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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0.812.510-8 (N.U.P.: 0008465-96.2008.16.16.0035) DA 1ª VARA CÍVEL DO FORO REGIONAL DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS DA COMARCA DA RMC Apelante: MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS Apelada: FRANCISCA PEDROZO FARIAS Interessados: ESPÓLIO DE RICIERI MILANI; MÓVEIS RITZMANN S/A; JOÃO CLÁUDIO GARBERS e CIA. PARANAENSE DE ENERGIA ELÉTRICA COPEL Relator1: Juiz Subst. 2º G. FRANCISCO JORGE DIREITO CIVIL, AMBIENTAL E AGRÁRIO. APELAÇÃO. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. IRREGULARIDADE DA PLANTA DO IMÓVEL. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. SUPERAÇÃO DA QUESTÃO. EXAME DO MÉRITO. EFEITO DEVOLUTIVO EM PROFUNDIDADE. IMÓVEL EM ÁREA RURAL. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA NÃO VERIFICADA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MANANCIAL). ANÁLISE DA POSSE SEGUNDO A CORRENTE CIVILISTA (SAVIGNY E JHERING): DESDOBRAMENTO DA PROPRIEDADE. LEI AMBIENTAL. LIMITAÇÃO A 10.000 M2 E USO DE 10% PARA UMA UNIDADE FAMILIAR. FRACIONAMENTO COM ÁREA DE 250M2. AUSÊNCIA DO PODER DE USO. POSSE NÃO CARACTERIZADA. ANÁLISE DA POSSE SEGUNDO A CORRENTE FUNCIONALISTA (SALEILLES, PEROZZI E GIL): FENÔMENO DE UTILIDADE SOCIAL. FUNÇÃO SOCIAL E FUNÇÃO AMBIENTAL (SOCIOAMBIENTAL). CONFLITO COM A MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECOLÓGICO LOCAL. FUNÇÃO AMBIENTAL NÃO ATENDIDA. AUSÊNCIA DE POSSE. IMPROCEDÊNCIA DA USUCAPIÃO, POR ECONOMIA PROCESSUAL. DESNECESSIDADE DE ANULAÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO ACOLHIDO. 1. Para a propositura de ação declaratória de reconhecimento do domínio por usucapião deve a parte instruir a inicial, primeiro, com planta individualizada, acompanhada de memorial descritivo indicando suas medidas, rumos e exata localização, inclusive dos confrontantes, não se prestando a tanto a apresentação de planta geral, sem especificações corretas de loteamento não aprovado, situado em área de Preservação Permanente, assim como com expresso pedido de citação daqueles que corretamente figurem como proprietários e/ou confinantes, sob pena de nulidade, que entretanto, pode ser superada pelo princípio da economia processual, se desde logo visualiza-se a possibilidade de rejeição do pedido pelo mérito da pretensão. 2. O Tribunal de Apelação pode analisar de forma livre a matéria que possibilita o reconhecimento ou afastamento do pedido, quando o recurso pretende a inversão (reforma) da sentença, ainda que a parte apelante não tenha impugnado todos os seus fundamentos ou todos os fundamentos da da lide, por força do efeito devolutivo em profundidade. Precedentes do STJ. 3. Não pode ser computado o prazo de exercício da posse de imóvel rural, para efeito de reconhecimento da usucapião especial urbana, cujo prazo só se inicia, a partir da alteração da classificação da coisa, quando passa a ser considerada urbana. 4. A Constituição Federal assegura o direito de propriedade como direito fundamental (art. 5º, XXII), desde que jungido à sua função social (art. 5º, XXIII), admitindo a possibilidade de sua limitação por competência comum ou concorrente do Município, para a proteção do meio ambiente e combate a poluição, preservação das florestas, fauna e flora (art. 23, VI, VII e 24, VI), justamente porque considera o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225). 5. Para que seja reconhecida a posse ad usucapionem, é necessário a constatação do seu elemento objetivo, consistente num estado de fato, acrescido do ânimo de dono (elemento subjetivo), caracterizando um estado de fato que se converte em direito (Savigny), o qual então, segundo o ordenamento jurídico pátrio (art. 1.196/CC), deve ser visto como desdobramento do direito da propriedade (Jhering), aí caracterizado o poder de uso. 6. Se o proprietário não tem o poder de uso do imóvel, porque situado em zona de manancial, declarada de Interesse e Proteção Especial do Estado (Decreto Estadual nº 1751/96 e nº 4267/05), em Área de Preservação Permanente, com função hidrológica e com metragem inferior à mínima prevista no Plano Diretor Municipal (Lei Complementar nº 16/2005, de São José dos Pinhais), a ocupação aí exercida não caracteriza posse capaz de gerar a usucapião especial urbana (Constituição Federal, art. 183; Estatuto das Cidades, art. 9º e Código Civil, art. 1.240). 7. A instalação de uma vila de moradores, com cerca de 270 ocupantes de áreas individuais de 250,00 m2, individualmente menor que a de fracionamento mínimo imposta por lei local (10.000,00m2) e de ocupação máxima (10%), situada em zona de manancial (APP), onde a princípio somente seria permitida a ocupação de uma unidade familiar, não contribui para a manutenção do equilíbrio ecológico local, não cumprindo a função socioambiental da posse, à luz da teoria funcionalista (Saleilles, Perozzi e Gil), não caracterizando posse suscetível de gerar aquisição da propriedade por usucapião especial urbana e, uma vez ausente o elemento caracterizador da posse, inviável o reconhecimento da usucapião especial urbana. 8. Apelação à que se dá provimento. I. Relatório Insurge-se o apelante, Município interessado, contra decisão proferida nos autos de ação de usucapião especial sob nº 367/2005, da 1ª Vara Cível do Foro Regional de São José dos Pinhais da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, declarando o domínio da apelada sobre a área descrita na inicial, situada na localidade de Iná, no loteamento irregular denominado JARDIM MODELO, situado próximo à Rua Vicente Tozo (fls. 226-228). Após um breve relato dos fatos, sustenta que a r. sentença estaria equivocada, pois a área em questão encontrar-se-ia localizada entre o Setor Especial de Áreas Verdes e a Zona Especial de Ocupação Restrita (ZEOR-2), assim classificados na Lei Municipal nº 16/05 (Plano Diretor, de São José dos Pinhais) por tratar-se de área de manancial essencial ao abastecimento de água da Região Metropolitana de Curitiba, onde se prevê a possibilidade de ocupação máxima de 10% da área, com permeabilidade e metragem mínima de 75% e 10.000,00 m2, respectivamente, enquanto a área que se pretende ver usucapida, tem a metragem de 250,00 m2, não tendo, então, condições de ser regularizada, e, por consequência, adquirida mediante usucapião. Acrescenta também que o Plano Diretor é um instrumento básico de política urbana, para assegurar uma cidade sustentável, e que quando não é observado ofende-se a função social da propriedade. Refere, ainda, que teria havido ocupação desordenada de uma área de manancial e que caso assim permaneça, poderá haver a escassez de recursos hídricos utilizáveis pelos habitantes da região, quando então o direito de preservação do meio ambiente adequado deveria prevalecer em detrimento do direito de habitação da parte apelada, autora, pedindo a reforma da decisão impugnada, no sentido de se julgar improcedente o pedido deduzido na inicial (fls. 252-263). Recebido o recurso no duplo efeito (fls. 265), a parte apelada apresentou contrarrazões, refutando as razões recursais e pugnando pela manutenção da decisão atacada (fls. 267-282). Em seguida, abriu-se vista ao Ministério Público em primeiro grau de jurisdição, que deixou de se manifestar (fls. 283), e, após, a d. Procuradoria de Justiça, que se manifestou pela manutenção da sentença (fls. 292-297). Eis, em síntese, o relatório. II. Voto fundamentos Trata-se de apelação cível impugnando sentença
Antes de se adentrar mérito do recurso, imprescindível fazer-se uma análise prévia do contexto fático que envolve o presente caso, idêntico a aproximadamente outros 270, envolvendo lotes de terreno vizinhos, formadores do que se vem denominando JARDIM MODELO, e que são objeto de ações individuais de declaração da aquisição da propriedade por usucapião especial urbana, que se encontram em trâmite pelas 17ª e 18ª Câmaras Cíveis deste Tribunal
O que se conta em todos esses feitos é que um terceiro chamado de JOÃO CLÁUDIO GARBERS, em junho de 1997 (aproximadamente 7 anos antes da propositura da demanda), declarando-se proprietário de uma área de terras maior, na qual se encontra localizado o imóvel descrito na inicial de cada uma dessas ações de usucapião, teria dado início ao seu parcelamento visando a criação de um loteamento, quando então teria aberto ruas, demarcado quadras e lotes, passando a vender esses lotes, alegando que possuía autorização para a aprovação do aludido loteamento.
No entanto, refere-se que essa aprovação não teria ocorrido, quando então a área usucapienda, que seria de até 250m2, foi "[...] invadida e ocupada de forma desordenada pelo autor [...]" (fls. 02), vindo a ser utilizada como residência sua e de sua família, e assim ocupada de forma ininterrupta, com ânimo de dono e sem oposição.
Fato é que, contudo, não há em nenhum nos autos, como em nenhum dos demais relativos a lotes na mesma área, qualquer prova dessa autorização ou mesmo tentativa de regularização do aludido loteamento, sendo que, na verdade, essa área de terras maior, na qual o loteamento irregular encontra-se inserido, constitui-se em parcela de duas áreas de terras maior.
Compulsando-se em conjunto alguns dos inúmeros autos de usucapião versando sobre essa mesma ocupação irregular que se denominou de JARDIM MODELO, muito embora na inicial de todos seja feita referência de que o proprietário do imóvel em que se encontra localizado o imóvel usucapiendo seria a sociedade denominada MÓVEIS RITZMANN S/A, cujo diretor presidente seria HANS KLAUS GARBERS, tal como consta na matrícula nº 54.145 do Cartório de Registro de Imóveis da 1ª Circunscrição da Comarca de São José dos Pinhais, oriunda da transcrição nº 59.324 do mesmo Cartório, e que tem área total de 136.500,00 m2 (lote 115 da Linha da Várzea da Colônia Afonso Pena), em verdade, tal como se observa, por exemplo, na AC 781.533-8, relativa ao lote no 216, alguns desses lotes também estão contidos no imóvel
descrito na matrícula de no 7.878 do aludido Cartório, relativo ao lote 116 da Linha da Várzea da Colônia Afonso Pena, cujo proprietário consta como sendo o ESPÓLIO DE RICIERI MILANI, e que tem uma área total de 137.250m2.
Além disso, mister ressaltar que parte de ambos os imóveis nos quais os lotes usucapiendos encontram-se inseridos são cortados por linha de transmissão de energia elétrica da COPEL, cuja servidão perpétua de passagem está instituída na matrícula de ambos. Portanto, a faixa de segurança das linhas de transmissão afeta inúmeros dos lotes usucapiendos. Daí porque também o interesse da COPEL na demanda.
É possível visualizar-se a situação da área em algumas imagens obtids por satélite e extraídas do site Google Maps (Google Earth), disponíveis na rede mundial de computadores:
Na imagem ao lado, circundada por linhas vermelhas, pode-se visualizar a situação geográfica de todo o loteamento irregular, assim como o avanço da ocupação sobre a mapa na área de proteção permanente (na parte superior):
E numa imagem mais aproximada, observa-se a situação geral da ocupação:
Porém, em que pese O Espólio que figura como proprietário de um dos imóveis situados na região, nos feitos em que foi citado, tenha se mantido inerte, tanto o Município de São José dos Pinhais, como o Estado do Paraná e outro que consta como proprietário de um dos imóveis, nas ações em que foi citado -- MÓVEIS RITZMANN S/A -- em todas as aproximadamente 270 demandas propostas, questionaram a possibilidade de usucapião, quer porque a área somente passou a ser considerada como urbana a partir de 2003, com o advento da Lei de Zoneamento Urbano do Município de
São José dos Pinhais, quer, ante a impossibilidade do reconhecimento da usucapião por conta do impedimento em se regularizar a propriedade da área, dadas as limitações ambientais que recaem sobre ela, a exemplo de tratar-se de área de manancial, conforme legislação e parecer do IAP, citados pelos Estado em inúmeros desses feitos, o que teria então levado a ao Município de São José dos Pinhais, fixar o tamanho mínimo 10.000 m2 para o lote na região, enquanto que a pretensão de usucapião diz respeito a um lote com área de 250 m2.
Além disso, acrescentam que a área em questão é essencial ao abastecimento de água da Região Metropolitana de Curitiba e possui lençol freático próximo a superfície.
E impugnando as contestações, a parte autora embora confirme que a área em questão encontra-se localizada na Zona Especial de Ocupação Restrita 2 (ZEOR 2) (quinta folha da impugnação, terceiro parágrafo), defende a existência de direito adquirido, no sentido de que estando no local desde julho de 1997, somente em 2005 é que estabeleceu-se a área mínima de 10.000m2 para ocupação, com a elaboração do Plano Diretor do Município, quando já teria transcorrido lapso temporal suficiente a ensejar o reconhecimento da usucapião a seu favor.
Julgado procedente os pedidos constantes na inicial de todas essas as ações individuais, a fim de se reconhecer a usucapião aos residentes nas áreas usucapiendas, somente o Município recorreu, insistindo na tese de impossibilidade do reconhecimento da usucapião em favor desses residentes por conta das restrições ambientais que então ensejaram a limitação de área mínima para loteamentos e ocupação na área.
Em resumo. A par dos elementos constantes não só neste feito, mas em todos os demais que se identificam por envolverem questionamento de usucapião na mesma região (aproximadamente 270), inclusive porque patrocinados por mesmos patronos, constata-se que a controvérsia cinge-se, PRIMEIRO em relação à necessidade de participação da MÓVEIS RITZMANN em todos os feitos versando sobre o JARDIM MODELO, dado que se aponta no começo da petição inicial de todos os feitos como sendo proprietária da área na qual a ocupação irregular teria se instalado. Superando-se essa questão de cunho processual, tem-se como SEGUNDO ponto de análise, a existência do tempo suficiente a ensejar a usucapião especial urbana, pois conforme defendido por MÓVEIS RITZMANN no curso dos processos em que foi citada, a área em questão somente teria passado a ser classificada
como urbana em 2003, quando então, a seu ver, iniciou-se o cômputo do prazo da prescrição aquisitiva. E se assim realmente for considerado, tem-se mesmo que em 2005, quando proposta a demanda, não havia transcorrido o lapso de tempo suficiente para declaração de aquisição da propriedade.
Por outro lado, caso admita-se a existência de tempo suficiente a ensejar o reconhecimento da usucapião pleiteada, em um TERCEIRO momento, dever-se-á analisar-se a possibilidade de aquisição pela usucapião especial urbana da propriedade de imóvel localizado em área de manancial, declarada como de interesse e proteção especial pelo Decreto Estadual nº 1751/96, complementado pelo Decreto Estadual nº 4.267/05, que muito embora não seja classificada como Parque Floresta, Área de Proteção Ambiental, Reserva Biológica ou mesmo Unidade Territorial de Planejamento administrada pelo Estado do Paraná, constitui-se de área de preservação permanente, justamente por situar-se em área de manancial -- conforme classificação dada pelo Instituto Ambiental do Paraná após estudo técnico do caso (fls. 93).
E, em se admitindo a possibilidade de usucapião em área de preservação permanente, mister, por fim, como QUARTO ponto, averiguar-se se o fato de ser habitada uma área com metragem inferior à mínima prevista no Plano Diretor Municipal (Lei Complementar nº 16, de 11 de novembro de 2005), que fixa um lote mínimo de 10.000 m2 para a região (Tabela 13 do Plano Diretor), enquanto a área pretendida é de 250,00 m2, justamente em virtude de ser uma área de preservação permanente, com função hidrológica, influencia no reconhecimento da usucapião.
Bem.
Como se sabe, para aquisição da propriedade na modalidade de usucapião especial urbana, prevista no art. 183/CF, no art. 9º da Lei 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto das Cidades), e no art. 1.240 do Código Civil, é necessário que o postulante concomitantemente preencha os seguintes requisitos: a) possua como sua, de forma mansa e pacífica, área ou edificação urbana; b) com área de até 250m2; c) por 5 (cinco) anos; d) utilizando-a para sua moradia ou de sua família, além de e) não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
No caso dos autos, não há quaisquer dúvidas sobre o fato da apelada atualmente estar habitando área urbana, supostamente com ânimo de dono e para fins de moradia, assim como o fato de não ser proprietária
de outro imóvel, seja urbano ou rural (ao menos no âmbito do Município), tal como posto na sentença e que não é matéria objeto da insurgência recursal.
A discussão, no que toca ao mérito, primeiro, cinge-se em saber se há o tempo suficiente a ensejar o reconhecimento da usucapião. Segundo, em saber se é possível ou não adquirir, via usucapião, área de preservação permanente, assim classificada por tratar-se de área de manancial, e, após essa conclusão, em saber se existe possibilidade de se usucapir uma área inferior à que o plano diretor fixa para o local, a vista da restrição ambiental imposta. No entanto, antes de se realizar uma incursão por esses pontos relativos ao mérito, impõe-se analisar uma questão de ordem processual, relativa à necessidade de inclusão da MÓVEIS RITZMANN em todos os feitos ou a consequência lógica de sua não participação. II.II. Questão de ordem: Equívoco na planta / citação de MÓVEIS RITZMANN
Como se infere do relato dos fatos acima, muito embora no início da petição inicial tenha sido posto que aquele que consta como proprietário do imóvel atingido pelas usucapiões pleiteadas seria unicamente a MÓVEIS RITZAMANN, em alguns dos feitos, a exemplo dos referentes aos lotes localizados na Quadra 12, somente foi citado o ESPÓLIO DE RICIERI MILANI, até por conta do pedido posto ao final da petição inicial e também da matrícula que instrui o pedido nesses feitos relativos aos lotes da quadra 12, que nesses casos é a relativa ao do imóvel do aludido espólio, e não de MÓVEIS RITZMANN.
Ou seja, é a matrícula de número 7.878 e não a de número 59.324, do Cartório de Registro de Imóveis da 1ª Circunscrição da Comarca de São José dos Pinhais. No entanto, conforme a planta apresentada com a inicial de todos os feitos (não só os relativos à quadra 12), logo abaixo verifica-se que nos casos em que MÓVEIS RITZMANN não consta como proprietária do imóvel em que se situa o lote usucapiendo, ela figura ao menos, como seu confinante, a exigir-se sua citação, na forma do art. 942/CPC. Observe-se, na figura abaixo, extraída da planta apresentada com a inicial a indicação referida:
Veja-se.
Antes de se confrontar os dados da planta com os fatos narrados, para então se analisar a necessidade da citação ou não de MÓVEIS RITZMANN neste feito, como em todos os feitos correlatos, a primeira conclusão da qual não se pode esquivar-se é que a planta encontra-se equivocada, pois em nenhum momento há indicação é de que os lotes constantes da quadra 12 estariam inseridos dentro do imóvel de propriedade do ESPÓLIO DE RICIERI MILANI, como se quer dar a entender nas usucapiões relativas aos lotes quadra 12.
Com isso, nos casos relativos aos imóveis localizados na Quadra 12, ou anula-se a sentença, determinando-se a realização de novo estudo técnico, com a elaboração de nova planta, ou desde já se reconhece a improcedência dos pedidos da parte autora nesses feitos. Melhor dizendo. Em todos os feitos deve ser apresentada uma nova planta, com a especificação da situação concreta, porque o que se constata é que em todas as ações correlatas, fora apresentada a mesma planta, que de rigor não retrata a realidade!
Veja-se, inclusive, que os lotes das quadras 09 e 04 também se encontram em situação semelhante aos da quadra 12 (lindeiros ao imóvel de propriedade do ESPÓLIO DE RICIERI MILANI), não havendo como se precisar em qual imóvel de área maior eles estariam localizados, dado que não se pode precisar onde termina e onde começa um e outro imóvel dos quais parcela pretende-se ver usucapida.
Por outro lado, considerando-se que a planta estivesse correta, o que se admite apenas a título de argumentação, é de se verificar que os lotes localizados nessas aludidas quadras então estariam inseridos no imóvel propriedade da sociedade MÓVEIS RITZMANN, tal como posto na primeira folha da inicial, quando então seria indispensável sua citação, que não se verifica em nenhum desses feitos relativos aos imóveis da quadra 12. Aí, adotando-se esta linha, a sentença mereceria ser anulada, a fim de se determinar a citação ainda não realizada.
Outrossim, além dessas duas possibilidades de interpretação dos fatos, também se verifica, hipoteticamente, uma terceira, que merece destaque somente em prestígio à argumentação.
Tendo-se que a suposta rua, que em que pese não seja pública, mas fora respeitada como dentro do imóvel de MÓVEIS RITZMANN, é de se observar que acaso somente se fale em um leve equívoco na planta que instrui a inicial, no sentido de que apenas os lotes da quadra 12 estariam
inseridos no imóvel que figura como de propriedade do ESPÓLIO DE RICIERI MILANI, eles estariam assim confrontando o imóvel de MÓVEIS RITZMANN, justamente por conta da rua ser de propriedade dessa sociedade, de modo que mesmo nesta hipótese, seria indispensável a sua citação também nesses casos.
Vê-se então, logo no início da análise do presente caso, que todos os processos, onde se deduz, ainda que em separado, a declaração da aquisição da propriedade por usucapião correspondente a lotes de terrenos situados na região de que tratam os autos, não se encontram maduras o suficiente para ter seu julgamento, em especial por conta da irregularidade na planta que instrui a inicial de todos esses feitos. Além disso, ainda que hipoteticamente superada essa questão, nos lotes relativos à quadra 12, seria indispensável a citação da MÓVEIS RITZMANN.
Contudo, mesmo que a instrução processual se encontrasse regular, é de se constatar, desde logo, em prestígio ao princípio da economia processual, que não seria caso de acolhimento de nenhum desses pedidos de declaração de aquisição da propriedade por usucapião referente aos lotes situados na localidade que denominou JARDIM MODELO, como se verá adiante, nos tópicos que seguem, relativos às matérias de mérito, conforme os pontos controvertidos anteriormente já apresentados. A questão é, no entanto, que só pelo motivo aqui apontado já não seria o caso de procedência do pedido posto na inicial, sendo imperativa a reforma da decisão ora impugnada, no mínimo para se anular o processo a vista do vício de identificação do imóvel na planta apresentada, assim como pela ausência de citação daquele que consta como proprietário e/ou confinante do imóvel, consoante a norma contida no art. 942/CPC. II.III. O requisito da posse de área urbana por 5 (cinco) anos
Acaso ultrapassada a questão de cunho processual, supra apontada, o primeiro ponto do exame de mérito da presente lide, decorrente da impugnação posta, seria o exame da existência de tempo suficiente a ensejar a usucapião especial urbana, como pleiteado na inicial.
De um lado, os residentes, autores, na impugnação e nas contrarrazões, defendem que a lei de zoneamento urbano local somente teria sido criada em 23 de dezembro de 2004 (data de sua publicação), então estabelecendo que a área em questão estaria em Zona de Ocupação Restrita 2 (ZEOR-2), a demandar uma área mínima de 10.000 m2 no caso de seu
parcelamento, de modo que se verificaria, assim, a seu ver, direito adquirido em ter declarada a aquisição da propriedade por usucapião, uma vez que anteriormente não haveria essa limitação.
Por outro lado, MÓVEIS RITZMANN S/A, que figura como proprietária de um dos imóveis, na oportunidade que contestou o feito (prova de sua importância em compor todas as lides), trouxe uma importantíssima questão de ordem pública, dada que somente refere-se à matéria legal, e que então pode ser discutida até mesmo nos casos em que não houve sua citação, consistente no fato da área ocupada irregularmente ter se tornado urbana com essa lei de zoneamento urbano local, que diz ser de 2003, quando então se poderia considerar como início do prazo a ensejar o reconhecimento da usucapião especial urbana, de modo que, proposta a demanda em 2005, não teria transcorrido tempo suficiente para caracterizar a prescrição aquisitiva.
Ressalte-se que não obstante a apelação do Município não tenha impugnado todos os requisitos capazes de ensejar, ao ver da sentença, o reconhecimento da usucapião, mas apenas as questões da metragem mínima e da restrição ambiental, é por conta do efeito devolutivo em profundidade que cumpre a esta Corte analisar de forma livre o pedido principal no seu todo, ou seja, em profundidade, não caracterizando para tanto julgamento extra petita e tão pouco ferindo o princípio da demanda. Ou seja, todos os requisitos devem ser analisados, sem que com isso signifique a ultrapassagem do pedido do apelante, que é de reforma da sentença a fim de ser reconhecida a improcedência da usucapião, como bem reconhece o Superior Tribunal de Justiça, ao afirmar:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EFEITO DEVOLUTIVO DA APELAÇÃO. APRECIAÇÃO DO PEDIDO DEPENDENTE. POSSIBILIDADE. 1. Trata-se de ação desconstitutiva sob o rito comum ordinário, por meio da qual a parte autora pretende a desconstituição do débito correspondente à fatura de revisão de consumo, no valor de R$ 34.714,87 (trinta e quatro mil e setecentos e catorze reais e oitenta e sete centavos e de reconvenção em que a recorrente pleiteia a condenação da recorrente ao pagamento da dívida apurada. 2. Não merece prosperar o recurso, porquanto a recorrida em seu apelo impugnou de forma clara, coerente e suficiente o capítulo da sentença que acolheu o pedido reconvencional, embora não tenha formulado pedido expresso ao final da sua peça. 3. Ademais, sabe-se que, uma vez estabelecida a extensão do pedido recursal (a declaração de nulidade do procedimento que se baseou a agravante para aferir a suposta fraude do medidor), dentro dela está o tribunal livre para apreciar, na profundidade do efeito devolutivo, o pedido principal e os dele dependentes. Não se trata, portanto, de julgamento extra petita, pois a análise feita pelo Tribunal a quo adstringiu-se ao pedido recursal, embora tenha imergido em sua profundidade. 4. Recurso especial não provido. (REsp 1245082/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 05/05/2011) (destacou-se)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. SEGURO DE ACIDENTE DE TRABALHO (SAT). ALÍQUOTA. GRAU DE RISCO. ENUNCIADO SUMULAR N. 351/STJ. RECURSO ESPECIAL QUE IMPUGNA MATÉRIA CONHECIDA E DECIDIDA NO TRIBUNAL A QUO POR FORÇA DO EFEITO DEVOLUTIVO EM PROFUNDIDADE NA APELAÇÃO. POSSIBILIDADE. CONHECIMENTO DO RECURSO E APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO SUMULAR N. 452/STF POR ANALOGIA. DECISÃO MONOCRÁTICA FUNDAMENTADA EM SÚMULA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO-PROVIDO. 1. A decisão monocrática fundamentou-se em jurisprudência sumulada do STJ (Súmula n. 351/STJ), segundo a qual a alíquota da contribuição para o SAT corresponderá ao grau de risco da atividade desenvolvida em cada estabelecimento da empresa, individualizado pelo seu CNPJ (antigo CGC), ou pelo grau de risco da atividade preponderante quando houver apenas um registro. 2. A apelação devolve em profundidade o conhecimento da matéria impugnada, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 515 do CPC. Em outras palavras, estabelecida a extensão do pedido recursal, dentro dela está o tribunal livre para apreciar, na profundidade do efeito devolutivo, a fundamentação do referido pedido. Não se trata, portanto, de julgamento extra petita, pois a análise feita pelo tribunal a quo adstringiu-se ao pedido recursal, embora tenha imergido em sua profundidade. 3. Superado o juízo de admissibilidade, o recurso especial comporta efeito devolutivo amplo, o que implica o julgamento da causa e a aplicação do direito à espécie, de acordo com o art. 257 do RISTJ e com a Súmula n. 456/STF. 4. Agravo regimental não-provido. (AgRg no REsp 1065763/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/03/2009, DJe 14/04/2009) (destacou-se). PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EFEITO DEVOLUTIVO. LIVRE FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE VÍCIO NO ACÓRDÃO. 1. Não existe ofensa aos arts. 128 e 460 do CPC, na medida em que a fundamentação não é o critério para avaliar julgamento extra petita. 2. Isto porque, estabelecida a extensão do pedido recursal, dentro dela está o tribunal livre para apreciar, na profundidade do efeito devolutivo, a fundamentação do que fora pleiteado. 3. Recurso especial não provido. (REsp 1105183/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/08/2010, DJe 10/09/2010) (destacou-se). Portanto, muito embora não se tenha recorrido especificamente com relação a este ponto, é plenamente cabível sua análise, dado o efeito devolutivo em profundida do recurso, contemplado no art. 515, §§ 1º e 2º, a permitir o exame de todos os requisitos a ensejar a usucapião na modalidade pretendida, dentre os quais se encontra tratar-se de imóvel urbano.
Pois bem.
Verdade é que, muito embora MÓVEIS RITZMANN considere que uma lei de 2003 tenha tornado a área como de natureza urbana, tal fato se deu com a Lei Complementar nº 10, do Município de São José dos Pinhais, de 23 de dezembro de 2004, que, dispondo sobre o zoneamento, o uso e a ocupação do solo desse Município, classificou-a como urbana, e que posteriormente foi revogada pela Lei Complementar Municipal nº 16, de 11 de novembro de 2005, que instituiu o plano diretor municipal atualmente vigente, mantendo-a na mesma classificação.
Anteriormente a 2004, tal como se extrai do contexto apresentado nos autos, o que se confirma pelo Certificado de Cadastro de Imóvel Rural abaixo (parcialmente escaneado), referente à área de MÓVEIS RITZMANN, e que é apresentado em todos os processos em que fora citada (o que confirma a importância em compor todas as lides), tem-se que os imóveis em questão eram classificados como rurais. Veja-se:
Daí então, porque o art. 183/CF somente se refere à usucapião de imóvel urbano, e não rural, o período compreendido entre 1997 (data a parte autora teria adentrado no imóvel) até a alteração da lei de Zoneamento Municipal, ocorrida em 2004 (quando o imóvel passou a ser considerado de natureza urbana), não pode ser computado para efeitos de usucapião especial de imóvel urbano, pela singela razão de que o imóvel não era urbano, mas sim rural.
Poder-se-ia então cogitar de usucapião especial rural. Contudo, na forma do art. 191 da Constituição Federal, para a sua configuração seria necessário que os residentes tornassem a terra produtiva por seu trabalho ou de sua família, o que não é o caso dos autos, em que não há nenhuma prova nesse sentido; pelo contrário, pelo reduzido tamanho da área, não há como se ter conclusão diversa de que os ocupantes, que apenas referem moradia, não tornaram a terra produtiva, no exato sentido do termo.
Assim, iniciando-se a contagem do prazo a ensejar a usucapião especial urbana somente em 2004, quando passou a área a integrar o perímetro urbano do Município, até a data da propositura da presente demanda, em 2005, transcorreu apenas um ano (quando muito), não havendo assim a menor possibilidade de se reconhecer tempo suficiente para configurar a aquisição da propriedade de imóvel urbano. Só por esse motivo já não se poderia reconhecer a usucapião em favor da parte autora, ao menos nessa modalidade, e conforme as circunstâncias fáticas que constam dos autos.
Não há assim como admitir-se a alegação da existência de direito adquirido, porquanto não havia, na época referida, possibilidade de computar-se prazo para usucapião especial urbana sobre área de terra rural, enquanto que o prazo posteriormente decorrido não o foi por tempo suficiente.
E nem se fale que pelo critério da destinação da área ela deve ser considerada como urbana desde sua ocupação, ao fundamento de que seria parcelada em lotes de até 250 m2, como quer a parte autora na impugnação, pois se assim fosse, estaria sendo beneficiada por sua própria torpeza, na medida em que, contra a lei, estaria influenciando pelo irregular parcelamento do solo em fração menor que a lei impõe.
Veja-se que o terceiro que supostamente fracionou o solo, e supostamente vendeu (em verdade cedeu) parcelas aos atuais residentes da área (que a exemplo do aqui autor ajuizaram ações de usucapião), o qual buscava a criação/implantação do loteamento, possui o mesmo sobrenome do diretor-presidente de MÓVEIS RITZAMNN, ou seja: GARBERS. JOÃO CLÁUDIO GARBERS, enquanto o diretor-presidente chama-se HANS KLAUS GARBERS, sendo que no curso dos feitos, menciona-se que o loteamento não teria sido aprovado, sem que sequer tenha sido demonstrado que fora ao menos submetido à aprovação perante o poder público.
Sendo assim, constata-se que o que se pretende então, por vias transversas, através do reconhecimento da aquisição da propriedade dos lotes individualizados na planta geral, regularizar-se o loteamento, burlando-se a lei, ou melhor, os impedimentos legais que impediam e impedem a sua implantação no local, a exemplo da Lei Estadual 12.248/98, que dispõe sobre o sistema integrado de gestão e proteção dos mananciais da região metropolitana de Curitiba, ou mesmo outros motivos de ordem legal que levaram a negativa à regularização ou de aprovação do loteamento.
O Poder Judiciário não pode compactuar com a tentativa da parte e demais interessados em burlar o caminho legal para implantação de loteamento em condições e local em que a lei não permite, tal como em circunstâncias semelhantes, mutatis mutandis, considerou o Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL - RECURSO ESPECIAL - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO [...] LEI MUNICIPAL - VEDAÇÃO - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTS. 550 e 552 DO CC/16 - INOCORRÊNCIA. [...] Destarte, incensurável o v. acórdão recorrido (fls. 169) quando afirmou que "o entendimento do pedido implicaria em ofensa a norma municipal relativa ao parcelamento do solo urbano, pela via reflexa do usucapião. Seria, com isso, legalizado o que a Lei não permite. Anotou, a propósito, o DD. Promotor de Justiça que, na Comarca de Socorro, isso vem ocorrendo "como meio de buscar a legitimação de parcelamento de imóveis realizados irregularmente e clandestinamente." 3 - Recurso não conhecido. (REsp 402.792/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 26/10/2004, DJ 06/12/2004, p. 316) Daí então, ainda que superados os problemas de ordem processual que contaminam o feito, seria o caso de improcedência do pedido constante na inicial, pois até 2004 a área não era urbana, e a ação foi proposta em 2005, quando decorrido apenas um ano de prazo sobre a área considerada urbana, já que o prazo de ocupação anterior não pode ser computado porque sobre imóvel classificado como rural, não havendo como reconhecer-se a aquisição da propriedade pela modalidade especial pretendida, ou mesmo por qualquer outra modalidade que fosse, nem mesmo o invocado direito adquirido que não se configura na situação dos autos. II.IV. Área de Preservação Permanente: Propriedade Limitada
Por mera elucubração mental considere-se que mesmo que a demanda tivesse sido proposta em 2009 (mas não foi), quando então poder-se-ia dizer já transcorrido prazo suficiente a permitir a usucapião especial urbana, é de se ver que em 2005 houve alteração legislativa que influenciou, na verificação de um dos requisitos necessários para a configuração da posse.
Se por ventura fosse admitida a existência de tempo suficiente a ensejar o reconhecimento da usucapião pleiteada, seria o caso então, de analisar-se o requisito posse, no seu sentido técnico-jurídico à ensejar o reconhecimento do direito pleiteado, tendo-se assim: a) num primeiro momento, se seria possível a aquisição pela usucapião especial urbana da propriedade de imóvel localizado em área de manancial, então classificada como Área de Preservação Permanente e, b) após, se o fato de ser habitada uma área com metragem inferior à mínima prevista no plano diretor do município,
justamente por conta da existência de uma Área de Preservação Permanente, com função hidrológica, influenciaria a configuração ou não do requisito posse.
Cuidemos incialmente da primeira questão, referida no tópico a acima posto.
Pois bem.
Com o advento da Lei 9.985, de 18 de julho de 20002, foi instituído o SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA
Reserva Particular do Patrimônio Natural
No entanto, as Unidades de Conservação não se confundem com Área de Preservação Permanente (APP), que, muito embora também seja um espaço territorial especialmente protegido, não integra o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza SNUC. As APP tratam-se de áreas protegidas nos termos dos arts. 2º e 3º do Código Florestal (Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965), "[...] coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas" (art. 1º, § 2º, inc. II, do Código Florestal). No caso, conforme parecer da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba e do IAP, é dentro de Área de Preservação Permanente (e não área de proteção ambiental) que se encontra a área em questão (nesse sentido, confira-se o parecer do IAP), o que nos leva a observar que, por conta do regime jurídico que lhe é imposto e conforme leciona EDIS MILARÉ, ela não pode ser explorada, admitindo-se a sua supressão somente "[...] quando necessária à execução de obras, planos, atividades, em projetos de utilidade pública ou interesse social, com prévia autorização do órgão competente do Poder Executivo" 4.
Seu fundamento constitucional é o art. 225, § 1º, inc. III, da Constituição Federal, que dispõe como incumbência do Poder Público, para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado:
III definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. Verifica-se, então, que, muito embora não haja a necessidade de desapropriação dessas áreas, nelas existem limites especiais impostos pelo Poder Público, a regular o exercício do direito de propriedade, que pode ser tanto do particular como do próprio Poder Público. Então, em outras palavras, nas Áreas de Preservação Permanente os poderes inerentes ao direito de propriedade, quais sejam, o uso, o gozo, a disposição e a reivindicação (art. 4 Ibidem, p. 361. 1.228/CC), quase sempre sofrerão limitações, tendo-se aí a chamada propriedade limitada, com direta repercussão na posse. II.IV. A problematização da posse
Para o correto entendimento da questão, é mister ver-se, com a doutrina, a exemplo de ORLANDO GOMES, que a propriedade pode ser conceituada a vista de três critérios, quais sejam: a) sintético; b) analítico e descritivo, sendo que:
Sinteticamente, é de se defini-lo, com Windsheid, como a submissão de uma coisa, em todas as suas reações, a uma pessoa. Analiticamente, o direito de usar, fruir e dispor de um bem, e de reavê-lo de quem injustamente o possua. Descritivamente, o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei.5 Sobre seu conceito não há maiores problematizações, sendo de tranquilo entendimento que, com relação à propriedade, optou o legislador pátrio pelo critério analítico, consoante se observa do caput do art. 1.228/CC, ao dispor que: O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Já com relação à posse a questão é bem diferente. Até hoje se preocupa a doutrina em discutir qual a teoria mais adequada, se a subjetiva de SAVIGNY, ou se a objetiva de JHERING, ou mesmo a moderna teoria funcionalista que se constrói a partir de SALEILLES, em especial pelos trabalhos de SILVIO PEROZZI e ANTONIO HERNANDEZ GIL; se o Código Civil brasileiro adota a teoria de SAVIGNY ou a de JHERING; ou se a Constituição Federal de 1988 trouxe a teoria funcionalista construída a partir de SALEILLES ao ordenamento jurídico nacional. Bem aponta então, DARCY BESSONE, que "no tocante à posse, tudo é difícil e suscetível de controvérsias" 6. ORLANDO GOMES, por sua vez, adjetiva a posse como um "[...] fenômeno complexo e controvertido" 7, enquanto CAIO MÁRIO PEREIRA acrescenta que "tudo, em termos de posse, é debatido, negado, reafirmado" 8.
5 GOMES, Orlando. Direitos reais. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 86 (sem destaques no original). 6 ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. Direitos reais. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 223. 7 GOMES, Orlando. op. cit., p. 17. 8 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: direitos reais. vol. IV. Atualizada
por Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho. Rio de Janeiro: 2004. p. 16. Justifica-se, assim, como veremos, a análise do presente caso, primeiro sob o prisma dos clássicos SAVIGNY e JHERING, que decorre da pura interpretação do Código Civil e, após, sobre os lastros da teoria funcionalista, que parte dos ensinamentos de SALEILLES, como alguns estudiosos, a exemplo de LUIZ EDSON FACHIN, defendendo a necessidade de aplicar-se hoje também no Brasil, em especial pelo escopo normativo trazido na Constituição Federal de 1988, e que ainda representa uma corrente minoritária, mas não menos importante. II.V. A posse no Código Civil: Savigny ou Jhering?
ARNOLDO WALD defende que o Código Civil brasileiro adotou a teoria objetiva de JHERING no que concerte à posse, tal como o Código Civil alemão (BGB) e o Código Civil suíço, na linha da maioria das legislações ocidentais do século XX 9. Fato é, no entanto, que, conforme se depreende do magistério de MARIA HELENA DINIZ, muito embora no Código Civil prepondere a teoria de JHERING, pouco se observa que ele adota para o regramento da posse ora a teoria de SAVIGNY e ora, a de JHERING, pelo que a inclinação a uma dessas duas teorias deve ser analisada instituto por instituto 10.
À luz do art. 1.196 do Código Civil, possuidor é "[...] todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade". Em regra, o Código Civil então dispensa a presença do elemento subjetivo (intenção de ter a coisa como sua) para se concluir pela existência de posse, bastando a aparência ou a exteriorização de propriedade, que é o elemento objetivo. Portanto, tal disposição legal inclina-se a teoria objetiva de JHERING. É a leitura aplicada nos interditos possessórios.
No entanto, ao tratar da posse necessária ao reconhecimento da usucapião, o legislador pátrio acabou por exigir o elemento subjetivo, que, como visto, revela-se como a intenção de ter a coisa como sua. Daí que a posse para efeitos da usucapião, pela visão civilista, parte da teoria subjetiva de SAVIGNY, pois exige como seu elemento constitutivo o corpus e o animus. Por consequência, a compreensão da natureza jurídica da posse ad usucapionem também deve ser feita a partir da teoria de SAVIGNY, para quem,
9 WALD, Arnoldo. Direito das coisas. 11 ed. rev., aum. e atual. com a colaboração dos professores Álvaro Villaça Azevedo e Véra Fradera. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 48. 10 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 4º vol. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 36.
conforme também apresentado por MARIA HELENA DINIZ, "[...] a posse é, sem dúvida, um fato que se converte em direito, porque a lei o protege" 11.
Mas veja-se que elementos constitutivos da posse e natureza jurídica da posse são coisas distintas. Consequência jurídica disso é que o direito em que o fato se converte deve ser compreendido dentro da sistemática do Código Civil, por inexistência de conflito com a norma posta no seu art. 1.196 que contempla a teoria de JHERING no que se refere à natureza jurídica da posse, para quem "[...] só há posse onde pode haver propriedade, a posse e a propriedade andam de mãos dadas, a falta de capacidade, na pessoa ou na coisa, para regar uma relação de propriedade, implica na falta idêntica a respeito da posse" 12.
Ou seja, pelo Código Civil, para o reconhecimento da posse ad usucapionem, é necessário um estado de fato -- acrescido de ânimo de dono (elementos da posse segundo SAVIGNY) --, em que se converte em direito (natureza jurídica da posse, segundo SAVIGNY). No entanto, a esse direito que se converte o estado de fato, então, por força do disposto no art. 1.196/CC, para a configuração da posse acresce-se a necessidade de ser exercitado algum dos poderes inerentes à propriedade, passando a ser um desdobramento do direito da propriedade, tal como preceituava JHERING 13.
A par disso, dentro do sistema jurídico civilista nacional, por conta da influência de JHERING, tendo-se a posse também como um mero desdobramento do direito de propriedade, fica claro entender-se a lição de PONTES DE MIRANDA quando afirma que "rigorosamente, a posse é o estado de fato de quem se acha na possibilidade de exercer poder como o que exerceria quem fosse proprietário ou tivesse, sem ser proprietário, poder que sói ser incluso no direito de propriedade (usus, fructus, abusus)" 14.
No mesmo sentido, TITO FULGÊNCIO cita a seguinte passagem exposta por LUIS DOMINGUES ao relatar o Código Civil:
11 Ibidem, p. 35. 12 NICOLETTO, Rodrigo Lucietto. Função sócio-ambiental e laborativa da posse. Dissertação de Mestrado. Caxias do Sul: UCS, 2008. p. 56 (sem destaques no original). 13 PONTES DE MIRANDA, inclusive, faz a seguinte crítica, então aplicável ao ordenamento jurídico
pátrio justamente por conta dessa questão, que estabelece um sistema eclético: A sistemática da posse e da proteção possessória muito prejudicou, através dos séculos, mas principalmente no período a que chamamos teorizante, o querer-se arquitetar, ou com os textos romanos, ou sem o fundo filosófico necessário, ,,teorias da posse. Para o jurista, não há outra teoria verdadeira da posse que a do sistema jurídico que ele contempla. De lege ferenda, pode o jurista sugerir outra teoria, ou alteração; mas a mistura das duas atitudes é perniciosa para a ciência e para a vida". (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. op. cit., p. 9). 14 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. op cit. p. 7.
Tenho a posse como um poder inerente ao domínio, qual o de usar, gozar e o de dispor da coisa -- e digo coisa na acepção geral compreensiva também dos direitos. Esses poderes do domínio podem ser exercidos todos pelo proprietário ou uns exercidos pelo proprietário e outros por terceiro. E se em regra desmembramento se faz por vontade do proprietário em razão da sua própria faculdade de dispor da coisa, inerente ao domínio, muitas vezes se opera por atos e no interesse exclusivo de outrem. Seja, porém, como for, o direito considera o possuidor nessa sua mesma situação, isto é, exercendo de fato poderes de domínio, e é essa situação que, a bem da ordem pública, ele resguarda si et in quantum contra as agressões de quem quer que seja, muitas vezes até do próprio dono da coisa (Trabalhos da Câmara, II, 87) 15. E então, TITO FULGÊNCIO bem conclui que a posse "[...] instaura-se pelo exercício de fato de algum poder do domínio" 16, tal como dispõe o art. 1.204/CC, ao reconhecer que: "adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade" (art. 1.204/CC).
Assim, conforme PONTES DE MIRANDA, "a questão posta em devidos termos dá-nos: que poderes, contidos no direito de propriedade, podem ser posse?" 17 . Mas, uma vez que, como já referido, nas Áreas de Preservação Permanente os poderes inerentes ao direito de propriedade, quais sejam, o uso, o gozo, a disposição e a reivindicação (art. 1.228/CC), quase sempre sofrerão limitações, haverá aí a chamada propriedade limitada. II.VI. A peculiar configuração da posse na propriedade limitada
Bem se sabe, assim, que o poder de fato da propriedade, cujo exercício é necessário para que se reconheça a posse ad usucapionem é o uso. E, no caso específico da usucapião especial urbana, é o uso de uma área de até 250,00m2 para fins de moradia. A par disso então se indaga: os apelados realmente tinham o exercício de fato do poder inerente à propriedade em questão que é tido como de necessário exercício a ensejar à declaração da usucapião pretendida? Ou o regime jurídico ambiental retirou dessa propriedade a ampla liberdade do desdobramento do uso, poder que em princípio lhe é inerente na integralidade, justamente nos moldes em que vem sendo realizado pelo autor, e que é o mesmo exigido à configuração da especial 15 FULGÊNCIO, Tito. Da posse e das ações possessórias. Vol. I. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense. p. 11. 16 Ibidem, p. 12. 17 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. op. cit., loc. cit.
urbana, a então não se poder falar em posse, dado que esse poder não estaria incluído no direito de propriedade dessa área?
Assim, sob o ponto de vista da corrente adotada levando-se em conta unicamente o Código Civil, reformulam-se as questões que neste caso merecem resposta.
A primeira é a possibilidade ou não de usucapião sobre as Áreas de Preservação Permanente por tratar-se de área de manancial. Já a segunda, um pouco mais específica, é se os residentes do JARDIM MODELO realmente exercem de fato os poderes inerentes à propriedade na área em comento que se exige ao reconhecimento da usucapião, caso possível a usucapião na presente área. II.VII. Usucapião em Área de Preservação Permanente
Viu-se, pois, que de um lado encontram-se os requisitos constitucionais a ensejar o reconhecimento da usucapião especial urbana, antes mencionados, e os quais somente admitem supressão pelo próprio regime constitucional, a exemplo de se tratar de imóvel público (art. 183, § 3º, da Constituição Federal). Surge, com isso, uma corrente defendendo que as limitações administrativas ao uso da propriedade em virtude de questões ambientais não se confundiriam com os requisitos constitucionais a ensejar o reconhecimento da usucapião, de modo a admitirem a usucapião em Área de Preservação Permanente sempre que ela recaia sobre um bem privado.
Vale aqui destacar a seguinte passagem do estudo feito pelo engenheiro ambiental e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense FRANK PAVAN DE SOUZA, defensor dessa corrente, ao analisar o caso das ocupações irregulares no Município de Campo dos Goytacazes, no Rio de Janeiro:
Em outros termos, as características ambientais de uma área não a retiram do mercado, já que ela continua podendo ser comercializada e transferida por quaisquer das formas previstas em nosso ordenamento jurídico. As restrições ambientais que se impõem pelo Código Florestal (Lei nº 4.771/65) e demais normas federais, estaduais e municipais que dispõem da matéria, são, nos termos de Mello (2007), limitações administrativas ao exercício do direito de propriedade, isto é, não se tratam de restrições à transferência do domínio, mas do exercício dos poderes do proprietário, que no caso das restrições ambientais se dirigem especialmente ao uso, não obstando a liberdade de
transferir a propriedade a outrem. 18 Inclusive, é nesse sentido, a autorizar a usucapião em imóvel privado qualificado como Área de Preservação Permanente, que já decidiu este Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL PROCEDENTE - PRETENSÃO DO MUNICÍPIO DE REFORMA DA SENTENÇA, POR SE TRATAR DE ÁREA SITUADA EM LOCAL DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE DESCABIDA - O FATO DE A ÁREA USUCAPIENDA ESTAR SITUADA EM LOCAL DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, COM RESTRIÇÃO E LIMITAÇÃO DE DIREITOS DE PROPRIEDADE, NÃO IMPEDE QUE VENHA A PERTENCER A ALGUÉM, POIS, OBTIDA A USUCAPIÃO, O PROPRIETÁRIO DEVERÁ RESPEITAR AS LIMITAÇÕES DE USO DA ÁREA. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 18ª C.Cível - AC 0548799-6 - Ponta Grossa - Rel.: Des. Roberto De Vicente - Unânime - J. 07.10.2009) Aliás, mutatis mutandis, confiram-se os seguintes julgados, de outros Tribunais Pátrios:
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PEDIDO DE DILIGÊNCIA. DESNECESSIDADE. PROVA SUFICIENTE. GLEBA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. IRRELEVÂNCIA. DOMÍNIO DECLARADO COM RESTRIÇÃO DE USO. SENTENÇA MANTIDA. APELO IMPROVIDO. Não há necessidade da conversão do julgamento em diligência quando houver nos autos do processo farto conjunto probatório a inspirar a convicção do julgador. "O fato de se tratar de área de preservação permanente não é óbice à consumação da USUCAPIÃO extraordinária, cabendo aos entes públicos, na competência que lhes é conferida pelo art. 23 da Constituição Federal, exercitar seu poder de polícia com vistas à PROTEÇÃO e à fiscalização da área de PROTEÇÃO AMBIENTAL, ainda que ocupada por particular" (Desembargador Jaime Ramos). (TJSC, AC 2004.036563-0, Juiz Prolator Margani de Mello, Segunda Câmara de Direito Civil, Julgado em 23/09/2009). (destacou-se) USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. DISPOSIÇÃO DO ARTIGO 550 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. PRESENTES OS REQUISITOS AD USUCAPIONEM RELATIVOS AO IMÓVEL DESCRITO NA INICIAL. POSSE VINTENÁRIA DOS AUTORES COMPROVADA. A lei não impossibilita a aquisição do domínio de área de preservação ambiental, ao contrário esta apresenta as diretrizes para estímulo e alternativas de recomposição e utilização das áreas de interesse comum. APELO PROVIDO. UNÂNIME. (TJRS, Apelação Cível Nº 70020333746, Vigésima Câmara Cível, Relator: Rubem Duarte, Julgado em 19/03/2008). (destacou-se) No entanto, com a devida vênia àqueles que assim defendem, é de se observar que não se pode admitir, de uma forma genérica, que em todos os casos de imóveis privados localizados em Áreas de Preservação Permanente admita-se a usucapião.
Em verdade, caso não se trate de área pública, deve-se admitir, em regra, a usucapião; e não sempre. Isso porque há casos em
18Boletim do Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego, Campos dos Goytacazes/RJ, v. 4 n. 1, p. 37-56, jan. / jun. 2010. Disponível em http://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/ boletim/article/view/937/628. Acesso em 14 de outubro de 2011 (sem destaques no original). que justamente por tratar-se de área especialmente protegida pelo regime de direito ambiental, a exemplo de uma Área de Preservação Permanente, o Poder Público acaba retirando do particular, então proprietário, o exercício de fato de alguns dos poderes inerentes à propriedade. Isso acontece também no regime das limitações administrativas, como é o caso do Tombamento. No Tombamento, por exemplo, muitas vezes retira-se do proprietário a possibilidade de alterar a fachada de certo imóvel. Com isso, limita-se seu uso, sem que se impeça, contudo e em regra, a habitação do imóvel.
Na espécie de que tratam os autos, o poder retirado do particular proprietário pelo Poder Público, justamente por tratar-se de área de manancial localizado em Área de Preservação Permanente, acaba sendo o mesmo que se exige à configuração da posse ad usucapionem na usucapião especial urbana, que é o uso de uma área de até 250,00m2 para fins de moradia.
O lote usucapiendo, como já referido, integra a área que compõe os mananciais e recursos hídricos de interesse da Região Metropolitana de Curitiba, nos termos postos no Decreto Estadual nº 4.267, de 31 de janeiro de 2005, que assim dispõe:
[...] a necessidade de aproveitamento das águas da bacia do baixo Rio Pequeno, junto à sua foz, como manancial abastecedor da Região Metropolitana de Curitiba tem sua justificativa baseada principalmente em dois aspectos.
O primeiro deles é o aspecto quantitativo. O rio Pequeno fornece hoje uma vazão mínima ao redor de 720 L/s para a captação da Sanepar situada no rio Iguaçu, ao lado da BR-277. Todos os mananciais do Altíssimo Iguaçu já estão sendo aproveitados em sua capacidade máxima, e não existe algum outro capaz de substituir o rio Pequeno. A sua eliminação como manancial, hoje, significaria desabastecer uma população na ordem de 247.000 habitantes [...]. (destacou-se) Em suma, a área objeto do presente litígio, conforme parecer do IAP, "se encontra a montante do ponto de captação de água que a SANEPAR mantém na Região".
Por conta disso, o Plano Diretor de São José dos Pinhais (Lei Complementar nº 16, de 11 de novembro de 2005) nominou a área de Zona Especial de Ocupação Restrita (ZEOR-2), tal como confessado pela parte autora na impugnação, estabelecendo um lote com área mínima de 10.000,00 m2 para cada habitação unifamiliar. Ou seja, restringiu o exercício do direito de propriedade do particular de modo a permitir apenas uma unidade familiar a cada 10.000,00 m2 (fls. 88).
Assim, de um lado tem-se que, visando à conservação do manancial, ao proprietário somente foi dado o poder de usar com a finalidade de habitação unifamiliar uma área de 10.000 m2. Por outro lado, a usucapião especial urbana exige que aquele que pleiteia seu reconhecimento, use para fins de habitação uma área de até 250,00m2, sem se preocupar com a área mínima de fracionamento prevista na lei. Poder esse, contudo, que não é inerente à propriedade em questão, por ter sido retirado pelo Poder Público, na medida em que não se admite o uso de toda a área considerando-se a ocupação por várias habitações, lado a lado, como a que se se verifica na situação dos autos, considerada a área como um todo, e não a área isolada referida na inicial desta ação, como nas respectivas iniciais das demais ações inicialmente referidas, pois culmina-se, assim, por violar-se a disposição legal.
Veja-se: o proprietário da área total, onde se situa a porção que se pretende usucapir, não tem o poder de uso dessa área toda, que vem sendo usada por centenas de pessoas, em flagrante violação à determinação legal.
Note-se que ambas as áreas maiores nas quais o loteamento se encontra inserido são superiores a 10.000 m2. O imóvel que consta como de propriedade de MÓVEIS RITZMANN tem a extensão de 136.500,00 m2 e o do Espólio de RICIERI MILANI, 137.250 m2. Se cada um desses imóveis fosse dividido em unidades unifamiliares, cada uma ocupando no máximo 10% de uma área de aproximadamente 10.000 m2. Seriam aproximadamente, no máximo 13 unidades familiares em cada imóvel, e não as quase 270 unidades familiares que ali se encontram.
Assim, se dentro da corrente civilista, posse é o exercício de fato de um dos poderes inerentes à propriedade (ou a mera exteriorização do domínio), enquanto que a posse necessária para configuração da usucapião especial urbana é qualificada, exigindo-se que um dos poderes de fato seja o uso sobre uma área de até 250m2, poder esse que não é conferido ao proprietário da área usucapienda, que só poderia usar a parte máxima permitida na lei, de 10%, sobre uma fração mínima de 10.000 m2, por consequência, não se pode reconhecer a usucapião a favor do apelado, autor, dada a natureza da posse por eles exercida, que, comparativamente e analisando a questão como um todo, considerando-se as demais ocupações existentes no local, acabaram por, de fato, fracionar o imóvel em áreas menores que a permitida, de 10.000m2, mediante ocupação por centenas de unidades familiares, cada uma com área de 250,00m2, as quais, somadas, ultrapassam
em muito o limite de ocupação permitido no local.
Vale dizer assim, a posse exercida por parte dos autores, não, é qualificada como se exige na espécie.
E veja-se que com isso não se está restringindo a usucapião especial urbana por mecanismos infraconstitucionais ou mesmo existe, nessa linha civilista, qualquer conflito de direito fundamental. Trata-se simplesmente da conceituação de um instituto jurídico, a posse, que nesse caso acaba por prejudicar a pretensão dos apelados no reconhecimento da usucapião pretendida.
Tenha-se que se a própria Constituição Federal assegura o direito de propriedade, dentre os direitos fundamentais (art. 5º, XXII), assim o faz desde que jungido à sua função social (art. 5º, XXIII), e sem excluir a possibilidade de sua limitação, na medida em que assegura competência legislativa, ora comum, ora concorrente ao Município, para a proteção do meio ambiente e combate a poluição, assim como para a preservação das florestas, fauna e flora (art. 23, VI, VII e 24, VI), justamente porque considera o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo não só ao Poder Público, como à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225).
Só por isso, dentro de uma corrente eminentemente civilista, impõe-se a improcedência do pedido constante da inicial, ante a impossibilidade do reconhecimento da aquisição da propriedade por usucapião especial na peculiaridade da situação de fato verificada. Não sendo assim, é caso então de verificar-se a teoria finalista da posse. II.VIII. A questão segundo a teoria funcionalista
Aponta SÉRGIO SAID STAUT JÚNIOR, em sua tese de doutorado pela Universidade Federal do Paraná, quando analisou a construção teórica da posse no Brasil, que muito embora os ideais das teorias de SAVIGNY e JHERING tenham sido fundamentais para a construção da teoria moderna da posse, provavelmente pela força desses dois juristas e pelo momento histórico que foram pensadas, a doutrina sobre a posse ainda não foi capaz de se libertar desses dois antecessores, permanecendo essa matéria, até certo ponto, no
mesmo eixo teórico do século XIX 19. Aí então, a esse raciocínio, acrescenta-se o magistério de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD, no sentido de que as teorias de SAVIGNY e JHERING não teriam capacidade de explicar o instituto jurídico da posse em conjunto com uma teoria material dos direitos fundamentais, estando envelhecidas e em desacordo com a realidade social presente 20. É neste contexto que uma corrente, até hoje minoritária, mas não menos importante, propõe uma teoria da posse vista sob o prisma de sua função social, ou melhor, de forma mais contemporânea, da sua função socioambiental, dissociando-se tanto da teoria de SAVIGNY como da de JHERING, como bem observa o PROF. FACHIN, ao apontar21:
Tem trânsito livre na ciência jurídica moderna a noção de que a posse é mera exteriorização da propriedade, admitindo-se excepcionalmente a figura do possuidor não proprietário. Enjaular o fenômeno possessório dessa forma corresponde a um visão superada pela realidade, mas ainda não reconhecida. Diz-se que esses novos contornos da matéria começou a tomar destaque quando RAYMOND SALEILLES passou a defender que a posse seria um fenômeno autônomo da propriedade, ligado a utilização econômica e social da coisa. Fala-se em restituição da [...] sua finalidade econômica e social imanente e dependente apenas dos costumes sociais e das diferentes relações jurídicas que unem a pessoa à coisa por ela explorada" 22. Enfim, para SALEILLES a posse "refere-se a uma vontade do indivíduo que deve ser respeitada pela necessidade mesma de todos de apropriação e exploração econômica das coisas, desde que esta vontade corresponda um ideal coletivo, segundo os costumes e opinião pública" 23.
Contribuindo com essa ideia de autonomia da posse 19 STAUT JÚNIOR, Sérgio Said. A posse no direito brasileiro da segunda metade do século XIX ao Código Civil de 1916. Tese de doutorado. Curitiba: UFPR, 2009. p. 169. 20 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 6 ed, 2 tir. Rio de Janeiro:
Lumen Juris 2009. p. 31. apud IWASAKI, Micheli Mayumi. A desapropriação judicial do código civil: limites e possibilidades para a reforma agrária. Dissertação de mestrado. Curitiba: UFPR, 2011. p. 72. 21 FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e da propriedade contemporânea: uma
perspectiva da usucapião imobiliária rural. Porto Alegre: SAFE, 1988. p. 13. apud IWASAKI, Micheli Mayumi. op. cit., p. 73-74. 22 ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua consequência frente à
situação proprietária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. apud NICOLETTO, Rodrigo Lucietto. op. cit., p. 59. 23 ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. op. cit., p. 128-129. apud OLIVEIRA, Álvaro Borges de;
MACIEL, Marcos Leandro. Estado da arte das teorias possessórias. Revista direitos fundamentais e democracia. Curitiba, vol. 5. 2009. p. 10. Disponível em: www.revistaeletronicadfd.unibrasil.com.br. Acesso em: 22 out 2011. à propriedade, e reforçando a tese da função social da posse, surge no início do século XX o italiano SILVIO PEROZZI, aludindo que "a posse é [...] um fenômeno social de gênese e natureza consuetudinária, um produto sociológico" 24, e, na segunda metade do século XX, o espanhol ANTÔNIO HERNANDEZ GIL, com sua obra intitulada "A função social da posse", defendendo que a posse seria historicamente anterior a institucionalização da propriedade privada, de modo que então ela incorporaria "[...] algo social e juridicamente anterior que não começa com ou na propriedade" 25.
Assim, apesar de inexistir no Brasil qualquer texto normativo com referência expressa à função social da posse, ao reestruturar-se a teoria da posse com base em SALEILLES, PEROZZI e GIL, a entendê-la como um fenômeno social, ou melhor, de utilidade social, passa-se a exigir o atendimento à sua função social, pois isso seria intrínseco ao seu conceito (se é um fenômeno de utilidade social, logicamente deve-se atender a sua função social). A dúvida então é o que seria essa função social da posse, bem respondida por RODRIGO NICOLETTO nos seguintes termos 26:
[...] a posse como função social permite o atendimento aos princípios fundamentais do sistema jurídico brasileiro, conferindo dignidade ao trabalhador do campo, capaz de produzir alimentos para sua subsistência e para a sociedade, e ao morador da cidade, eliminando as habitações indignas e humilhantes. Sem dúvida reconhecer na posse uma função social é caminhar em direção a uma sociedade mais justa, combatendo a pobreza e diminuindo as desigualdades sociais. Até aqui, portanto, à luz de uma teoria da função social da posse, seria de se reconhecer a usucapião em favor dos apelados, acaso superada a questão de cunho processual que vicia o feito e também se fosse verificado o prazo suficiente a tanto, pois teriam feito da área em questão sua moradia. Sucede que, com o passar do tempo, surgiram [...] na vida jurídica novos institutos que são produtos da evolução do direito para regular novas exigências sociais, precisamente como são a posse e a propriedade ecológica, para responder às exigências de consciência ecológica, que busca garantir um ambiente saudável e ecologicamente equilibrado para toda a comunidade, assim como o respeito ao meio ambiente, quando o tipo de bem assim o exija por suas características especiais de uso ou aproveitamento, 24 SOARES, Fernando Luso. Ensaio sobre a posse como fenómeno social e instituição jurídica. 1980. p. XCVI. apud OLIVEIRA, Álvaro Borges de; MACIEL, Marcos Leandro. op. cit., p. 10. 25 GIL, Antonio Hernandez. La función social de la posesión. Madrid: Alianza Editora S.A., 1969. p.
90. apud NICOLETTO, Rodrigo Lucietto. op. cit., p. 76. 26 ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. op. cit., p. 128-129. Apud OLIVEIRA, Álvaro Borges de;
MACIEL, Marcos Leandro. op. cit., loc. cit. (sem destaques no original)
de posse ou titularidade" 27. Assim, bem considera RODRIGO NICOLETTO que "a posse também cumpre com uma função ambiental, uma vez que não basta ao possuidor apenas tornar uma determinada área de terra produtiva para que sua função social seja reconhecida. É fundamental que o possuidor no desempenho de suas atividades garanta a preservação do meio ambiente, utilizando os recursos naturais disponíveis de forma racional, sob pena de não ser reconhecida a função socioambiental da posse" 28. Hoje então, para os adeptos dessa teoria funcionalista da posse, não mais se fala somente em função social da posse, mas em função socioambiental da posse. São elementos autônomos, função ambiental e função social, que devem ser atendidos em conjunto para a caracterização da posse (função socioambiental), de modo que a ausência de um deles culmina pela inexistência de posse.
E aí então, tendo os apelados, considerados em conjunto com os demais ocupantes da área toda, agido em desrespeito as leis ambientais, pois instalaram uma verdadeira vila, onde a princípio somente seria permitida a ocupação de uma unidade familiar, dado tratar-se de área de manancial, então qualificada como Área de Preservação Permanente, não há como se concluir pelo atendimento da função ambiental da sua posse.
Por consequência, mesmo que adotada a teoria funcionalista da posse, uma vez que não está atendida a sua função socioambiental, pois não se vem contribuindo para a manutenção do equilíbrio ecológico local, não haveria como, também por essa corrente, falar-se em posse, a assim ensejar o reconhecimento da usucapião. Aliás, valendo aqui registrar a seguinte passagem de CARLOS FREDERICO MARÉS DE SOUZA, para quem 29:
A propriedade da terra gera males paradoxais porque destrói a natureza com força devastadora e argumenta que mais precisa destruir para dar de comer a desesperado e incontável contingente humano. Ironicamente, quanto mais destrói a natureza, menos vida possibilita, inclusive humana, quanto mais altera os seres vivos, mais se aproxima da morte. Há algo de errado nessa lógica inversa, não é possível que a garantia de um direito individual seja o flagelo do direito dos povos. Imperativo, portanto, o acolhimento do recurso. 27 MORA, Eduardo Chacon. Uma forma de poseer em beneficio de todos. In: Congresso Mundial de Direito Agrário. Direito agrário e desenvolvimento sustentável. Porto Alegre: UMAU, 1999. apud NICOLETTO, Rodrigo Lucietto. op. cit., p. 105. (sem destaques no original) 28 NICOLETTO, Rodrigo Lucietto. op. cit.,. p. 107. 29 DE SOUZA, Carlos Frederico Marés. A função social da terra. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 2003. p. apud NICOLETTO, Rodrigo Lucietto. op. cit., p. 109-110 (destacou-se). II.IX. Conclusão
Vê-se, portanto, que, primeiro, o feito não se entra suficientemente maduro, por conta da irregularidade da planta que instrui a inicial, além do que, há a necessidade da citação da sociedade MÓVEIS RITZMANN, seja por se tratar da pessoa em cujo nome encontra-se registrado o imóvel, seja por ser confinante. Além disso, mesmo que assim não fosse, verifica-se que não transcorreu tempo suficiente a ensejar o reconhecimento da usucapião especial urbana, por não ter decorrido lapso temporal suficiente a partir do momento em que o imóvel passou a ser considerado urbano, até a data da propositura da ação, e, além disso, ainda que o tempo decorrido fosse suficiente para a caracterização da usucapião, tecnicamente falando, seja adotando-se a teoria clássica civilista, ou a moderna teoria funcionalista da posse, a ocupação exercida pela parte autora não caracteriza posse, o que impede a verificação da prescrição aquisitiva ou usucapião.
Por tudo isso, muito embora fosse o caso de se anular a sentença, determinando a regular instrução do feito, por conta do princípio da economia processual, uma vez que acaso os vícios existentes fossem sanados em nada influenciaria no deslinde do feito, dada a ausência da caracterização da posse, desde já se impõe o provimento do recurso do Município, julgando-se então improcedente o pedido do autor, condenando-o ao pagamento das custas processuais e honorários de sucumbência, que, na forma do art. 20, § 4º, do CPC, devem ser fixados no montante de R$ 1.000,00, a favor dos patronos do município apelante, ficando, porém, a exigibilidade condicionada ao advento da circunstância prevista no art. 12 da Lei 1.060/50.
ANTE AO EXPOSTO, dou provimento à apelação reformando a sentença e, assim, julgando improcedentes os pedidos deduzidos na inicial, responsabilizando o autor pelas verbas de sucumbência, na forma supra.
III. Decisão
Acordam os magistrados integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
O julgamento foi presidido pelo Desembargador CARLOS MANSUR ARIDA e dele participaram os Excelentíssimos Senhores, Desembargador MARCELO GOBBO DALLA DEA e Juiz Convocado LUIS ESPÍNDOLA30, acompanhando o voto do Relator convocado.
Curitiba, 23 de novembro de 2011.
Juiz Francisco Jorge Relator Convocado FCJ/rbl
-- 1 Subst. Desa. Ivanise Maria Tratz Martins -- proferida pela magistrada CAMILA HENNING SALMORIA -- que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, declarando a usucapião especial urbana da área descrita na inicial em favor da apelada.
Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade -- tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo --, e intrínsecos -- legitimidade, interesse e cabimento --, merece ser conhecido o recurso. II.I. O caso dos autos
-- SNUC, quando então as unidades de conservação que o integram foram divididas em dois grandes grupos: UNIDADES DE PROTEÇÃO INTEGRAL e UNIDADES DE USO SUSTENTÁVEL (art. 7º). Nas primeiras, com o objetivo básico de preservar a natureza, é apenas permitido o uso indireto dos seus recursos naturais (art. 7º, § 1º); já, nas segundas, compatibiliza-se a conservação da natureza com o uso sustentável da parcela dos seus recursos naturais (art. 7º, § 2º).
Como expõe ÉDIS MILARÉ, dentro dos dois grandes grupos, quais sejam, das Unidades de Proteção Integral e das Unidades de Uso Sustentável, identificam-se e diferenciam-se 12 categorias, em que "cada modalidade de área protegida realça, em maior ou menor escala, um ou vários dos objetivos preconizados pela Lei, respeitada a primazia da finalidade conservacionista, consoante explícito na própria definição de unidade de conservação dada pelo art. 2º, inc. I [...], da Lei 9.985/003. Confiram-se na tabela abaixo as categorias de Unidades de Conservação e seu respectivo grupo:
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO UNIDADES DE PROTEÇÃO INTEGRAL UNIDADES DE USO SUSTENTÁVEL Estação Ecológica Área de Proteção Ambiental APA Reserva Biológica Área de Relevante Interesse Ecológico Parque Nacional Floresta Nacional Monumento Natural Reserva Extrativista Refúgio de Vida Silvestre Reserva de Fauna Reserva de Desenvolvimento Sustentável
-- 2 Regulamenta o artigo 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. 3 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina jurisprudência glossário. 4ª ed. São Paulo: RT,
2005. p. 371.
-- 30 Subst. Des. Sérgio Roberto N. Rolanski
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