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APELAÇÃO CÍVEL Nº 748.931-8, DE MARINGÁ 3ª VARA CÍVEL APELANTE: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ APELADOS: LIANA RIBEIRO ZANZARINI E OUTROS RELATOR: Juiz ESPEDITO REIS DO AMARAL ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS MORFOFISIOLÓGICAS (DCM) ADICIONAL DE PERICULOSIDADE USO DE SUBSTÂNCIA EXPLOSIVA (ÁCIDO PÍCRICO) ADVENTO DA PORTARIA Nº 414/2003-GRE SUPRESSÃO DO ADICIONAL PROVA PERICIAL REQUERIMENTO DE AMBAS AS PARTES PROVA EMPRESTADA DETERMINADA, DE OFÍCIO, PELO JUIZ JUNTADA DE LAUDO PERICIAL PRODUZIDO EM OUTROS AUTOS AÇÃO ORIGINÁRIA QUE TRATAVA DE QUESTÃO SEMELHANTE JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE PROLAÇÃO DE SENTENÇA SEM A OUVIDA DAS PARTES SOBRE A PERÍCIA ENTRANHADA POR INICIATIVA DO MAGISTRADO DOCUMENTO RELEVANTE PARA O DESLINDE DO FEITO VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA (CF, ART. 5º, INCISO LV) NULIDADE DO PROCESSO E, VIA DE CONSEQUÊNCIA, DA SENTENÇA ANÁLISE DA MATÉRIA RECURSAL PREJUDICADA. 1. Violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV), quer pela juntada de prova pericial produzida em outros autos (prova emprestada), nos quais não houve a participação dos autores, quer por que houve a prolação de sentença imediatamente após a juntada do laudo pericial, sem que as partes sobre ele se manifestassem. 2. "`O autor da ação deve ser intimado de documentos novos juntados aos autos pelo réu, e vice-versa, sempre que influenciarem no julgamento da causa; ambos devem ser cientificados dos que forem neles entranhados por iniciativa do juiz' (STJ-RT 729/148). Também no sentido de que as partes devem tomar conhecimento dos documentos juntados por determinação judicial: RF 291/306, 300/227, RJTAMG 26/303)." Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 748.931-8, de Maringá 3ª Vara Cível, em que é apelante UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ e são apelados LIANA RIBEIRO ZANZARINI E OUTROS.
1 EXPOSIÇÃO FÁTICA:
LIANA RIBEIRO ZANZARINI, MARIA VILMA MORAIS DE SARRO, MARCELO VLADEMIR PILOTO, DIVALMIRA PAIVA MARTINS e CLEONIRA SARRO ajuizaram ação declaratória/condenatória em face de UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ (autos sob nº 0005484-51.2005.8.16.0017).
Na petição inicial, afirmaram que:
I. São servidores públicos estaduais compondo o quadro de funcionários da Universidade Estadual de Maringá (UEM), lotados no Departamento de Ciências Biológicas, exercendo funções de técnico de laboratório, técnico de
anatomia/necropsia e zeladora, onde são desenvolvidas várias experiências e atividades que dependem do uso de diversos produtos explosivos (entre eles, ácido pícrico) e que geram direito à percepção de adicional de periculosidade; II. Receberam adicional de periculosidade até maio de 2003, quando foi suprimido pela Portaria nº 414/2003-GRE (Gerência Regional de Ensino), mas que continuam executando atividades que geram direito ao recebimento do adicional referido; III. Pleiteiam a procedência do pedido para o fim de declarar o direito ao recebimento do adicional de periculosidade, desde a data em que sofreram a supressão, e condenar a ré ao pagamento do adicional respectivo no montante de 30% (trinta por cento) dos vencimentos, além dos valores atrasados, com juros legais e correção monetária, desde a data da supressão até a data do julgamento em definitivo; IV. Requereram, ao final, a concessão dos benefícios da gratuidade processual e a condenação da ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.
A UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ (UEM) apresentou contestação, sustentando, basicamente, que a pretensão dos autores não merece amparo, uma vez que, conforme laudos juntados aos autos, inexistem as condições mínimas que caracterizem a periculosidade nas atividades por eles exercidas.
Os autores impugnaram a contestação (fls. 189/199).
Sobreveio sentença, em que foi julgado procedente o pedido, para declarar o direito dos autores ao adicional de periculosidade de 30% (trinta por cento) sobre os vencimentos, desde a data em que foi suprimido. Ainda, condenou a ré ao pagamento dos valores atrasados, acrescidos de juros legais e devidamente corrigidos, desde a data em que foram retirados dos vencimentos. Diante da sucumbência, condenou a ré ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação (fls. 288/294).
Irresignada, a UNIVERSIDADE ESTADUAL DE
MARINGÁ interpôs recurso de apelação (fls. 300/318), em que sustenta:
V. A análise acerca da prova emprestada, consistente no Laudo Técnico de Perícia Médica Judicial (fls. 275/287) emitido pelo perito nomeado, em confronto com a legislação específica, conduz a resultado diverso da decisão; VI. O laudo pericial admitido como prova emprestada não recomenda o deslinde do feito na forma encontrada, já que os locais em que os materiais analisados estão depositados são diversos e distantes, estando o material objeto desta ação depositado no Bloco H-79, enquanto que o constante do laudo pericial se encontrava depositado no Bloco K-80; VII. Somente a realização de nova perícia poderia demonstrar precisamente as condições do local e do produto utilizado, intimando-se as partes para falarem sobre o resultado, em atendimento ao princípio do contraditório; VIII. Não houve detida análise da prova pericial; IX. No feito em que foi produzida a prova pericial emprestada foi julgado improcedente o pedido dos autores (autos nº 1005/2005); X. Caso a apelante tivesse a oportunidade de se manifestar em relação ao aludido laudo pericial, poderia esclarecer a quantidade de materiais na diversidade de locais em que cada qual se encontra, apresentando outras particularidades do caso; XI. O direito à percepção da gratificação de insalubridade ou periculosidade, em nível de serviço público estadual, foi regulamentado pela Lei Estadual nº 10.692, de 27/12/1993 (fls. 137/140 dos autos), que acrescentou o inc. XI, ao art. 172, da Lei nº 6.174/70, que é o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado do Paraná); XII. Por força das disposições do art. 6º, da citada lei, somente os parâmetros estabelecidos nas Normas Regulamentadoras nºs 15 e 16, aprovadas pela Lei nº 6.514/77, foram adotados para aplicação no quadro da Administração Pública Estadual; XIII. Tendo em vista a alteração da NR nº 16, pelo art. 1º, da Portaria nº 545/2000-MTb, estabeleceu-se nova ordem para justificar o pagamento de adicionais e gratificações de periculosidade, de forma que as atividades de manuseio, transporte e armazenagem de líquidos inflamáveis não mais se caracterizam como perigosas; XIV. O dirigente da Universidade não poderia se furtar à aplicação dos dispositivos legais mencionados, em obediência ao princípio da legalidade; XV. A gratificação de periculosidade tem natureza transitória por se tratar de vantagem cujo objetivo é a compensação do risco a que se encontra exposto o servidor; XVI. O vínculo dos servidores com a apelante é regido pelo Estatuto dos
Funcionários Públicos Civis do Estado do Paraná; XVII. A supressão do pagamento do adicional de periculosidade pela Portaria nº 414/2003-GRE foi alvo de várias demandas por servidores da universidade, tendo sido demonstrada a sua legalidade, bem como a ausência do direito dos apelados à continuidade do recebimento do adicional de periculosidade; XVIII. Assim como no caso de outras ações ajuizadas, com o mesmo objeto, deve o pedido deduzido na presente ser julgado improcedente, com a inversão da sucumbência; XIX. Ainda, prequestionou todas as disposições legais mencionadas no apelo para fins de eventual interposição de recursos aos tribunais superiores.
Os autores apresentaram contrarrazões (fls. 324/336).
A ilustre representante da Procuradoria Geral de Justiça apontou a inexistência de interesse público e, assim, deixou de se manifestar acerca do mérito recursal (fls. 348/349).
É o relatório.
2 FUNDAMENTAÇÃO E VOTO:
Presentes os pressupostos recursais extrínsecos e intrínsecos, conhece-se do recurso.
Ao argumento de que foi suprimido, indevidamente, de seus vencimentos, o adicional de periculosidade, no patamar de 30% (trinta por cento), pela Portaria nº 414/2003-GRE, os autores propuseram Ação Ordinária Declaratória/Condenatória em face da UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ (UEM), e os pedidos foram julgados procedentes.
Todavia, a UEM insiste na improcedência dos pedidos deduzidos pelos autores, aduzindo que, da acurada análise acerca da prova emprestada, consistente no Laudo Técnico de Perícia Médica Judicial (fls. 275/287), emitido pelo perito nomeado, em confronto com a
legislação específica, o resultado seria diverso da decisão ora apelada.
A apelante pugna, primeiramente, pela realização de nova perícia.
Conforme se extrai da análise dos autos, o MM. Juiz, com a decisão de saneamento (fls. 212/213), entendeu não se tratar de hipótese de julgamento antecipado e, portanto, deferiu a produção de prova pericial.
Nomeado o perito, e feita a proposta de honorários em 10 (dez) salários mínimos (fl. 257), depois de reduzida para 07 (sete) salários mínimos (fl. 269), as partes se manifestaram favoravelmente ao valor proposto (fls. 272 e 273).
O magistrado, contudo, entendeu ser desnecessária a realização de prova pericial, ad litteram (fl. 274):
"I Analisando-se o feito entendo que é desnecessária a realização de prova pericial visto que tramita por esta Vara outros processos, envolvendo a requerida, em que a prova pericial já foi realizada sendo que os processos já foram, inclusive, sentenciados. Assim, de ofício, como prova emprestada, determino que sejam juntados nestes autos perícia realizada nos autos mencionados. II Após, com urgência, em face da Meta 02, voltem-me os autos conclusos para sentença."
Com a juntada da prova emprestada (laudo pericial produzido nos autos nº 1005/2005 fls. 275/287), os autos foram imediatamente conclusos para sentença, sem que as partes se manifestassem sobre aquela prova, principalmente os autores/apelantes, já que a perícia foi realizada em outros autos, nos quais a Universidade apelante era ré, mas outra era a parte autora.
Vale dizer que, além de os autores não terem participado da produção da prova pericial nos autos nº 1005/2005, já que
nele não figuravam como parte, não foram intimados para manifestação sobre o respectivo laudo pericial.
Houve, portanto, nítida violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV), quer pela juntada de prova pericial produzida em outros autos (prova emprestada), nos quais não houve a participação dos autores, quer por que houve a prolação de sentença imediatamente após a juntada do laudo pericial, sem que as partes sobre ele se manifestassem.
Indubitavelmente, outras ações foram ajuizadas tendo em vista a supressão do adicional de periculosidade em face da Universidade Estadual de Maringá (UEM), concluindo-se que o juiz se valeu do laudo pericial em uma delas produzido, entendendo ser desnecessária a realização de prova pericial nos presentes autos.
Entretanto, isso não conduz ao entendimento de que possa ser admitida prova emprestada sem a anuência das partes (já que, no caso, a iniciativa partiu do juiz), sob pena de ferir-se o princípio do contraditório, até por que o artigo 332 do Código de Processo Civil traz em seu bojo o seguinte preceito:
"Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa."
Logo, é preciso reconhecer como meio legal e moralmente legítimo aquele de que se faz uso (laudo pericial), desde que haja a anuência das partes.
É sabido que doutrina e jurisprudência convergem
no sentido de que é válida a prova emprestada1:
"[...] quando 'colhida em regular contraditório, com a participação da parte contra quem deve operar' (JTA 111/360) ou entre as mesmas partes e a propósito de tema sobre o qual houve contraditoriedade (RT 614/69, bem fundamentado, 719/166, JTA 106/207, RJTAMG 29/224)."
Entretanto, apesar de a prova emprestada ter sido produzida em autos em que figurava a ora apelante (UEM) como ré, ou seja, "com a participação da parte contra quem deve operar", nem ela, nem os autores foram intimados para se manifestarem sobre o laudo, sob pena de nulidade processual, por força do art. 398, do CPC, segundo o qual:
"Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de cinco (5) dias."
E tal regra deveria ter sido cumprida, principalmente pelo fato de a prova pericial juntada ter sido essencial para o juiz proferir a sentença, nos termos em que foi lançada. Não se tratou de documento irrelevante ou sem influência no julgamento da lide.
Frise-se, ademais, que a norma acima transcrita também é de incidência inafastável quando documentos são acostados aos autos por iniciativa do juiz.
Nesse sentido:
"`O autor da ação deve ser intimado de documentos novos juntados aos autos pelo réu, e vice-versa, sempre que influenciarem no julgamento da causa; ambos devem ser cientificados dos que forem neles entranhados por iniciativa do juiz' (STJ-RT 729/148). Também no sentido de que as partes devem tomar conhecimento dos documentos juntados por determinação judicial: RF 291/306, 300/227, RJTAMG 26/303)." 2
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO
1 NEGRÃO, Theotônio; GOUVÊA, José Roberto F. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 474, art. 332, nota 3. 2 NEGRÃO, Theotônio; GOUVÊA, José Roberto F., op. cit, art. 398, nota 2.
CUMULADA COM ALIMENTOS. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. JUNTADA DE DOCUMENTO NOVO. MANIFESTAÇÃO DAS PARTES. AUSÊNCIA. ACOLHIMENTO. LAUDO PERICIAL IMPRECISO. CASSAÇÃO DA SENTENÇA.1. É pacífico o entendimento pretoriano no sentido de que a desatenção à regra do art. 398, do CPC, leva à decretação da nulidade processual, quando os documentos juntados são relevantes e influenciam no deslinde da controvérsia, inclusive, quando solicitados por iniciativa do Magistrado. 2. Em casos tais como o dos autos, deve o Julgador se valer de todos os meios de prova em direito permitidos, com a finalidade de firmar seu livre convencimento.3. Acolher a preliminar e dar provimento ao recurso, cassando-se a sentença." 3
Apenas a título de ilustração, e caso ultrapassada tal questão, o laudo pericial se revela inidôneo a embasar a sentença proferida, tendo em vista ser impreciso e não elucidar as questões postas nestes autos.
Compulsado os autos do processo, infere-se, pela simples leitura do laudo emprestado que, apesar da discussão também versar sobre a supressão do adicional de periculosidade e sobre o manejo de produtos inflamáveis e explosivos (ácido pícrico), nem o local vistoriado é o mesmo desta ação, pois, pelo que se vê da inicial (fl. 03), os autores exercem suas funções "junto ao Laboratório de Anatomia Humana, divisão esta afeta ao aludido Departamento de Ciências Morfofisiológicas (CDM), Bloco H79, Sala 23" (destacou-se), enquanto que a perícia dos autos nº 1005/2005, foi realizada no "Departamento de Farmácia e Farmacologia, no seu laboratório de farmacognosia, no Bloco K80" (destacou-se - fl. 276).
A propósito, bem argumentou a apelante, à fl. 303:
"Os locais espaços físicos em que os materiais analisados estão depositados são diversos e distantes, estando o material analisado e objeto da presente ação, depositado no Bloco H-79, tendo sido distribuído posteriormente para outros locais (Centro de Ciências Biológicas da UEM CCB, alocado no Departamento de Ciências Morfofisiológicas DCM), lotação dos Apelados, conforme se infere na exposição fática da sua Inicial.
3 TJMG, 4ªCC, AC 1.0042.02.001937-0/002, Des. Célio César Paduani, 06.12.2005.
Já o material analisado pelo Laudo da prova emprestada, se encontrava depositado no Bloco K-80, qual seja, no Departamento de Farmácia e Farmacologia, no seu laboratório de Farmacognosia".
Em suma, clara a violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, garantidos constitucionalmente (CF, art. 5º, inciso LV), daí porque se impõe a declaração, de ofício, da nulidade do processo, a partir da juntada da prova emprestada (laudo pericial), o que conduz, por consequência, à nulidade da sentença recorrida, a fim de que seja dada vista às partes do documento de fls. 275/287, julgando prejudicado o recurso de apelação.
3 DECISÃO:
ACORDAM os integrantes da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em DECLARAR A NULIDADE DO PROCESSO A PARTIR DA JUNTADA DO LAUDO PERICIAL DE FLS. 275/287, devendo as partes ser intimadas para, no prazo legal, manifestarem-se sobre a prova, JULGANDO PREJUDICADO O RECURSO DE APELAÇÃO.
Participaram do julgamento os Desembargadores DIMAS ORTÊNCIO DE MELO (Presidente e Revisor) e PAULO HABITH.
Curitiba, 14 de junho de 2011.
Juiz ESPEDITO REIS DO AMARAL Relator
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