os regulares preparos (fls. 2.517-2.518; 2.533- 2.534; 2.665-2.666; 2.671-2.672 e 2.699-2.700) e contrariados os agravos retidos (fls. 2.122-2.128 e 2.106-2.114 respectivamente) bem como das apelações (fls. 2.717-2.732), vieram os autos ao Tribunal.
Parecer da Douta Procuradoria Geral de Justiça, de fls. 2.744-2.764, pelo desprovimento de todos os recursos.
Vieram-me conclusos.
É o relatório.
VOTO
Dessume-se dos autos que a presente ação civil pública, teve origem na tragédia ocorrida nas dependências do Jockey Club do Paraná, em data de 31 de maio de 2003, por ocasião da realização do show denominado "Unidos Pela Paz", que resultou na morte de três adolescentes, além de ferimentos em vários adolescentes e jovens.
E, aqui antes de adentrarmos na análise dos recursos, mister transcrever a parte final da r. sentença recorrida (fls. 2.424-2.425):
"Por certo as pessoas envolvidas no pisoteamento sofreram um abalo psicológico que pode ser considerado individualmente. Porém, para além disso, em seu conjunto, como grupo, viram-se como vítimas e ao mesmo tempo algozes involuntárias de um tumulto que poderia ter sido evitado com uma organização eficiente do espetáculo.
As reportagens jornalísticas encartadas aos autos revelam o sentimento coletivo de insegurança, o compartilhamento de momentos aterrorizantes entre as vítimas, que ao cair se transformavam em algozes de outras que cederam antes delas.
A angústia coletivamente experimentada pode ser extraída do seguinte relato de uma das vítimas.
Jean estava próximo do portão de entrada quando o empurra- empurra começou. "uma menina atrás de mim, que eu nem conhecia, se agarrou em mim e pediu pelo amor de Deus para que eu não a deixasse cair" conta. Uma de suas angústias foi descobrir que a menina que ele tentou ajudar era Larissa Cervil Seletti, que morreu pisoteada.
Com uma luxação no braço e escoriações por todo o corpo, Jean tem em sua memória momentos de pânico. O jovem conta que ele e Larissa não agüentaram os empurrões e tombaram. Jean tentou proteger a menina. Ele tentou segurar as pessoas que continuavam caindo, mas não suportou o peso e foi para o chão. Fiquei imobilizado. Não conseguia ver nada. Só escutava gritos desesperados pedindo por socorro. Comecei a sentir falta de ar e cheguei a vomitar (f. 1.107).
Os recursos serão analisados na ordem em que foram interpostos.
Recurso 1 - Athayde de Oliveira Neto
Aduz o Apelante em suas razões recursais de fls. 2.474- 2.516, que o acidente que vitimou os três adolescentes e feriu diversas pessoas ocorreu fora do local onde foi realizado o evento e se deu pela ausência de policiamento no local e proximidades, mesmo tendo sido requisitado e oficialmente comunicado, com antecedência, todos os órgãos de segurança pública, além do Juizado da Infância e da Juventude e Prefeitura Municipal de Curitiba.
1.1 Da organização do show
Na condição de organizador principal do show, deveria ter se cercado de todos os meios adequados para assegurar ao seu público a condição de entrar e sair de um evento com tal porte, com extrema segurança.
Ao organizar e realizar o show em desacordo com as normas legais colocou em risco a vida e a integridade física dos consumidores que se deslocaram ao Jockey Club do Paraná, tendo como resultado as mortes noticiadas, bem como, ferimentos em diversas pessoas, que ocorreram naquele espaço, como se pode constatar do termo de declarações de fls. 844/849 e do laudo do Instituto de Criminalística de fls. 936/951.
Constata-se às fls. 249/250, contrato de prestação de serviços firmado entre o recorrente e a empresa JRS Monitoramento de Alarme Ltda., tendo como objeto a prestação de serviços de orientação de público durante o período do show no dia 31.05.2003 das 19h às 06h, tendo sido estabelecido no cláusula 6.1 promover a SEGURANÇA E ORGANIZAÇÃO DE PÚBLICO.
O depoimento da testemunha Juliano Rodrigo Singer (fls. 145-7ª Vara), esclarece que:
"...a empresa de seu irmão foi contratada para fornecer 300 pessoas para promover a orientação daqueles que foram para o show, que pelo contrato essas pessoas teriam que trabalhar na parte interna do Jockey; que a função dessas pessoas era orientar sobre locais de acesso ao show, dos banheiros, palcos, camarins, caixas; que foram colocados cerca de 30 a 40 orientadores do lado de fora do Jockey, nas proximidades do portão que dá acesso ao clube..."
"...não havia grades para facilitar a formação de filas para acesso no local; que só havia grades na parte interna, depois do portão referido"...
"...que a fila estava organizada, mas foi anunciado pelos altos falantes que o show começaria dali quinze minutos; que nesse momento as pessoas abandonaram a fila e começou um tumulto, pois todos queriam entrar ao mesmo tempo;...
Além disso, da análise do conjunto probatório, tem-se que a causa primária do evento fatídico foram às inúmeras falhas na sua organização e não a falta de policiamento nas vias públicas e como muito bem exposto pelo MM. Juiz sentenciante: "Evidente, portanto, que o tumulto decorreu diretamente do início antecipado do show". (fls. 2.420)
Embora seja dever da Polícia Militar zelar pela segurança dos cidadãos, não é de sua incumbência a realização da segurança dentro de eventos particulares, ainda mais no presente caso, em que o organizador do evento optou pela contratação de empresa de segurança.
Conclui-se assim, a responsabilidade do ora Apelante, organizador do evento, que restou cabalmente demonstrada pelo conjunto probatório.
Destarte, tendo em vista a ampla divulgação na imprensa, a grande quantidade de ingressos vendidos (de 20.000 a 20.500 e distribuídos cerca de 5.000 cortesias fls. 125) e, consequentemente, o público esperado para o show, cabia ao organizador do evento fornecer a infra-estrutura adequada aos freqüentadores, ou seja, garantir a segurança, inclusive de serviços médicos, o que não ocorreu, conforme demonstrado pelos depoimentos constantes dos autos, em especial de fls. 535, 538, 539, 543/544, 545/546, 552/553, 555/557,
582/583, 587/588, 591/592, 596/597, 604/605, 607/608, 610/611, 622/623, 626/627, 631/632.
O organizador, embora tenha enviado os requerimentos preliminares (comunicado oficialmente aos órgãos da segurança pública, fls. 223, 229, 230, 253), não obteve os alvarás, autorizações e licenças necessárias para a realização do evento, bem como não providenciou a segurança suficiente e competente para garantir a ordem no evento (fls. 255, 257).
A falta de organização do evento restou evidenciada pela venda de inúmeros ingressos e pelo início das apresentações (abertura dos portões às 19 horas e início do show às 22 horas (fls. 264), porém, por volta das 20h ou 20h30m, houve anúncio de que o show começaria em 15 minutos (depoimento de fls. 145-7ª Vara Cível), quando grande número de pessoas ainda não se encontrava no local do show (foram vendidos 20.000 a 20.500 ingressos + 5.000 cortesias (depoimento de fls. 125-7ª Vara Cível), no entanto: "o número de pessoas que estavam no lado de fora não caberiam no interior do Jockey" (depoimento de fls. 147-7ª Vara Cível) e como bem asseverou o magistrado da 4ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, ao sentenciar a ação de indenização nº 41.452: "organizar um evento onde bandas de rock atraem milhares de adolescentes não é o mesmo que organizar uma festinha familiar de aniversário, com vinte ou trinta convidados". (fls. 2.041-7ª Vara Cível).
Ainda, é de bom alvitre transcrever depoimento de Roberto de Gouveia Rego, técnico de sonorização, acostado no inquérito civil de fls. 471/472, a saber:
"...que uns quinze dias antes dos show, foi ao local fazer uma visita técnica, quando foi calculado que a área comportava aproximadamente
cerca de 12 mil pessoas na primeira área na primeira vista, que solicitaram imediatamente a mudança do palco; que entende que caberiam confortavelmente 12 mil pessoas e que 18 mil seria uma lotação incômoda na segunda área; que durante o show, calcula que estiveram presentes 30 mil pessoas aproximadamente."
Ressalta-se que não prospera a assertiva do ora Apelante de que, para a realização do evento foi concedido alvará pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (fls. 241) e que o acidente ocorreu por falha no serviço da polícia pública, (requerimento de reforço no policiamento, às fls. 223 e 235) por não ter enviado para o local um número satisfatório de policiais militares, não o exime da responsabilidade pelo evento danoso.
Ora, como bem sentenciado (fls. 2.420): Essa circunstância não eximia os fornecedores do serviço de recolher aos cofres públicos a taxa correspondente, de modo a garantir a presença de policiais suficientes na entrada do espetáculo. (...) não podem os fornecedores do serviço, deixando de recolher as taxas respectivas, ocultar-se atrás de eventual desídia da Polícia Militar.
No interrogatório do apelante na 3ª Vara Criminal da Capital, nos autos 2003.6854-9, às fls. 124/133-7ª Câmara Cível, consta que: "...não foi recolhida a taxa exigida pela Polícia Militar para a presença dos policiais no local..."
E conclui o MM. Juiz sentenciante:
"Aliás, chama a atenção que a maioria dos requerimentos dirigidos às autoridades públicas sequer possui protocolo (fls. 229, 230, 233, 235, 247, e 253.)
As autorizações que constam dos autos são apenas da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, com o fim específico de autorizar a utilização de equipamentos sonoros (fls. 237), e da Secretaria Municipal do Urbanismo, que ressalva expressamente a necessidade de liberação do Corpo de Bombeiros (fls. 238).
A certidão da Secretaria Municipal de Finanças, por seu turno, atestava apenas da regularidade do recolhimento do ISS referente ao show, e também ressalvava expressamente a necessidade de liberação dos demais órgãos (fls. 239)".
O Corpo de Bombeiros desaprovou a realização do evento por inexistirem condições de segurança, em data de 27 de maio de 2003, isto é, quatro dias anteriores a data do show, como se vê do ofício de fls. 255: "...faz-se necessária a apresentação de projeto de prevenção de incêndio alternativo, contemplando prevenção de incêndio e meios de abandono, bem como a capacidade de público (aberturas compatíveis com o público, iluminação de emergência e sinalização das rotas de fuga)".
"Informamos ainda que o não cumprimento de quaisquer dessas exigências implicará, consequentemente, no indeferimento desta solicitação."
Constata-se às fls. 257, comunicação da Prefeitura Municipal de Curitiba de que o show "..."Unidos pela Paz" realizado no dia 31.05.2003, não possuía Alvará de Funcionamento específico para o evento, expedido pela Prefeitura Municipal de Curitiba conforme prevê a Lei Municipal 699/53".
As conseqüências da inobservância das normas legais para a realização do evento artístico e a imperícia dos organizadores do evento, vieram
a causar os danos noticiados nos autos, como se depreende das provas anexadas, bem como esclarece a testemunha Juliano Rodrigo Singer (fls. 145-7ª Vara):
...que não havia policiamento do lado de fora do Jockey, na rua"...
"...que em razão desse tumulto o réu Athayde Neto determinou que o portão onde estava a bilheteria fosse fechado;...
..."que o portão foi fechado para se aguardar que as pessoas se acalmassem; que o portão acabou se abrindo, em razão da aglomeração de pessoas que ali estavam empurrando-o; que algumas pessoas acabaram caindo e foram pisoteadas,...
Sem razão no tocante a exclusão de sua responsabilidade.
1.2 Da responsabilidade objetiva do Estado do Paraná e do Município de Curitiba
Aponta o apelante para a responsabilidade objetiva do Estado e do Município de Curitiba, nos termos dos artigos 46, 47 e 48 da Constituição do Estado do Paraná e artigo 37, § 6º da Constituição Federal.
No entanto, também sem razão o mesmo.
O parecer da Douta Procuradoria Geral de Justiça, muito bem dirimiu a questão in verbis:
"A questão que se coloca é a seguinte: quem seria o responsável pela segurança nas vias públicas que circundam o estabelecimento do Jockey Clube no dia do acidente. Os organizadores do evento ou o Estado do Paraná e o Município de Curitiba?
Pois bem. Considerando que a relação estabelecida nos autos entre as partes é considerada relação de consumo, deve ser aplicado para dirimir a questão, o art. 14 c/c art. 88, ambos do Código de Defesa do Consumidor.
Nesse passo, como bem ponderou o Ministério Público de primeiro grau, "o sistema do Código de Defesa do Consumidor veda a utilização do chamamento ao processo e denunciação da lide, porque o direito de indenização do consumidor é fundado na responsabilidade objetiva", conforme determina o artigo 14 do referido códex.
Ademais, em casos como o dos autos, a lei prevê que "aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso." (CDC, art. 13, parágrafo único).
Entretanto, o artigo 88 do mesmo estatuto assevera que "Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste Código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir- se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide."
Portanto, agiu com acerto o digno juiz sentenciante ao não acolher a denunciação da lide requerida pelos ora apelantes, devendo ser mantida incólume a r. sentença neste aspecto." (fls.2.755-2.756/TJ).
Neste sentido mantém-se a decisão de primeiro grau.
1.3 Do dano moral
Por fim, quanto ao pedido de diminuição do valor fixado a título de dano moral, também sem razão o mesmo.
A ocorrência do dano moral é incontroversa, onde a jurisprudência já sedimentou que o conceito de dano corresponde à lesão de
direito, aceitando-se a tese não só da extrapatrimonialidade do dano, mas também, que basta esta lesão para que o dano ocorra, com repercussão indenizatória.
Com efeito, o dano moral consiste na lesão a interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo. Qualquer lesão que alguém sofra no objeto do seu direito repercutirá, necessariamente, em seu interesse; por isso, quando se distingue o dano patrimonial do moral, o critério da distinção não poderá ater-se à natureza ou índole do direito subjetivo atingido, mas ao interesse, que é pressuposto desse direito, ou ao efeito da lesão jurídica, isto é, ao caráter de sua repercussão sobre o lesado, pois somente desse modo se poderia falar em dano moral.
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em aresto relatado pelo eminente Ministro Aldir Passarinho Júnior, (...) já se definiu pela dispensabilidade da prova objetiva do prejuízo moral, bastando à demonstração da circunstância que revele a situação ofensiva à honra e reputação da pessoa física ou jurídica (...) (Resp nº 282.757/RS, in DJU de 19.02.2001, p. 182).
E, no caso em tela, o Apelante tinha o dever jurídico de fiscalizar o atendimento das exigências legais, principalmente quanto ao pertinente à segurança, para a realização do evento ex vi da Lei Municipal 699/53.
Aliás, em seu depoimento esclarece (fls. 127-7ª Vara Cível):
"...que em eventos dessa natureza, de acordo com a experiência do declarante, são exigidos alvarás da Secretaria de Urbanismo, da Secretaria do Meio Ambiente, Corpo de Bombeiros e Polícia Civil; que também seria necessário o pagamento do ISS junto à prefeitura; que todos os alvarás mencionados foram devidamente solicitados e liberados, a exceção do Corpo
de Bombeiros que não foi ao local para realizar a vistoria;..."
Logo, demonstrada a existência do prejuízo moral coletivo, há que se garantir a indenização, como acertadamente decidiu o magistrado "a quo in verbis": "O código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, elenca como direitos básicos do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (inciso VI)" (fls. 2.422).
Quanto ao montante fixado pelo magistrado singular em R$100.000,00 (cem mil reais), se afigura correto, devendo ser mantido.
Com efeito, como muito bem exposto pelo digno representante do parquet em seu parecer (fls. 2.722):
"Havendo diminuição do valor, também haverá diminuição das funções da imposição do pagamento indenizatório, prejudicando principalmente a função denominada dissuasória, que é aquela que visa compelir o agente causador do dano, a reiterar a conduta danosa, que neste caso, é expor a vida de diversos consumidores a sérios riscos"
Caio Mário da Silva Pereira1, ensina: "Na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos ou duas concausas: I- punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial. II- por em mãos do ofendido uma soma que não é pretium doloris, porém meio de lhe oferecer a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material. (MAZEAUD, MAZEAUD, ob. cit. 419, ALFREDO MINOZI, in "Dano Non Patrimoniale", nº 66), que pode ser obtido no fato de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança (...) A isso é de acrescer que na reparação por dano moral insere-se a solidariedade social da vítima.
O Superior Tribunal de Justiça assim se posicionou a respeito do assunto:
"A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, considerando que se recomenda que o arbitramento deve operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, o valor do negócio, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom sendo, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e as peculiaridades de cada caso". (REsp. 171.084-MA 4ª T. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira j. 18.8.98, publ. DJ. 05.10.98, pág.102).
A função da indenização, a título de danos morais é proporcionar uma compensação em contrapartida ao desgosto sofrido e não estipular um preço, visto que a dor não tem preço e nem pode ser avaliada em dinheiro, e neste aspecto, tem-se como correta a fixação do montante indenizatório, como determinou o juiz singular, pois a função da reparação dos danos surge como uma forma compensatória, a minorar a dor sofrida. Além de se constituir, num direito maior do indivíduo e no caso, da coletividade, é também dever que a sociedade impõe a seus membros.
Por isto, o valor imposto na sentença monocrática, como muito bem exposto pela douta Procuradoria Geral de Justiça em seu parecer: "não se mostra exorbitante, ainda mais porque será dividida entre os réus". (fls. 2.756)
Assim sendo, considerando a extensão dos prejuízos experimentados pela coletividade e a reprovável conduta do ora Apelante, a quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais) encontra-se proporcional e razoável, pois cumpre salientar que, por um lado, a indenização pelo dano moral deve ser expressiva, de forma a compensar as vítimas, e de outro que a indenização se converta em fato de desestímulo.
Daí, o caráter punitivo da sanção pecuniária. Assim é que a aferição pelo julgador deve atentar ao caso concreto, para que seja a mais justa possível. Nesse sentido, sobressai a relevante lição de Rui Stocco2:
"A tendência moderna, ademais, é a aplicação do binômio punição e compensação, ou seja, a incidência da teoria do valor do desestímulo (caráter punitivo da sanção pecuniária)
juntamente com a teoria da compensação, visando destinar à vítima uma soma que compense o dano moral sofrido. (...) obtempere-se, ainda, que estes são os pilares ou vigas mestras, mas não toda a estrutura. (...) é o que se colhe em Caio Mário da Silva Pereira, ao observar: '(...) o ofendido deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias pessoais de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva"'.
O doutrinador ilustra e a Jurisprudência tempera o tema com razoabilidade, atenta à realidade da vida:
"A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DEVE SER FIXADA EM TERMOS RAZOÁVEIS, NÃO SE JUSTIFICANDO QUE A REPARAÇÃO VENHA A CONSTITUIR-SE EM ENRIQUECIMENTO INDEVIDO, DEVENDO O ARBITRAMENTO OPERAR-SE COM MODERAÇÃO, PROPORCIONALMENTE AO GRAU DE CULPA, AO PORTE EMPRESARIAL DAS PARTES, ÀS SUAS ATIVIDADES COMERCIAIS E, AINDA, AO VALOR DO NEGÓCIO. HÁ DE ORIENTAR-SE O JUIZ PELOS CRITÉRIOS SUGERIDOS PELA DOUTRINA E PELA JURISPRUDÊNCIA, COM RAZOABILIDADE, VALENDO-SE DE SUA EXPERIÊNCIA E DO BOM SENSO, ATENTO À REALIDADE DA VIDA, NOTADAMENTE À SITUAÇÃO ECONÔMICA ATUAL E ÀS PECULIARIDADES DE CADA CASO".
(STJ - Resp 203.755-0 - Rel. Sálvio de Figueiredo - DJU 27.04.1999, RSTJ - 1121/409).
Portanto, é pacífico o entendimento, tanto na doutrina como na jurisprudência, de que a indenização por danos morais deve servir como forma de punição para o ofensor e de compensação para a vítima, uma vez que não há se falar em recomposição patrimonial. Deve ser uma maneira de amenizar o sofrimento causado pelo ato gravoso de outrem.
A esse respeito, citem-se precedentes desta Corte revisora:
"(...). 4. O VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DEVE SER NECESSÁRIO PARA REPARAR OU AMENIZAR O DANO SOFRIDO, BEM COMO EVITAR QUE SEJAM PRATICADOS NOVAS CONDUTAS DANOSAS, OBSERVADA A CAPACIDADE ECONÔMICA DO ATINGIDO E DE SEUS OFENSORES, SEM CAUSAR ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO OU FALTA DE ALCANCE DE CARÁTER PEDAGÓGICO DA MEDIDA, PELO QUE SE CONSIDERA ADEQUADO O "QUANTUM" ESTIPULADO PELO JUIZ SINGULAR. (...)". (TJPR - 11ª CCv, AC 295502-0, Rel. Des. José Maurício Pinto de Almeida, DJ 24.03.2006). "A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DEVE SER FIXADA EM VALOR QUE NÃO IMPORTE EM DESPROPORCIONALIDADE EM RELAÇÃO AO EVENTO
DANOSO E AO GRAU DE CULPA DO OFENSOR, SENDO O MONTANTE ARBITRADO PROPORCIONAL À FINALIDADE DE SE EVITAR A PRÁTICA ABUSIVA E À REPARAÇÃO DO PREJUÍZO CAUSADO." (TJPR - 18ª C.Cível - AC 0377466-3 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Rabello Filho - Unânime - J. 13.12.2006).
Assim, as razões de reforma, portanto, não merecem provimento.
Recurso 2 - FM Studio 96 Ltda.
Apelante pugna em preliminar pelo conhecimento e provimento do agravo retido interposto (fls. 2.085/2.087) a fim de que seja reconhecida sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo da ação, sob a alegação de que "Não patrocinou e muito menos teve qualquer participação ativa na organização do evento".
Afirma ainda, que teve sua defesa cerceada pelo indeferimento da prova testemunhal requerida, devendo, pois, ser anulada a sentença a partir dessa fase para que seja realizada tal prova e consequentemente proferida nova sentença.
No mérito, pugna pela reforma da sentença, aduzindo para tanto que para ela, não se aplica o disposto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que não foi fornecedora do evento nem sequer patrocinadora, não tendo sido beneficiada com absolutamente nada, razão pela qual sua culpa não pode ser presumida. Diz que apenas foi contratada pelo
organizador do evento para divulgá-lo e nada mais.
Por outro lado, sustenta a nulidade da sentença por falta de fundamentação na parte em que arbitrou o valor a título de dano moral, vez que esse deveria ser de, no máximo, 100 (cem) salários mínimos.
Por derradeiro, pontua que não são devidos os honorários advocatícios em ações desta natureza, devendo os mesmos ser excluídos da condenação. No entanto, sendo outro o entendimento, requer a diminuição do valor fixado para o correspondente a um ou dois salários mínimos.
En passant, o recurso (fls. 2.520-2.532) foi interposto em data de 22 de junho de 2009, como se vê do protocolo de fls. 2.520, e que os embargos de declaração interpostos por Diageo Brasil Ltda., Jockey Club do Paraná, Luiz Fernando Pimentel Mussi e Rádio Televisão Rotioner Ltda., sendo julgados em data de 23 de agosto de 2009 (fls. 2.549), publicado no dia 10.09.2009, com início de prazo em 11.09.2009, conforme certidão de publicação de fls. 2.550.
Destarte, cumpre esclarecer que ainda que a intempestividade do apelo resulte de entendimento jurisprudencial, inclusive sumulado (Súmula 418 STJ), que considera intempestivo, por prematuro, o recurso de apelação interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, como no caso em mesa, vale destacar, posicionamento do próprio Superior Tribunal de Justiça, pela tempestividade do recurso, a saber:
"Pelas peculiaridades da espécie, não se tem por extemporânea a apelação interposta antes do julgamento dos declaratórios apresentados pela parte contrária, uma vez que os pontos da sentença que foram atacados na apelação em nada foram alterados pelo decisum dos aclaratórios, que, por
ser meramente integrativo, apenas complementou o primeiro decisório, sem dar-lhe qualquer outro conteúdo, principalmente modificativo, no atinente àqueles tópicos."
(STJ; 4ª Turma; REsp 280247-RJ; Rel. Min. Cesar Asfor Rocha; Julg. 19.02.2002).
Assim, como a decisão dos embargos declaratórios, em nada mudou a r. sentença recorrida, concluo pela tempestividade e conseqüentemente conhecimento do recurso de FM Studio 96 Ltda.
2. 1 - Do Agravo Retido
A Apelante pugna em preliminar pelo conhecimento e provimento do agravo retido interposto (fls. 2.085-2.087) a fim de que seja reconhecida sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo da ação, sob a alegação de que "Não patrocinou e muito menos teve qualquer participação ativa na organização do evento".
No entanto, apesar de vencido, entendo que sem razão a mesma.
Como se pode ver do processado, em especial em sua contestação (fls. 1.362-1.382-7ª Vara Cível), a ora Agravante participou ativamente do evento, firmando "contrato de natureza civil", e, que o argumento de que, o termo "promoção exclusiva" não tem exatamente este significado nos meios de comunicação, não se presta para afastar o real sentido do termo, que é o fechamento de contrato (expresso ou tácito) de transmissão exclusiva do evento.
Inclusive, é o que se infere do "folder" de fls. 264-7ª Vara Cível, e documento de fls. 371 (autorização de veiculação), que demonstra de
forma inequívoca a sua remuneração, tanto em moeda corrente, quanto no recebimento de 200 (duzentos) ingressos para promoção exclusiva da Rádio 96 Rock, tendo ainda, acesso direto às dependências do local do show para transmissão ao vivo (chamadas e flashes), com a realização de promoções na sua home Page e no WAP (Wireless Application Protocol).
E, como muito bem dirimiu a questão o parecer do digno representante do parquet às fls. 2.125-7ª Vara Cível, in verbis:
"Não há como negar que as chamadas realizadas pela agravante para a distribuição gratuita de ingressos entre seus ouvintes (concursos, brincadeira, etc.), que as informações exclusivas sobre o show, que as chamadas e flashes ao vivo do evento, além da promoção em sua home page e WAP, não lhe trouxeram incremento e vantagens econômicas, uma vez que empresas de comunicação subsistem em função da audiência em torno de sua programação, procurando atrair, capturar o maior número de ouvintes, telespectadores, etc., o que traz reflexo em seu espaço publicitário (remuneração, custos, etc)."
"Consoante já dito, a publicidade não se constitui apenas em oferta explícita de produtos e serviços, mas também em ação estratégica dos agentes econômicos sobre o mercado. A modalidade publicitária que não se constitui em oferta, não é imediatamente mercantilista, mas mediatamente, posto que busca criar uma imagem favorável da empresa divulgadora, chamando a atenção e atraindo os consumidores para seus produtos e serviços3."
"Ao tratar da publicidade Antônio Herman de Vasconcelos e
Benjamin4 estabelece dois tipos de publicidade: a institucional e promocional. "Institucional, a rigor, é aquela campanha que se destina a institucionalizar a marca. Aqui não existe a preocupação com a venda do produto em si, não há preocupação de levar o mercado a comprar tantas unidades do produto. A preocupação é com a marca e não com o modelo. A primeira (institucional) anuncia um grupo de produtos e a segunda (promocional, uma marca específica do produtor".
Com relação à alegação de que teve sua defesa cerceada pelo indeferimento da prova testemunhal requerida, devendo, pois, ser anulada a sentença a partir dessa fase para que seja realizada tal prova e conseqüentemente proferida nova sentença, também concluo que sem razão a ora Agravante.
Ora, como muito bem exposto pelo MM. Juiz na decisão agravada: "Ainda, inviável se mostra a oitiva de todos os representantes legais das vítimas, vez que estas não foram apenas as que vieram a óbito ou sofreram lesões corporais, mais sim, uma coletividade de número indeterminado, conforme exposto anteriormente." (fls. 2.014-7ª VC).
Além do mais, como se pode ver da exordial de ação civil pública, as lesões cuja reparação pretende o Autor, são de natureza difusa.
Assim, divergindo da douta maioria, nego provimento ao agravo retido, com declaração de voto vencedor da Juíza Substituta em 2º Grau Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes, que foi acompanhada pelo Desembargador Abraham Lincoln Calixto.
2.2 Do mérito
No mérito, pugna a Apelante pela reforma da sentença, aduzindo para tanto que para ela, não se aplica o disposto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que não foi fornecedora do evento nem sequer patrocinadora, não tendo sido beneficiada com absolutamente nada, razão pela qual sua culpa não pode ser presumida. Diz que apenas foi contratada pelo organizador do evento para divulgá-lo e nada mais.
No entanto, entendo que sem razão a mesma, pois como já dito acima no agravo retido, restou demonstrado nos autos a sua qualidade de fornecedora no show realizado, devendo, pois, responder objetivamente pelos danos causados aos consumidores, em solidariedade com os demais Apelantes.
Aqui, oportunos os ensinamentos de Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem, in Comentários ao Código de Defesa do Consumidor:
"A responsabilidade imposta pelo art. 14 do CDC é objetiva, independente de culpa e com base no defeito, dano e nexo causal entre o dano ao consumidor-vítima (art. 17) e o defeito do serviço prestado no mercado brasileiro. Com o CDC, a obrigação conjunta de qualidade-segurança, na terminologia de Antônio Herman Benjamin, isto é, de que não haja um defeito na prestação do serviço e conseqüente acidente de consumo danoso à segurança do consumidor-destinatário final do serviço, é verdadeiro dever estão na cadeia de fornecimento, ex vi art. 14 do CDC, impondo a solidariedade de todos os fornecedores da cadeia, inclusive aqueles que a organizam, os servidores diretos e os indiretos (parágrafo
único do art. 7º do CDC)."
(Ed. RT, 2004, pág.248)
Ainda:
"O § 1º do art. 25 repete o parágrafo único do art. 7º e traz a regra geral sobre a solidariedade da cadeia de fornecedores de produtos e serviços. Aqui a idéia geral é o direito de ressarcimento das vítimas-consumidores (art. 6º, VI, c/c art. 17 do CDC), uma vez que o microssistema do CDC geralmente impõe a responsabilidade objetiva ou independente de culpa (arts. 12,14, 18, 20 do CDC) e o caput do art. 25 menciona a seção atual (arts. 18 a 25) e as seções anteriores (arts. 8º a 11 e arts. 12 a 17), querendo assim abarcar tanto os danos causados pela insegurança, quanto pela inadequação de produtos e serviços." (fls.361)
E, conclui:
"O CDC impõe assim a obrigação de indenizar por danos causados pelos fatos do produto ou do serviço e por vício dos produtos e serviços à cadeia de fornecimento solidariamente. Efetivamente, o § 1º do art. 25, repetindo o parágrafo único do art. 7º, impõe a solidariedade (a solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes, veja art. 265 do CC/2002 e art. 896 do CC/1916) entre os fornecedores. O CDC impõe a solidariedade em
matéria de defeito do serviço (art. 14 do CDC) em contraponto aos arts. 12 e 13 do CDC, com responsabilidade objetiva imputada nominalmente a alguns agentes econômicos. Também nos arts. 18 e 20 a responsabilidade é imputada a toda a cadeia, não importando quem contratou com o consumidor. Segundo o § 1º do art. 25, tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo (veja também art. 942 do CC/2002). No art. 25, § 2º, especifica-se que, se o dano é causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, serão responsáveis solidários também o fabricante, construtor ou importador da peça e o que realizou a sua incorporação" (pág. 362).
2.3 Do dano moral
Quanto à nulidade da sentença por falta de fundamentação na parte em que arbitrou o valor a título de dano moral, vez que esse deveria ser de, no máximo, 100 (cem) salários mínimos, também sem razão a ora Apelante.
E, aqui por brevidade, reporto-me a fundamentação exposta, no recurso 1.3.
2.4 Da verba honorária
Por fim, com relação à alegação de que não são devidos os honorários advocatícios em ações desta natureza, devendo os mesmos ser excluídos da condenação ou pela diminuição do valor fixado para o correspondente a um ou dois salários mínimos, também não pode prosperar tal argumento.
O parecer da Douta Procuradoria Geral de Justiça, muito
bem dirimiu a questão, "Por fim, no tocante a condenação da apelante ao pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência, a rigor, deve ser mantida a r. sentença nesta parte, conforme orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, verbis:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. PARTE RÉ. ARTS. 18 E 19 DA LEI Nº 7.347/85. ISENÇÃO. DESCABIMENTO.
1. O ônus da sucumbência na Ação Civil Pública subordina- se a um duplo regime, a saber: (a) Vencida a parte autora, aplica-se a Lex specialis (Lei 7.347/85), especificamente os arts. 17 e 18, cuja ratio essendi é evitar a inibição dos legitimados ativos na defesa dos interesses transindividuais e (b) Vencida a parte ré, aplica-se in totum o art. 20 do CPC, na medida em que, à míngua de regra especial, emprega-se a lex generalis, in casu, o Código de Processo Civil.
2. É assente na doutrina do tema que: `(...) Até agora, procuramos examinar a questão da sucumbência da parte autora na ação civil pública. Verifiquemos como ficam os ônus dela decorrentes no que toca à parte ré. Em relação ao réu, faz-se aplicável a regra do art. 20 do CP Civil, uma vez que inexiste regra específica na Lei nº 7.347/85, e ainda em razão da incidência do diploma processual geral, quando não contraria suas disposições (art. 19). Sendo procedente a ação, deve o réu, vencido na demanda, arcar com os ônus da sucumbência, cabendo-lhe, em conseqüência, pagar ao vencedor as despesas processuais e os honorários advocatícios. Como o vencedor não terá antecipado o valor
das despesas processuais, o ônus se limitará ao pagamento da verba honorária. Com esse entendimento, decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais: Ação civil pública. Ônus da sucumbência. Parte ré. Isenção. Descabimento. Não há como estender à parte ré a norma contida no art. 18 da Lei nº 7.347/85, que isenta, de forma expressa, tão-somente a associação autora do pagamento de honorários de advogado, custas e despesas processuais. Se tiver sido qualificado como litigante de má-fé, caber-lhe-ão, da mesma forma, os ônus decorrentes de sua responsabilidade por dano processual, tudo na forma do previsto no Código de Processo Civil. Havendo condenação na sentença, o réu fica obrigado a pagar as despesas processuais e os honorários de advogado, mesmo se veio a cumprir suas obrigações no curso do processo. Como já decidiu o STJ, a condenação subsistiria mesmo se fosse extinto o processo sem julgamento do mérito, pois que haveria sucumbência da parte que deu causa à demanda. No que respeita ao Ministério Público, porém, não incide tal disciplina. Como parte autora, não terá adiantado qualquer valor correspondente a despesas processuais; assim sendo, o réu nada terá a reembolsar. Por outro lado, tendo em vista que a propositura da ação civil pública constitui função institucionalizadora, uma das razões porque dispensa patrocínio por advogado, não cabe também o ônus do pagamento de honorários. Aliás, essa orientação tem norteado alguns dos órgãos de execução do Ministério Público do Rio de Janeiro, os quais, quando propõem a ação civil pública, limitam-se a postular a condenação do réu ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, ou ao pagamento de indenização, sem formular requerimento a
respeito de despesas processuais e honorários advocatícios.' José dos Santos Carvalho Filho, in Ação Civil Pública, Comentários por Artigo, 6ª ed; Lúmen Juris; Rio de Janeiro, 2007, p. 485/486).
3. Ademais, a jurisprudência desta Corte já assentou que: `PROCESSO CIVIL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. Ação civil pública que perdeu o objeto no curso do processo, em razão de diligências assumidas pelo réu. Responsabilidade deste pelos honorários de advogado, porque deu causa à demanda. Recurso especial não conhecido.' (RESP 237.767/SP, Relator Ministro Ari Pargendler, publicado no DJ de 30.10.2000).
4. Recurso especial desprovido, mantendo incólume a condenação ao pagamento de honorários advocatícios imposta à recorrente.5
Assim, divergindo da douta maioria, entendo que deva ser mantida a r. sentença, via de conseqüência, desprovendo o presente recurso.
Ainda, com relação ao pedido de minoração dos honorários advocatícios fixados, entendo também não merecer reparo a decisão singular.
Ora, considerando que a sucumbência do Autor foi mínima, deve-se manter a r. sentença no tocante a fixação da verba honorária, onde condenou os Requeridos ao pagamento da verba honorária arbitrada em 10% sobre o valor da condenação.
Além do mais, em causas como esta, o magistrado está adstrito a fixar os honorários no limite compreendido entre 10% e 20% sobre o valor da causa, já que houve condenação, devendo embasar sua decisão em uma
fixação eqüitativa.
E, entendo que de regra, deve-se prestigiar a fixação dos honorários feita pelo magistrado em primeira instância, preservando-se o quantum arbitrado, exceto quando houver flagrante absurdo ou inobservância do princípio da razoabilidade, o que não é o caso dos autos.
No mesmo sentido a melhor doutrina (Yussef Cahali, Honorários Advocatícios, 2ª ed., pg. 314), para quem, "na realidade, os critérios preconizados ou aditados são discutíveis e profundamente empíricos, e diante das dificuldades que se apresentam na mensuração da reciprocidade da sucumbência, tem prevalecido em cada caso um razoável arbítrio do juiz".
Por essas razões, mantenho também a sentença no que se refere ao valor da verba honorária fixada.
Assim, divergindo da douta maioria, nego provimento ao agravo retido e ao Recurso 2, interpostos por FM Studio 96 Ltda., com declaração de voto vencedor da Juíza Substituta em 2º Grau Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes, que foi acompanhada pelo Desembargador Abraham Lincoln Calixto.
Recurso 3 - Luis Fernando Pimentel Mussi e
Rádio e Televisão Rotioner Ltda.
Luis Fernando Pimentel Mussi e Rádio e Televisão Rotioner Ltda., sustentam a necessidade de reforma da sentença, argüindo inicialmente, que a decisão que apreciou os embargos de declaração, negou vigência ao disposto no art. 535, incisos I e II do Código de Processo Civil, além de afrontar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e carecer de
fundamentação, razão pela qual deve a mesma ser cassada, remetendo-se os autos à origem para que outra decisão seja proferida, enfrentando todos os pontos elencados nos embargos de declaração. Pela ausência de interesse e legitimidade do Ministério Público para pleitear indenização para a defesa de interesses particulares e ainda pela inexistência de responsabilidade civil de Luis Fernando Pimentel Missi e Rádio e Televisão Rotioner Ltda. Pleiteia a redução do valor do dano moral e aplicação dos juros de mora a partir da citação.
No entanto sem razão os mesmos.
3.1 Dos embargos de declaração
Efetivamente assim constou na fundamentação da decisão embargada (fls. 2.537/2.549):
"Os declaratórios opostos por Luiz Fernando Pimentel e Rádio Televisão Rotioner Ltda. (Canal 21) têm a nítida intenção de rediscutir o resultado do julgamento, o que não se coaduna com o escopo do disposto no artigo 535, do Código de Processo Civil.
Ao contrário do que mais uma vez sustentam os embargantes, a participação de Luiz Fernando na organização do evento restou suficientemente comprovada, não só pelo depoimento do co-réu Athayde de Oliveira Neto (fl. 2.243), como das testemunhas Marcos Ribeiro da Silva e Juliana Singer (fls. 138 e 147).
Aliás, essa participação é reforçada pelo próprio Luiz Fernando, em seu depoimento pessoal perante esse Juízo.
Os depoimentos transcritos pelos embargantes em suas razões se mostraram vagos, e referidas as testemunhas não pareceram suficientemente esclarecidos acerca desse ponto, pelo que em nada auxiliaram a formação da convicção do julgador.
Assim, após analisar o conjunto probatório, concluí que o embargante teve participação ativa na promoção e organização do evento.
No tocante à divulgação do evento pelo Canal 21, restou evidenciado no curso da instrução, até mesmo pelo depoimento do réu Luiz Fernando, que foi feito mediante retribuição por publicidade.
A conduta nem de longe se assemelha a de jornais independentes que se limitaram a noticiar o evento, cumprindo o dever de informação imparcial ao público.
A falta de policiamento, o nexo de causalidade entre o serviço prestado pela cadeia de fornecedores e o dano moral coletivo sofrido pelos participantes naquela ocasião também foram questões resolvidas de modo claro e indene de quaisquer dúvidas.
O inconformismo com a conclusão do Juízo autoriza a interposição de recurso junto às instâncias superiores, jamais de Embargos de Declaração.
Por tais motivos, e também por se tratarem de Embargos com intuito infringentes, rejeito os Declaratórios interpostos por Luiz Fernando Pimentel Mussi e Rádio Televisão Rotioner Ltda. (Canal 21)."
E, em assim sendo reconhecido na decisão que rejeitou os embargos de declaração, de se tratarem de embargos com intuito infringentes, por óbvio que o MM. Juiz encontrou elementos suficientes para assim concluir, sem necessidade do exame das demais alegações ou provas já produzidas.
Nesse aspecto, é de se ressaltar que somente se revela cabível os embargos de declaração quando houver realmente contradição, omissão ou obscuridade no julgado, o que não é a hipótese dos autos. Eventual divergência de ponto de vista entre o julgador e a parte não enseja declaração. O
órgão jurisdicional existe para o fim de apreciar os pleitos dos jurisdicionados, podendo e devendo, contudo, lhes ofertar solução diversa da postulada, atendida as peculiaridades jurídicas emergentes de cada caso.
Sérgio Bermudes6, ao apreciar a matéria, assim preleciona: "Não se pode pedir correção, alteração ou mudança alguma, nem modificação que aumente ou diminua o julgamento, e só sim e unicamente esclarecimentos em torno do que foi decidido, ou da dúvida em que se labora. Eles pressupõem que na declaração haja uniformidade de decisões e não inovação, porque declarar não é por certo reformar, adicionar, corrigir ou estabelecer disposição nova."
A propósito:
"É incabível, nos declaratórios, rever a decisão anterior, reexaminando ponto sobre o qual já houve pronunciamento, com inversão, em conseqüência, do resultado final. Neste caso, há alteração substancial do julgado, o que foge ao disposto no art. 535 e incisos do CPC. Recurso Especial conhecido em parte e assim provido."
(RSTJ 30/412).
"Embargos Declaratórios - Agravo Regimental - Ufesp. Não há no v. acórdão embargado nenhuma obscuridade, dúvida, contradição ou omissão. O Judiciário não é obrigado a responder questionário nem examinar todas as alegações
feitas pelas partes, mas tão-somente as questões necessárias ao deslinde da controvérsia. Incabível, na espécie, a pretensão de se conferir efeitos modificativos ao julgado. Embargos rejeitados."
(STJ-1ª Turma, REsp nº 44275-SP-EDcl, Rel. Min. Jacy Garcia Vieira, unân., DJU de 11.04.94, p. 07620).
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO INDENIZATÓRIA NEGADO EFEITO SUSPENSIVO AO DESPACHO ATACADO - VÍCIOS DO ART 535 DO CPC - INOCORRÊNCIA - PRETENSÃO RECONSIDERATÓRIA - AUSÊNCIA DE REQUISITOS - EMBARGOS REJEITADOS."
(Emb.Decl. nº 375.448-7/01, de Curitiba, TJPR, 9ª Câm. Cível, rel. Juiz Luiz Sérgio Patitucci, j. 05.10.2006).
Ademais:
"O juiz não está obrigado a responder a todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar a decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco a responder um a um todos os seus argumentos" (RT 689:147).
3.1.2 - Da prova testemunhal produzida:
Ainda, quanto ao rol de testemunhas arroladas, entende o
Apelante que o Juízo a quo "esqueceu" de considerar outros dez depoimentos e a partir de uma única menção de uma testemunha, concluiu de que ele participou do evento danoso.
Ora, o juiz singular é o destinatário da prova produzida durante a instrução processual. Portanto, cabe a ele sopesar a produção de provas para formar o seu convencimento motivado.
Segundo o disposto nos artigos 130 e 131, ambos do Código de Processo Civil, o julgador tem liberdade para determinar a produção das provas necessárias à instrução do processo. Tem, ainda, a liberdade para apreciar as provas, devendo indicar os motivos de seu convencimento.
Ademais, segundo o teor do artigo 400, inciso II do Código de Processo Civil:
Art. 400. A prova testemunhal é sempre admissível. Não dispondo a lei de modo diverso. O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos:
(...)
II que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados.
É certo que a Constituição Federal, artigo 5º, LV, garante aos litigantes o direito à ampla defesa, compreendendo-se neste conceito, dentre os seus vários desdobramentos, o direito da parte à produção de provas para corroborar suas alegações. Contudo, esse direito não é absoluto, pois vige no processo civil o princípio do livre convencimento do juiz, conforme o disposto no
art. 130 do Código de Processo Civil, cabendo a ele aferir sobre a necessidade ou não da realização das provas requeridas, sob pena de arrastar-se a lide indefinidamente.
Neste sentido:
"A livre apreciação da prova desde que a decisão seja fundamentada, considerada a lei e os elementos existentes nos autos, é um dos cânones do nosso sistema processual." (STJ, 4ª Turma, REsp 7.780-SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo, j. 3.12.91).
Segundo lição de Carlos Aurélio Mota de Souza:
"Na constatação dos fatos é onde o juiz tem reforçado os poderes, acima do requerimento das partes, para determinar outros meios excepcionais de instrução do feito. Ainda mais que, a escolha dos fatos, o reforço dos poderes do juiz manifesta-se na disposição das provas: na prática, a indicação e o requerimento dos meios aptos a demonstrar a verdade dos fatos, correspondem, antes de tudo, às partes, porque elas, melhor que ninguém, estão em condições de saber quais podem ser essas provas e onde se podem encontrar. Mas a regra consiste em saber que as providências do juiz para a instrução da causa, não se subordinam a tal requisição, e ele pode mesmo de ofício ordenar as diligências que se lhe prefigurem necessárias, assim como pode indeferir as inúteis ou as que forem requeridas com propósito manifestamente protelatório." (Poderes Éticos do Juiz, Sérgio Antônio Fabris Editor, 1ª Ed. p. 86).
Tem-se então, que mesmo cabendo às partes a produção de provas (CPC, art. 333), a verificação de sua conveniência è afeta ao Juiz, porquanto a ele cabe, com exclusividade, o exame da pertinência de qualquer das provas postuladas, selecionando quais as indispensáveis para a instrução e julgamento da lide.
E, conclui o MM. Juiz sentenciante, devidamente comprovada à participação do ora Apelante através dos depoimentos testemunhais acostados às fls. 2.243-2.245, inclusive conforme exaustivamente demonstrado no processo.
3.2 Da legitimidade do Ministério Público
Alegam ainda, a ilegitimidade do Ministério Público para propor a presente ação em defesa de interesses individuais disponíveis, conforme dispõem os arts. 127 e 129 ambos da Constituição Federal.
E, também sem razão os mesmos.
A douta Procuradoria Geral de Justiça em seu parecer, muito bem esclareceu a questão in verbis:
"Ao que consta dos autos, o Ministério Público do Estado do Paraná propôs a presente ação em razão do acidente (pisoteamento) ocorrido durante o show realizado pelo apelante, onde restou configurado o abalo psicológico de mais de vinte mil pessoas e a morte de três adolescentes, causando perdas e danos.
A nosso ver, não resta dúvida que a presente demanda objetiva tutelar interesses individuais homogêneos, pois cuida de relação de consumo, caracterizada pela individualidade e transindividualidade. Logo, o Ministério Público tem legitimidade ativa ad causam.
É certo que a Lei nº 7.347/87 concedeu ao Ministério Público legitimidade para ajuizar ações civis públicas. Da mesma forma, o Código de Defesa do Consumidor conferiu legitimidade ao parquet nas mencionadas ações coletivas, cujo objeto é a defesa de interesses difusos e coletivos, assim como de direitos individuais homogêneos."
Sobre o tema, a propósito, leciona Ada Pellegrini Grinover7:
Assim, foi exatamente a relevância social da tutela coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos que levou o legislador ordinário a conferir ao MP e a outros entes públicos a legitimação para agir nessa modalidade de demanda, mesmo em se tratando de interesses ou direitos disponíveis. Em conformidade, aliás, com a própria Constituição, que permite a atribuição de outras funções ao MP, desde que compatíveis com sua finalidade (art. 129, IX); e a dimensão comunitária das demandas coletivas, qualquer que seja seu objeto, insere-as sem dúvida na tutela dos interesses sociais referidos no art. 127 da Constituição.
A jurisprudência não destoa da doutrina, conforme se vê do seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 129, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI 7.347/85. LEI 8.625/93. DEFESA. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. USUÁRIOS. SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE. MORTES DE NEONATOS POR SEPTICEMIA.
1. É cediço na Corte que o Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos, desde que esteja configurado interesse social relevante (Precedentes).
2. (...).
3. Isto por que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.
4. O novel art. 129, III, da Constituição Federal habilitou o Ministério Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa de direitos difusos e coletivos não se limitando à ação de reparação de danos.
5. Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a ação popular, a ação civil pública ou o mandado de segurança coletivo.
6. Em conseqüência, legitima-se o Parquet a toda e qualquer demanda que vise à defesa dos interesses difusos e coletivos, sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade).
7. Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.
8. Precedentes do STJ: AARESP 229226 / RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 07/06/2004; RESP 183569/AL, deste relator, Primeira Turma, DJ de 22/09/2003; RESP 404239 / PR; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 19/12/2002; ERESP 141491 / SC; Rel Min. Waldemar Zveiter, Corte Especial, DJ de 01/08/2000.
9. Nas ações que versam interesses individuais homogêneos, esses participam da ideologia das ações difusas, como sói ser a ação civil pública. A despersonalização desses interesses está na medida em que o Ministério Público não veicula pretensão pertencente a quem quer que seja individualmente, mas pretensão de natureza genérica, que, por via de prejudicialidade, resta por influir nas esferas individuais.
10. A assertiva decorre do fato de que a ação não se dirige a interesses individuais, mas a coisa julgada in utilibus poder ser aproveitada pelo titular do direito individual homogêneo se não tiver promovido ação própria.
11. A ação civil pública, na sua essência, versa interesses individuais homogêneos e não pode ser caracterizada como uma ação gravitante em torno de direitos disponíveis. O simples fato de o interesse ser supra-individual, por si só, já o torna indisponível, o que basta para legitimar o Ministério Público para a propositura dessas ações.
12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
(STJ: REsp nº 637332/RR, 1ª T., rel. Min. Luiz Fux, v.u., DJ de 13.12.2004, p. 242).
Eurico Ferraresi8, em sua obra aborda os limites da intervenção ministerial na tutela de direitos individuais homogêneos, ensina que:
"A principal discussão envolvendo a tutela dos direitos individuais homogêneos no direito brasileiro consiste nos limites da legitimidade do Ministério Público.
Em decorrência da ilegitimidade da pessoa física para ajuizar ação coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, e considerando que as associações e demais entes exponenciais, na maior parte dos casos, permanecem inertes, resta ao Ministério Público acionar o Poder Judiciário. A discussão, pois, circunscreve-se à apreciação da relevância social a justificar a intervenção do parquet.
O conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo editou a súmula de número sete, que trouxe alguns critérios para aferição das hipóteses de relevante valor social. Afirma a citada súmula que a legitimidade do Ministério Público na defesa dos direitos individuais homogêneos estará presente nos casos que digam respeito a direitos ou garantias constitucionais, bem como naqueles cujo bem jurídico a ser protegido seja relevante para a sociedade, como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana, a saúde e a segurança das pessoas. Acrescenta que estará o parquet legitimado nos casos de grande dispersão dos lesados, ou seja, nos casos de danos de massa. Por final, verificar-se-á a legitimidade do Ministério Público na defesa dos direitos individuais homogêneos quando convenha à
coletividade, por assegurar a implementação efetiva e o pleno funcionamento da ordem jurídica, nas suas perspectivas econômica, social e tributária".
Ainda:
"Paralelamente, registra-se entendimento no sentido de que a nota da indisponibilidade (CF, art. 127, caput) podem ainda, derivar do próprio interesse social em que seja prevenida a atomização dos conflitos coletivos, os quais, tratados fora dos esquemas de jurisdição coletiva, acabam gerando múltiplas demandas individuais, com os efeitos deletérios bem conhecidos: sobrecarga ao Judiciário, duração excessiva dos feitos, risco de decisões qualitativamente diversas. No ponto, Nery e Nery sustentam que a ação coletiva movida pelo Ministério Público em matéria de interesses individuais homogêneos "é deduzida no interesse público em obter-se sentença única, homogênea, com eficácia erga omnes da coisa julgada (CDC, art. 103, III), evitando- se decisões conflitantes".
Assim, se deu no rumoroso caso da explosão, por vazamento de gás, ocorrida em shopping Center situado em Osasco (SP), tendo o MP ajuizado ação coletiva, em defesa dos interesses individuais homogêneos das vítimas e/ou de suas famílias. Em 26.05.19997, o Juiz Manoel Barbosa de Oliveira julgou procedentes a ação "para condenar os réus, nos termos do art. 95 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) a reparar todos os danos morais e/ou patrimonias sofridos por todas as vítimas em decorrência do acidente, (...) ressarcindo as vítimas, respectivos cônjuges, sucessores
e/ou dependentes, indenização cujo montante deverá será apurado em liquidação de sentença de acordo com o art. 97 da Lei 8.078/90". Na seqüência, o dispositivo do julgado autorizava sua divulgação "por todos os órgãos de defesa do consumidor e meios de comunicação social a fim de que todas as vítimas possam conhecer o seu teor e exercer a faculdade prevista no art. 97 do Código de Defesa do Consumidor"9.
Destaca-se ainda:
"Ação civil Pública Legitimidade (extraordinária) do Ministério Público Dano moral coletivo Vítimas fatais e de lesões corporais em decorrência de tumulto em show Direito transindividual do consumidor Direito disponível com expressão para a coletividade Compatibilidade com a sua função institucional Súmula nº 710, do Conselho Superior do Ministério Público Extinção do processo sem resolução de mérito afastada Recurso provido."11
3.3 Da responsabilidade do Luis Fernando Pimentel Mussi e Radio e Televisão Rotioner Ltda.
Afirmam não ter responsabilidade pelo acidente ocorrido, pois não eram organizadores nem patrocinadores do evento realizado, conforme comprovam os depoimentos testemunhais constantes dos autos, tanto é que não foram denunciados pelo Ministério Público após a conclusão do inquérito civil.
Ressaltam que não há nexo de causalidade entre a conduta de divulgador e o evento danoso, morte, pois, a causa primária do acidente se deve a ausência de organização e fiscalização dos órgãos competentes. Ademais, afirmam "que o ato de divulgar o evento, ainda que mediante permuta com o organizador do evento, não torna o Canal 21 responsável, não é capaz de gerar o dever de indenizar, à luz do que estabelecem os arts. 186, 187 e 927 do Código Civil, tampouco à luz do Código de Defesa do Consumidor, pois não está presente o conceito de fornecedor".
Sustentam não ser possível atribuir-lhes qualquer responsabilidade, principalmente o mesmo grau de culpa dado ao organizador do evento, inclusive, dizem que "a própria sentença admite a existência de grau de culpa diferenciado entre os réus, fato que impede a aplicação da tese da responsabilidade solidária, portanto, a condenação de cada um deve se dar conforme a participação no evento".
A par disso, alegam que não há que se falar, no caso, em cadeia de fornecedores, na medida em que a divulgação não integra o conceito de fornecimento em eventos dessa natureza, não sendo o caso de aplicação dos arts. 3º, 7º, 14 e 25, todos do Código de Defesa do Consumidor.
Dessume-se dos autos, que ainda que os ora Apelantes afirmem não ter nenhuma responsabilidade pelo evento danoso, uma vez que não
foram organizadores nem patrocinadores do show não podem prosperar, pois a r. sentença recorrida esclarece (fls. 2.411):
"Rádio e Televisão Rotioner Ltda. (Canal 21) também promoveu o evento, pois, em troca de publicidade, divulgou-o amplamente em seus veículos de comunicação. É o que se extrai do depoimento pessoal de Luiz Fernando Mussi, que à época lá atuava como gerente: trabalhava no Canal 21 e foi procurado para fazer promoção do evento; que foi feita uma permuta entre o Canal 21 e foi procurado para fazer promoção do evento; que foi feita uma permuta entre o Canal 21 e os promotores de evento (...) que foi feito um acordo de permuta no qual o promotor de evento obtém a divulgação do mesmo e a televisão obtém a publicidade para si no mesmo evento; que nessa permuta a televisão não recebeu nenhum valor, somente a publicidade (fl. 2.245)."
Inclusive, como muito bem exposto pelo digno Parquet em seu parecer de fls. 2.726:
"Luis Fernando Pimentel Mussi também alega que a Rádio e Televisão Rotioner Ltda., não obteve nenhum valor realizando a promoção do evento. Porém, a vantagem não precisa ser necessariamente em valores pecuniários, mas pode consistir em audiência da Rádio e TV, enfim, vantagens que indubitavelmente teve o apelante".
Ainda, como exposto pelo digno parquet quando de suas alegações finais:
"Por sua vez, a responsabilidade do requerido LUIS FERNANDO PIMENTEL MUSSI também é inegável, haja vista ter participado ativamente das decisões afetas à realização do show, em conjunto com Athayde de Oliveira Neto, da seguinte forma:
a) participou das tratativas para locação das instalações do Jockey Club do Paraná (fls. 125 e 131), a despeito da Ação Cautelar Inominada nº 1.376/2001 ajuizada em face da organização do show "Bruno e Marrone" (doc. 01);
b) foi fator determinante na contratação das bandas para o show (fls. 132);
c) estava presente no local do evento, sob o argumento de preservar o patrimônio do Jockey (observando-se que o requerido Luis Fernando não faz parte da Diretoria do Jockey), como se verifica às fls. 124, 132/133 do IQ-PRODEC e fls. 23/24 PAI 071-06/03-PIC;
d) cedeu funcionária do Canal 21 (Joslaine Meger) para "ajudar" Athayde (recebia a arrecadação das vendas dos ingressos e efetuava os depósitos para as bandas, tendo firmado o contrato de prestação de serviços com a empresa JRS fls. 101, 123, 128, 132 e 254); e
e) realizou a promoção/divulgação do evento, através do Canal 21 (no qual exerce a gerência).
Leia-se também, o depoimento de Marco Ribeiro Silva, às fls. 23, do PAI 071-06/2003, funcionário da empresa JRS, que assim declara: "com a chegada de Athayde Neto e Luis Fernando Mussi, o pessoal da segurança foram reunidos num local do Jockey, sendo que Athayde (sic) e o Mussi foram
mostrar aonde é que queriam que ficassem dispostos os seguranças no local; em conversa entre Athayde e Mussi era estimado o número de 20.000 pessoas sendo que foram colocados mais 5.000 extras (...).
Como se isso não bastasse, observe-se que ao relatar os fatos ocorridos na hora do show, o mesmo depoente por várias vezes cita os nomes de Athayde e Mussi como responsáveis pela condução do evento, ao determinarem os procedimentos e providências, em especial no momento do tumulto (num primeiro momento para conter a multidão e posteriormente determinando a liberação dos portões), declarando "que nessa ocasião Mussi disse para o Athayde `isto vai dar cagada, vai dar merda', dizendo também `o meu nome não pode aparecer em lugar nenhum".
Oportuno frisar que o depoente Marcos confirmou suas declarações em Juízo (Ação Penal nº 2003.6854-9 3ª Vara Criminal), acrescentando que no dia do show foi realizada uma reunião com os orientadores contratados pela JRS, da qual "Luis Fernando Mussi participou ativamente..., inclusive indicando os locais em que gostaria que fossem colocados os orientadores..." e que após o sinistro viu Athayde e Mussi ligarem para a polícia. (doc. 04).
Destaca-se ainda, o depoimento de Bruno Soares da Silva, às fls. 366 do PAI 071-06/2003, Capitão da Polícia Militar, que estando no local declarou que "na entrada, pelos seguranças, foi informado que havia três organizadores do show, sendo dois deles: Neto e o filho do Presidente do Jockey, de sobrenome Mussi, não sendo apurado o terceiro; assinala que o pisoteamento ocorreu dentro do Jockey" (grifos nossos), o que foi declarado também pelo Coronel Itamar dos Santos (fls. 369/371 PAI 071-06/2003), sinalizando a efetiva participação de Luis Fernando Pimentel Mussi na organização do show.
Ademais, para quem alega não ter qualquer responsabilidade, o nome de Luis Fernando Pimentel Mussi aparece e foi utilizado nos acertos e
negócios envolvendo toda a organização do espetáculo, tendo, inclusive, declarado Athayde que a divulgação do apoio do requerido Luis Fernando era relevante para a efetivação do evento (fls. 132 do PIP), não havendo como aceitar as alegações da sua não participação na promoção do show e de que desconhecia todos esses fatos, haja vista a estreita relação profissional que mantém com os demais requeridos (Athayde e Élcio) na organização e realização de eventos. Ou seja, não é crível que atuando nesse ramo de atividade sem parceria com Athayde e Élcio ("Bruno e Marrone", "Musica Eletrônica", "Natiruts" para citar aqueles), já há mais de três anos, Luís Fernando não soubesse da utilização de seu nome e das empresas que diz representar (MTV e Canal 21), com o objetivo de alavancar o show. À evidência participou e se beneficiaria do evento (quer financeiramente, quer comercialmente mídia, know-how, etc), caso a tragédia noticiada não houvesse ocorrido.
Denota-se, portanto, insofismavelmente dolosa a conduta do requerido Luis Fernando que de forma dissimulada alega a não participação na promoção do show, sendo irrefutável o fato de que tinha pleno conhecimento das irregularidades existentes no local (Jockey Clube), no que pertine à realização de eventos dessa natureza e das possíveis conseqüências não só por ser um empresário experiente na área de eventos, como também pela organização do show "Bruno e Marrone" (do qual participaram igualmente Athayde e Élcio). Ciente, portanto, das inadequações do local e das exigências legais concernentes, mesmo assim realizou o show "Unidos pela Paz", assumindo conscientemente os riscos (resultado) do seu atuar ilícito.
Acrescente-se também a frieza do aludido organizador ao declarar expressamente ter orientado Athayde quanto "à necessidade de proteger o patrimônio do Jockey" (depoimento na fls. 126 do Inquérito Civil nº 0001- 2003), o que torna subjacente a intenção de priorizar o material, o lucro (a renda a ser auferida com a venda do maior número de ingressos possíveis, a
consagração na mídia como promotor de shows e o patrimônio do Jockey Clube do Paraná) em detrimento da vida humana (segurança e integridade física dos espectadores do show)". (fls. 2.382-2.386-7ª Vara Cível)
3.4 Da solidariedade
Ainda, discorrem quanto à impossibilidade de confundir a pessoa jurídica (Canal 21) com o administrador/gerente (Luis Fernando), o qual somente poderia ser atingido pela decisão se sobreviesse à desconsideração da pessoa jurídica, porquanto o fato de ter representado o Canal 21, enquanto gerente, na permuta da mídia, não o torna organizador ou responsável pelo evento danoso.
No entanto, sem razão o mesmo.
O artigo 7º, parágrafo único e artigo 25, parágrafo 1º do Código de Defesa do Consumidor, determinam:
"Art. 7º (...)
Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.
Art. 25 (...)
§ 1º. Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores".
E, como muito bem concluiu o digno parquet em seu parecer:
"Sendo assim, as pessoas físicas e jurídicas que contribuíram de alguma forma para a realização do evento são solidariamente responsáveis pela reparação dos danos causados aos consumidores, tendo em vista que o dever de zelar pela vida e segurança destes impõe-se a todos os que participam da organização e divulgação do evento, caracterizando-se o dever de cunho solidário, ensejador de obrigação solidária. Desta forma, não prospera a alegação do apelante Luis Fernando Mussi, de que a pessoa jurídica não pode confundir-se, tendo em vista que a responsabilidade de ambas é solidária, devido à participação ativa na organização do evento".
3.5 Do dano moral
Por fim, requerem a diminuição do valor fixado a título de dano moral e modificação da incidência dos juros de mora a partir da citação, nos termos do art. 219 do Código de Processo Civil, também sem razão os mesmos.
Com relação ao pleito de diminuição do valor fixado de dano moral, adoto a argumentação já exposta no recurso 1.3.
3.6 Dos juros de mora
E, com relação à modificação da incidência dos juros de mora a partir da citação, nos termos do art. 219 do Código de Processo Civil, também sem razão os mesmos.
De igual modo, não vislumbro, como possa ser recepcionada a pretensão dos ora Apelantes de ver modificada a decisão esgrimada no que se refere à condenação ao pagamento dos juros de mora, deferidos pelo julgador a
partir da data do evento.
Ora, tratando-se de indenização por danos morais coletivos, o termo inicial do pagamento da indenização há de ser o da data do evento, porque o direito à satisfação nasce com o dano, onde a demora no ajuizamento da ação não pode trazer ao autor nenhum prejuízo e nem obstar que receba o que lhe é devido em forma atualizada, com juros e correção monetária.
Vale lembrar a lição de José Aguiar Dias12, "Também nos parece que o dano é que estabelece o momento inicial da fluência, porque os juros integram a obrigação que dele decorre e que figura simultaneamente como passivo do autor da lesão e como ativo do credor".
E, "embora em tese, a correção monetária comece a fluir da vigência da lei, nos casos de responsabilidade civil por ato ilícito deverá incidir desde a data do evento, para que possa recompor o patrimônio prejudicado na medida exata em que foi diminuído pela ação danosa" (RT 601/203 e 207 - TAMG).
A propósito:
Na indenização por ato ilícito, tem se decidido, "os juros moratórios são devidos a partir da data do evento" (RT 638/112).
Portanto, entendo correta a condenação imposta aos Réus, do pagamento de juros de mora, a partir da data do evento, motivo porque, também, sob esse aspecto deve ser mantida íntegra a decisão monocrática.
Recurso 4 - Maha Skates Wear Ltda.
Maha Skates Wear Ltda., em seu recurso (fls. 2.669-2.670), pugna pela anulação da sentença, pois foi proferida em desacordo com as provas produzidas no processo e deixou de especificar qualquer situação capaz de imputarlhe responsabilidade pelo fato ocorrido.
No entanto, sem razão o mesmo.
E ao analisar as provas produzidas nos autos, houve-se com acerto o julgador singular (fls. 2.418), in verbis:
"Repita-se: todos estes requeridos integraram a cadeia de fornecimento do serviço de entretenimento denominado show "Unidos pela Paz", seja organizando-o diretamente, seja financiando-o em troca de espaço publicitário."
O digno parquet, em seu parecer, conclui:
"Embora a apelante afirme que não teve nenhuma participação no evento e apenas vendeu ingressos, tais argumentos não afastam sua responsabilidade, mesmo porque a logomarca e nome da empresa requerida constam do folder de divulgação do show, não apenas como sendo um dos locais de venda de ingressos, mas também como um dos apoiadores e colaboradores do evento, com a apresentação de outros serviços aos consumidores, que foi denominado na publicidade de "área radical" (paredão de escalada, mini ramp e tatoo & piercing), o que extrapola a simples cessão do espaço para a venda de ingressos.
A publicidade não se constitui apenas em oferta explicíta de produtos e serviços, mas também em ação estratégica dos agentes econômicos sobre o mercado. A modalidade publicitária que não se constitui em oferta, não é imediatamente mercantilista, mas mediatamente, posto que busca criar uma imagem favorável da empresa divulgadora, chamando a atenção e atraindo os consumidores para seus produtos e serviços. Ainda, a ampla divulgação do show por certo trouxe à requerida vantagens comerciais.
Do exposto, não há que se falar em improcedência do pedido em face da apelante. "(fls. 2.729)
A recorrente, fez divulgar no folder do show, a sua logomarca bem como o nome da empresa, sua qualidade de patrocinadora restou comprovada nos autos, devendo, pois, responder objetivamente pelos danos causados aos consumidores, em solidariedade com os demais Apelantes.
Aqui, oportunos repetir os ensinamentos de Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem13
"A responsabilidade imposta pelo art. 14 do CDC é objetiva, independente de culpa e com base no defeito, dano e nexo causal entre o dano ao consumidor-vítima (art. 17) e o defeito do serviço prestado no mercado brasileiro. Com o CDC, a obrigação conjunta de qualidade-segurança, na terminologia de Antônio Herman Benjamin, isto é, de que não haja um defeito na prestação do serviço e conseqüente acidente de
consumo danoso à segurança do consumidor- destinatário final do serviço, é verdadeiro dever estão na cadeia de fornecimento, ex vi art. 14 do CDC, impondo a solidariedade de todos os fornecedores da cadeia, inclusive aqueles que a organizam, os servidores diretos e os indiretos (parágrafo único do art. 7º do CDC)."
Ainda:
"O § 1º do art. 25 repete o parágrafo único do art. 7º e traz a regra geral sobre a solidariedade da cadeia de fornecedores de produtos e serviços. Aqui a idéia geral é o direito de ressarcimento das vítimas-consumidores (art. 6º, VI, c/c art. 17 do CDC), uma vez que o microssistema do CDC geralmente impõe a responsabilidade objetiva ou independente de culpa (arts. 12,14, 18, 20 do CDC) e o caput do art. 25 menciona a seção atual (arts. 18 a 25) e as seções anteriores (arts. 8º a 11 e arts. 12 a 17), querendo assim abarcar tanto os danos causados pela insegurança, quanto pela inadequação de produtos e serviços."
E, conclui:
"O CDC impõe assim a obrigação de indenizar por
danos causados pelos fatos do produto ou do serviço e por vício dos produtos e serviços à cadeia de fornecimento solidariamente. Efetivamente, o § 1º do art. 25, repetindo o parágrafo único do art. 7º, impõe a solidariedade (a solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes, veja art. 265 do CC/2002 e art. 896 do CC/1916) entre os fornecedores. O CDC impõe a solidariedade em matéria de defeito do serviço (art. 14 do CDC) em contraponto aos arts. 12 e 13 do CDC, com responsabilidade objetiva imputada nominalmente a alguns agentes econômicos. Também nos arts. 18 e 20 a responsabilidade é imputada a toda a cadeia, não importando quem contratou com o consumidor. Segundo o § 1º do art. 25, tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo (veja também art. 942 do CC/2002). No art. 25, § 2º, especifica-se que, se o dano é causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, serão responsáveis solidários também o fabricante, construtor ou importador da peça e o que realizou a sua incorporação".
Verifica-se assim, que outro não poderia ser o entendimento do MM. Juiz, senão pela procedência dos pedidos exordiais, inclusive, como muito bem exposto pela douta Procuradoria Geral de Justiça em seu parecer: "A alegação do ora Apelante de que a divulgação de sua logomarca nos panfletos e
demais instrumentos de publicidade se deu de modo gratuito pelo organizador do evento não convence". (fls. 2.763)
Recurso 5 - Jockey Club do Paraná
5.1 - Do Agravo Retido
Jockey Club do Paraná (fls. 2.674-2.698) em suas razões recursais, pugna em preliminar pelo conhecimento e provimento do agravo retido interposto às (fls. 2.021-2.030), a fim de que se reconheça a necessidade da intervenção de terceiros no processo, assim considerados tanto o Município de Curitiba, bem como o Estado do Paraná, seja na modalidade de denunciação à lide ou no chamamento ao processo, ambos aplicáveis ao caso.
No entanto, também sem razão o mesmo.
O parecer do digno parquet, muito bem dirimiu a questão in verbis:
"Dispõe o Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 88:
"Na hipótese do art. 14, parágrafo único, deste Código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação a lide".
Verifica-se, portanto, que o sistema do Código de Defesa do Consumidor veda a utilização do chamamento ao processo e denunciação da lide, porque o direito de indenização do consumidor é fundado na responsabilidade objetiva.
No mesmo sentido:
"Ação civil pública. Não cabe o chamamento ao processo em ACP, quando fundada na responsabilidade objetiva do réu (RT 655/83). (fls. 2.730)
Com relação à responsabilidade objetiva do Estado do Paraná e do Município de Curitiba, como narrados no agravo retido, por brevidade, reporto-me a fundamentação exposta, na Apelação 1.3.
Assim, neste mesmo sentido, nega-se provimento ao agravo retido.
5.2 Do mérito
Assevera que os valores que se pretende tutelar na presente ação são de índole individual e, como tal, devem ser analisados individualmente, pois se deram em proporções diferentes a cada uma das vítimas. Ainda, que não ficou demonstrado qual bem jurídico da sociedade efetivamente violado, portanto, não existe dano moral difuso a ser reparado, sendo impróprio o meio utilizado pelo Ministério Público na busca de proteção desses direitos.
No entanto, sem razão o mesmo, onde o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça dirimiu a questão in verbis:
"A realização de um evento como o descrito nos autos, no qual o entretenimento é oferecido ao público consumidor, se enquadra perfeitamente no conceito apresentado no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor.
Ainda, determina o artigo 14 do referido estatuto, que no caso de o consumidor ser prejudicado por falha na prestação do serviço, a responsabilidade do ofensor é objetiva, independentemente de culpa, bastando apenas à comprovação do dano e do nexo de causalidade.
Ora, conforme exaustivamente demonstrado no processo, todos os que participaram de algum modo para a realização do show integram a cadeia de fornecimento do serviço, devendo, pois, responder solidariamente pelos danos causados aos consumidores."
Portanto, deve ser mantida como bem lançada a r. sentença objurgada.
5.3 Da negligência e imprudência
Quanto à alegação de não haver prova nos autos de sua imprudência, imperícia ou negligência ao locar a área para a realização do show, tampouco de dolo, ainda que na modalidade eventual, e assim, inexistindo conduta danosa na produção do evento, inexiste o dever de reparar, também sem razão o ora Apelante.
A r. sentença muito bem dirimiu a questão (fls. 2.422), in verbis:
"O Jockey Club do Paraná, por sua vez, jamais poderia ter locado seu espaço quanto notoriamente carecia de condições de segurança para tanto. O fato de um número elevado de pessoas terem condições de visibilidade do espetáculo não significa que essa mesma quantidade de pessoas tenham condições de entrarem ou saírem em segurança desse espaço.
Portanto, mesmo que, eventualmente, a responsabilidade de qualquer um dos requeridos que participaram da cadeia de fornecimento do serviço exigisse a demonstração de culpa, esta estaria presente de modo inquestionável".
Ainda, o parecer do digno parquet, encerra o assunto (fls. 2.531-2.532):
"Sendo assim, não há dúvidas que a relação de consumo, existente entre os requeridos e as vítimas do evento "Unidos pela Paz" incluindo-se também os futuros e eventuais usuários dos serviços oferecidos pela empresa Jockey Club do Paraná e pelos empresários organizadores do show, merece a tutela fornecida pelo Código de Defesa do Consumidor (mesmo porque pode existir a realização de outros eventos de igual natureza).
A apelante ainda alega que não houve danos coletivos e que falta o nexo causal necessário para ensejar a responsabilidade civil do Jockey Clube do Paraná. Há de se ressaltar que foram vendidos cerca de 25.000 (vinte cinco mil) ingressos para o evento denominado "Unidos pela Paz", sendo que todas essas pessoas tiveram suas vidas expostas à sérios riscos, devido a falta de segurança e infra-estrutura no local. Da mesma forma, o nexo de causalidade está justamente no fato do Jockey Clube ter cedido suas instalações para um evento de tal porte, sem contar com a devida estrutura e instalações adequadas para comportar o evento. Destarte, não há dúvidas de que a apelante deverá ser responsabilizada, juntamente com os demais, pelo evento danoso a que deu causa".
Ressalta-se ainda, que ficou demonstrada a sua negligência e imprudência, conforme se vê do documento de fls. 219, onde o Jockey Club do Paraná, responde ofício formulado pelos organizadores, nos seguintes termos:
"Prezados Senhores:
Segue abaixo os itens necessários para a entrada de equipamentos dentro das dependências do Jockey Club do Paraná, para a montagem das estruturas do evento UNIDOS PELA PAZ, que acontece no próximo dia 31/05, nas dependências do clube. Os seguintes documentos devem ser entregues, em vias originais, até sexta-feira, dia 30/05, às 12:00 horas sob os cuidados da Sra. Leda Piaza Lopes, afim de obter liberação para o início das atividades.
1-Requerimento dos responsáveis pelo show, bem como
Autorização da Prefeitura Municipal de Curitiba com a
guia de recolhimento do ISS quitada;
2 -Licença do ECARD;
3 -Autorizações:
A Corpo de Bombeiros;
B Polícia Militar;
C BPTRAN;
4 - Promotoria Pública comunicação ao juizado de
menores para obtenção de licença e;
5 - Secretaria do Meio Ambiente.
6- O pagamento de R$ 5.000,00 reais deverá ser efetuado até o dia 30/05/03 sexta feira."
Como não houve a apresentação das autorizações descritas nos itens A, B e C, do ofício encaminhado aos organizadores do show, deveria a apelante não ter liberado suas instalações, para a atividade contratada, pois tais autorizações eram as suas exigências para este fim, em as aceitando, responde pelos danos causados, em decorrência de negligência e imprudência em seguir as suas próprias determinações.
A própria Apelante já era sabedora de que seu imóvel não se prestava para a realização do evento artístico contratado, em face das restrições impostas pelo Corpo de Bombeiros em show anterior (autos nº 1.376/01 da 10ª Vara Cível de Curitiba decisão de fls. 708 "... Quanto ao laudo de vistoria e prevenção contra incêndio, argumentou que a liberação provisória do local concedida pelo ofício nº 417/2001 BM/7 CCB, de responsabilidade do engenheiro civil Rodrigo de Freitas Netto, não supre falta do laudo de vistoria expedido pelo Corpo de Bombeiros.), tal inobservância, é demonstrada pelo Ministério Público quando discorre quanto à responsabilidade da Apelante (fls. 472) nestes termos:
"- Jockey Club do Paraná que cedeu o espaço físico para o show, sem deter previamente a documentação necessária a sua realização (alvará da Prefeitura Municipal, licença sanitária e certificado de vistoria do Corpo de Bombeiros), conduta esta recalcitrante, posto que referido local foi objeto de Medida Cautelar com pedido de liminar (suspensão de interdição) proposta pelo Ministério Público do Paraná em 25.10.2001,objetivando a adequação do Jockey Club às normas de segurança e de funcionamento (doc. 01), em idêntica situação à verificada nestes autos."
No laudo do Instituto de Criminalística (fls. 936/941) consta que a capacidade de público para o local do evento foi estimada levando-se em consideração os locais de visibilidade do show, concluindo que poderia abrigar aproximadamente 37.640 pessoas, dependendo da compleição física de cada pessoa.
Verifica-se que a lotação do local do evento artístico comportaria folgadamente, segundo o laudo pericial 37.000 pessoas, contudo, o Corpo de Bombeiros teve outra preocupação, como evacuar estas pessoas, com segurança, em caso de tumulto.
Em face destas razões a negativa de liberar o local para o evento pelo Corpo de Bombeiros, 04 (quatro) dias antes da realização do show, como se vê do ofício de fls. 255, onde ressalta "...faz-se necessária a apresentação de projeto de prevenção de incêndio alternativo, contemplando prevenção de incêndio e meios de abandono, bem como a capacidade de público (aberturas compatíveis com o público, iluminação de emergência e sinalização das rotas de fuga)".
No laudo pericial, ainda constata-se:
"LADO EXTERNO DO JOCKEY CLUB
(...)
III Marcas de escaladas, com aspectos de recentidade, situadas nas escoras construídas em concreto armado situadas nas laterais que adornavam a região frontal, possibilitando o acesso fácil à região superior do muro ...".
"LADO INTERNO DO JOCKEY CLUB
I Iluminação artificial deficiente na área compreendida entre a
entrada e a área imediata a anterior a do show;
II A rua principal de acesso ao local do show, revestida de concreto, e em declive, conforme se pode observar, parcialmente, na fotografia sob nº 25, apresentava em seu terço médio, irregularidades provocada pelo desprendimento de fragmentos de vários tamanhos;
III Inúmeros materiais, tais como segmentos de madeira e metal, tijolos, pedras etc, dispostos aleatoriamente na garagem que pode ser vista na fotografia sob nº 26. Este material estava acessível ao púbico presente no local, facilmente, uma vez que o local onde os mesmo se encontravam era vedado por cercas de gradis metálicos com aproximadamente 1,12m de altura e sem nenhum dispositivo de segurança nos portões;"
"DA ANÁLISE DOS PORTÕES DE ACESSO (ENTRADAS E SAÍDAS)
(...)
Na entrada existente na lateral direita, situada na Av. Victor Ferreira do Amaral, distando aproximadamente 50m dos portões de entrada principal, havia um outro portão de gradil metálico de duas folhas, medindo 4m de largura por 2,83m de altura. Este portão apresentava, na folha direita, na sua extremidade superior, uma dobradiça do tipo chumbador, desalojada da argamassa do muro que o sustentava, sendo que na parte superior do muro de alvenaria, em correspondência com a dobradiça havia ausência de um segmento de bloco de alvenaria, o qual encontrava-se posicionado sobre o piso do lado interno do muro (...). Ainda, na parte externa do muro, havia sinais de desbastamento da pintura e reboco, com características de ter sido produzida por ocasião de tentativa ou consecução de escalada."
5.4 Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor
Quanto à inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso em mesa, vez que a relação jurídica da qual participou é regulamentada pela lei de locações (Lei nº 8.245/91), pois sua participação nos fatos que deram origem ao evento danoso restringiu-se na locação de suas dependências, na verdade, não vai adiante tal inconformismo, onde o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, bem esclarece que (fls. 2.763/2.764):
"A realização de um evento como o descrito nos autos, no qual o entretenimento é oferecido ao público consumidor, se enquadra perfeitamente no conceito apresentado no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor.
Ainda, determina o artigo 14 do referido estatuto, que no caso de o consumidor ser prejudicado por falha na prestação do serviço, a responsabilidade do ofensor é objetiva, independentemente de culpa, bastando apenas à comprovação do dano e do nexo de causalidade.
Ora, conforme exaustivamente demonstrado no processo, todos os que participaram de algum modo para a realização do show integram a cadeia de fornecimento do serviço, devendo, pois, responder solidariamente pelos danos causados aos consumidores."
É da jurisprudência:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RELAÇÃO DE CONSUMO. LESÕES SOFRIDAS EM DECORRÊNCIA DE TUMULTO NAS VIAS DE ACESSO A EVENTO MUSICAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DOS PRESTADORES DE SERVIÇO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS QUE
PARTICIPARAM NA ORGANIZAÇÃO DO SHOW. CRITÉRIOS PARA AFERIR O VALOR INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE. EXTENSÃO DO DANO. CAPACIDADE ECONÔMICA DAS PARTES. CARÁTER SATISFATIVO E PUNITIVO.
1. Incidem no caso dos autos as normas do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o autor é destinatário final do serviço prestado pelo réu.
2. Todos da cadeia consumerista respondem solidariamente pelos danos causados ao consumidor.
3. Ademais, inexiste comprovação de hipóteses de isenção da responsabilidade do prestador de serviços.
4. A reparação por dano moral deve ser arbitrada moderadamente, a fim de se evitar a perspectiva do locupletamento indevido da parte indenizada, observando- se os critérios relativos à extensão do dano, à capacidade financeira do ofensor e à situação sócio-econômica da vítima, além de servir como desestímulo à repetição da conduta do réu. 5. Os danos materiais são devidos se devidamente comprovados os gastos despendidos com médicos e remédios para o tratamento em decorrência das lesões sofridas.
6. Recurso provido.
(20030150106177APC, Relator MARIO-ZAM BELMIRO, 2ª Turma Cível, julgado em 29/11/2004, DJ 17.02.2005 p. 70)
Sem razão a apelante.
5.5 Da culpa do evento
Por fim, sustenta a ocorrência da excludente de responsabilidade objetiva em razão do evento danoso ter ocorrido por culpa exclusiva de terceiros, no caso, o Estado do Paraná e do Município de Curitiba, também sem razão o ora Apelante.
Aqui, adota-se a fundamentação já transcrita no recurso 1.2.
Destarte, considerando que as razões invocadas nos presentes apelos não se prestam para alterar os fundamentos da decisão objurgada, por serem estes os mais adequados à justa solução da lide, devendo assim ser mantida na íntegra, a decisão guerreada que julgou parcialmente procedente a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Paraná em face de Jockey Clube do Paraná, Athayde de Oliveira Neto, Luis Fernando Mussi Pimentel, Feturski Comércio de Discos Ltda. ME (Loja Mania do CD), Indústria e Comércio de Confecções Damyller Ltda., Maha Skates Wear Promoções de Eventos Esportivos Ltda., FM Studio 96 Ltda. e, Rádio e Televisão Rotioner Ltda. (Canal 21).
Cumpre considerar que não está obrigado o magistrado a julgar a questão posta ao seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas, sim, com o seu livre convencimento (art. 131 do Código de Processo Civil), utilizando-se dos fatos, provas, aspectos pertinentes ao tema, jurisprudência pacificada e de legislação que entender pertinentes ao caso concreto.
Sendo certo, que todas as questões que o julgador considerou relevante para o desate da espécie, como colocada pelo Autor e pelos Réus, foram analisadas e dirimidas, tendo formado sua convicção na conformidade do contexto informativo dos autos, e legislação aplicável, para julgar
o feito.
E, conforme exaustivamente demonstrado no processo, todos os que participaram de algum modo para a realização do show integram a cadeia de fornecimento do serviço, devendo, pois, responder solidariamente pelos danos causados aos consumidores.
Desta forma, apesar de vencido quanto ao Recurso 2, concluo no sentido de que não merece acolhido o pleito recursal de todos os Apelantes.
ANTE O EXPOSTO, acordam os Senhores Magistrados integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em dar provimento ao agravo retido e ao Recurso 2, vencido o Relator, com declaração de voto vencedor da Juíza Substituta em 2º Grau Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes e, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo retido do Recurso 5 e, no mérito, negar provimento aos Recursos 1, 3, 4 e 5, nos termos do voto do Desembargador Relator.
Participaram da sessão o Excelentíssimo Senhor Desembargador Abraham Lincoln Calixto (Presidente com voto) e a Senhora Juíza Substituta em 2º Grau Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes (Revisora).
Curitiba, 15 de fevereiro de 2011.
Des. Luís Carlos Xavier Relator
Juíza Subs. em 2º Grau Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes Revisora, com declaração de voto vencedor com relação ao agravo retido do Recurso 2
-- 1 in Responsabilidade Civil. Ed. Forense, 2ª edição, 1990, p. 338/339
-- 2 Tratado de Responsabilidade Civil. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, nº 49, p. 60
-- 3 PASQUALOTTO, Adalberto, in Os Efeitos Obrigacionais da Publicidade, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, pág. 24.
-- 4 in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover, 7ª ed. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2001, pág. 271)."
-- 5 STJ, 1ª Turma, REsp 845339/TO, rel. Min. Luiz Fux, j. 18/9/2007, in DJ 15/10/2007, p. 237.
-- 6 in Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, pág. 224
-- 7 In Código de Defesa do Consumidor Comentado, 5.ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997, p. 676
-- 8 in Ação Popular, Ação Civil Pública e Mandado de Segurança Coletivo, Instrumentos Processuais Coletivos, Ed. Forense, 2009, págs. 287-288.
-- 9 in MANCUSO Rodolfo de Camargo - AÇÃO CIVIL PÚBLICA, Em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores, Ed. RT., 10ª ed., 2007. pág. 121). 10 Súmula 7, CSMP/SP - O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, tais como: a) os que digam respeito a direitos ou garantias constitucionais, bem como aqueles cujo bem jurídico a ser protegido seja relevante para a sociedade (v.g., dignidade da pessoa humana, saúde e segurança das pessoas, acesso das crianças e adolescentes à educação); b) nos casos de grande dispersão dos lesados (v.g., dano de massa); c) quando a sua defesa pelo Ministério Público convenha à coletividade, por assegurar a implementação efetiva e o pleno funcionamento da ordem jurídica, nas suas perspectivas' econômica, social e tributária. 11 TJSP 2ª Turma Cível, AP. com revisão nº 994080606292 (602023-4/9-00), Rel. Des. Luiz Antonio de Godoy, D. julg. 15/12/2009, d. reg. 15/01/2010
-- 12 in "Da Responsabilidade Civil", vol. 2, pág. 907, 8ª edição - 1987
-- 13 In Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Ed. RT, 2004: São Paulo, p. 248, 361/362.
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