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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0722160-9 DA 4ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA
APELANTES: (1) URBS URBANIZAÇÃO DE CURITIBA S/A; (2) MUNICÍPIO DE CURITIBA; (3) COMPANHIA DE HABITAÇÃO DE CURITIBA COHAB-CT.
REC. ADESIVO: ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DA VILA JACIRA APELADOS: OS MESMOS RELATOR: Desembargador MÁRIO HELTON JORGE PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO RETIDO, APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO COLETIVO. PROCEDÊNCIA. AGRAVO RETIDO DA RÉ COHAB-CT. ILEGITIMIDADE ATIVA E INÉPCIA DA INICIAL. ASSOCIAÇÃO QUE ATUA COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL DOS OCUPANTES DA ÁREA. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO "EXPLÍCITA" DOS SEUS REPRESENTADOS (LEI 10.257/2001, ART. 12, INC. III). AUTORIZAÇÃO DE MENOS DA METADE DOS SUPOSTOS OCUPANTES, NO CASO, NÃO IDENTIFICADOS NA INICIAL. IMPOSSIBILIDADE DE AGIR EM NOME DE TODOS OS OCUPANTES. INÉPCIA DA INICIAL CARACTERIZADA. IMÓVEL NÃO DESCRITO DE FORMA COMPLETA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS CONFRONTANTES E DA RESSALVA DOS BENS DOMINICAIS EXISTENTES DENTRO DA ÁREA USUCAPIENDA. VIA, ADEMAIS, INADEQUADA, POR SE TRATAR DE ÁREA URBANIZADA, COM LOTES INDIVIDUALIZADOS E PERFEITAMENTE IDENTIFICADOS. SITUAÇÃO QUE NÃO ENCONTRA ABRIGO NO USUCAPIÃO COLETIVO URBANO, DESTINADO À AQUISIÇÃO DE ÁREAS DE INVASÃO COLETIVA, ONDE NÃO SE PODE IDENTIFICAR OS TERRENOS (LEI 10.257/2001, ART. 10). AGRAVO RETIDO PROVIDO. RECONHECIMENTO EX OFFICIO DA CARÊNCIA DE AÇÃO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR. DEMAIS RECURSOS PREJUDICADOS. SUCUMBÊNCIA INVERTIDA, RESSALVADA A GRATUIDADE (ART. 12, DA LEI 1060/50). 1. "As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural" (Lei 10.257/2001, art. 10). 2. A associação de moradores da comunidade, desde que regularmente constituída, detém legitimidade para, como substituto processual, propor a Ação de Usucapião Especial Urbano Coletivo, desde que "explicitamente" autorizados pelos seus associados (Lei 10.257/2001, art. 12, inc. III). No caso, os associados não foram identificados, nem mesmo na ata da assembléia que autorizou, pela maioria dos presentes (que não representavam nem a metade dos supostos associados), o ajuizamento da ação. 3. É inepta a inicial que, além de não identificar os ocupantes, não delimita a exata área objeto do pedido, à vista das respectivas matrículas, individualizadoras das áreas e de seus respectivos titulares, também, não indicando os respectivos confrontantes e não ressalvando a existência de bens dominicais. 5. O Usucapião Especial Urbano Coletivo tem por objeto área de ocupação coletiva, superior a 250m², desde que os ocupantes sejam pessoas de baixa renda, a ocupação seja igual ou superior a cinco anos, de forma ininterrupta e sem oposição e desde que não seja possível identificar os terrenos ocupados individualmente e, também, desde que os ocupantes não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Falta interesse de agir, pela inadequação da via eleita, como no caso, quando os terrenos são perfeitamente identificados e individualizados, em área já urbanizada. Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de Apelação Cível, Agravo Retido e Recurso Adesivo nº 0722160- 9, da 4ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Região Metropolitana de Curitiba, em que são apelantes (1) URBS URBANIZAÇÃO DE CURITIBA S/A; (2) MUNICÍPIO DE CURITIBA; (3) COMPANHIA DE HABITAÇÃO DE CURITIBA COHAB-CT, recorrente adesivo a ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DA VILA JACIRA e, apelados, OS MESMOS. I - EXPOSIÇÃO DOS FATOS
URBS URBANIZAÇÃO DE CURITIBA S/A; MUNICÍPIO DE CURITIBA; COMPANHIA DE HABITAÇÃO DE CURITIBA COHAB-CT e a ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DA VILA JACIRA, interpuseram recurso de apelação, a última na modalidade adesiva, contra a sentença (fls. 813/818), que julgou procedente o pedido "para declarar os substituídos da associação autora no domínio da área constante às fl. 123, denominada `Vila Jacira', valendo a presente sentença como título aquisitivo, nos termos do artigo 945, do Código de Processo Civil", na Ação de Usucapião Coletivo Urbano, autos nº 42.483/2004, ajuizada pela recorrente adesiva, inicialmente, contra a apelante URBS URBANIZAÇÃO DE CURITIBA S/A.
Em suas razões recursais (fls. 825/837), a URBS URBANIZAÇÃO DE CURITIBA S/A, alegou que a Associação autora não tem legitimidade para figurar no pólo ativo, uma vez que não houve a expressa autorização dos substituídos processuais, contrariando o disposto no art. 12, inc. III, da Lei 10.257/2001. Afirmou que a Associação não juntou a relação dos substituídos, tratando-se de documento essencial, uma vez que a omissão acerca dos interessados impede a análise dos requisitos da ocupação dos supostos possuidores, a condição financeira de cada um deles (necessária a baixa renda), bem como a condição de não serem proprietários de outro imóvel. Sustentou, igualmente, que não é parte legítima para figurar no pólo passivo, na medida em que não é mais a proprietária dos imóveis, por força do disposto no Decreto Municipal nº 133/2002. Afirmou que, ao contrário do que foi consignado na decisão interlocutória (fls. 768/769), não estavam preenchidos, na "época de publicação do referido decreto, todos os requisitos exigidos para a declaração do domínio dos substituídos, eis que (a) não foram devidamente qualificados, (b) dos documentos trazidos
referem-se aos anos de 2002 e 2003, ou seja, posteriores ao decreto expropriatório e (c) as planilhas de fls. 632/642 (mencionadas na sentença) não se prestam à comprovação da posse. Disse que, em razão disso, a sentença contrariou "duplamente" o art. 10, da Lei 10.257/2001, "posto que foi declarado o domínio de terrenos perfeitamente identificados e divididos, conforme demonstrou os documentos colacionados pela recorrida, especialmente os de fls. 23 e 458". Ressaltou que o dispositivo prevê a impossibilidade de identificação dos terrenos ocupados, e não de quem os ocupa (possuidores), que "devem ser devidamente identificados e qualificados, tendo como ônus a prova individual dos requisitos exigidos pela lei", já que, na sentença, deve o juiz atribuir igual fração ideal a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe. Destacou que a sentença é nula, porque não está em consonância com o pedido, na medida em que, na inicial, foi requerido o reconhecimento do domínio à associação, com a dissolução do condomínio, em total contrariedade ao §4º, do art. 10, da Lei 10.257/2001, ao passo que a sentença, "deixando de analisar este pedido, declarou os substituídos da autora no domínio da área constante à fl. 23". Consignou que a "omissão da análise do pedido da recorrida, indica sua impossibilidade, o que torna inepta a inicial e nula a sentença, que analisou pedido inexistente na inicial". Asseverou que o pedido não pode ser implícito e, por isso, a sentença contrariou, também, o art. 293, do CPC, porque ampliou o pedido. Registrou, quanto ao mérito, a ausência de demonstração dos requisitos exigidos pelo art. 10, da Lei 10.257/2001, quais sejam (a) a população de baixa renda, cuja demonstração incumbe aos autores, (b) o prazo de cinco anos de posse, sendo que os juntados são de 2002 e 2003, (c) a impossibilidade de identificação dos terrenos ocupados por cada possuidor, tornando incabível a usucapião coletiva, (d) o fato de não serem os possuidores proprietários de outro bem imóvel, urbano e rural. Consignou que a sentença contrariou, ainda, o disposto no §3º, do art. 183, da CF, bem como o art. 102, do CC, já que seus bens são considerados públicos, ainda que a sua natureza seja de sociedade de economia mista, na medida em que "é uma prestadora de serviço público, e não exploradora de atividade econômica"; logo, seus bens imóveis não são passíveis de usucapião. Pediu, ao final, a anulação ou a reforma da sentença, com a sua exclusão do pólo passivo ou, então, com a improcedência do pedido, elencando, para fins de prequestionamento, os seguintes dispositivos: art. 10, caput e § 3º e art. 12, da Lei 10.257/2001; arts. 128, 293 e 460, do CPC; art. 102, do CC e arts. 173, 175 e §3º, do art. 183, da CF.
O MUNICÍPIO DE CURITIBA, por sua vez, aduziu em suas razões (fls. 863/866), que a pretensão da Associação apelada "implica em sobreposição de área de domínio público", ressaltando que os bens da URBS e da COHAB-CT, que são sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos, são insuscetíveis de usucapião, tendo em vista o disposto no art. 183, §3º, da CF, bem como os arts. 67 e 69 do CC/1916 e a Súmula 340, do STF. Pediu o provimento do recurso, com a reforma da sentença, "indeferindo-se a pretensão usucapienda sobre a área de domínio público".
A COMPANHIA DE HABITAÇÃO POPULAR DE CURITIBA COHAB-CT, pugnou, inicialmente, pelo conhecimento e provimento do AGRAVO RETIDO que interpôs (fls. 771/782), contra a decisão (fls. 768/769), que afastou as preliminares deduzidas em contestação, relativas (a) à ilegitimidade ativa da Associação autora, uma vez que não há documentos comprovando a autorização dos representados, para o ajuizamento da ação, (b) à impossibilidade de usucapião de bens pertencentes à sociedades de economia mista que prestam serviços públicos e (c) à inépcia da petição inicial, por ausência de causa de pedir, considerando que os "argumentos da exordial demonstram a precariedade da posse dos substituídos processuais que a autora representa". O agravo foi contraarrazoado pela Associação autora (fls. 785/795), ocasião em que alegou (i) que o recurso não deve ser conhecido, porque vários dos pontos questionados não foram alegados em contestação, ocorrendo a preclusão, (ii) que é mentirosa a alegação de que apenas 17 associados estiveram presentes na assembléia e aprovaram a substituição, considerando que, na ocasião, havia número superior, ressaltando que o que interessa, de fato, é a aprovação pela maioria dos presentes, (iii) que o pedido é juridicamente possível, já que os bens, na hipótese, podem ser usucapidos, inclusive "o terreno está nas mãos dos posseiros, ora substituídos, há cerca de vinte anos, sendo que essa situação nunca foi impugnada pela agravante", (iv) que há causa de pedir, não sendo verdadeira a afirmação da agravante no sentido de que "concedeu o direito de uso", mesmo porque esse direito não lhe pertencia, ressaltando que "os substituídos exerceram posse em nome próprio e com caráter de animus domini, fato este, aliás, que é justamente objeto de mérito e com ele deve ser julgado". Pugnou, assim, pelo não provimento do recurso, senão extinto de imediato "por ausência de prequestionamento e supressão de instância". Em suas razões de apelação (fls. 871/883), a COHAB-CT apontou, inicialmente, a existência de nulidade (a) por ausência de intimação do representante do Ministério Público para apresentar alegações finais e, (b) por ausência de indicação dos substituídos processuais, sem o que não se pode precisar a quem, especificamente, a sentença reconheceu o domínio, com o risco de que "pode-se atribuir uma fração ideal da área a qualquer pessoa". Disse, também, que o processo deve ser extinto, por inépcia da inicial "em virtude da incerteza e indeterminação do pedido". Aduziu que a ação perdeu o seu objeto, na medida em que, por Decreto Municipal e em virtude de ação judicial, a área objeto da demanda foi desapropriada, com imissão de posse já deferida em seu favor, "fulminando qualquer direito ou pretensão dominial ou possessória de outrem que não da COHAB-CT, beneficiária da desapropriação". Quanto ao mérito, asseverou que não estão presentes os requisitos do usucapião coletivo, porque (a) os terrenos ocupados por cada um dos substituídos estão individualizados, isto é, já foram divididos em lotes, em local dotado de infraestrutura urbana (ruas, comércio, correio etc.), situação que não encontra amparo no disposto no art. 10, da Lei 10.257/2001, sendo certo que não se pode confundir o usucapião coletivo com o individual, embora a autora faça essa mistura na inicial, (b) não há comprovação de que todos os imóveis tenham destinação residencial, sendo que a própria autora admitiu a existência de comércio próspero na área, (c) não há comprovação de que os ocupantes pertençam à população de baixa renda, (d) os substituídos não detêm a posse da área com animus domini, já que confessaram na inicial que a ocuparam por incentivo do Prefeito Municipal da época (Roberto Requião), sabendo, por isso, que a área pertencia a outrem, com a mera expectativa de obter a regularização, "aceitando a condição de servidores da posse ou detentores, em virtude de ato de mera permissão ou tolerância do pretérito possuidor (art. 1208, do Código Civil)", (e) os substituídos são meros comodatários, sendo que os proprietários jamais deixaram de exercer a posse indireta da área, tanto que a região foi sendo gradativamente urbanizada, com a intenção futura "de alienar aos moradores um pedaço da área, mais isso não poderia ser feito antes da urbanização e do loteamento". A propósito, aduziu que, em 1996, o Estado do Paraná, a URBS, o Município de Curitiba, a COHAPAR e a COHAB-CT firmaram convênio com o intuito de regularização fundiária da área, com o cadastramento de todos os ocupantes, que assinaram contrato de prestação de serviços com a COHAB-CT e um termo de concessão de uso do solo, com opção de compra, que seria convertido, posteriormente, em compromisso de compra e venda, o que permitiu aos ocupantes a permanência no local. Salientou que, diante disso, os ocupantes são meros detentores, não tendo a posse ad usucapionem da área. Aduziu que o Estatuto das Cidades entrou em vigor apenas em 10.10.2001, não devendo ser aceita a sua eficácia retroativa, de modo que os ocupantes da área não haviam completado o prazo necessário para a aquisição, "ainda mais considerando- se o exercício da posse promovido pelos interessados em 1996". Ressaltou, ainda, que não há prova de que os possuidores, que sequer foram identificados, não são proprietários de outro imóvel, urbano ou rural. Pediu a expedição de ofício à Vara de origem, a fim de que encaminhe ao Tribunal os documentos referidos em certidão (f. 643), que comprovariam a existência dos termos de uso e concessão de solo, provendo-se o recurso, com a anulação do feito ou a reforma da sentença.
A autora, ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DA VILA JACIRA, nas razões de seu recurso adesivo (fls. 93/936), alegou que, dada a extensão da área objeto do pedido (177 lotes), à causa foi atribuído o valor de 3 milhões de reais, sendo a ação proposta, inicialmente, apenas contra a URBS. Disse que, porém, no decorrer da demanda, foram incluídos na lide a COHAB-CT e o MUNICÍPIO DE CURITIBA, aumentando a complexidade da causa e o número de atos a serem praticados, com o acréscimo do tempo de tramitação (quase 5 anos só em primeiro grau), além de se cuidar de tema novo (o usucapião coletivo), fatores que, considerados em conjunto, demonstram que, ao fixar a sucumbência, o juízo "a quo" não respeitou os parâmetros traçados pelo art. 20, §3º, do CPC, assim com o princípio da proporcionalidade, na medida em que fixou os honorários advocatícios em, apenas, R$ 10.000,00, não respeitando o percentual mínimo de 10% do valor da condenação que, no caso, é certa, "qual seja, o valor da área que estava desde o início arbitrado em três milhões". Salientou que os critérios previstos no art. 20, §3º, do CPC, "são para fixar entre o limite mínimo e o máximo, e não para afastar ditos limites". Afirmou que o advogado não mais trabalha solitariamente, mas em equipe, multiplicando os gastos, inclusive diante das exigências do avanço tecnológico e das relações sociais e culturais, que demandam do causídico "investimentos e dispêndio de recursos com os mais diversos, antes inimagináveis". Disse que, ao fixar os honorários, o juiz "a quo" cometeu grave injustiça, já que o processo não se extingue com a decisão de primeiro grau, com o trabalho ainda se estendendo por longos anos. Depois de invocar o prequestionamento do art. 20, §3º, do CPC, pediu o provimento do recurso, fixando-se os honorários advocatícios em 20% do valor dado à causa, ou, no mínimo, 10%, ou, ainda, que se decida que o valor fixado é devido individualmente pelas apeladas.
A ASSOCIAÇÃO autora ofereceu contrarrazões aos recursos das rés (fls. 906/931), pugnando, inicialmente, pelo desentranhamento dos documentos juntados com os recursos (fls. 845/859 e 885/902), porque extemporaneamente apresentados, sem previsão legal e cerceando o direito de defesa, com a quebra do "princípio da jurisdição natural". Pugnou, ainda, pelo conhecimento e provimento do AGRAVO RETIDO que interpôs, em audiência (fls. 799/800), contra a decisão que indeferiu a oitiva dos substituídos, como informantes, em cujas razões aduziu que: (a) o feito corre pelo rito sumário, tendo sido indicadas as testemunhas na inicial, e não após o saneador, sendo perfeitamente possível a oitiva das arroladas, como informantes, caso não pudessem prestar o compromisso, já que são interessados; (b) a não oitiva priva a busca pela verdade material e configura o cerceamento de defesa, já que se pretendia "demonstrar os fatos controvertidos acima indicados", devendo a decisão ser reformada, com o retorno dos autos e a colheita da prova indeferida. Quanto às contrarrazões, propriamente, aduziu que os recursos da URBS e do MUNICÍPIO DE CURITIBA não podem ser conhecidos no que se refere às preliminares de legitimidade das partes, inépcia da inicial, possibilidade jurídica do pedido ou perda do seu objeto, na medida em que essas questões foram decididas no saneador, sem qualquer insurgência das partes, ocorrendo a preclusão (CPC, arts. 177 e 183). Afirmou que, em parte, também, o recurso da COHAB-CT não pode ser conhecido, por se tratar de inovação da matéria litigiosa, mais precisamente quanto às alegações: (a) de que há nulidade processual ou outro defeito decorrente da ausência ou qualificação dos substituídos; (b) de que existem imóveis comerciais, o que não havia sido apontado na inicial; (c) de que os substituídos são comodatários, o que, inclusive, contraria a tese da própria apelante, em contestação, no sentido de que "houve posse precária, decorrente de violência e ocupação indevida"; e, (d) de que é necessária a prova de que os substituídos não possuam outros imóveis. Pugnou pelo não provimento do agravo retido da COHAB-CT, conforme contrarrazões que apresentou (fls. 785/795). Defendeu a sua legitimidade ativa e a legitimidade passiva da URBS, bem como a inexistência da perda do objeto da ação em decorrência da apontada desapropriação. Aduziu que a inicial não é inepta por ausência de indicação dos substituídos e que não há nulidade por ausência de intimação do MP, defendendo, ainda, a possibilidade do usucapião de bens de propriedade de sociedades de economia mista, sobretudo diante da ausência de prova de que a área se destina a uso público. Invocou as garantias constitucionais da moradia e da dignidade da pessoa humana e asseverou que todos os requisitos para a aquisição da propriedade, pelo meio escolhido, estão presentes, sendo irrelevante o fato de os lotes poderem ser individualizados. Pediu, ao final, o desentranhamento dos documentos juntados com os recursos; o não conhecimento dos recursos ou parte dos recursos, conforme apontado; o desprovimento dos recursos, se conhecidos, sem prejuízo ao prequestionamento de toda a matéria levantada.
O recurso adesivo da ASSOCIAÇÃO autora, também, foi contraarrazoado por todos os demais apelantes. A URBS disse (fls. 939/944) que o recurso adesivo é incabível, porque a recorrente adesiva sagrou-se vencedora em todos os seus pedidos, não havendo, portanto, sucumbência recíproca, conforme exige o art. 500, do CPC; assim, se a autora discordasse do valor fixado, deveria ter manejado o recurso de apelação, tão logo intimada da sentença. No mérito, sustentou que o pedido de majoração dos honorários não deve prosperar, porque não há condenação e, por isso, os honorários não devem ser fixados entre os percentuais estabelecidos pelo §3º, do art. 20, do CPC. O MUNICÍPIO DE CURITIBA alegou (fls. 945/948), que o valor fixado não é irrisório e que o §3º, do art. 20, não é aplicável na hipótese, mas, sim, o §4º, que estabelece que a fixação ocorrerá consoante apreciação equitativa do juiz, não existindo qualquer razão para a majoração. A COMPANHIA DE HABITAÇÃO COHAB-CT aduziu (fls. 950/952), que a sentença não é condenatória, mas declaratória, incidindo o §4º, do art. 20, do CPC, e não o seu §3º. Defendeu, também, a manutenção do valor fixado, caso a sentença não seja reformada, por ser o quantum fixado "o mais adequado para remunerar o procurador da Autora".
A d. Procuradoria Geral de Justiça (fls. 967/982) opinou pelo conhecimento de todos os recursos, inclusive os agravos retidos, provendo-se os de iniciativa da URBS e da COHAB-CT, "ao fito de reconhecer a impossibilidade de a sentença declarar o domínio em favor de pessoas indeterminadas; da impossibilidade do reconhecimento do domínio à entidade com dissolução do condomínio; bem como a impossibilidade de a ação de usucapião coletivo incidir sobre terrenos perfeitamente individualizados". Relatei, em síntese.
II - O VOTO E SEUS FUNDAMENTOS
Antes da abordagem dos recursos interpostos, destaca-se da Lei 10.257/2001 (Estatuto das Cidades), os requisitos subjetivos e objetivos para a obtenção da tutela de declaração de Usucapião Especial Urbano Coletivo.
A legitimidade ativa "ad causam" é regulada pelo art. 12, que assim dispõe: "São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana: I o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente; II os possuidores, em estado de composse; III como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados". O art. 10, por sua vez, informa o objeto do pedido e os seus requisitos, nos seguintes termos: "As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. § 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis. § 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas". Disso se pode destacar que a Associação pode agir como substituto processual, desde que autorizada "explicitamente" por seus associados, necessariamente pessoas de baixa renda; que o imóvel (toda a área coletivamente ocupada) deve ter área urbana superior a 250m², sem a possibilidade de identificação ou individualização de cada terreno ocupado; que a ocupação, como moradia própria ou da família, seja igual ou superior a cinco anos, ininterrupta e sem oposição e, ainda, que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel rural ou urbano.
Insta frisar, também, que, na sentença que julgar procedente o pedido, "o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas" (art. 10, §3º), sendo que "O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio (art. 10, §4º).
No caso concreto, tem-se à análise três apelações, dois agravos retidos e um recurso adesivo. Os agravos retidos foram interpostos pela ré COHAB-CT, bem como, pela Associação autora.
Ambas ratificaram o conhecimento e o provimento dos respectivos agravos, nos termos do art. 523, do CPC.
A ré, COHAB-CT, interpôs o agravo retido contra a decisão que, ao sanear o feito (fls. 768/769), (a) afastou a argüição de perda do objeto, em função da suposta desapropriação da área usucapienda (alegação feita pela ré URBS); (b) reconheceu a legitimidade ativa ad causam da Associação autora, e (c) reconheceu a possibilidade de os bens de sua propriedade serem usucapidos, já que se trata de uma "pessoa jurídica de direito privado".
Em suas razões, a agravante sustentou a ilegitimidade ativa da Associação autora, bem como, a inépcia da inicial, em função de o imóvel objeto do litígio não se sujeitar a usucapião (eis que de propriedade de sociedade de economia mista), e, também, por ausência de causa de pedir, considerando que a área foi cedida aos moradores, sendo que o Município de Curitiba, por meio da COHAB-CT e da URBS, "jamais deixou de exercer a posse indireta", não havendo a quebra do animus domini.
Essa preliminar de ilegitimidade ativa da Associação, também, foi sustentada nas razões de apelação da ré, URBS, que alegou, em síntese, que não houve a expressa autorização dos substituídos processuais, contrariando o disposto no art. 12, inc. III, da Lei 10.257/2001, e que a Associação não juntou a relação dos substituídos, tratando-se de documento essencial, uma vez que a omissão acerca dos interessados impede a análise dos requisitos da ocupação dos supostos possuidores, a condição financeira de cada um deles (necessária a baixa renda), bem como a condição de não serem proprietários de outro imóvel.
Ao contraarrazoar o agravo retido da COHAB- CT, a autora afirmou que o recurso não deve ser conhecido, porquanto vários dos pontos nele elencados "não tiveram o efetivo prequestionamento em contestação, inexistindo, por via de conseqüência, deliberação anterior a seu respeito que permita a este Tribunal conhecer da matéria" (f. 786). Destacou ser nova a alegação de que a Associação não detém poderes de representação (autorização dos representados), bem como, a alegação de que a inicial é inepta, porque há mera detenção por autorização tácita do dono do imóvel. Teceu considerações sobre a preclusão e apontou, como aplicáveis à hipótese, o que dispõem os artigos 177, 183 e 473, do CPC. No mérito, defendeu a sua legitimidade, porque, conforme destacado na decisão agravada, o número de moradores presentes à assembléia que deliberou sobre o ajuizamento da ação foi muito maior (83) que o apontado pela agravante (17). Disse que os seus estatutos prevêem que as decisões são tomadas pela maioria dos presentes às assembléias gerais e que, no caso, não houve ofensa ao art. 12, inc. III, da Lei 10.257/2001, não se podendo "duvidar que a representação é explícita porquanto houve edital de convocação e assembléia geral extraordinária convocada exclusivamente para este fim". Defendeu, por fim, a possibilidade jurídica do pedido e a existência de causa de pedir.
Em que pese o alegado pela Associação agravada, não existe qualquer óbice ao conhecimento integral do agravo retido, considerando que as matérias argüidas são de ordem pública e, portanto, podem ser questionadas a qualquer tempo, em qualquer grau de jurisdição e por qualquer meio.
Aliás, não é demais frisar que são matérias passíveis de conhecimento ex officio (CPC, art. 267, § 3º c/c art. 301, §4º).
Além disso, insta registrar que, tanto a preliminar de ilegitimidade ativa, quanto a de inépcia da inicial por impossibilidade jurídica do pedido e ausência de causa de pedir, já haviam sido argüidas em contestação (fls. 554/565), sendo irrelevante o acréscimo deste ou
daquele fundamento para corroborar a tese, em sede de agravo retido ou qualquer outro recurso ordinário.
Enfim, ainda que nenhum dos réus tivesse argüido a ilegitimidade ou a inépcia da inicial, não haveria qualquer óbice ao conhecimento da matéria, pelo Tribunal, não havendo que se falar em preclusão, em face do efeito translativo do recurso.
Não há dúvida de que, em tese, por força de previsão legal, a associação dos ocupantes ou moradores "da comunidade", desde que regularmente constituída, pode, como substituto processual, ajuizar a ação de usucapião coletivo urbano.
Todavia, para possibilitar o exercício do direito de ação, ainda que na condição de substituto processual, a associação deve contar com a autorização "explícita" de seus representados.
Nesse sentido, conforme anotado, o que prevê expressamente o art. 12, inc. III, da Lei 10.257/2001, in verbis:
"Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana: I (...); II (...); III como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados".
Como se pode perceber, a lei não se contentou em apontar a necessidade da autorização, adicionando a expressão "explicitamente", para não deixar dúvida acerca da imprescindibilidade da exigência. Logo, não há dúvida de que, ao demandar em juízo, a Associação deve estar expressamente autorizada por seus representados. Os que não lhe derem essa "autorização", ainda que por ela, em tese, sejam representados para outros fins, não podem ser considerados como "substituídos", para fins de composição do pólo ativo.
No caso, conforme a documentação acostada, 83 pessoas assinaram a ata da assembléia, que deliberou pelo ajuizamento da ação (fls. 21/22).
Não obstante, segundo a inicial, que não foi nada precisa, "a região comporta mais de 177 moradias individuais" (f. 03), tendo sido juntada a documentação (memoriais) relativa a 172 lotes (fls. 48/397), depois apontados como "mais de 123 terrenos" (f. 681). Como se pode ver, aparentemente, menos da metade dos moradores ou ocupantes autorizou o ajuizamento da ação.
E é de se notar que, segundo consta da própria ata, a votação foi por maioria, sem que se identificasse os contrários à solução adotada pelos demais.
Aliás, não há qualquer elemento que permita averiguar se os presentes na assembléia eram, de fato, exclusivamente, os ocupantes ou os "representados" pela Associação autora.
Consequentemente, a Associação não tem legitimidade para ajuizar a ação de usucapião coletivo em nome de todos os ocupantes ou das pessoas que supostamente representa.
E a exigência legal é plenamente justificada, na medida em que, em princípio, a eventual sentença de procedência atribuirá a todos os ocupantes uma parte ideal, formando um condomínio indivisível, que, por sua vez, só poderá ser desfeito por deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos (Lei 10.257/2001, art. 10, §4º). Se para extinguir o condomínio é obrigatória a deliberação favorável de no mínimo dois terços dos condôminos (e a lei não dá qualquer legitimidade à associação, neste caso), não tem o menor fundamento admitir a formação anterior desse condomínio (conseqüência da sentença de procedência) por um número que não represente nem a metade dos supostos ocupantes da área.
De se notar ainda que não foram identificados, na petição inicial, os nomes dos moradores substituídos, o que inviabiliza o cumprimento do art. 10, §3º, da Lei 10.257/2001, pois a sentença não poderá atribuir a cada um parte ideal, no condomínio fechado.
Mas, ainda que fosse superada a ilegitimidade da Associação, em relação àqueles que estiveram presentes à assembléia, que deliberou pelo ajuizamento da ação, não há como deixar de reconhecer, também, a inépcia da inicial, o que, fatalmente, levará à extinção do processo, sem resolução do mérito.
Antes, porém, mister que se afaste a alegação da apelante URBS, no sentido de que é parte ilegítima para figurar no pólo passivo. De acordo com as razões recursais, a ilegitimidade decorreria do fato de que a apelante não é mais a proprietária da área, por força do disposto no Decreto Municipal nº 133/2002.
Em que pese o alegado, a transferência da titularidade dos imóveis deu-se após o ajuizamento da demanda, não tendo o condão de alterar a legitimidade (CPC, art. 42), figurando a COHAB-CT como mero sucessor processual.
Frise-se, ademais, como ponderou a d. Procuradoria Geral de Justiça, que, "Na verdade a transferência das áreas se operou, validamente, apenas nos anos de 2004/2005, conforme atestam as certidões do registro imobiliário 9fls. 606/624)", isto é, depois do ajuizamento da ação, quando se demonstrou que os imóveis eram de propriedade da apelante URBS (fls. 24/47).
Retornando ao tema relativo à inépcia da inicial, insta anotar que, ainda que se cuide de modalidade relativamente nova de usucapião, tem-se por certo que não se dispensa, na petição inicial, que haja identificação da unidade da área objeto do pedido.
No caso, não houve qualquer indicação ou delimitação da área. A inicial se refere, apenas, à ocupação individual de lotes inferiores a 250m², com área total superior a essa medida, mas sem identificação dessa área, à vista das respectivas matrículas individualizadoras das áreas e de seus titulares.
A imagem aérea (f. 458) não tem o condão de delimitar o perímetro da área postulada. Constata-se pela planta de regularização fundiária da COHAB-CT - Vila Jacira (fls. 628 a 630) que a área é composta de 6 Quadras delimitadas, com 177 lotes, compreendidos pelas ruas Adrelino Dourado, João Bettega e Ursulina Vizinhoni. Contudo, às f. 480, no requerimento de citação, por edital, a autora forneceu delimitações erradas e não identificou os confrontantes.
A propósito da não identificação dos confrontantes, não pode ser acolhido o argumento de que isso era desnecessário (fls. 681), considerando que não restou demonstrado, documentalmente, que o único confrontante é o Município. Além disso, não se podem confundir os possuidores de terreno lindeiros com os proprietários desses mesmos imóveis.
Insta registrar que, dentro da área indicada, existem ruas e calçadas, bens de uso comum do povo (dominicais) e, por isso, não passíveis de usucapião. Nada disso, porém, foi ressalvado na inicial.
Pode-se destacar, ainda, a total inadequação da via eleita para os fins buscados pela Associação autora, o que, igualmente, leva à extinção do processo.
O usucapião especial coletivo visa, grosso modo, regularizar a ocupação "coletiva" de áreas urbanas, por população de baixa renda, como é o caso dos chamados "sem-teto". Trata-se de uma tentativa de urbanizar e regularizar áreas de invasão que, via de regra, são identificadas como favelas.
Como anota a doutrina:
"Não se trata de área bruta, mas sim ocupada por pessoas que vivem em barracos ou habitações precárias construídas com material frágil, até mesmo com coberturas improvisadas" (Tratado de Usucapião Vol. 2 Benedito Silvério Ribeiro, 3ª Edição, Editora Saraiva, pág. 947).
Trata-se de uma tentativa de regularizar, pela via judicial, o que o poder público não consegue suprir, como o oferecimento de moradia ou, mesmo, a simples regularização dessas áreas de ocupação irregular.
Nesse sentido, o que consignou o Procurador do Município de São Paulo, advogado Celso Augusto Coccaro Filho, em artigo publicado em junho de 2005 (Celso Augusto Coccaro Filho Título: USUCAPIÃO ESPECIAL DE IMÓVEL URBANO: INSTRUMENTO DA POLÍTICA URBANA. Disponível em: http://online.sintese.com.), na parte que interessa:
"O Poder Público, omisso e leniente, em geral não sabe ou não consegue lidar com tais aglomerados humanos. As soluções caminham entre repressão manifestada por interditos possessórios e tímida admissão com tentativas de urbanização e de agregação regular à urbe. (...) Diante da inação ou incompetência estatal, o usucapião coletivo poderá se transformar em notável instrumento da política urbana, principalmente porque transfere a iniciativa de regularização aos ocupantes de tais áreas,
dispensando intervenções muitas vezes destinadas a fins eleitorais". Como se pode constatar, o espírito da lei é o de amparar a coletividade totalmente desassistida, não só de moradia, como de toda a infraestrutura necessária.
Não é esse, porém, o caso dos autos.
Segundo a inicial, a ocupação é antiga; data de meados da década de 80, quando o então prefeito Roberto Requião não só incentivou a invasão e ocupação da área como, também, prometeu a regularização, inclusive a transferência de domínio aos ocupantes.
Ainda de acordo com o alegado, no decorrer desse tempo, o local se transformou num bairro (Vila Jacira), "com casas em alvenaria, pequenas, mas bem estruturadas", em terrenos certos e determinados, com canalização de água, luz, calçamento de pistas de rolamento e calçadas, culminando, inclusive, com a cobrança de contribuição de melhoria, pela Prefeitura Municipal (f. 03).
A documentação acostada permite visualizar a área como qualquer outro bairro minimamente estruturado da cidade (f. 458, em especial). Podem ser destacados e individualizados todos os lotes, bem como as ruas de acesso e as que se encontram no interior de todo o bairro. Uma área totalmente urbanizada, portanto.
Diante desse quadro, é evidente o não cabimento do usucapião coletivo, como forma de aquisição originária da propriedade.
O art. 10, da já citada Lei 10.257/2001, é claro ao dispor que:
"As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural".
Tanto que, também, como já registrado, em princípio, a sentença atribuirá a cada ocupante uma parte ideal, isto é, não identificada desde logo, constituindo um condomínio que, por sua vez, só poderá ser dissolvido com a deliberação favorável de maioria qualificada dos condôminos (§§ 3º e 4º, da Lei 10.257/2001), salvo prévio acordo escrito de todos (o que não existe nos autos, não prevendo a Lei de regência que a Associação possa substituí-los, nesse mister).
Para essas hipóteses, em que existe urbanização e é possível identificar cada terreno, cabível o ajuizamento do usucapião (individual) especial urbano (art. 9º, da Lei 10.257/2001), desde que, como no caso, cada terreno, individualmente considerado, não ultrapasse os 250m².
Sob esse aspecto, portanto, a parte autora é carecedora do direito de ação, por falta de interesse de agir.
Anote-se que, embora fosse questão de mérito, não há documentação relativa à inexistência de que os posseiros são possuidores de outros imóveis de natureza urbana ou rural.
Diante disso, conclui-se pelo conhecimento e provimento do agravo retido interposto pela ré COHAB-CT, para reconhecer a ilegitimidade ativa da parte autora e a inépcia da inicial e, ainda, de ofício, reconhecer a manifesta carência de ação por falta de interesse de agir, declarando nulo todo o processo, restando prejudicados os demais recursos, invertendo-se os ônus da sucumbência, sem prejuízo ao disposto no art. 12, da Lei 1060/50. III DISPOSITIVO
ACORDAM os Julgadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento do agravo retido interposto pela ré COHAB-CT, para reconhecer a ilegitimidade ativa da parte autora e a inépcia da inicial e, ainda, de ofício, reconhecer a manifesta carência de ação por falta de interesse de agir, anulando-se o processo, restando prejudicados todos os demais recursos, invertendo-se os ônus da sucumbência, sem prejuízo ao disposto no art. 12, da Lei 1060/50.
O julgamento foi presidido pelo Desembargador LAURI CAETANO DA SILVA (com voto) e dele participou o Desembargador VICENTE DEL PRETE MISURELLI. Curitiba (PR), 13 de abril de 2011. MÁRIO HELTON JORGE Relator
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