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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 872.999-7 FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 2ª VARA CÍVEL APELANTE: HELIZANGELA PEREIRA DE LIMA APELADO: BV FINANCEIRA S/A CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO RELATOR: DES. JURANDYR REIS JÚNIOR REVISOR: DES. ARQUELAU ARAÚJO RIBAS APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C DANOS MORAIS. 1. PREPOSTO. AUSÊNCIA DE PODERES ESPECIAIS. CONSTITUIÇÃO IRREGULAR. CONFISSÃO FICTA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE. 2. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CULPA. IRRELEVÂNCIA. 3. ERRO INESCUSÁVEL. NÃO CONFIGURADO. 1. A pessoa jurídica devidamente intimada para comparecer em audiência de instrução em julgamento, sob pena de confissão, pode ser representada por preposto, o qual deve ser devidamente constituído, inclusive com poderes especiais, entre outros, para prestar depoimento pessoal. No caso concreto, ante o não preenchimento destes requisitos, mostra-se correta a imposição da pena de confissão ficta, a qual gera presunção relativa que pode ser elidida pelas demais provas trazidas aos autos. 2. Sendo a responsabilidade da fornecedora objetiva, em decorrência da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, é irrelevante a discussão acerca da culpa. 3. O erro hábil a gerar a anulação do negócio jurídico deve ser essencial e inescusável. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 872.999-7, oriundos do FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 2ª VARA CÍVEL, em que figuram como apelante: HELIZANGELA PEREIRA DE LIMA e apelado: BV FINANCEIRA S/A CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, com qualificações nos autos.
I - RELATÓRIO
HELIZANGELA PEREIRA DE LIMA interpôs recurso de apelação em face da sentença (fls. 330/340) que julgou improcedente o pedido inicial, condenando a requerente ao pagamento das custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados estes em R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais), cujo valor deverá ser corrigido a partir da decisão pelo índice INPC/IGP-DI e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde o trânsito em julgado, observado o disposto no artigo 12 da Lei 1.060/50.
Foram opostos embargos de declaração às fls. 343/346, os quais foram rejeitados (fls. 352).
Demonstrando seu inconformismo, a autora interpôs recurso de apelação (fls. 354/368), alegando, preliminarmente, que o CD contendo a gravação do depoimento de uma das testemunhas indispensáveis ao deslinde do feito não se encontra nos autos, motivo pelo qual requer a paralisação do processo e o encaminhamento de ofício para o 2º Ofício Cível da Comarca de Curitiba para que o localize. Ainda, em sede preliminar, pugna pelo reconhecimento da revelia, posto que apesar de devidamente intimada, a apelada - por meio de seu representante - não compareceu pessoalmente em audiência para testemunhar. No mérito, aduz que a fraude se deu por um funcionário da apelada conjuntamente com um terceiro e, independentemente de culpa por parte deste funcionário, a mesma fica responsável por reparar os danos à apelante, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Sustenta também que a apelada agiu com desídia ao permitir que seu funcionário utilizasse seu nome comercial de forma irregular e fraudulenta e, ainda, que caberia a ela comprovar a inexistência de culpa, em conformidade com o diploma legal supracitado, o que não foi feito. Por fim, argüi que foi induzida a erro por parte do terceiro e que é cabível a indenização por danos morais para o fim de punir e coibir futuros atos da mesma espécie e, ainda, reparar o ato ilícito praticado pela apelada. Requer a apelante, portanto, que seja reconhecida a preliminar de revelia e, caso não seja este o entendimento, que seja reformada a sentença em seu mérito para o fim de anular o negócio jurídico entabulado, com a condenação da apelada ao pagamento de indenização por danos morais, custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da requerente. Foram apresentadas contrarrazões às fls. 372/382, pugnando pelo desprovimento do apelo. O presente processo veio concluso para este Tribunal, onde foi distribuído ao Eminente Rel. Des. José Carlos Dalácqua, pertencente à 17ª Câmara Cível, o qual declinou competência, tendo estes autos sido redistribuídos a esta Câmara.
É o relatório.
II VOTO
Satisfeitos os pressupostos processuais de admissibilidade, tanto extrínsecos como intrínsecos, impõe-se conhecer do presente recurso de apelação. Cuida-se de recurso de apelação cível interposto por HELIZANGELA PEREIRA DE LIMA em face da sentença que julgou improcedente o pedido inicial, com a consequente manutenção do contrato firmado entre as partes.
A) CD-ROM
De início, cumpre destacar que o vício decorrente do desaparecimento do CD-ROM de fls. 312, em que houve a gravação do depoimento da testemunha MARLOS FERNANDO MULLER, foi devidamente sanado pela juntada da cópia da referida mídia às fls. 369 promovida pelo apelante ao interpor o presente recurso, a qual não foi objeto de impugnação pelo recorrente em suas contrarrazões.
B) PREPOSTO
Sustenta a recorrente que deve ser imposta à apelada a pena de confissão ficta, na medida em que o banco não se fez representar em audiência de instrução por preposto devidamente constituído e com poderes expressos para depor e confessar.
Constata-se que a parte autora pugnou pela tomada do depoimento pessoal da instituição financeira (fls. 153/154), prova esta que foi deferida no saneador (fls. 160/161), sendo a requerida devidamente intimada para "prestar(em) depoimento pessoal, advertido(a) de que, caso não compareça ou se recuse a depor, será aplicada a pena de confissão, com a presunção de veracidade dos fatos alegados pela parte adversa" (fls. 162 e 163).
Verifica-se, ainda, que o banco não compareceu na audiência de instrução e julgamento, tendo, porém, enviado a Sra. ROSANE BARCZAK em seu lugar, consoante termo de fls. 184/ 188 e carta de preposição de fls. 190, a qual conferiu poderes para representar a BV FINANCEIRA S/A CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, nestes autos, podendo "assinar os termos e documentos necessários para tal fim".
Não se pode olvidar que, em se tratando de pessoa jurídica, como no caso em análise, admite-se que o depoimento pessoal seja prestado por preposto. Todavia, este deve ter poderes especiais para tal mister e, ainda, possuir necessário conhecimento a respeito da lide, dos fatos da causa e particularidades das partes, até para preencher o citado requisito da utilidade. Este é o escólio de Luiz Rodrigues Wambier: "Quando a parte for pessoa jurídica, em determinadas situações é usual que a pessoa que tem conhecimento dos fatos conflituosos não seja aquele cujos estatutos apontam para representá-la em juízo. Seria inócua a produção desse meio de prova, caso fosse ouvido alguém que nada soubesse da realidade fática subjacente à demanda, porque distante dos fatos. Assim, em casos especiais, interessa que deponha não o órgão da pessoa jurídica, mas sim o preposto, que vivenciou os fatos. Aliás, via de regra é o preposto que tem poderes para realizar os negócios da pessoa jurídica, e não o sócio. Ressalva-se, apenas, que, nesse caso, é mister que o preposto esteja autorizado pela pessoa jurídica a prestar o depoimento (...)". (Curso Avançado de Processo Civil" - Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2ª tiragem, 1999, vol. 1). Desse modo, admite-se a figura do preposto como representante da pessoa jurídica, o qual deverá ter poderes especiais, entre outros, para prestar depoimento pessoal, requisito este não preenchido pelo documento de fls. 190. Neste sentido, esta Corte assim já se manifestou:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TÍTULO DE CRÉDITO C/C TUTELA ANTECIPATÓRIA DE CANCELAMENTO DE PROTESTO. DUPLICATA. TÍTULO CAUSAL. CONFISSÃO FICTA DA EMPRESA AUTORA. PREPOSTO SEM PODERES. NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. PROVA DOCUMENTAL E ORAL SUFICIENTE. PRETENSÃO IMPROCEDENTE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE MÉRITO. IRREGULARIDADE DA DOCUMENTAÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. TESE NÃO CONHECIDA. 1. Ocorre confissão ficta sobre a matéria de fato quando o representante legal, não obstante intimado para prestar depoimento pessoal, deixa de comparecer à audiência de conciliação, instrução e julgamento e, em seu lugar, envia preposto sem poderes especiais. Exegese do art. 343, § 1º, do Código de Processo Civil. (...) 4. Recurso conhecido em parte e, nessa, não provido". (TJPR - 15ª C. Cível - AC 0387881-3 - Castro - Rel.: Des. Luiz Carlos Gabardo - Unânime - J. 14.03.2007).
"AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO, CANCELAMENTO DE PROTESTO DE DUPLICATAS E INDENIZAÇÃO - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - NÃO CONHECIMENTO DA APELAÇÃO, NA PARTE CONTRA O INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PRAZO PARA JUNTADA DE CARTA DE PREPOSIÇÃO - DECISÃO QUE DESAFIAVA O RECURSO DE AGRAVO RETIDO, PORQUANTO PROFERIDA EM AUDIÊNCIA, ANTES DO ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO - NÃO IMPUGNAÇÃO OPORTUNA - MATÉRIA PRECLUSA - PAR. 3º DO ART. 523 DO CPC - PENA DE CONFISSÃO FICTA APLICADA CORRETAMENTE, TANTO À AUTORA QUE NÃO COMPARECEU NA AUDIÊNCIA PARA PRESTAR DEPOIMENTO PESSOAL, COMO À AUTORA QUE SE APRESENTOU POR PREPOSTO SEM PODERES ESPECIAIS DE REPRESENTAÇÃO - INVIABILIZAÇÃO DO DEPOIMENTO PESSOAL DAS AUTORAS QUE NÃO PODE PREJUDICAR A PARTE RÉ QUE REQUEREU TAL PROVA PARA DEMONSTRAR SUA VERSÃO FÁTICA - DESINCUMBÊNCIA DESSE ÔNUS PROBATÓRIO FRENTE À APLICAÇÃO DAQUELA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS CONFORME CRITÉRIOS EQUITATIVOS DADOS PELO PAR. 4º DO ART. 20 DO CPC - SENTENÇA MANTIDA. Apelação parcialmente conhecida e desprovida". (TJPR - 15ª C. Cível - AC 0750895-8 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Juíza Subst. 2º G. Elizabeth M. F. Rocha - Unânime - J. 22.06.2011).
Ademais, embora não seja necessário que o preposto tenha vínculo com a empresa, é imprescindível que ele possua conhecimento sobre os fatos da causa, sob pena de caracterizar confissão, quanto a matéria de fato caso ele não contribua com o desfecho da lide. Sobre o assunto, vale também destacar a lição de Theotonio Negrão: "O depoimento pessoal de pessoa jurídica deve ser prestado por mandatário com poderes especiais e com os necessários conhecimentos técnicos da causa. A simples preposição, aliada à vacuidade do depoimento do preposto, caracteriza verdadeira confissão quanto à matéria de fato". (RT 672/123)". (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa. nota nº 3 ao art. 343. 38ª ed. atual., p. 456. São Paulo: Saraiva, 2006).
Ocorre que no caso em tela o preposto em nada contribuiu com o deslinde da causa, eis que não participou do contrato em questão e não sabia como funcionava as aprovações de crédito na empresa, como afirmado às fls. 188. Se isso não bastasse, nota-se que a carta de preposição de fls. 190 foi assinada pela própria advogada da instituição financeira constituída nos autos por meio do substabelecimento de fls. 189, no qual lhe foram transferidos apenas os poderes gerais decorrentes da cláusula "ad judicia", de modo que, ainda que a carta de preposição contivesse os poderes especiais de representação, não há como ser admitida a preposição em questão, em que outorgada por quem não era o representante legal da instituição financeira com poderes para nomeação do preposto. Destarte, faz-se mister a aplicação da pena de revelia, nos termos do art. 343, § 2º do CPC, salientando-se, contudo, que se trata de presunção relativa, a qual pode ser elidida pela prova produzida nos autos.
B) RESPONSABILIDADE CIVIL
Defende a recorrente que o banco deve responder objetivamente, bem como que foi induzida em erro ao firmar o contrato de mútuo. Primeiramente, faz-se necessário esclarecer que as partes se enquadram no conceito de fornecedor e consumidor, na medida em que o banco posiciona-se como fornecedor de produto e de serviços quando concede o crédito, enquanto a mutuária é a beneficiária final do empréstimo, inserindo-se ambos nos conceitos ditados pelos artigos 2º e 3º, §§ 1º e 2º, do CDC.
Via de conseqüência, aplicável ao caso o disposto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, o qual prevê a responsabilidade objetiva da fornecedora pelos riscos da atividade econômica desempenhada, conforme aplicação da teoria do risco ao caso concreto.
Este é o escólio de Maria Stella Gregori acerca do tema: "A base da responsabilidade objetiva é a teoria do risco do negócio, ou seja, quem exerce uma atividade, qualquer que seja ela, deve assumir os riscos a ela inerentes ou dela decorrentes. O lucro é legítimo, mas o risco é exclusivamente do fornecedor. Ele escolheu arriscar-se, não podendo repassar esse ônus para o consumidor. Da mesma forma que ele não repassa o lucro para o consumidor, não pode de maneira alguma desincumbir-se do risco. Na livre iniciativa, a ação do fornecedor está aberta simultaneamente ao sucesso e ao fracasso, mas sempre o risco será dele, pois esta é uma das características da atividade econômica" (A responsabilidade das empresas nas relações de consumo, RDC 62/168). Neste sentido, esta Corte assim já se manifestou:
"CIVIL E PROCESSO CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE - CONVERSÃO EM AÇÃO DE DEPÓSITO - CONTRATO DE FINANCIAMENTO CELEBRADO MEDIANTE FRAUDE - USO DESAUTORIZADO DE DADOS PESSOAIS E FALSIFICAÇÃO DA ASSINATURA DA PESSOA INDICADA COMO CONTRAENTE - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS PELO OFENDIDO - INCLUSÃO DOS DADOS PESSOAIS EM CADASTROS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO - DANOS MORAIS DEVIDOS - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO (CDC, ART. 14) - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - CORRETA FIXAÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS - RECURSOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS". (TJPR - 18ª C. Cível - AC 0806545-4 - Maringá - Rel.: Desª Ivanise Maria Tratz Martins - Unânime - J. 15.02.2012).
Assim sendo, a discussão acerca da existência ou não de culpa é irrelevante para responsabilização civil do banco sob discussão nos autos. Já quanto à alegação de que houve indução em erro ao realizar a contratação do mútuo, tem-se que o erro hábil a gerar a anulação do negócio jurídico é aquele que possa ser considerado essencial e inescusável. Neste sentido, são os ensinamentos de Francisco Amaral: "Erro essencial, também dito substancial, é aquele de tal importância que, sem ele, o ato não se realizaria. Se o agente conhecesse a verdade, não manifestaria vontade de concluir o negócio jurídico. Diz-se, por isso, essencial porque tem para o agente importância determinante, isto é, se não existisse, não se praticaria o ato. (...)
Mas, além de essencial, deve o erro ser desculpável, isto é, não pode ser conseqüência da culpa ou falta de atenção daquele que alega o erro para tentar anular o ato que praticou, para o que concorrem diversas condições, como a idade, a profissão e a experiência do agente". (Direito civil: introdução . 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 493/495). Aliás, este é também o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:
"DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. DAÇÃO EM PAGAMENTO. IMÓVEL. LOCALIZAÇÃO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE SÓLIDA POSIÇÃO NO MERCADO. ERRO INESCUSÁVEL. (...)2. O erro que enseja a anulação de negócio jurídico, além de essencial, deve ser inescusável, decorrente da falsa representação da realidade própria do homem mediano, perdoável, no mais das vezes, pelo desconhecimento natural das circunstâncias e particularidades do negócio jurídico. Vale dizer, para ser escusável o erro deve ser de tal monta que qualquer pessoa de inteligência mediana o cometeria. 3. No caso, não é crível que o autor, instituição financeira de sólida posição no mercado, tenha
descurado-se das cautelas ordinárias à celebração de negócio jurídico absolutamente corriqueiro, como a dação de imóvel rural em pagamento, substituindo dívidas contraídas e recebendo imóvel cuja área encontrava-se deslocada topograficamente daquela constante em sua matrícula. Em realidade, se houve vício de vontade, este constituiu erro grosseiro, incapaz de anular o negócio jurídico, porquanto revela culpa imperdoável do próprio autor, dadas as peculiaridades da atividade desenvolvida. (...) 5. Recurso especial parcialmente provido". (REsp. 744311/MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 19/08/2010, DJe 09/09/2010).
Todavia, no caso em questão o erro não pode ser tido como escusável, máxime a recorrente ter sido alertada pelo depoente Marlos Fernando Muller, o qual era o lojista vendedor do veículo, sobre a realização do contrato de financiamento, em outras palavras, no momento da realização do negócio jurídico em discussão nestes autos a apelante tinha condições de compreender as consequências de suas ações, bem como de que ao assinar o pacto estava firmando um contrato de mútuo, não sendo, por isso, escusável o erro em questão, senão vejamos: "Eu sou lojista aqui em Ponta Grossa, nessa época quem fez o financiamento foi o operador de financiamento aqui em Ponta Grossa do grupo BV, o Athaíde, que hoje é gerente em Pernambuco. Então ele fez esse financiamento e falou o Marlos, você tem um carro assim, assim, assado que encaixe para um amigo meu, ele vai fazer o financiamento em nome da prima dele, que é a própria Helizângela. Eu tenho, tenho aqui um gol 99, se não me engano. Até lembro do gol. Ta aprovada a ficha, aprovou o carro. Você tem que pegar ele e ir até Curitiba pegar as assinaturas dela, porque eu não vou poder ir com você. Porque é de confiança do banco ou o próprio operador pegar a assinatura ou do lojista. Então eu fui até lá com o Marcelo, que para mim o nome dele não era Marcelo na época. Ele me apresentou a moça como se fosse prima dele, que eu estava contando aqui para eles o causo. Ela cuidava de uma senhora de idade no apartamento, ela era doméstica ou cuidava de um
senhora, alguma coisa assim. Eu fui com ele até o apartamento entregar o carro entregar o carro e colher as assinaturas. Eu mesmo falei para ela: `Olha Helizangela, se ele não pagar, ele ta comprando o carro no teu nome, se ele não pagar as devidas parcelas, o teu nome que vai ser processado, então veja bem, né'. Daí ele ainda falou para ela: `não, não tem problema, pode ficar tranqüila que eu vou pagar tudo certinho'.(...)" (CD-ROM).
Além disso, é possível se extrair do depoimento desta testemunha que a recorrente conhecia o terceiro que a induziu a assinar o contrato de financiamento, eis que o depoente assevera que, muito embora a requerente tenha lhe sido apresentada como prima de Marcelo, após a assinatura do contrato eles se beijaram, como se colhe do seguinte excerto: "Na hora de ir embora, que ele me apresentou ela como prima, na hora de ir embora ele deu abraço nela, deu um beijinho e a gente foi embora. Daí eu falei: `Ah, é namoradinha tua, não é prima'. Daí ele falou: `não, não, não é um rolinho meu aí' (...)".
Destarte, ainda que o banco responda de forma objetiva, no caso sob apreço não é possível a anulação do pacto, máxime a presunção relativa decorrente a confissão ficta ter sido elidida pela prova da inexistência de erro essencial e inescusável. Registre-se, ainda que a recorrente tenha sido persuadida por um terceiro (Marcelo) a assinar o contrato, a avença é válida e a inclusão do nome da apelante em cadastro de inadimplentes configura-se exercício regular de direito advindo do inadimplemento contratual, motivo pelo qual está correto o veredicto no ponto em que julgou improcedente a pretensão indenizatória por danos morais. Neste diapasão esta Câmara assim já decidiu: "APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES - DÉBITO EXISTENTE - EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO - NOTIFICAÇÃO PRÉVIA - ARTIGO 43, § 2º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - COMUNICAÇÃO DEMONSTRADA - PRESCINDIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DO RECEBIMENTO PELO CONSUMIDOR - MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, DESPROVIDO. 1 - A inclusão do nome da empresa suplicante nos cadastros de restrição ao crédito, em razão de dívida efetivamente existente, configura exercício regular de um direito, logo, não caracteriza o dano moral pleiteado. 2 - A inteligência do artigo 43, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, consolidada pela jurisprudência pátria, nos traz a baila o entendimento de que a demonstração do envio da correspondência via Correios, é suficiente para o cumprimento do dispositivo legal, sendo desnecessária a comprovação do recebimento por meio de A.R. pelo consumidor". (TJPR - 10ª C. Cível - AC 0776139-5 - Cascavel - Rel.: Des. Luiz Lopes - Unânime - J. 08.12.2011). Portanto, não merece reparo o veredicto neste particular.
Sucumbência
Por fim, a condenação ao pagamento dos ônus sucumbenciais deve ser mantida nos moldes fixados na sentença, porquanto o resultado deste julgamento não ocasionou qualquer modificação do estado de sucumbência das partes.
CONCLUSÃO
Assim, voto no sentido de conhecer do recurso de apelação cível e dar-lhe provimento, para o fim de aplicar a pena de confissão ficta à instituição financeira e reconhecer sua responsabilidade objetiva, mantendo-se, contudo, a improcedência do pedido inicial.
III DISPOSITIVO
ACORDAM OS MAGISTRADOS INTEGRANTES DA DÉCIMA CÂMARA CÍVEL DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, POR UNANIMIDADE DE VOTOS, EM CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO E DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
O julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador LUIZ LOPES, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador ARQUELAU ARAÚJO RIBAS. Curitiba, 30 de agosto de 2012.
DES. JURANDYR REIS JUNIOR Relator
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