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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 738260-1, DE FORMOSA DO OESTE - VARA ÚNICA APELANTE 01 : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ APELANTE 02 : MÁRCIA APARECIDA TOTI DE PAULA NAIR GERÔNIMO SAKIYAMA APELANTE 03 : SHIGUEMI KIARA APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RELATOR : DES. LUÍS CARLOS XAVIER AÇÃO CIVIL PÚBLICA ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DOAÇÃO DE IMÓVEL SEM OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS IMPOSSIBILIDADE ATO DE IMPROBIDADE DO EX- PREFEITO CONFIGURADO DONATÁRIAS QUE NÃO PRATICAM IMPROBIDADE, EIS QUE PARTICIPARAM DE LICITAÇÃO QUE ENTENDIAM REGULAR, RECEBENDO O TERRENO EM DOAÇÃO - REVERSÃO DA DOAÇÃO QUE SE MOSTRA INVIÁVEL TENDO EM VISTA AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO EX- PREFEITO QUE DEVE RESSARCIR O MUNICÍPIO PELO PREJUÍZO CAUSADO, EFETUANDO PAGAMENTO DO VALOR DO IMÓVEL OBJETO DA DOAÇÃO PENALIDADES DE MULTA CIVIL, SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS E PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO APLICADAS EM PATAMAR ADEQUADO PELA SENTENÇA RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO EX-PREFEITO DESPROVIDOS RECURSO DAS DONATÁRIAS PROVIDO EM PARTE. 1. No caso dos autos a doação do imóvel se deu de forma irregular, ocorre que tal irregularidade não justifica a reversão da doação, com os encargos daí advindos (indenização das donatárias pelas benfeitorias realizadas), razão pela qual os vícios apresentados devem ser tolerados, permanecendo íntegros o processo de licitação e a doação, com vistas a evitar eventuais prejuízos financeiros e sociais à comunidade do Município de Formosa do Oeste. A solução mais adequada é se considerar que de fato houve irregularidades na doação, mas tendo em vista a peculiaridade do caso concreto, é de se declarar que esta deve ser mantida tal como feita, pois a reversão da doação causará ainda mais prejuízos ao município, não se podendo precisar as conseqüências prejudiciais à população daquele Município, posto ter sido edificado uma grande construção naquele imóvel. 2. A doação de bens imóveis pela administração constitui ato formal, que exige o preenchimento de certos requisitos para que seja concretizada. E estes requisitos não foram integralmente preenchidos pelo ex-prefeito de Formosa do Oeste, e por tais razões este deve ser responsabilizado por seus atos, que configuram improbidade administrativa. 3. E, como não é o caso de reversão do imóvel, deve o ex- prefeito, arcar com os prejuízos advindo da perda patrimonial do município, consubstanciado no pagamento ao Município de Formosa do Oeste do valor do imóvel objeto da doação. 4. Não é o caso de se majorar o valor da multa civil, nem do período de suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o poder público, conforme pretende o Ministério Público, pois as penalidades aplicadas no caso concreto são suficientes para reparação do dano causado. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 738260-1, de Formosa do Oeste - Vara Única, em que é apelante 01 Ministério Público do Estado do Paraná, apelante 02 Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama, apelante 03 Shiguemi Kiara e apelado Ministério Público do Estado do Paraná.
O Ministério Público do Estado do Paraná ajuizou ação civil publica e para declaração de nulidade de contrato administrativo em face de Shiguemi Kiara, Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama, alegando que o requerido Shiguemi KIara, na qualidade de Prefeito do Município de Formosa do Oeste, desviou bem público municipal, mediante escritura pública de doação, doou as requeridas Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama, o imóvel público localizado na quadra 79 da planta loteamento do Município de Formosa do Oleste, gleba Rio Verde-2, com área de 702,62m2.
A doação foi precedida de autorização legislativa e procedimento licitatório na modalidade concorrência pública, porém, tudo se fez para atender a interesses privados das beneficiárias da doação, pois no local foi construído um posto de venda de combustíveis, não tendo havido avaliação do bem, e o edital foi publicado com apenas 17 dias de antecedência.
Aduz que houve violação do artigo 10, caput e inciso III e artigo 11 da Lei 8.429/92, artigo 17 da Lei 8.666/93 e artigo 37 da Constituição Federal.
Sustenta a nulidade do contrato e a reversão do bem ao patrimônio público municipal, conforme decisão do Tribunal de Contas do Estado.
Requer a procedência da ação para: a) declarar nula a licitação e o contrato de doação com retorno do bem ao patrimônio do Município; b) condenar o gestor a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por 8 anos, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de 5 anos e pagamento de multa no valor igual ao dobro do dano; c) condenar as donatária na devolução do bem e pagamento de multa no valor do imóvel, suspensão dos direitos políticos por 5 anos e proibição de contratarem com o Poder Público por 5 anos. Juntou documentos, fls. 31/238.
As requeridas Márcia e Nair ofereceram defesa preliminar conjuntamente (fls. 242/247), aduzindo que não concorreram para o ato de improbidade.
O requerido Shiguemi Kiara ofereceu defesa preliminar (fls. 326/339 e documentos, fls. 340/342) aduzindo ilegitimidade ativa do Ministério Público; ausência do interesse de agir (inadequação do rito) e legalidade do ato.
A decisão de fls. 346/356 foram afastadas as preliminares e admitida ação.
O requerido Shiguemi Kiara ofereceu contestação (fls. 401/416) aduzindo: a) incompetência do juízo; b) inexistência de ato de improbidade administrativa; c) cumprimento de todas as exigências do art. 17 da Lei de Licitações; d) respeito aos princípios do ato administrativo; e)
impossibilidade de revisão, pelo judiciário, do mérito administrativo.
As requeridas Márcia e Nair em sua contestação (fls. 469/473) ratificaram os termos da defesa preliminar, acrescentando que queriam comprar o imóvel da colonizadora SINOP, mas como a sociedade informou que o imóvel seria doado ao Município, procuraram o prefeito com intenção de que fosse regularizado o domínio e, logo em seguida, lhes fosse vendido o imóvel.
O feito teve regular instrução, com a apresentação de Laudo de avaliação do imóvel objeto da ação de doação, fls. 563. Os requeridos discordaram do laudo, fls. 571 e 572/573.
A sentença (fls. 654/685) julgou procedente o pedido inicial, decretando a nulidade do procedimento de licitação por concorrência pública nº 02/99 do Município de Formosa do Oeste e como consequencia a nulidade do contrato de doação dela decorrente, com o cancelamento do registro junto à matrícula nº 14.219, do Ofício de Registro de Imóveis desta Comarca com a reversão do imóvel objeto da discussão ao patrimônio do Município. Condenando o requerido Shiguemi Kiara no pagamento de multa civil no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) atualizado pelo mesmo índice utilizado pela Fazendo Pública Municipal na correção dos créditos tributários de sua competência. Suspensão de seus direitos políticos por 05 (cinco) anos. Proibindo-o de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário pelo prazo de 05 (cinco) anos.
Condenou as requeridas Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama, de forma solidária, no ressarcimento ao erário mediante restituição do bem (reversão da doação), perda da edificação construída em favor do município e pagamento de multa civil no valor de R$ 10.000,00 (dez
mil reais) atualizado pelo mesmo índice utilizado pela Fazendo Pública Municipal na correção dos créditos tributários de sua competência. Suspensão de seus direitos políticos por 05 (cinco) anos. Proibindo-as de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário pelo prazo de 05 (cinco) anos.
Por fim, condenou os requeridos no pagamento das custas processuais. Sem condenação em honorários advocatícios, pois incabíveis em razão de atuação do Ministério Público como autor.
O apelante 01 Ministério Público do Estado do Paraná (fls. 692/743) inconformado com a sentença interpõe recurso de apelação alegando haver necessidade de majoração da sanção pecuniária da multa civil a todos os réus, pois a multa civil foi aplicada em patamar ínfimo, de modo desproporcional e incompatível com o parâmetro necessário e justo exigido no caso concreto, de doação ilegal provocadora de dano ao erário reproduzida e mantida por dez anos para exploração de atividade econômica reconhecida e notoriamente rentável como comércio de combustíveis. Ressaltando que manter o patamar ínfimo fixado é praticamente um convite à impunidade e estímulo para que novas situações de improbidade sejam praticadas e tidas como vantajosas e compensatórias.
Afirma também haver necessidade de majoração do período de suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o poder público dos réus para patamar superior ao mínimo, devido a gravidade da situação ilícita praticada no caso concreto.
Sustenta que deve haver uma redefinição dos parâmetros de ressarcimento dos danos para além da simples reversão e retorno do imóvel
ao acervo patrimonial do poder público.
Conclui argumentando que os dados extraídos do caso concreto autorizam e justificam necessidade de aumento substancial da multa civil, bem como imposição de restrição de direito fundamental da capacidade eleitoral e realização de atos/negócios/contratos com o poder público em patamar muito superior ao proposto, especialmente considerando o período de manutenção da irregularidade, a extensão do dano e, sobretudo, a gravidade e pluralidade de ilicitudes que cercaram a doação ímproba e ilegal do mencionado imóvel.
Requer seja conhecido e provido para o fim de redimensionar as sanções aplicáveis e impostas no caso concreto tal como sustentado e postulado.
As apelantes 02 Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama (fls. 745/771) inconformadas com a sentença interpõe recurso de apelação alegando em preliminar ilegitimidade passiva, pois as apelantes simplesmente participaram de um certame licitatório, promovido pela administração municipal, não tendo como saber se o procedimento estava ou não dentro da legalidade. Ressaltando que não podem ser responsabilizadas por eventuais irregularidades existentes no processo licitatório, ainda mais quando não deram causa às mesmas.
Requer seja acatada esta preliminar, para o fim de reconhecer a ilegitimidade passiva das apelantes, excluindo-as do pólo passivo da demanda, nos termos do art. 267, VI, § 3º do Código de Processo Civil.
Afirma que a sentença é extra e ultra petita, pois na inicial o Ministério Público não requereu a perda da edificação do imóvel, bem como dos objetos que o equipam em favor do Município de Formosa do Oeste, e a sentença
determinou tal perda, restando configurado o julgamento além e fora do pedido. Requer a nulidade da sentença na parte em que proferiu julgamento extra e ultra petita.
Aduz que se pode até admitir que tenham havido algumas falhas na elaboração do procedimento licitatório, mas que não caracterizam um ato de improbidade administrativa. Ressalta que houveram diversas vantagens e benefícios ao município em razão da doação, e caso seja mantida a sentença haverá diversos prejuízos ao erário público, pois o município deixará de arrecadar impostos; os funcionários do posto de gasolina serão demitidos; a população em geral ficará sem uma das opções de compra e terão que conviver novamente com um terreno abandonado e uma construção que certamente se tornará ruínas.
Sustenta que no caso o ato administrativo alcançou seu objetivo. E que no caso seria mais viável mandar que as apelantes pagassem ao erário o valor do terreno legalmente doado, pois assim estaria mais do que reembolsado os cofres públicos.
Aduzem que o próprio magistrado de primeiro grau reconhece expressamente que não houve efetivo dano à coletividade ou ao município. Cita jurisprudência que embasa sua tese.
Sustentam que a manutenção da sentença trará enormes prejuízos. Cita que os depoimentos colhidos em juízo são categóricos em afirmar que a doação em questão foi benéfica ao município e à própria coletividade.
Esclarecem que somente participaram do processo licitatório em questão, em razão do mesmo estar precedido da devida autorização legislativa, supondo tratar-se de um procedimento legal. E que a sentença não deve prevalecer em razão da desproporcionalidade entre a sentença e a lesão que resultou do ato administrativo que se quer anular.
Requerem seja acatada a preliminar de ilegitimidade passiva das apelantes para a presente ação, e na sua ordem seja declarado nulo o julgamento de primeiro grau, ante a verificação de julgamento extra petita e ultra petita conforme apontado. Alternativamente requerem seja reformada a sentença julgando improcedente a presente ação, para o fim de eximir as apelantes de qualquer responsabilidade pelos fatos que lhe foram imputados pelo Ministério Público, bem como considerar legal e perfeita a doação ora em discussão, pois realizada dentro dos ditames legais.
O apelante 03 Shiguemi Kiara (fls. 775/785) inconformado com a sentença interpõe recurso de apelação alegando não ser necessário o procedimento licitatório para a doação de bem imóvel para terceiros, desde que haja interesse público, consoante o disposto no §4º do artigo 17 da Lei nº 8.666/92, e que desta feita nenhuma norma legal foi infringida pelo apelante quando da doação do imóvel, afinal, este atendeu aos ditames legais e primou pelo excesso de zelo em relação ao procedimento, pois não havia necessidade de certame licitatório.
Afirma que as testemunhas foram uníssonas no sentido de que a instalação do Posto de Gasolina trouxe grandes benefícios a toda população, denotando com clareza que a doação atendeu precipuamente ao interesse público. Ressalta ser matéria incontroversa nos autos que o Poder Legislativo Municipal manifestou-se previamente acerca da transferência de domínio ocorrida após o Procedimento Licitatório.
Sustenta que a Lei 8429/92 prevê três modalidades de atos de improbidade administrativa, restando devidamente comprovado que o apelante não incidiu em nenhuma das três hipóteses acima.
Aduz que não causou prejuízo ao erário, haja vista que a
finalidade da doação do imóvel para construção de Unidade Comercial, para o funcionamento de Comércio de Petróleo e Derivados, foi plenamente atendida. Portanto, considerando que a conduta do apelante não resultou em lesão ao erário público, nem configurou seu enriquecimento ilícito, não merece prevalecer a sentença.
Caso assim não se entenda, afirma que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo, e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da administração pública coadjuvados pela má-fé do administrador. E a má-fé não restou comprovada nos autos.
Requer seja conhecido e provido o recurso em todos os seus termos, com a reforma da sentença.
O apelado Ministério Público do Estado do Paraná (792/800) apresentou contrarrazões postulando o desprovimento dos recursos de Márcia Aparecida Toti de Paula, Nair Gerônimo Sakiyama e Shiguemi Kiara
Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama apresentaram contrarrazões (fls. 803/808) alegando que as questões apresentadas pelo Ministério Público em seu recurso não foram em sua grande parte mencionados na petição inicial, e portanto não é possível conhecê-las em grau de recurso, sob pena de supressão de instância e violação ao princípio do contraditório e ampla defesa. Requerem a improcedência do recurso.
Shiguemi Kiara (fls. 810/820) postula seja negado provimento ao apelo do Ministério Público do Estado do Paraná.
A d. Procuradoria Geral de Justiça emitiu parecer (fls. 829/856) pelo: a) conhecimento e parcial provimento do recurso de apelação interposto pelo Ministério Público, para o fim de majorar a multa civil aplicada aos
réus, bem como para aumentar o prazo de suspensão dos direitos políticos do requerido Shiguemi KIara; b) conhecimento e parcial provimento ao recurso de apelação interposto pelas apeladas Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama, para o fim de declarar a nulidade parcial da sentença, para que seja afastada a condenação das recorrentes à perda da edificação construída; e c) o conhecimento e improvimento do recurso de apelação interposto por Shiguemi Kiara.
É o relatório.
VOTO
O presente caso versa sobre a ocorrência ou não de ato de improbidade administrativa, consistente no fato de que Shiguemi Kiara, ocupando a função de Prefeito do Município de Formosa do Oeste, efetuou, após autorização de lei e procedimento licitatório, doação de terreno à Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama.
Em razão de tal conduta, o Ministério Público ajuizou ação civil pública pleiteando a condenação de Shiguemi Kiara, Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama pela prática de ato ímprobo, nas sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa.
Os recursos do Ministério Público e do ex-prefeito Shiguemi Kiara não merece provimento e o recurso das donatárias Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama merece parcial provimento.
Da doação
Da leitura dos autos verifica-se que a Lei Municipal nº 154/99 autorizou o Poder Executivo Municipal de Formosa do Oeste a fazer doação, através de procedimento licitatório, do imóvel urbano constituído pela
quadra nº 79, Gleba Rio Verde-2, com área de 702,62 m² (fls. 54).
Assim, em data de 04.12.1999, foi publicado o edital da Licitação de Concorrência de Bem Imóvel nº 02/99, avisando aos interessados que o procedimento realizar-se-ia no dia 21.12.1999 (fls. 57).
Foi então constituída Comissão de Licitação para elaborar o recebimento e julgamento das propostas (fls. 55), e em 21.12.1999, foi realizado o recebimento, abertura e julgamento das propostas, sendo que a única proposta recebida foi a das Sras. Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama, a qual foi aceita para a efetivação da doação do imóvel (fls. 63). E em 29.01.2000, através do Decreto nº 739/00, foi homologada a licitação em favor de Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama (fls. 61/62).
A Lei 8.666/1993 estabelece em seu artigo 17 a possibilidade de doação de bens imóveis pela administração pública a particular, desde que atendidos certos requisitos:
"Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos: (...)"
Para a efetivação da doação de imóvel público faz-se necessário o preenchimento de quatro requisitos: interesse público devidamente justificado, avaliação prévia, autorização legislativa e licitação na modalidade de concorrência.
E, no caso dos autos a Lei Municipal nº 154/99 (fls. 142) autorizava o Prefeito, através de licitação, a doar o imóvel urbano, Matrícula 14.219, livro 2-AY, ficha 01, prevendo cláusula de reversão ao Município caso o donatário no prazo de 01 (um) ano, após o trâmite de toda documentação, não construísse no mínimo 350,00 m2 (trezentos e cinquenta metros quadrados) de edificação comercial. No entanto, não se observa que tenha havido prévia avaliação, nem tampouco que se tenha justificado que a doação atenderia a interesse público.
Desta feita, constata-se que a doação deste imóvel se deu de forma irregular. Cabe agora decidir-se se esta irregularidade é insanável e justifica a reversão da doação, com os encargos daí advindos (indenização das donatárias pelas benfeitorias realizadas) ou se esta situação é passível de regularização.
Pois bem. O imóvel em questão foi avaliado pelo Avaliador Judicial (fls. 563), em R$ 31.227,00 (trinta e um mil, duzentos e vinte e sete reais), sendo que as requeridos dele discordaram, afirmando que o imóvel sem as benfeitorias não ultrapassa o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), chegando alguns imóveis a ser comercializados pelo valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) (fls. 571); e o requerido (fls. 572/573) também discordou daquele valor, afirmando que o preço de mercado não ultrapassa de R$ 12.000,00 (doze mil reais).
Sobre este imóvel foi edificada construção de 406,00m2 e nele funciona um posto de combustíveis.
Em consulta ao site do SEBRAE (www.sebrae- sc.com.br/ideais/default.asp?vcdtexto=1334&%5E%5E) verificou-se que o investimento para implementação de um posto de combustível urbano não sai por menos de US$ 200 mil e o rodoviário, US$ 500 mil.
Assim, mesmo que se considere que o referido posto localiza-se em cidade pequena do interior do Paraná e que seu valor não é tão elevado, ainda assim, caso se avalie o mesmo, com certeza este terá valor superior aos R$ 31.227,00 (trinta e um mil, duzentos e vinte e sete reais) que foi avaliado o terreno, pois somente a construção de 406,00m2 ali edificada vale mais que o terreno.
Assim, verifica-se que a decretação da nulidade do processo de licitação e, conseqüentemente, a reversão do imóvel à propriedade do município, não se mostra suficientemente razoável no caso concreto, ante os efeitos práticos que suscitaria, principalmente em razão da construção efetuada no referido imóvel.
Desta feita, os vícios apresentados devem ser tolerados, permanecendo íntegros o processo de licitação e a doação, com vistas a evitar eventuais prejuízos financeiros e sociais à comunidade do Município de Formosa do Oeste. Ressalte-se que o terreno objeto da doação, também foi recebido através de doação pelo município, de modo que este somente deixou de agregar um imóvel ao seu patrimônio, mas não necessariamente teve prejuízo com a doação.
Até porque o empreendimento instalado neste imóvel, promoveu empregos na comunidade, bem como gera inúmeros impostos que se revertem para a administração municipal. E sendo o município condenado a indenizar as benfeitorias, estarão sendo feridos os princípios da
proporcionalidade, e da razoabilidade, pois o município estará sendo lesado e terá que arcar com um prejuízo ainda maior do que a simples doação irregular de um terreno.
Outrossim, é de se esclarecer que dentre os quatro requisitos elencados pelo artigo 17, da Lei 8.666/1993, o então Prefeito do município cumpriu os que exigiam maior formalidade, ou seja, foi editada Lei autorizando a doação, com cláusula de reversão e também foi feita a licitação.
Pelo que a solução mais adequada é se considerar que de fato houve irregularidades na doação, mas tendo em vista a peculiaridade do caso concreto, é de se declarar que esta doação deve ser mantida tal como feita, pois, consoante a prova testemunhal acostada aos autos, restou comprovado que o empreendimento instalado no imóvel trouxe inúmeros benefícios ao município, com a geração de novos empregos e geração de impostos que se revertem para a administração municipal (fls. 542/543).
O que é suficiente para justificar a existência de interesse público que justifique a doação, bem como também foi feita avaliação do imóvel, o que também serve para sanar o vício inicial de ausência de avaliação.
Sobre a necessidade de indenizar os ex-donatários pelas benfeitorias realizadas no imóvel objeto de reversão, cito a jurisprudência abaixo:
"REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO E ILEGITIMIDADE ATIVA AFASTADAS - DOAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA DECLARADA NULA - ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONFIGURADA - INDENIZAÇÃO DEVIDA AOS USUÁRIOS DO
IMÓVEL PÚBLICO PELAS BENFEITORIAS E IMPOSTOS PAGOS - SENTENÇA MANTIDA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. (...)." (TJPR, Reexame Necessário nº 640508-5, 4ª Câmara Cível, Rel. Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes, publ. 15.12.2010)
Ante o exposto, no caso dos autos, verifica-se que a reversão da doação causará ainda mais prejuízos ao município, do que causou a doação, pelo que deve ser mantida a doação, não sendo o caso de se decretar a nulidade da licitação, pois esta determinação acarretaria a invalidação da doação, não se podendo precisar as conseqüências prejudiciais à população daquele Município, posto ter sido edificado uma grande construção naquele imóvel.
Da improbidade do Prefeito Shiguemi Kiara
Inobstante se considere não ser o caso de se revogar a doação, ainda assim deve ser mantido o entendimento de que houve a prática de ato de improbidade administrativa por parte do então Prefeito do município de Formosa do Oeste.
De fato. O presente caso versa sobre a ocorrência ou não de ato de improbidade administrativa, consistente no fato de que o Sr. Shiguemi Kiara, ocupando a função de Prefeito do Município de Doutor Camargo, efetuou doação, na qualidade de representante legal do município, sem o devido respeito as formalidades legais.
Em razão de tal conduta, o Ministério Público ajuizou ação civil pública pleiteando a condenação deste pela prática de ato ímprobo, nas sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa.
Assiste razão ao Ministério Público quando este afirma que
o então prefeito Shiguemi Kiara cometeu ato de improbidade administrativa.
Da leitura dos autos, verifica-se que por meio da decisão proferida, foi reconhecida a irregularidade na conduta do Sr. Shiguemi Kiara, com relação à doação efetuada às Sras. Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama.
Restou comprovado nos autos consoante acima esclarecido as irregularidades havidas na doação.
A doação de bens imóveis pela administração constitui ato formal, que exige o preenchimento de certos requisitos para que seja concretizada. E estes requisitos não foram integralmente preenchidos pelo Sr. Shiguemi Kiara, e por tais razões este deve ser responsabilizado por seus atos, que configuram improbidade administrativa.
Assim, resta demonstrada a irregularidade na doação efetivada, bem como caracterizado o ato de improbidade administrativa praticado pelo Sr. Shiguemi Kiara.
Neste sentido é a jurisprudência:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - DOAÇÃO DE IMÓVEIS PERTENCENTES A MUNICÍPIO, EM AFRONTA AOS DITAMES LEGAIS - INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO PÚBLICO - FATO IRRELEVANTE NO QUE TANGE À CARACTERIZAÇÃO DA IMPROBIDADE - RECURSO DESPROVIDO." (TJPR, Apelação Cível nº 542145-4, 4ª Câmara Cível, Rel.ª Des.ª Lélia Samardã Giacomet, publ. 23.11.2009)
Diante do exposto, comprovada a autoria e materialidade da prática de ato de improbidade administrativa, é de ser mantida a sentença apelada, na parte em que condenou o requerido Shiguemi Kiara no pagamento de multa civil no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) atualizado pelo mesmo índice utilizado pela Fazendo Pública Municipal na correção dos créditos tributários de sua competência. Suspensão de seus direitos políticos por 05 (cinco) anos. Proibindo-o de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário pelo prazo de 05 (cinco) anos.
E, como não é o caso de reversão do imóvel, tendo em vista os argumentos expedidos no tópico "da doação", deve o requerido Shiguemi Kiara, arcar com os prejuízos advindo da perda patrimonial do município, consubstanciado no pagamento ao Município de Formosa do Oeste do valor do imóvel objeto da doação. Registre-se que este valor deve ser apurado mediante avaliação do imóvel sem as benfeitorias, a ser realizada por avaliador oficial.
Do ato de improbidade imputado a Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama
Consoante esclarecido, constatou-se, efetivamente, a prática de ato de improbidade administrativa do Sr. Prefeito Shiguemi Kiara.
Cumpre esclarecer que apesar das irregularidades cometidas pelo ex-Prefeito, não se verifica nos autos, tenham as Sras. Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama, participado dos atos irregulares havidos na doação do terreno.
De fato. Estas tomando conhecimento do Edital de licitação para doação do terreno apresentaram sua proposta, foram selecionadas e cumpriram com o que foi acordado, ou seja, edificaram construção de no mínimo
350,00m2 no prazo de um ano, consoante previsto na Lei nº 154/99 (fls. 54) que autorizou a doação.
O encargo da doação foi cumprido pelas Sras. Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama, tendo a obra sido concluída, no prazo estabelecido, consoante se infere dos autos.
E, levando em conta que as Sras. Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama participaram do que elas entenderam ser um procedimento regular de licitação, recebendo o bem em doação, e que edificaram sobre este um posto de combustíveis, é de se considerar que as mesmas não podem incorrer nas penalidades impostas ao então prefeito, tendo em vista que estas não cometeram nenhuma improbidade.
Assim, verifica-se que não restou demonstrado que as Sras. Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama, tenham induzido ou concorrido para prática de ato de improbidade administrativa, ou dele se beneficiado sob qualquer forma direta ou indireta, já que participaram de uma licitação promovida pela Prefeitura de Formosa do Oeste, autorizada por Lei, visando o recebimento de um terreno através de doação, apresentaram sua proposta, foram vencedoras, receberam o imóvel e nele construíram um posto de combustíveis.
E, embora não remanesçam dúvidas quanto à ilegalidade da doação, inexistem nos autos elementos que indiquem a efetiva contribuição das donatárias para a prática dos atos irregulares.
Desta feita, do conjunto probatório acostado aos autos não se comprovou que estas tenham agido em conluio com o então Prefeito do Município, nem que tenham agido de má-fé ao participarem da licitação, razão pela qual tudo leva a crer que a conduta das mesmas não se externa suficiente
para justificar a responsabilização decretada.
Ante o exposto, é de se afastar a condenação das donatárias Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama às penalidades impostas pela sentença, tendo em vista que estas não contribuíram para prática do ato de improbidade realizado pelo então prefeito.
Ressalte-se não ser o caso de se majorar o valor da multa civil, nem do período de suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o poder público, conforme pretende o Ministério Público, pois as penalidades aplicadas no caso concreto são suficientes para reparação do dano causado.
De fato. Quanto às sanções há de se considerar as peculiaridades do caso, a gravidade da conduta, a medida da lesão ao erário e as circunstâncias do fato, levando-se ainda em consideração os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, cabendo ao julgador o dever de dosar a penalidade a ser aplicada, considerando as peculiaridades do caso concreto.
E, no presente caso verifica-se que o quantum estabelecido para cada penalidade aplicada é razoável e proporcional ao fato ocorrido, pois a conduta do então Prefeito de Formosa do Oeste e das donatárias não se mostram tão grave, a ponto de justificar a majoração das sanções. Ressalte-se que tendo em vista a declaração de impossibilidade de reversão da doação, impô-se ainda ao Sr. Shiguemi Kiara, a penalidade de arcar com os prejuízos advindo da perda patrimonial do município, consubstanciado no pagamento ao Município de Formosa do Oeste do valor do imóvel objeto da doação. Registre-se que este valor deve ser apurado mediante avaliação do imóvel sem as benfeitorias, a ser realizada por avaliador oficial.
Nestas condições, nega-se provimento aos apelos do Ministério Público e de Shiguemi Kiara, dando-se parcial provimento ao apelo de
Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama, tudo nos termos da fundamentação.
ANTE O EXPOSTO, acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento aos recursos do Ministério Público e de Shiguemi Kiara, dando-se parcial provimento ao apelo de Márcia Aparecida Toti de Paula e Nair Gerônimo Sakiyama.
O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador Abraham Linclonn Calixto (sem voto), e dele participou a Senhora Juíza Substituta em Segundo Grau Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes e o Senhor Desembargador Guido Döbeli. Curitiba, 28 de junho de 2011.
Des. Luís Carlos Xavier - Relator
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