Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.Recomenda-se acessar o PDF assinado.
HABEAS CORPUS CRIME Nº 825907-6, DA COMARCA DE LOANDA VARA CRIMINAL E ANEXOS. IMPETRANTE : DOUGLAS BONALDI MARANHÃO (ADVOGADO) PACIENTE : MORIVAL FAVORETO. RELATOR DESIG.: DES. JESUS SARRÃO. `HABEAS CORPUS'. HOMICIDIO QUALIFICADO. ART. 121, § 2º, IV DO CP. DESARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL E OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE PROVAS FORMAL E SUBSTANCIALMENTE NOVAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. - A pretensão de trancamento da ação penal exige que se verifique se houve alteração do panorama probatório dentro do qual fora concebido e acolhido o pedido de arquivamento do inquérito policial (STJ, RHC 18561, DJ de 01/08/2006), a autorizar o oferecimento da denúncia criminal contra o ora paciente, ou seja, se foi produzida prova formal e substancialmente nova, amparada Habeas Corpus Crime nº 825907-6. em fatos anteriormente desconhecidos, que tenha idoneidade para alterar o juízo precedente proferido sobre a desnecessidade da persecução penal (cfme. Tourinho Filho, Código de Processo Penal Comentado, vol. 1, 4ª Ed., Saraiva, 1999, p. 89/90). - Para tal finalidade, é necessário verificar se as "novas provas" constituem base empírica apta para alterar o conjunto probatório existente por ocasião do pedido de arquivamento de modo a suportar, com justa causa, o oferecimento de denúncia, pois, como tem decidido o colendo Supremo Tribunal Federal, "As "novas provas" serão aquelas capazes de autorização do início da ação penal, com alteração do conjunto acolhido no arquivamento (RTJ 91/831; 32/35; 63/620;40/111; 47/53; 188/200; 185/970; 186/624)" (Roberto Rosas, Direito Sumular, 13ª edição, Editora Malheiros, 2006, pág. 267). - Desse modo, em que pese tenham alguns dos assentados reconhecido o paciente dentre as pessoas que invadiram o acampamento do MST no dia dos fatos (cfme. declarações contidas no inquérito antes do arquivamento), tendo o Dr. Promotor de Justiça apresentado argumentos que, a par destes reconhecimentos, conduziram à conclusão de que não se produziram elementos para esclarecer a Habeas Corpus Crime nº 825907-6. autoria delitiva e tendo requerido o arquivamento do respectivo Inquérito Policial, o que foi acolhido pela MMª Juíza de Direito, a posterior instauração de persecução penal contra o indiciado só poderia ocorrer se tivessem surgido "novas provas" capazes de modificar o panorama probatório anterior, o que não ocorreu, como se demonstrou pela análise dos novos elementos colhidos após o desarquivamento. - Não havendo, no caso, a produção de "novas provas" que modificassem a matéria de fato e autorizassem o oferecimento de denúncia em desfavor do paciente, é de rigor que se reconheça estar sofrendo constrangimento ilegal. - O oferecimento de denúncia, com fundamento em base empírica existente em inquérito policial arquivado, a pedido do Ministério Público, constitui constrangimento ilegal e viola o princípio constitucional da segurança jurídica, pois, se assim não for, o investigado a qualquer momento, antes de consumado o prazo prescricional, poderá ser submetido a processo penal, independentemente de novas provas, o que é inadmissível, nos termos do art. 18 do Código de Processo Penal e do enunciado da Súmula 524 do egrégio Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus Crime nº 825907-6. VISTO, relatados e discutidos estes autos de HABEAS CORPUS Nº 825907-6, da Comarca de Loanda, Vara Criminal e Anexos, em que é impetrante DOUGLAS BONALDI MARANHÃO (advogado) e paciente MORIVAL FAVORETO. Trata-se de habeas corpus impetrado pelo ilustre advogado Douglas Bonaldi Maranhão em favor de Morival Favoreto, objetivando o trancamento do processo da ação penal nº 1998.0004-3, em que o paciente foi denunciado perante o Juízo Criminal da Comarca de Loanda como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, IV do Código Penal, sob a alegação de "ilegalidade da Decisão proferida pela autoridade coatora que", segundo o impetrante, "na contramão dos dispositivos legais" (art. 18, CPP) e do enunciado da Súmula 524/STF, "desarquivou o Inquérito Policial sem que houvesse qualquer notícia de prova nova que pudesse alterar ainda que superficialmente a realidade fática do momento em que se entendeu pelo seu arquivamento" (f. 22, vol. 01/03). Aduz o impetrante, em síntese, que: a) o inquérito policial fora arquivado por decisão de 18/05/2004, até que a Promotoria de Justiça "tomou conhecimento de que a República Federativa do Brasil havia sido demandada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso 12.478, por conta do procedimento investigatório em referência" (caso Sétimo Garibaldi); b) como a legislação brasileira não contempla a
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
instauração de demanda junto à Corte Interamericana como causa de reabertura de inquérito policial, o Dr. Promotor de Justiça buscou sustentar seu pedido de desarquivamento "na existência de uma suposta prova nova", com fundamento no art. 18 do Código de Processo Penal, amparado em duas declarações prestadas por instrumento público (de Vanderlei Garibaldi, filho da vítima, e de Giovani Braun) (fls. 261/268); c) "o equivocado desarquivamento do caderno investigatório que deu origem à Ação Penal em epígrafe, decorreu, única e exclusivamente, da pressão exercida pelos organismos internacionais Corte Interamericana de Direitos Humanos que, contrariando todo nosso ordenamento jurídico, fez nascer um processo penal eivado de vício desde sua origem". Sustentou que: a) a MMa. Juíza de Direito, ao determinar o desarquivamento dos autos de inquérito policial, não cuidou "de esclarecer que fato inovador, exatamente, teria trazido as novas testemunhas", isso porque os depoimentos referidos "não trouxeram absolutamente nada que representasse uma inovação"; b) os fatos narrados por Vanderlei (filho da vítima) e por Giovani Braun, não constituem prova nova a permitir o desarquivamento do inquérito, tanto que a pessoa referida por Vanderlei Garibaldi, de alcunha "Barriga" (Sr. Edvaldo Rodrigues Francisco), já havia prestado depoimento no inquérito arquivado, descrevendo os fatos apresentados por Vanderlei Garibaldi, e o Sr. Giovani Braun limitou-se a relatar fatos públicos e propagados à época do evento, sem relação com os fatos objeto do processo; c) antes mesmo do cumprimento de todas as diligências requeridas pela Dra. Promotora de Justiça "ofertou-se Denúncia contra o
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
Paciente sem a colheita de qualquer elemento probatório que permitisse sequer sua investigação, quanto mais a formalização de sua acusação com a propositura de uma Ação Penal a seu desfavor"; d) a postura da autoridade coatora ofende os Direitos Humanos ao submeter "o cidadão/paciente ao enfrentamento de uma Ação Penal, sem que haja um só indício plausível de que este tenha, de alguma forma, participado do delito em comento", tanto que todas as testemunhas presenciais indicaram "um certo baixinho encapuzado", sequer identificado, como autor do disparo contra a vítima; e) a própria Corte Interamericana de Direitos Humanos, na sentença proferida, "reconheceu a inexistência de qualquer prova nova no caderno investigatório", ao afirmar que "as supostas novas provas já constavam no expediente" (item 105, f. 424/TJ, vol. 03/03). Ao concluir a petição inicial, o impetrante requereu a concessão de medida liminar para sobrestar o andamento do processo, e, afinal, que fosse concedida a ordem de habeas corpus para trancar a ação penal. Pela decisão de fls. 593/598 (vol. 03/03), o pedido de medida liminar foi indeferido pelo eminente relator, Dr. Naor de Macedo Neto. A autoridade apontada como coatora prestou informações às fls. 603/604 (vol. 03/03), dizendo que na demanda aforada perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (caso 12.478, denominado "Sétimo Garibaldi"), "foram acostados depoimentos e provas novas, não coletados durante a tramitação do presente inquérito policial", e, com base nesses fatos novos a Dra. Promotora requereu o
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
desarquivamento do inquérito policial, pedido que foi acolhido pela magistrada, que considerou preenchidos os requisitos do art. 18 do CPP. A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo ilustre Procurador de Justiça, Dr. Reginaldo Rolim Pereira, manifestou-se pela denegação da ordem de habeas corpus. Na sessão realizada, em 03 de novembro do corrente ano, o eminente Juiz Substituto em Segundo Grau, Dr. Naor Ribeiro de Macedo Neto, em substituição ao eminente Desembargador Telmo Cherem, proferiu voto pela denegação da ordem. É o relatório. Voto. Alega o impetrante que o paciente Morival Favoreto está sofrendo constrangimento ilegal em decorrência do indevido desarquivamento dos autos de inquérito policial, que levou ao oferecimento e recebimento de denúncia contra o ora paciente sob acusação de ter concorrido, "agindo com dolo eventual", para o crime de homicídio qualificado contra a vítima Sétimo Garibaldi, por haver supostamente contratado e levado "bando armado e encapuzado" até a Fazenda São Francisco (Município de Querência do Norte), por volta das 05:00 hs da madrugada do dia 27 de novembro de 1998, para efetuar a desocupação forçada da referida fazenda, onde se encontravam acampados integrantes do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) (autos de ação penal nº 1998.0004-3 de Loanda/Pr). O inquérito policial instaurado à época iniciou-se com a prisão em flagrante de Ailton Lobato, capataz da Fazenda Mundaí, de propriedade do paciente Morival Favoreto, por porte ilegal de arma de
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
fogo e formação de quadrilha, em razão de informações recebidas pelos policiais militares, condutor e testemunhas do flagrante, no sentido de que o autuado, Ailton Lobato, bem como o ora paciente, Morival Favoreto, estavam entre os elementos encapuzados que participaram da invasão do acampamento dos "Sem Terra" na madrugada de 27/12/1998 (fls. 25/27 TJ, vol. 01/03). Em seguida, foram ouvidos pela autoridade policial, na tarde do dia dos fatos, integrantes do MST: Atílio Martins Mieiro, identificou o paciente Morival Favoreto (proprietário da fazenda) e seu capataz "Ailton de tal" dentre os homens encapuzados que invadiram o acampamento (f. 32/TJ); Carlos Valter da Silva também identificou, dentre os elementos que participaram da desocupação, Ailton Lobato, indicado como o "capataz da Fazenda Mundaí", além de afirmar a presença de Morival Favoreto, "porque ambos retiraram em certo momento o capuz" (fls. 34/35 TJ); Nelson Rodrigues dos Santos, de igual forma, esclareceu que "Lorival e seu capataz chegaram encapuzados e depois retiraram o capuz", mandando o pessoal sair dos barracos, e salientou, ao final, que não foram eles (Ailton ou Morival) que efetuaram o disparo contra a vítima, mas sim "um elemento baixo, gordo e que estava encapuzado" (fls. 37/38 - TJ); Edvaldo Rodrigues Francisco, ouvido em 02/12/1998, disse ter reconhecido, durante o episódio, ao sair de seu barraco, "a pessoa que comandava", "o ex-proprietário da Fazenda de nome MORIVAL FAVORETTO", o qual "gritava o nome de "Capitão, Sargento" e estava sem capuz", destacando que o conhecia por ter trabalhado para o mesmo, tendo identificado, também, a pessoa de
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
"AILTON LOBATO, administrador da Fazenda Mundaí", igualmente sem capuz (f. 51/TJ). Entre os "sem terra" que estavam acampados na Fazenda São Francisco no dia dos fatos, e que foram ouvidos no inquérito policial (02/12/1998), Francisco Carlos de Aguiar, Teotônio Luis dos Santos e Francisco Moscovito não reconheceram os elementos que chegaram ao acampamento dando tiros e mandando os acampados irem ao centro do acampamento, sendo que o último deles destacou ter ouvido de um dos elementos, o tal "Sargento", questionando a outro dos elementos: "ESTÁ VENDO A CAGADA QUE VOCÊ FEZ" (f. 50, 53 e 55/TJ); José Aparecido de Paula não estava no local no momento dos fatos, mas consta de suas declarações prestadas no inquérito arquivado (03/12/1998), que certa vez encontrou com Ailton Lobato, administrador da Fazenda Mundaí, que disse ao declarante para "sair da Fazenda, porque o `pau ia quebrar', pois, o patrão ia fazer despejo" (f. 56/TJ). Após a MMa. Juíza de Direito solicitar que o Sr. Escrivão de Polícia, à época dos fatos, informasse se ele efetivamente efetuou disparo com a arma apreendida em poder do Sr. Ailton Lobato, sobreveio a informação de fls. 124/125 TJ, onde o referido escrivão, Cezar Napoleão Casimir Ribeiro, confirma ter efetuado o referido disparo por ter sido necessário na retirada dos tratores da Fazenda Amambay, para evitar represálias por parte do MST; noticia, também, o escrivão, a existência de divergências entre os fatos a ele narrados quando chegou ao local do evento delituoso às 06:00 hs da manhã, ocasião em que
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
não foi mencionado, pelas testemunhas, que Ailton Lobato ou o Sr. Morival Favoreto estivessem no local, sendo mencionado apenas a existência do caminhão branco Volkswagen igual ao que Ailton Lobato utilizava, o que levou à sua abordagem; e aqueles fatos informados à autoridade policial, quando as testemunhas compareceram à Delegacia de Polícia no final da tarde, levadas por vereador ligado ao MST, desta vez mencionando a presença de Ailton e Morival (cfme. também relatou o Ministério Público à f. 522). O paciente Morival Favoreto, em seu interrogatório prestado no inquérito policial arquivado, negou qualquer participação nos fatos, afirmando que naquela data estava em São Bernardo do Campo, São Paulo, acompanhando seu irmão Darci Favoreto em tratamento médico (fls. 130/131 TJ), juntando, inclusive, recibo de consulta realizada em São Paulo no dia 25/11/1998 (f. 133/TJ, vol. 01/03)). À f. 211/TJ (vol. 02/03), foi ouvido pela autoridade policial do Estado de São Paulo o médico Flair José Carrilho, que não pode afirmar com certeza se Morival Favoreto esteve em seu consultório no dia 25/11/1998; disse, porém, que seu paciente Darci Favoreto esteve nessa data no seu consultório e confirmou a emissão do recibo que lhe foi apresentado em cópia xerox. Em 18/05/2004, a MMa. Juíza de Direito da Comarca de Loanda determinou o arquivamento do inquérito policial (f. 230/TJ, vol. 02/03), acolhendo requerimento do Dr. Promotor de Justiça, em que este apresentou os seguintes argumentos: a) a pessoa que efetuou o disparo contra a vítima Sétimo Garibaldi não foi identificada; b) não se pode inferir que os demais participantes da invasão tenham anuído na
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
prática do homicídio cometido por pessoa não identificada; c) não houve `animus necandi' já que o disparo foi realizado na perna da vítima e os invasores abandonaram o local logo após, sobrevindo a morte "por falta de atendimento e por hemorragia intensa"; d) não se comprovou que os veículos utilizados na invasão fossem de propriedade do paciente; e) já se passaram 04 (quatro) anos e não se conseguiu esclarecer a autoria delitiva; f) não há elementos para caracterização do crime de quadrilha ou bando e o delito de porte de arma de fogo imputado à Ailton Lobato está prescrito (fls. 228/230 TJ). Ao tomar conhecimento de que a República Federativa do Brasil havia sido demandada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (caso 12.478, denominado "Sétimo Garibaldi"), e ao entendimento de que em referida demanda foram acostados depoimentos e provas novas, porque não coletadas durante a tramitação do inquérito policial, consistentes nas declarações de Vanderlei Garibaldi, filho da vítima Sétimo Garibaldi, e Giovani Braun, a Dra. Promotora de Justiça requereu, em 20/04/2009, o desarquivamento do inquérito, com pedido de realização de diversas diligências (fls. 246/251, vol. 02/03), o que foi deferido pela MMª Juíza de Direito, na mesma data, com fundamento no art. 18 do CPP (fls. 334/335), ao entendimento de que "Nos documentos colacionados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO há declarações de pessoas que não foram ouvidas durante a pretérita investigação policial, as quais trazem elementos novos em relação ao que já foi produzido para apurar a morte de Sétimo Garibaldi".
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
Tais declarações que ensejaram o desarquivamento do inquérito policial, conforme destacado pela Dra. Promotora de Justiça, referem-se àquelas prestadas por Vanderlei Garibaldi (filho da vítima), não ouvido no inquérito policial, ao afirmar que "um companheiro, conhecido como `Barriga', contou ao declarante que reconheceu a voz de Ailton, administrador da fazenda, entre os encapuzados, porque ele declarante já havia trabalhado ali na fazenda e conhecia bem a voz dele (...)" bem como que "(...) um companheiro conhecido como Lelê foi espancado, muitos outros foram agredidos a coronhadas e pontapés", e que seus cunhados Darci e Marcelo estariam presentes quando a vítima foi atingida; e, também, às declarações prestadas por Giovani Braun, Diretor do Departamento de Agricultura da Prefeitura de Querência do Norte, não ouvido na Delegacia de Polícia antes do arquivamento do inquérito, as quais foram consideradas "fato novo" ligando eventualmente o episódio à atuação de milícias particulares armadas na mesma época e região, para expulsão clandestina de outros acampados de outras Fazendas (f. 248, vol. 02/03). Os informes destacados serviram como notícias de provas novas a autorizar o desarquivamento do inquérito policial, conforme bem destacou o eminente Relator, Dr. Naor de Macedo Neto, Juiz Substituto em Segundo, em seu voto proferido no dia 03/11/2011. Ao se determinar o desarquivamento dos autos de inquérito policial e se deferir a realização de novas diligências, foram ouvidas as seguintes pessoas, que não haviam sido inquiridas antes do arquivamento do inquérito policial: Iracema Cidato Garibaldi (viúva da vítima), Giovani Braun, Vanderlei Garibaldi (filho da vítima), Darci
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
Ghioti e Marcelo Luiz de Santana (genros da vítima) (fls. 342/347 TJ, vol. 02/03), Daniel dos Santos e Valcir Antonio Voss (fls. 544, 546/TJ, vol. 03/03). Iracema Cidato Garibaldi, viúva da vítima Sétimo Garibaldi, ao ser ouvida disse que não estava no assentamento no dia do crime, não tendo presenciado os fatos, e que apenas "acredita que quem matou seu esposo deva ser o proprietário da fazenda mais algumas pessoas, pois foram desocupar sua fazenda" (f. 342, vol. 02/03). Giovani Braun, afirmou que após a ocupação da Fazenda da Família de Marcos Prochet (Presidente da UDR à época), em 1997, "iniciou-se a contratação de pessoas, formando milícias para a desocupação de propriedades ocupadas por agricultores Sem Terras", destacando a desocupação de várias Fazendas naquele período, em alguns casos com mortes (Fazenda Saudade, no Município de Santa Izabel do Ivaí (1997), Fazenda Santo Ângelo da Boa Sorte, em Marilena (1998), Fazenda São Francisco (1998), além do assassinato do irmão do líder do movimento em 1999). Esclareceu que após conversar com as pessoas que sofreram as referidas desocupações percebeu que todas elas foram realizadas com o mesmo "modo de execução", tendo os agentes chegado no mesmo horário, "fortemente armados" e tratando-se por nomenclaturas utilizadas por policiais (`capitão', `tenente'), "o que faz o Declarante crer que sempre eram determinadas e executadas pelas mesmas pessoas". Disse, ainda, que ao acompanhar os inquéritos e as provas produzidas, "sempre indicavam como mandantes das desocupações o envolvimento das pessoas de Marcos Prochet, Tarcísio Barbosa, Ivo Lopes Furquim, Osnir Sanches" (fls. 343/344, vol. 02/04).
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
Vanderlei Garibaldi, filho da vítima, nas declarações de f. 345 (vol. 02/03), disse que ficou sabendo, pela pessoa de Edvaldo Rodrigues, vulgo "Barriga", que este "ouviu a voz do Sr. Morival Favoretto e de Ailton Lobato comandando a desocupação" e que Atílio Martins Mieiro também reconheceu as pessoas de Morival e Ailton Lobato "pois estavam sem capuz", destacando, ainda, que por várias vezes Ailton Lobato "ameaçava os acampados de que iriam desocupar a fazenda". O genro da vítima, Darci Ghiotti, que estava acampado no barraco ao lado do barraco da vítima, disse não ter presenciado o momento em que seu sogro foi baleado. Consta de suas declarações que, embora não tenha reconhecido qualquer das pessoas que invadiram o acampamento, "alguns acampados disseram reconhecer as pessoas de Ailton e Morival" (f. 346, vol. 02/03). Outro genro da vítima, Marcelo Luiz de Santana, que, no dia dos fatos, saiu do barraco onde morava com a vítima, logo depois desta, asseverou, em suas declarações, que apenas escutou o disparo, sem reconhecer seu autor, e afirmou "com certeza" que um dos caminhões utilizados na invasão do acampamento era o caminhão Volks branco utilizado por Ailton Lobato diariamente para trabalhar (f. 347, vol. 02/03). À f. 544/TJ (vol. 03/03) foi ouvido o Sr. Comandante do Destacamento da Polícia Militar de Querência do Norte, Daniel dos Santos, que relatou trabalhar na região da Comarca de Loanda há 30 (trinta) anos, e trabalhar há 17 (dezessete) anos em Querência do Norte, e
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
que o "ocorrido na fazenda do Sr. Morival Favoreto foi um fato isolado", e que "Na região não existe milícia armada". Procedeu-se a oitiva, também, de Valcir Antonio Voss, que afirmou residir em Querência do Norte há 48 (quarenta e oito) anos, sendo que seu sogro tem uma propriedade ao lado da Fazenda do paciente, e disse não ter "conhecimento de milícias armadas" na região e que o "que aconteceu na fazenda foi um fato isolado" (f. 546/TJ, vol. 03/03). No auto circunstanciado de fls. 484/485 TJ (vol. 03/03), lavrado posteriormente ao desarquivamento do inquérito, referente à ordem de serviço visando identificar "alguma milícia armada que atuou naquela época e em anos posteriores em conflitos armados com Movimentos Sem Terras" e efetuar um levantamento "de quem eram os componentes das cinqüenta Famílias, existentes no local dos fatos" objetivando sua identificação para serem ouvidas sobre os fatos investigados, consta a informação do Sargento Comandante do Destacamento da Polícia Militar de Querência do Norte no sentido de não haver mais ninguém daquela época residindo na Fazenda São Francisco (invadida na época) tendo as famílias se dispersado após a reintegração de posse, não sendo possível sua identificação, e que "não há e nunca houve nenhum tipo de milícia armada ou paramilitar atuando na região de Querência do Norte/PR, nem tampouco milícia armada composta por Policiais Militares" (fls. 484/485, vol. 03/03). Foi determinada, após o desarquivamento do inquérito, nova inquirição de Evaldo Rodrigues, vulgo "Barriga", e Atilio Martins Mieiro (fls. 462/463, vol. 03/03), referidos nas
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
declarações de Vanderlei Garibaldi (filho da vítima) havendo, nos autos, apenas notícia de que o primeiro teria ido embora de Querência do Norte, tendo morado em uma Fazenda que fica próximo aos Três Morrinhos (f. 464/TJ, vol. 03/03). O paciente foi novamente interrogado pela autoridade policial, voltando a afirmar que estava no Estado de São Paulo no dia dos fatos (fls. 468/470 TJ, vol. 03/03). O Escrivão de Polícia, à época dos fatos, que exercia suas funções na Delegacia de Polícia de Querência do Norte, Cezar Napoleão Casimir Ribeiro prestou declarações em especial quanto à certidão pertinente ao ano de 1999 quando foi solicitado pela MMª Juíza de Direito titular daquela Comarca a respeito do porquê ter efetuado disparo com a arma de fogo apreendida, sendo lavrada a informação de fls. 100/101 (autos originários), nada acrescentando quanto à autoria dos fatos imputados ao paciente (f. 489/TJ, vol. 03/03). Em 28/03/2011, foram requeridas novas diligências pelo Ministério Público (f. 531/TJ 3º vol), sendo tomadas as declarações de Teotônio Luiz dos Santos, vulgo "Lele" (que já havia sido inquirido no IP antes de seu arquivamento), onde consta que os invasores chegaram num
caminhão Ford Cargo e que embora eles não estivessem encapuzados, não conseguiu reconhecer qualquer um deles, noticiando, ainda, não ter conhecimento da existência de milícia armada atacando os assentados (f. 542/TJ, vol. 03/03). Foi juntado aos autos o atestado de óbito de Ailton Lobato (f. 538/TJ, vol. 03/03).
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
Por decisão proferida em 08/07/2011, a MMª Juíza de Direito recebeu a denúncia em face de Morival Favoreto e declarou extinta a punibilidade de Ailton Lobato, em razão de seu falecimento (f. 563 e cópia anexada à contracapa do vol. 03/03). Nos termos do art. 18 do Código de Processo Penal "depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia", ou seja, há previsão legal para o desarquivamento de autos de inquérito policial se surgirem "novas provas", "porquanto a decisão de arquivamento cuja fundamentação contemple a hipótese de insuficiência de base para a denúncia não gera coisa julgada material" (cfme. STJ, 5ª T., RHC 25.278/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 24/05/2010).
No caso em julgamento, deve-se perquirir se houve alteração do panorama probatório dentro do qual fora concebido e acolhido o pedido de arquivamento do inquérito policial (STJ, RHC 18561, DJ de 01/08/2006), a autorizar o oferecimento da denúncia criminal contra o
ora paciente, ou seja, se foi produzida prova formal e substancialmente nova, amparada em fatos anteriormente desconhecidos, que tenha idoneidade para alterar o juízo precedente proferido sobre a desnecessidade da persecução penal (cfme. Tourinho Filho, Código de Processo Penal Comentado, vol. 1, 4ª Ed., Saraiva, 1999, p. 89/90).
Para tal finalidade, é necessário verificar se as "novas provas" constituem base empírica apta para alterar o conjunto probatório existente por ocasião do pedido de arquivamento de modo a suportar, com justa causa, o oferecimento de denúncia, pois, como tem decidido o
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
colendo Supremo Tribunal Federal, "As "novas provas" serão aquelas capazes de autorização do início da ação penal, com alteração do conjunto acolhido no arquivamento (RTJ 91/831; 32/35; 63/620;40/111; 47/53; 188/200; 185/970; 186/624)" (Roberto Rosas, Direito Sumular, 13ª edição, Editora Malheiros, 2006, pág. 267). Assim, conforme julgamento da Primeira Turma do excelso Supremo Tribunal Federal, "O exame do mérito da prova nova, que motivou o desarquivamento, a fim de verificar ausência de justa causa para a denúncia de pronúncia, não se coaduna com a cognição sumária do remédio constitucional, salvo quando evidente que o quadro probatório permaneceu inalterado" (STF, HC 90292-8/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 08/05/2007).
Consoante a doutrina de Julio Fabbrini Mirabete, as "novas provas" referidas no artigo 18 do Código de Processo Penal, "capazes de autorizar início da ação penal, são apenas as que produzem alteração no panorama probatório dentro do qual foi concebido e acolhido o pedido de desarquivamento do inquérito. A nova prova há de ser substancialmente inovadora, e não apenas formalmente nova" (Código de Processo Penal Interpretado, 11ª Ed., Atlas, 2005, p. 128).
Nesse sentido o enunciado da Súmula nº 524 do excelso Supremo Tribunal Federal, verbis: "Arquivado o inquérito policial, por despacho do Juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas".
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
A propósito do sentido e alcance da expressão "novas provas" colhem-se as seguintes passagens do voto proferido pelo eminente Ministro Soares Muñoz no julgamento, pela Primeira Turma do excelso Supremo Tribunal Federal, do RHC 60061-1/SP, citando aresto do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, verbis: "(...) "E em se tratando "Da carência de Novas Provas"? A tanto obrigam os arts. 18 e § único do 409, ambos em consonância com a Súmula nº 524 do Supremo Tribunal Federal, ou seja, o reavivar o procedimento prático formal da apuração da verdade depende de provas novas. O que se deve entender por novas provas? A legislação italiana, como demonstra João Martins de Oliveira, adotou a expressão "novos fatos ou novos elementos de prova", explicando Manzini que os "termos `novos fatos' e `novos elementos de prova' são equivalentes, `pois que os fatos também devem ser elementos de prova'; no momento em que a lei os admite, enquanto tenham efeito probatório. O que se diz, por isto, foi indicar que nenhum elemento de prova é de considerar-se excluído" (Revisão Criminal, Ed. Sugestões Literárias, fls. 168). (...)
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
Prova é tudo aquilo que fere a sensibilidade do julgador com relação ao elemento fático existente num processo, enquanto que prova nova é aquele elemento que vem somar ao já existente, para permitir a mesma ou diferente apreciação do quadro probatório existente nos autos. Moacyr Amaral Santos, no seu tratado "Prova Judiciária no Cível Comercial", diz que "João Monteiro, fundado na necessidade de conceituar-se a prova apontando os seus dois caracteres, adota a definição divulgada por Mittermaier prova é a soma dos meios produtores da certeza" (vol. I/pág. 21, 3ª. Ed., Max Limonad), ou, é "a soma dos fatos produtores da convicção, apurados no processo" (mesma obra e folhas), sendo novas aquelas que apesar de já produzidas vêm dar contornos diferentes ao fato." (...)". Na espécie, como se viu, a juntadas das declarações prestadas pelo filho da vítima, Vanderlei Garibaldi, e por Giovani Braun, permitiram a reabertura das investigações (art. 18, CPP), com a conseqüente realização de novas diligências, que trouxeram aos autos de inquérito policial novas declarações, material este que conduziu a Dra. Promotora de Justiça ao oferecimento da denúncia contra o ora paciente.
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
Neste caso, a viabilidade ou não de prosseguimento da ação penal contra o ora paciente resume-se à qualificação a ser dada às declarações prestadas por Vanderlei Garibaldi (filho da vítima), Giovani Braun, Iracema Cidato Garibaldi (viúva da vítima), Darci Ghioti e Marcelo Luiz de Santana (genros da vítima), Cezar Napoleão Casimir Ribeiro, Daniel dos Santos e Valcir Antonio Voss (todos não ouvidos no inquérito arquivado) e Teotônio Luiz dos Santos (ouvido no inquérito antes do
arquivamento), além das demais diligências requeridas pelo Ministério
Público, para se aferir se elas, por si sós, modificam ou não o panorama probatório de modo a justificar o oferecimento de denúncia contra o ora paciente. Pelo que se viu das declarações e demais elementos produzidos depois do desarquivamento dos autos, ficou evidente que o quadro probatório manteve-se inalterado. As declarações prestadas à autoridade policial e já mencionadas, não forneceram elementos diferentes daqueles já produzidos anteriormente no inquérito policial para identificação dos autores do fato descrito na denúncia, e, no caso, pode-se dizer até mesmo que os elementos produzidos posteriormente ao desarquivamento do inquérito policial são substancialmente de menor valor do que aqueles produzidos antes do arquivamento. Como se viu das declarações da viúva da vítima, Iracema Cidato Garibaldi (f. 342/TJ), do escrivão policial Cezar Napoleão Casimir Ribeiro (f. 489/TJ) e da testemunha Teotônio Luiz dos Santos (vulgo `Lelê') (este último já fora ouvido no inquérito antes do
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
desarquivamento), estas não trouxeram qualquer informação sobre a identificação dos autores da invasão ou do disparo fatal. Por outro lado, Vanderlei Garibaldi (filho da vítima), em suas declarações, afirmou ter ficado sabendo por intermédio de Edvaldo Rodrigues (vulgo `Barriga') e Atílio Martins Mieiro que o paciente Morival Favoreto e Ailton Lobato estavam no local, sem capuz. Ocorre que o depoimento dessa testemunha, Vanderlei Garibaldi, filho da vítima, não acrescenta nenhum fato novo, pois Edvaldo Rodrigues (vulgo `Barriga') e Atílio Martins Mieiro já haviam sido ouvidos antes do arquivamento do inquérito, oportunidade em que disseram ter reconhecido o acusado Morival Favoreto e seu capataz Ailton Lobato. Da mesma forma, das declarações de Darcy Ghiotti e Marcelo Luiz de Santana (fls. 345/347 TJ), ouvidos posteriormente ao arquivamento do inquérito, não se infere a existência de fato novo, pois se limitaram a dizer, aquele (Darci Ghiotti), que "Apenas alguns acampados disseram reconhecer as pessoas de Ailton e Morival", e este (Marcelo Luiz de Santana), que acreditava "que quem tenha ido desocupar a fazenda seja
o dono da propriedade ou alguém mandado por ele", e ter certeza também de que "o caminhão utilizado por Ailton era o mesmo utilizado na desocupação". Esses depoimentos nada acrescentam em termos de identificação do paciente, pois, já tinha sido visto no local pelas testemunhas Atílio Martins Mieiro, Carlos Valter da Silva, Nelson Rodrigues dos Santos, e Edvaldo Rodrigues Francisco, todas ouvidas antes do arquivamento do inquérito. Outrossim, nem mesmo as declarações de Giovani Braun, funcionário da Prefeitura de Querência do Norte, relatando uma
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
série de desocupações ocorridas em fazendas naquela época (a partir de 1997), com mortes de assentados em algumas delas, além da formação de "milícias para a desocupação de propriedades ocupadas por agricultores Sem Terras", de sua forma de atuação, e da indicação de pessoas eventualmente envolvidas nas desocupações (não constando dentre elas o nome do paciente) podem ser consideradas como prova nova a autorizar o
oferecimento da denuncia contra o ora paciente, pois nenhuma relação tem com este, que não é mencionado por esta testemunha. Aliás, a douta Procuradoria Geral de Justiça, no parecer de fls. 608/615, amparada nessas declarações de Giovani Braun deduz que "o paciente ao menos assumiu o risco de que aquele resultado poderia ocorrer, pois aparentemente o mesmo grupo armado já havia invadido outros assentamentos e praticado agressões contra as famílias que ali acampavam, inclusive fazendo vítimas fatais" (f. 614), o que não me parece possível por não haver, no depoimento, qualquer elemento indicativo da relação do paciente com as desocupações ocorridas em outras fazendas que não as suas. Ao contrário dos demais argumentos apresentados pela douta Procuradoria Geral de Justiça, não vejo como se possa concluir que pelo teor dos depoimentos prestados pelos genros da vítima, Marcelo Luiz de Santana e Darcy Ghioti (fls. 346/347), ou mesmo pelas declarações do filho da vítima Vanderlei Garibaldi (f. 345/TJ) tenham eles apontado para o paciente Morival Favoreto "como um dos autores do crime", como consta, no respectivo parecer, à f. 613, pois, como se viu de suas declarações anteriormente referidas, nenhuma dessas pessoas reconheceu o paciente como um dos autores do delito que lhe é imputado.
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
Desse modo, em que pese tenham alguns dos assentados reconhecido o paciente dentre as pessoas que invadiram o acampamento do MST no dia dos fatos (cfme. declarações contidas no inquérito antes do arquivamento), tendo o Dr. Promotor de Justiça apresentado
argumentos que, a par destes reconhecimentos, conduziram à conclusão de que não se produziram elementos para esclarecer a autoria delitiva e tendo requerido o arquivamento do respectivo Inquérito Policial, o que foi acolhido pela MMª Juíza de Direito, a posterior instauração de persecução penal contra o indiciado só poderia ocorrer se tivessem surgido "novas provas" capazes de modificar o panorama probatório anterior, o que não ocorreu, como se demonstrou pela análise dos novos elementos colhidos após o desarquivamento. Não havendo, no caso, a produção de "novas provas" que modificassem a matéria de fato e autorizassem o oferecimento de denúncia em desfavor do paciente, é de rigor que se reconheça estar sofrendo constrangimento ilegal. Nesse sentido a jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal e do egrégio Superior Tribunal de Justiça, verbis: "PROCESSUAL PENAL. ARQUIVAMENTO DO INQUERITO POLICIAL. NOVAS PROVAS, CAPAZES DE AUTORIZAR INICIO DA AÇÃO PENAL, SEGUNDO A SÚMULA 524, SERÃO SOMENTE AQUELAS QUE PRODUZEM ALTERAÇÃO NO PANORAMA PROBATÓRIO DENTRO DO QUAL FORA CONCEBIDO E ACOLHIDO O PEDIDO DE ARQUIVAMENTO.
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
A NOVA PROVA HÁ DE SER SUBSTANCIALMENTE INOVADORA E NÃO APENAS FORMALMENTE NOVA. NO CASO DOS AUTOS, CONSTITUIDO SUBSTANCIALMENTE POR UM DEPOIMENTO EM QUE REPRODUZEM INFORMAÇÕES PELA TESTEMUNHA OUVIDAS DA PROPRIA VÍTIMA, A PROVA EDITADA NÃO PODIA SER CONSIDERADA PROVA NOVA, PARA O EFEITO DE AUTORIZAR A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL." (STF, 2ª T., RHC 57191, RTJ 91-03 PP-00831). "AÇÃO PENAL. DESARQUIVAMENTO. ADITAMENTO DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. NOVAS PROVAS. SÚMULA 524/STF. - A denúncia somente poderá ser aditada e receber nova capitulação legal, com o surgimento de novas provas. - Novas provas, são as que já existiam e não foram produzidas no momento processual oportuno, ou que surgiram após o encerramento do inquérito policial.
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
- Arquivado o inquérito a requerimento do Ministério Público, nova ação penal não pode ser iniciada sem novas provas. - Súmula 524 do STF." (STJ, Corte Especial, Apn. 311/RO, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, j. em 02/08/2006, DJ 04/09/2006, p. 198).
"HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. DESARQUIVAMENTO. NOVAS PROVAS. ENUNCIADO 524 DA SÚMULA DO STF. POSSIBILIDADE. 1. Entendem doutrina e jurisprudência que três são os requisitos necessários à caracterização da prova autorizadora do desarquivamento de inquérito policial (artigo 18 do CPP): a) que seja formalmente nova, isto é, sejam apresentados novos fatos, anteriormente desconhecidos; b) que seja substancialmente nova, isto é, tenha idoneidade para alterar o juízo anteriormente proferido sobre a desnecessidade da persecução penal; c) seja apta a produzir alteração no panorama probatório dentro do qual foi concebido e acolhido o pedido de arquivamento; 2. Preenchidos os requisitos - isto é, tida a nova prova por pertinente aos motivos declarados para
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
o arquivamento do inquérito policial, colhidos novos depoimentos, ainda que de testemunha anteriormente ouvida, e diante da retificação do testemunho anteriormente prestado -, é de se concluir pela ocorrência de novas provas, suficientes para o desarquivamento do inquérito policial e o conseqüente oferecimento da denúncia; 3. Recurso a que se nega provimento." (STJ, 6ª T., RHC 18.561/ES, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, j. em 11/04/2006, DJ 01/08/2006, p. 545).
Por último, não se pode negar, a meu ver, que os elementos probatórios existentes nos autos de inquérito policial arquivado eram suficientes para suportar o oferecimento, com justa causa, de denúncia contra o paciente. Ocorre que, o Órgão do Ministério Público equivocou-se ao requerer o arquivamento dos autos de inquérito policial (fls. 227/229), equívoco que se repetiu com o Órgão Jurisdicional ao deferir o arquivamento pela decisão de f. 230. Havia "elementos suficientes para sustentar a `opinio delicti', e portanto, não arquivar o inquérito", conforme consta do item 105 da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 23 de setembro de 2009, no caso "Sétimo Garibaldi", que tem o seguinte teor: "105. Quanto à reabertura do inquérito, os representantes consideraram que a mesma constitui
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
uma mostra adicional das irregularidades do procedimento, toda vez que as supostas novas provas já constavam do expediente. Essa ação do Estado confirma que existiam elementos suficientes para sustentar a `opinio delicti', e portanto, não arquivar o inquérito, destacaram que nenhum familiar de Sétimo Garibaldi foi chamado a prestar testemunho perante a polícia, pelo que o desarquivamento do inquérito não é mais que uma manobra do Estado para eximir-se das violações ocorridas neste caso. Em razão do anterior, solicitou à Corte que declare que o Estado violou o direito à proteção e às garantias judiciais em prejuízo aos familiares de Sétimo Garibaldi" (f. 424, vol. 03/03). No caso destes autos de habeas corpus, a denúncia foi apresentada sem que houvesse novos elementos probatórios que lhe dessem sustentação, o que é incompatível com o enunciado da Súmula 524 do excelso Supremo Tribunal Federal, que, reitere-se, tem o seguinte teor, verbis: "Arquivado o inquérito policial, por despacho do Juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas". O oferecimento de denúncia, com fundamento em base empírica existente em inquérito policial arquivado, a pedido do
Habeas Corpus Crime nº 825907-6.
Ministério Público, constitui constrangimento ilegal e viola o princípio constitucional da segurança jurídica, pois, se assim não for, o investigado a qualquer momento, antes de consumado o prazo prescricional, poderá ser submetido a processo penal, independentemente de novas provas, o que é inadmissível, nos termos do art. 18 do Código de Processo Penal e do enunciado da Súmula 524 do egrégio Supremo Tribunal Federal. Diante do exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em conceder o pedido de habeas corpus para trancar o processo da ação penal nº 1998.0004-3, da Comarca de Loanda, instaurada contra o paciente Morival Favoreto, sem prejuízo de que, surgindo provas, formal e substancialmente novas, que alterem o conjunto probatório existente por ocasião do arquivamento do inquérito policial, seja oferecida nova denúncia. O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador Telmo Cherem (sem voto), tendo dele participado o Senhor Desembargador Campos Marques, acompanhando o Relator Designado, e tendo votado vencido o Dr. Naor R. de Macedo Neto. Curitiba, 01º de dezembro de 2011. Des. Jesus Sarrão Relator Designado Juiz Naor R. de Macedo Neto Relator originário, com declaração de voto vencido em separado.
|