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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 732.682-3, DA COMARCA DE BANDEIRANTES VARA ÚNICA - ESTADO DO PARANÁ APELANTES : RAIMUNDA DA SILVA ALCANTARA E OUTROS APELADOS : JOÃO BATISTA DO COUTO E OUTROS RELATOR : DES. LUIZ SÉRGIO NEIVA DE LIMA VIEIRA RELATORA : JUÍZA SUBST. 2º G. ASTRID MARANHÃO DE CARVALHO RUTHES REVISOR : DES. GUILERME LUIZ GOMES APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO DOAÇÃO DE BEM IMÓVEL POR MEIO DE ESCRITURA PÚBLICA DOCUMENTO DOTADO DE FÉ PÚBLICA SIMULAÇÃO NÃO COMPROVADA FATOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO DO AUTOR ÔNUS DA PROVA ARTIGO 333, INCISO I, DO CPC SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NEGADO PROVIMENTO. 1. Ausente qualquer prova efetiva de existência de simulação, fraude ou qualquer outro vício praticado no negócio jurídico, cujo ônus recai sobre o autor (art. 333, I/CPC), prevalece o conteúdo das escrituras públicas, por se tratar de documento dotado de fé pública que faz prova plena do negócio retratado (art. 215/CC/02; art. 134, § 1º/CC/16), não sendo possível reconhecer a nulidade do ato, que nem mesmo se mostra passível de anulação. 2. Sem prova inequívoca de vício apto a anular o ato jurídico, prevalece à presunção de veracidade e fé pública do instrumento público de confissão de dívida com garantia hipotecária celebrada entre as partes. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 732.682-3, da Comarca de Bandeirantes - Vara Única, em que é Apelantes - RAIMUNDA DA SILVA ALCANTARA E OUTROS e Apelados JOÃO BATISTA DO COUTO E OUTROS.
I RELATÓRIO Trata-se de Ação Ordinária de Anulação e/ou Nulidade de Ato Jurídico sob o nº 353/2005 proposta por Raimunda da Silva Alcântara e Outro em face de João Batista do Couto e Outros. A sentença julgou improcedentes os pedidos contidos na inicial, concluindo que houve manifesta vontade livre e consciente da doadora para a realização do negócio jurídico. Em consequência, condenou os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios para cada patrono dos réus, estes nos termos do artigo 20, § 4º do CPC, arbitrados em R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais). Irresignada com a decisão os recorrentes interpuseram recurso de apelação (fls. 115/186) sustentando preliminarmente que houve cerceamento de defesa eis que o magistrado julgou antecipadamente a lide não podendo os mesmos protestar por perícias, e ouvir as testemunhas dos apelantes e apelados, sendo estas de fundamental importância para a elucidação da causa, requerendo a nulidade da decisão. No mérito, arguiu que houve por parte dos apelantes a contestação veemente da idoneidade e fé pública do tabelião que lavrou a escritura pública de doação, e também do
médico que forneceu o atestado de capacidade da doadora para realizar o negócio jurídico. Essas foram às razões recursais inserta pelos apelantes, buscando a reforma da decisão para declarar nulo o negócio jurídico de doação. Em contrarrazões (fls. 191) a parte apelada pleiteia pela manutenção da decisão guerreada. É a breve exposição.
II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: Prima facie, encontram-se presentes os pressupostos de admissibilidade extrínsecos (tempestividade; preparo; regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo ao direito de recorrer) e intrínsecos (legitimidade para recorrer; interesse de recorrer; cabimento), merecendo o recurso ser conhecido. DA PRELIMINAR: Alegam os apelantes que houve cerceamento de defesa eis que a lide foi julgada antecipadamente pelo magistrado singular, não podendo os mesmos protestar por perícias e ouvir as testemunhas, relatando serem estas provas de fundamental importância para a elucidação da causa, tendo em vista que a decisão foi proferida com base unicamente na escritura pública e no atestado médico que segundo os recorrentes não consta nos autos, requerendo a nulidade da decisão.
Sem razão os apelantes. Pois bem, observa-se do despacho de fls. 101 que a magistrada singular concedeu prazo para que as partes especificassem as provas que desejavam produzir, os apelantes requereram apenas a prova testemunhal (fls. 102). Na sequência, proferiu o seguinte despacho (fls. 104): "(...) Não havendo preliminares a serem analisadas tampouco questões processuais pendentes, presentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento válidos do processo, bem como as condições da ação, declaro saneado o presente feito. Digam as partes, em cinco dias, sobre a possibilidade de obter transação em audiência preliminar, sendo que seu silêncio evidenciará a improbabilidade de sua obtenção, passando o juízo a ordenar a produção de prova, na forma do artigo 331, § 3º, CPC. (...)." (grifos no original). Apenas os recorrentes (fls. 108) manifestaram interesse na composição amigável, razão esta pela qual foi designada data para audiência de conciliação, porém diante da ausência das partes litigantes a mesma restou infrutífera. Na data de 30/03/2007 um dos requerentes veio falecer, motivo pelo qual o feito ficou suspenso para que houvesse a regularização processual (fls. 116/117), sendo requerido às fls. 121 o prosseguimento do feito bem como a nomeação da cônjuge no cargo de inventariante. Em seguida foi designada nova audiência conciliatória
(fls. 140) a qual também restou infrutífera (fls. 143), tendo sido determinado a juntada do termo de inventariante no prazo de 10 (dez) dias, o que ocorreu às fls. 145. Após isso os autos foram conclusos para sentença, tendo a magistrada singular julgado a lide antecipadamente, ressaltando o seu entendimento de não ser necessária prova testemunhal para a solução da controvérsia por dois argumentos "1) o fato de que somente o profissional médico é habilitado para atestar a sanidade mental de alguém, dizendo se a pessoa tinha consciência do que fazia, e, 2) o fato de que o negócio jurídico de doação foi realizado através de escritura pública, na presença do tabelião, o qual tem fé pública para atestar qual foi realmente a declaração de vontade da doadora no momento da celebração do contrato". (fls. 148/149). Diante disso os recorrentes alegam que houve cerceamento de defesa, eis que contestaram na exordial a idoneidade da fé pública do tabelionato, pois ao contrário do que consta na escritura, a Sra. Sebastiana não se encontrava em seu estado mental de discernimento normal, e mais alegam que no momento da lavratura e assinatura do referido documento os demais herdeiros não se encontravam presentes, onde os mesmos somente tomaram ciência da doação após o falecimento da doadora. Relatam ainda que não consta nos autos qualquer atestado médico, sendo este um dos motivos de desconfiança dos recorrentes e novamente alegando ser de extrema necessidade a oitiva das testemunhas. Analisando os documentos trazidos aos autos, observa- se que a lide foi julgada antecipadamente por se acharem produzidas todas as provas necessárias, acrescentando-se que o escorço documental produzido
era suficiente para formar o livre convencimento motivado sobre a matéria posta à sua apreciação, desmerecendo a produção de outras mais. Com efeito, havendo vasto conjunto probatório nos autos e sendo este suficiente ao deslinde da questão, entendo que o julgamento da forma pelo qual se procedeu é à medida que se mostra mais adequada à hipótese, considerando os princípios da instrumentalidade e da economia processual. Ressalta-se que o destinatário das provas carreadas aos autos é o magistrado, de forma que, caberá a ele a decisão da utilidade ou não da dilação probatória, procurando evitar delongas desnecessárias que levem inutilmente a procrastinação do feito, contrariando os princípios da economia, instrumentalidade, impulso oficial e celeridade processual, conforme a determinação do artigo 130, do CPC. Nesse sentido: "Não é cabível a dilação probatória quando haja outros meios de prova, testemunhal e documental, suficientes para o julgamento da demanda, devendo a iniciativa do juiz se restringir a situações de perplexidades diante de provas contraditórias, confusas ou incompletas." (RSTJ 157/367). E mais, "Constante dos autos elementos de provas documentalmente suficientes para formar o convencimento do julgador, inocorre cerceamento de defesa se julgada antecipadamente a controvérsia." (STJ, 4ª Turma, Ag. 14952, Rel. Min. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA).
Ademais, o ideal da prova não é outro senão a busca e o encontro da verdade real, material. A lei confia no magistrado a busca por esta verdade, por isso é que vige no direito processual civil brasileiro o principio do livre convencimento motivado do juiz, estatuído pelo artigo 131, do CPC. Dessa forma, a prova, como instrumento adequado ao esclarecimento dos fatos, é direcionada ao julgador, a quem caberá apreciá- la. Por consequência, se o magistrado ao analisar o lastro probatório, entendê-lo suficiente a firmar seu convencimento de forma motivada, pode dispensar a produção de outras, sem que isto configure cerceamento de defesa, pois não está obrigado a julgar a lide conforme o pleiteado pelas partes. Nessas condições, não configurado o invocado cerceamento de defesa, afasta-se a irresignação dos apelantes neste tópico. DO MÉRITO No mérito, da mesma forma, vê-se que não assiste razão aos apelantes. Isso porque a prova coligida durante a instrução processual é inequívoca, no sentido de que o ato da doação do imóvel foi realizado mediante escritura pública, ou seja, documento dotado de fé pública, sendo ainda sobre parte disponível do patrimônio. Ao contrário da alegação dos recorrentes, não se trata de simulação, isto porque, é cediço que a simulação ocorre quando, por manifestação enganosa de vontade, as partes em conluio celebram negócio
jurídico aparentemente normal, mas tem por escopo resultado diverso do esperado, com o fito de enganar terceiros estranhos à contratação ou de fraudar a lei. Como bem ressalta Washington de Barros Monteiro, a simulação: "se caracteriza pelo intencional desacordo entre a vontade interna e a declarada, no sentido de criar, aparentemente, um ato jurídico que, de fato, não existe, ou então oculta, sob determinada aparência, o ato realmente querido" (Curso de Direito Civil, Parte Geral, v. 1, 39ª edição, revista e atualizada por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto, São Paulo: Saraiva, 2.003, p. 248). Neste diapasão, lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: "O negócio jurídico simulado é produto de uma relação jurídica que não tem contudo - inexistente - (simulação absoluta) ou que tem conteúdo diverso do que aparenta (simulação relativa), sempre se constituindo em manifestação de vontades em divergência intencional com as vontades internas. Ele é realizado por acordo de todos os contratantes em emitir declaração de vontade divorciada do que intimamente desejam, com a finalidade de enganar inocuamente (simulação inocente) ou em prejuízo da lei ou de terceiros (simulação fraudulenta ou ilícita). Pode, ainda ser unilateral ou bilateral. (...) A simulação compõe-se de três elementos: a) a intencionalidade da divergência entre a vontade interna e a declarada; b) o intuito de enganar; c) conluio entre os contratantes (acordo simulatório). A intencionalidade da divergência entre a vontade interna e a declarada é a característica fundamental do negócio simulado". (Código Civil Comentado, 4ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 280).
Logo, para que haja simulação é necessária a presença de intencionalidade da divergência entre a vontade interna e a declarada, além do conluio entre os contratantes, frise-se, com o intuito de enganar terceiros ou fraudar a lei. No caso em tela, a divergência entre a vontade interna e a declarada, bem como o intuito de enganar terceiros não restou demonstrada. Isto porque, na escritura pública, que conforme já explanado, é dotada de fé pública, consta que a doação foi feita por vontade consciente da Sra. Sebastiana e que, embora a mesma se encontrasse internada na UTI foi atestada sua sanidade mental, por médico competente, para a realização do referido ato, declaração esta que também consta na escritura lavrada. Nesse sentido é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO JULGADA IMPROCEDENTE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL LAVRADA POR AGENTE DOTADO DE FÉ PÚBLICA (CC, ART. 215, CAPUT) PRESUNÇÃO DE REGULARIDADE DO ATO AUTOR QUE NÃO SE DESINCUMBE DO ÔNUS DA PROVA DOS VÍCIOS DO NEGÓCIO (CPC, ART. 333, I). Apelo desprovido. A escritura lavrada por tabelião, pessoa dotada de fé pública, comprova a regularidade do ato e desfruta de veracidade presumida (CC, art. 215, caput), não se podendo acolher pedido de anulação quando o autor não se desincumbe do ônus da prova dos fatos constitutivos do seu direito (CPC, art. 333, I)." (APELAÇÃO CÍVEL 7ª CC TJ/PR, julg.13/07/2010,
Des. Ivan Bortoleto). Diante desta quadra de considerações, impende ressaltar que os apelantes não se desincumbiram do ônus que lhe cabia, conforme preconiza o artigo 333, inciso I, do CPC, eis que não cuidou em comprovar que a referida doação tratar-se-ia de um ato simulado. Partindo destas premissas, a controvérsia foi sabidamente dirimida pela nobre magistrada singular, devendo ser mantida a solução dada. Diante do exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento, mantendo-se inalterada a sentença pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.
III DECISÃO: Diante do exposto, acordam os Desembargadores da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, mantendo inalterada a sentença pelos seus próprios e jurídicos fundamentos. Participaram da sessão e acompanharam o voto da Relatora os Excelentíssimos Senhores Desembargadores GUILHERME LUIZ GOMES e LUIZ ANTÔNIO BARRY.
Curitiba, 19 de abril de 2011.
Juíza Subst. 2º G. ASTRID MARANHÃO DE CARVALHO RUTHES Relatora
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