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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0748909-6 DA COMARCA DE MARINGÁ 3ª VARA CÍVEL. Apelante: ROBERTO PILATI Apelado: OSMAR REBOLO E OUTRO Relator: DES. NILSON MIZUTA APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. VASECTOMIA. AUSÊNCIA DE CULPA. TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO. RISCOS DE RECANALIZAÇÃO ESPONTÂNEA. NECESSIDADE DE EXAMES. AUSÊNCIA DE PROVA. DEVER DO MÉDICO. DANO MORAL CARACTERIZADO. VALOR RAZOÁVEL. 1. Ainda que reconhecida a ausência de culpa do médico no ato da cirurgia de vasectomia, responde pelo dano moral em decorrência da falta de informações claras e precisas sobre os riscos de recanalização espontânea e dos exames de acompanhamento. 2. O dano moral fixado em atenção ao princípio da razoabilidade não comporta redução. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Cível nº 0748909-6, da Comarca de Maringá, 3ª Vara Cível, em que são: apelante ROBERTO PILATI e apelado OSMAR REBOLO E OUTRO. RELATÓRIO Osmar Rebolo e Maria Solange da Silva ajuizaram a ação de indenização por danos materiais e morais contra Roberto Pilati, alegando que os autores são casados e optaram por não ter filhos, já que Maria é portadora de epilepsia desde os cinco anos de idade, e os médicos, nesse caso, desaconselham a gestação. Por esse motivo, em setembro de 1998, o autor foi submetido à cirurgia de vasectomia, por se tratar de um método contraceptivo de eficácia comprovada. Sustentam que o réu garantiu ao autor que o método era 100% seguro, mas depois de seis anos da cirurgia a esposa do autor engravidou. Destacam que o exame de espermograma comprovou a fertilidade do autor. Buscam a condenação do réu: a) ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 30.000,00; b) pagamento de pensão mensal de três salários mínimos, devida até os 21 anos de idade do filho; c) ao pagamento de danos morais, no valor de R$ 30.000,00, valores acrescidos das custas e honorários. Em contestação o réu arguiu, em prejudicial de mérito, a ocorrência da prescrição. Defendeu que a obrigação assumida pelo réu é de meio e não de resultado. Informou a possibilidade de recanalização espontânea dos canais deferentes. Sustentou que à época do procedimento o autor foi informado sobre a inexistência de método
anticonceptivo 100% eficaz. Destacou a ausência de nexo causal que justifique a condenação do réu ao pagamento de danos materiais e morais. Impugnou os valores da indenização indicados na inicial. Em saneador o MM Juiz indeferiu a prejudicial de mérito (fls. 77/79). A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o réu ao pagamento de indenização por dano moral, decorrente da ausência de informação sobre os riscos da cirurgia, fixada em R$ 15.000,00. Condenou as partes ao pagamento recíproco das despesas processuais, 50% para cada uma, assim também os honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor da condenação, divididos na mesma proporção. Inconformado o réu apela para buscar a reforma da r. sentença, alegando a ausência de ato ilícito, já que a recanalisação é intercorrência possível no procedimento de vasectomia. Sustenta a nulidade da sentença em razão da ausência de julgamento do agravo de instrumento, interposto contra a decisão que indeferiu a prova pericial. Alega a ausência de imposição legal referente ao dever de informação como fundamento para a condenação por dano moral. Alternativamente, pugna pela redução do valor da indenização. O apelado apresentou as contrarrazões. VOTO
Inicialmente, não merece guarida a alegação de nulidade da sentença em razão da ausência de julgamento do agravo de instrumento, interposto contra a decisão que indeferiu a prova pericial. O recurso de agravo de instrumento nº 0624312-9 foi julgado prejudicado, em 5 de março de 2010, pelo relator Juiz Vitor Roberto Silva, que em sua fundamentação registrou: "somente depois de substancialmente resolvida a lide e devolvida a matéria ao Tribunal, é que esse órgão julgador, entendendo caracterizado o cerceamento de defesa, poderá determinar a realização de determinada prova. Por outro lado, apenas em caso de procedência do pedido sem a realização de prova pericial é que o presente recurso teria utilidade, daí porque, a rigor, era caso de sua conversão em agravo retido, com o fito de ser reiterado em futura apelação. Todavia, isso não é mais possível porque, em consulta ao sistema "ASSEJEPAR", verifica-se que em novembro do ano passado foi prolatada sentença no feito, acolhendo-se parcialmente o pedido dos agravados. Logo, o presente recurso está prejudicado, na exata medida em que visava a realização da prova pericial antes da sentença". No julgamento do agravo de instrumento o Relator ressalvou que a utilidade do recurso somente teria utilidade com a procedência do pedido de indenização, no que se refere ao reconhecimento da conduta ilícita do médico no procedimento de vasectomia realizado no autor. Observe-se, contudo, que a r. sentença reconheceu a ausência de ilicitude na cirurgia de vasectomia realizada pelo apelante. A respeito registrou a r. sentença: "a cirurgia de vasectomia é obrigação de meio não gerando indenização eventual gravidez indesejada por não se tratar de método absoluto, já que
estatisticamente há uma possibilidade considerável de falha. Em síntese, a recanalização espontânea de um ou ambos os lados da vasectomia é muito rara, mas possível. É uma tentativa da natureza de refazer o caminho da fertilidade para a perpetuação da espécie. (...) o requerido não falhou ao realizar o ato cirúrgico, tanto é verdade que o exame de fls. 13 revela que após a cirurgia o requerente não apresentava mais espermatozóide quando da realização do exame. Somente em 2005, exame de fls. 14, foi constatada a existência de 2 milhões de espermatozóides, ou seja, segundo o depoimento tomado em audiência, ainda um número muito baixo apesar de poder gerar a gravidez" (Juiz de Direito Dr. William Artur Pussi - fls. 161/162). Adiante o MM Juiz concluiu: "Em síntese, o médico não errou no procedimento cirúrgico" (fl. 164). Desse modo, a responsabilidade do cirurgião em relação ao procedimento de vasectomia realizada em Osmar Rebolo foi afastada. Nota-se, portanto, que a ausência da realização de prova pericial não causou prejuízos ao réu apelante. A prova pericial somente teria utilidade ao recorrente para comprovar que atuou com perícia na cirurgia, e que a ocorrência de recanalização espontânea é possível, independentemente do sucesso da intervenção realizada. Esta questão, reitere-se, já foi analisada pelo MM Juiz a quo, que reconheceu a ausência de culpa do réu no evento, por se tratar de uma obrigação de meios. Os autores não interpuseram recurso contra a r. sentença, portanto, a matéria fez coisa julgada material. O MM Juiz, entretanto, reconheceu a responsabilidade do réu pela falta do dever de informação, mas esta matéria não era objeto da prova pericial, e pode ser avaliada por documentos apresentados ou não pelas partes.
Não se reconhece, portanto, a nulidade da sentença na hipótese contemplada, quando tal pronunciamento contribuiria somente para retardar a prestação jurisdicional, contrariando os princípios da celeridade e da economia processual. O art. 249 do Código de Processo Civil dispõe nesse sentido: "Art. 249 - O juiz, ao pronunciar a nulidade, declarará que atos são atingidos, ordenando as providências necessárias, a fim de que sejam repetidos, ou retificados. § 1º - O ato não se repetirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte. § 2º - Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta". Registre-se, ainda, que o juiz singular é o destinatário das provas produzidas durante a instrução processual. À luz do disposto nos artigos 130 e 131, ambos do Código de Processo Civil, o julgador tem liberdade para determinar a produção das provas necessárias à instrução do processo, indeferindo aquelas meramente protelatórias. Tem, ainda, a liberdade para apreciar as provas, devendo indicar os motivos de seu convencimento para a prolação da decisão. A observação ao princípio da ampla defesa não obriga o juiz do processo a acatar todo e qualquer requerimento da parte, principalmente aqueles repetitivos, com nítido caráter de postergar no
tempo a entrega da prestação jurisdicional. O princípio da ampla defesa e do contraditório, como não poderia deixar de ser, encontra limite na observância do princípio da instrumentalidade do processo, que obriga o juiz a conduzir o processo de modo a assegurar a efetividade do direito material. No mérito apela para buscar a reforma da r. sentença, que julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o réu ao pagamento de indenização por dano moral, decorrente da ausência de informação sobre os riscos da cirurgia, fixada em R$ 15.000,00. Alega a ausência de imposição legal do dever de informação como fundamento para a condenação por dano moral. Nesse aspecto não merece guarida o recurso. Na inicial os autores relatam que "o requerido informou ao requerente que o procedimento era 100% seguro, não tendo risco de reversão" (fl. 3). O réu, por sua vez, defende que "todas as orientações e esclarecimentos foram dados à época da cirurgia. O paciente autor fora informado de que não existe método 100% seguro (...) informou ao autor, verbalmente, em linguagem clara, que o procedimento de vasectomia é uma cirurgia e apresenta riscos como qualquer outra, além de possibilidade de ocorrências não desejadas e uma pequena possibilidade de, mesmo sendo a cirurgia realizada com sucesso, ocorrer a recanalização espontânea (...) Foi informado ao paciente/Autor sobre a necessidade de realização de espermograma de controle para liberação de anticoncepção, a qual foi solicitada em consulta do dia 21/10/98)" (fls. 33/34).
O exame da prova testemunhal não comprova que o apelante informou devidamente o paciente sobre os riscos da recanalização espontânea ou sobre a necessidade de proceder à realização de exames complementares. O médico também não apresentou nos autos o termo de consentimento informado, em cumprimento ao art. 10, § 1º da Lei nº 9.263/96, de 12 de janeiro de 1996, que regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências, verbis: "§ 1º É condição para que se realize a esterilização o registro de expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação a respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua reversão e opções de contracepção reversíveis existentes". O médico, portanto, tem o dever legal de solicitar ao paciente uma declaração formal de consentimento, devendo constar todos os riscos inerentes ao procedimento a ser realizado. Caberia ao médico, assim, a prova do consentimento expresso do autor, com a discriminação dos riscos da intervenção, além da necessidade da realização de exames futuros, e que não logrou êxito em demonstrar. Como afirma SÉRGIO CAVALIERI FILHO: "só o consentimento informado pode afastar a responsabilidade médica pelos riscos inerentes à sua atividade. O ônus da prova quanto ao cumprimento do dever de informar caberá sempre ao médico ou hospital". (Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 378).
Para MIGUEL KFOURI NETO: "O ônus de provar a obtenção do consentimento informado cabe ao médico. Tal prova, preferentemente, deve ser escrita, revestir forma documental" (Responsabilidade Civil do Médico, 6ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 42). JOÃO VAZ RODRIGUES, citado por MIGUEL KFOURI NETO, ensina: "O consentimento informado representa mais do que uma mera faculdade de escolha do médico, de dissenso (ou recusa) sobre uma terapia, ou mero requisito para afastar o espectro da negligência médica. A obtenção do consentimento representará o corolário do "processo dialógico e de recíprocas informações" entre médico e paciente a fim de que o tratamento possa ter início" (in Responsabilidade Civil do Médico, 6ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 39). Neste caso, apesar de a intervenção ter ocorrido de modo satisfatório, não apresentar um quadro de erro médico, faltou o médico com o dever de consentimento informado. A respeito ensina MIGUEL KFOURI NETO: "(...) quando a intervenção médica é correta e não se informou adequadamente a questão se torna crucial. Poderá haver responsabilização pela falta ou deficiência no cumprimento do dever de informar, ainda, que não se possa provar claramente ter havido culpa no descumprimento da obrigação principal" (op. cit. p. 41). O Superior Tribunal de Justiça, sobre a responsabilidade do médico em firmar o termo de consentimento informado, decidiu:
"(...) 4. Age com cautela e conforme os ditames da boa- fé objetiva o médico que colhe a assinatura do paciente em "termo de consentimento informado", de maneira a alertá-lo acerca de eventuais problemas que possam surgir durante o pós-operatório" (STJ - REsp 1180815 / MG Terceira Turma - Ministra NANCY ANDRIGHI - DJe 26/08/2010). Para o Tribunal de Justiça do Paraná: "(...) O médico, por outro lado, tem o dever de informar sobre o tratamento a que o paciente está sendo submetido, a ele ou a seus familiares, sob pena de responsabilidade. É indenizável o dano moral decorrente da ausência desta informação (...)" (TJPR - 10ª C.Cível - AC 0243144-5 - Dois Vizinhos - Rel.: Des. Francisco Luiz Macedo Junior - Por maioria - J. 20.07.2006). Portanto, ainda que reconhecida a ausência de culpa do médico na cirurgia de vasectomia realizada, responde pelo dano moral em decorrência da falta de informações claras e precisas sobre os riscos de recanalização espontânea e dos exames de acompanhamento, tendo em vista que o apelante não demonstrou ter obtido do paciente o consentimento informado. Também não merece guarida o apelo para reduzir o valor da indenização por dano moral. O valor devido a título de dano moral tem caráter subjetivo. A sua fixação fica sujeita ao arbítrio do julgador, que deverá avaliar e sopesar a necessidade de quem os postula, e a possibilidade de quem os pagará, não devendo ser exagerada, de forma a proporcionar enriquecimento ilícito.
Analisa-se a repercussão que o fato gerou, a situação econômica das partes e os prejuízos suportados. Não há critério científico a ser seguido para fixação do valor da indenização por danos morais, apenas deverá ser arbitrado um valor que repare o autor pelo dano causado, para que a conversão da ofensa moral ocorra em compensação pecuniária e desestímulo. CLAYTON REIS leciona que "o significado consistente na compensação do lesionado deve ser considerado em seus aspectos material e espiritual. A indenização terá, dessa forma, um sentido de satisfação pelo princípio da equivalência relativa, capaz de punir o lesionador, exercer um poder de dissuadi-lo ao cometimento de novos atos ofensivos e, sobretudo compensar a dor da vítima" (in: Os Novos Rumos da Indenização do Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 124). Para SILVIO DE SALVO VENOSA, o valor da indenização a título de dano moral deve seguir três critérios, verbis: "De qualquer modo, em sede de indenização por danos imateriais há que se apreciar sempre a conjugação dos três fatores ora mencionados: compensação, dissuasão e punição. Dependendo do caso concreto, ora prepondera um, ora outro, mas os três devem ser levados em consideração." (Direito Civil - Responsabilidade Civil, Atlas, 4ª edição, São Paulo, 2004, p. 259). Depois da análise dessas questões, mantenho o valor do dano moral arbitrado pela r. sentença em R$ 15.000,00, quantia suficiente a reparar o dano moral sofrido, em atenção ao princípio da
razoabilidade. Este valor atinge a finalidade dúplice da indenização a título de danos morais, pois repara e compensa o autor pelo dano causado, atuando como reprimenda a fim de inibir condutas semelhantes. Observe-se, porém, que a r. sentença deixou de fixar o termo inicial da correção monetária e juros de mora. Por esse motivo, para suprir a imissão, fixo a correção monetária a partir da sentença. A questão foi recentemente pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça, com a edição da Súmula nº 362, verbis: "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento." Quanto ao termo inicial dos juros de mora aplicável à indenização por dano moral, devem incidir desde a data da decisão que fixou o valor da indenização, critério mais adequado já que aplicados sobre o valor devidamente atualizado. Do exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação interposta por ROBERTO PILATI, fixando de ofício o termo inicial dos juros de mora e correção monetária a partir da data da sentença, conforme fundamentação acima consignada. ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos em negar provimento à apelação interposta por ROBERTO PILATI, nos termos do voto do Des. Relator.
A sessão foi presidida pelo Desembargador NILSON MIZUTA, com voto, e participaram do julgamento o Senhor Desembargador HÉLIO HENRIQUE LOPES FERNANDES LIMA e o Senhor Juiz Convocado ALBINO JACOMEL GUERIOS. Curitiba, 16 de junho de 2011. NILSON MIZUTA Relator
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