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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 871.591-7, DE LONDRINA - 4ª VARA CÍVEL APELANTE : BRUTUS COMÉRCIO DE PEÇAS LTDA APELADO : CARMAF MOTORES COMERCIAL LTDA RELATOR : DES. D'ARTAGNAN SERPA SÁ APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS. PEDIDO DE DANOS MATERIAIS. CONTRATO DE TRANSPORTE. VEÍCULOS ZERO KM. ACIDENTE. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. PEDIDO DE DENUNCIAÇÃO À LIDE FEITO EM CONTESTAÇÃO QUE FOI ANALISADO SOMENTE NA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. AÇÃO EM QUE SE DISCUTE DEFEITO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE DE LITISDENUNCIAÇÃO. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. "A restrição à denunciação da lide imposta pelo art. 88 do CDC, refere-se apenas às hipóteses de defeitos em produtos comercializados com consumidores, de que trata o art. 13 do CDC. Na hipótese de defeito na prestação de serviços (art. 14, do CDC), tal restrição não se aplica. Precedente. Recurso especial a que se dá provimento." (REsp 741.898/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15.12.2005, DJ 20.11.2006 p. 305) VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 871.591-7, de Londrina - 4ª Vara Cível, em que é Apelante BRUTUS COMÉRCIO DE PEÇAS LTDA e Apelada CARMAF MOTORES COMERCIAL LTDA.
I RELATÓRIO Trata-se de recurso de Apelação Cível manejado contra sentença proferida nos autos de Ação de Ressarcimento de Danos, nº 1031/2009, em que CARMAF MOTORES COMERCIAL LTDA promove em face de BRUTUS COMÉRCIO DE PEÇAS LTDA, em que pleiteia pela condenação da empresa requerida ao pagamento de indenização pelos danos materiais causados em razão dos prejuízos de dois automóveis (zero km) de sua propriedade, ocasionado em razão de acidente durante o transporte de Londrina para Maringá.
O magistrado singular julgou procedente o pedido inicial, condenando a requerida ao ressarcimento do valor apontado na nota fiscal referente aos dois veículos sinistrados, valor com juros de mora e atualizado a partir da data do evento danoso. Ante a sucumbência, condenou a requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 20% do valor da condenação.
Opostos Embargos de Declaração às fls. 145 e às fls. 146/148, ambos foram rejeitados conforme fls. 150 e 151.
Irresignada, a empresa BRUTUS COMÉRCIO DE PEÇAS LTDA interpôs recurso de apelação cível, às fls. 155/162, sustentando, em síntese, pela reforma da sentença, quanto ao indeferimento do pedido de denunciação à lide. Traz que o indeferimento levará a apelante à falência, tendo em vista que irá pagar dívida que não tem patrimônio suficiente para sua quitação. Informa que o capital social da empresa é de R$ 50.000,00, e contratou a cobertura de seguro no valor de R$ 250.000,00.
Assevera que há que se considerar a excludente de ilicitude, qual seja, a ocorrência de força maior, no caso, a forte chuva que deixou a pista molhada, somado ao fato de inexistir o acostamento.
Argumenta que só não houve o ressarcimento dos pequenos danos causados aos veículos transportados pela requerida, visto que a seguradora autorizou a reforma dos veículos. Traz que a parte autora se nega a receber indenização, alegando que os veículos transportados eram zero km, e, portanto, a reforma das avarias traria a desvalorização do veículo, entendimento, este, que não pode prevalecer.
Aduz que a responsabilidade do transportador está limitada ao valor constante no conhecimento, conforme artigo 750 do Código Civil, entendendo por "conhecimento", o limite de eventuais danos causados à coisa transportada.
Alega que os veículos podem ser consertados e vendidos normalmente a terceiros não trazendo qualquer prejuízo à empresa autora.
Sucessivamente, sustenta que há omissão no julgado, quanto ao valor da indenização, visto que deixou de estabelecer as diretrizes como, por exemplo, qual o valor a ser obedecido, o valor de mercado à época da aquisição dos referidos veículos, ou se deve ser desconsidera a desvalorização tendo em vista o lapso temporal transcorrido.
Ademais, informa que a requerente comercializou os veículos com terceiro, sendo que a apelante oportunamente requereu a prova desta transação.
Ao final, a apelante pugna pela reforma da sentença singular, a fim de julgar improcedente o pedido inicial.
A apelada apresentou contrarrazões às fls. 165/172.
É o relatório, em breve bosquejo. II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO Presentes os pressupostos recursais intrínsecos, referentes ao cabimento, à legitimação e ao interesse para recorrer e os extrínsecos de tempestividade, de regularidade formal e de preparo regular, vieram os autos a esta corte para julgamento.
Cuida-se de recurso de apelação cível interposto contra sentença proferida nos autos de Ação de Ressarcimento de Danos, sob o nº 1031/2009, que julgou procedente o pedido inicial, condenando a empresa requerida ao ressarcimento do valor apontado na nota fiscal referente aos dois veículos sinistrados, valor com juros de mora e atualizado a partir da data do evento danoso.
Em sua peça exordial, a empresa CARMAF MOTORES COMERCIAL LTDA alega que detém revenda autorizada dos carros fabricados pela HONDA, tendo sede em Londrina e filial na cidade de Maringá. Traz que em 30/04/2009 firmou contrato de transporte com a requerida, conforme fls. 15 e 16, para transporte de dois veículos zero km. Contudo, noticia que durante o trajeto o veículo que promovia o transporte sofreu um acidente, vindo a tombar a plataforma onde estavam alojados os veículos de sua propriedade, causando danos de média e elevada monta.
Informa que denunciou o acidente a Bradesco Seguros, seguradora da requerida, que emitiu um orçamento para efetuar os reparos nos veículos. Sustenta que, na forma proposta pela seguradora, o conserto dos veículos traz prejuízos à autora, eis que é vendedora de veículos zero quilômetro, pleiteia, assim, pelo ressarcimento dos valores dos veículos, conforme constantes nas notas fiscais (fls. 17 e 21).
Já a empresa requerida, ora apelante, BRUTUS COMÉRCIO DE PEÇAS LTDA, discorda plenamente do dever de indenizar. Aduz, em suas razões recursais, pela denunciação à lide da Seguradora, tendo em vista a cobertura de seguro no valor de R$ 250.000,00. Alega a excludente de responsabilidade, pela ocorrência de força maior. Sustenta, quanto ao valor da indenização, que a sentença monocrática deixou de estabelecer se o valor a ser obedecido, é de mercado à época da aquisição, e se deve ser considerada a desvalorização do veículo. Ainda, noticia que a empresa autora já comercializou os veículos sinistrados com terceiro.
Inicialmente, cumpre analisar a preliminar de denunciação à lide no caso em concreto.
Da Denunciação à Lide
Pois bem, a empresa apelante, em sede de contestação, requereu a denunciação à lide a Bradesco Seguros.
Em julgamento antecipado da lide, o magistrado singular proferiu sentença, indeferindo o pedido de denunciação. Alegou, para tanto, que os princípios de defesa do sistema do Código de Defesa do Consumidor são incompatíveis com a intervenção de terceiro.
Contudo, a sentença merece ser anulada, eis que cumpre deferir o pedido de denunciação à lide.
Da detida análise dos autos, verifica-se que as hipóteses tratadas pelo artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor em nada se confundem com as referidas no art. 14 do mesmo diploma legal. Nas primeiras, se regula os defeitos apresentados em produtos comercializados a consumidores. Nas segundas, fala-se de defeitos na prestação de serviços. O artigo 88 do Código de Defesa do Consumidor, que veda a denunciação da lide, refere-se de maneira expressa às hipóteses do artigo 13, não fazendo qualquer menção às hipóteses do artigo 14. Eis a redação do dispositivo: Art. 88. Nas hipóteses do art. 13, parágrafo único deste Código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide. Assim, a vedação à apresentação de denunciação da lide em uma demanda envolvendo relação de consumo existe exclusivamente para as hipóteses em que o comerciante foi demandado em lugar do fabricante do produto. Jamais nas ações em que se discute prestação de serviços. Nesse sentido já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça:
Ação de indenização por dano moral. Pagamento indevido de cheque. Art. 88 do Código de Defesa do Consumidor. Denunciação da lide. 1. Havendo relação de consumo, é vedada a denunciação da lide com relação às hipóteses do art. 13 do Código de Defesa do Consumidor, determinando o art. 88 que a ação de regresso 'poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide'. Ora, o art. 13 do Código de Defesa do Consumidor cuida da responsabilidade do comerciante, o que não é o caso, do fornecedor de serviços, alcançado pelo art. 14 do mesmo Código . Daí que, em tal circunstância, não há falar em vedação à denunciação da lide com tal fundamento. (REsp n. 464.466/MT, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, unânime, DJU de 01.09.2003) Desse modo, tendo em vista que o processo sub judice discute a reparação de danos materiais em uma hipótese de prestação de serviços e não de fornecimento de produtos, esse precedente aplica-se perfeitamente. De forma que se equivocou o magistrado a quo ao indeferir a denunciação da lide. Deste modo, ante a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, restam prejudicados os demais pontos recursais levantados pela apelante.
Feitas estas considerações, voto no sentido de dar provimento ao recurso de apelação cível, com o fim de anular a sentença monocrática, para deferir a intervenção de terceiro ao caso.
III - DECISÃO Diante do exposto, acordam os Magistrados da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em dar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto do relator. Participaram da sessão e acompanharam o voto do Relator os Excelentíssimos Senhores Desembargadores JOSÉ AUGUSTO GOMES ANICETO e DOMINGOS JOSÉ PERFETTO. Curitiba, 19 de julho de 2012. DES. D'ARTAGNAN SERPA SÁ Relator (and)
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