Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.Recomenda-se acessar o PDF assinado.
12.ª CÂMARA CÍVEL - APELAÇÃO CÍVEL N.º 897.198-6 DA 1.ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE LONDRINA.
APELANTE: PROTENGE URBANISMO LTDA.
APELADOS: ZENAIDE DE SOUZA e OUTROS
RELATOR: DES. JOÃO DOMINGOS KUSTER PUPPI.
RELATOR SUBSTITUTO: JUIZ MARCO ANTONIO MASSANEIRO.
REVISORA: DESª. JOECI MACHADO CAMARGO. APELAÇÃO CÍVEL RESOLUÇÃO CONTRATUAL COM REINTEGRAÇÃO DE POSSE E COBRANÇA DE CLÁUSULA PENAL E INDENIZAÇÃO INADIMPLEMENTO IMPOSSIBILIDADE DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DA POSSE DO IMÓVEL PAGAMENTO DE 60% DAS PARCELAS IMÓVEL QUE SERVE DE MORADIA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA, FUNÇÃO SOCIAL E CONSERVAÇÃO DOS CONTRATOS TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL RECURSO DESPROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 897.198-6, da 1.ª Vara Cível da Comarca de Londrina, em que é apelante PROTENGE URBANISMO LTDA. e apelados ZENAIDE DE SOUZA E OUTROS.
I RELATÓRIO.
Trata-se de recurso de apelação interposto por Protenge Urbanismo Ltda. em face da r. sentença exarada pelo MM. Juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Londrina que, nos autos de rescisão de contrato, c/c reintegração de posse, cobrança de cláusula penal e indenização com pedido de tutela antecipada (nº. 1433/08), proposta pela ora apelante em face da Protenge Urbanismo Ltda., julgou parcialmente procedente os pedidos, condenando o réu ao pagamento de indenização, no correspondente ao valor das parcelas não pagas e das que vencerem no curso da lide, até o efetivo pagamento, valor que deve ser corrigido, a partir do inadimplemento, em razão do vencimento antecipado das parcelas vincendas e acrescido de juros de mora legais e multa moratória de 2% sobre o valor da dívida. Além disso, foi rejeitada a pretensão de rescisão contratual.
Diante da sucumbência recíproca, condenou ambas as partes ao pagamento de custas e honorários, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Irresignada, a Protenge Urbanismo Ltda. interpôs apelação cível, sob o fundamento de que a sentença é extra petita, uma vez que soluciona a questão de forma diversa daquela que fora proposta inicialmente, sobretudo porque o pedido é de reintegração de posse, decretação da rescisão contratual, pagamento de cláusula penal e indenização por perdas e danos decorrentes da ocupação do imóvel sem a devida contraprestação.
Ao final, pugnou pelo provimento do recurso.
Às fls. 76, o recurso foi recebido no duplo efeito.
Após, a os apelados apresentaram contrarrazões, onde pugnam pela manutenção da decisão nos termos em que foi lançada.
Regularmente processado o recurso, subiram os autos a esta Corte, onde foram registrados, autuados e distribuídos a esta 12.ª Câmara Cível, para elaboração o voto.
É o relatório.
II VOTO E FUNDAMENTAÇÃO.
Atendidos os pressupostos processuais, pois utilizado o recurso cabível, há interesse e legitimidade para recorrer, bem como este é tempestivo e preparado, estando acompanhado da documentação pertinente e inexistindo fato impeditivo do direito recursal noticiado nos autos, conheço do presente.
A presente insurgência recursal a ser analisada por esta Corte diz respeito ao pedido de reconhecimento da nulidade da decisão, sob o fundamento de que extra petita, pois conheceu de pedido que não constou na inicial.
A sentença não merece reparos, pelos motivos que passo a expor.
A aquisição da posse sobre o imóvel aqui questionado deu-se em 12/03/2003, de área sem benfeitorias, por meio do qual os réus assumiram, perante a autora, o débito de R$ 15.750,00 (quinze mil e setecentos e cinqüenta reais), o qual seria quitado por meio de um sinal de
R$ 185,29 (cento e oitenta e cinco mil reais e vinte e nove centavos), e o restante parcelado em 84 prestações mensais no mesmo valor, tendo, contudo, os réus se tornado inadimplentes em 34 parcelas, tendo sido eles notificados para que efetuassem o pagamento correspondente.
Diante da inércia, a autora ajuizou a presente demanda, pleiteando pela rescisão contratual, cumulada com reintegração de posse, indenização e condenação por acréscimos contratuais, tendo em vista o inadimplemento das parcelas decorrentes da aquisição, pelos réus, da posse de imóvel, cuja possuidora era a autora.
Note-se que foram adimplidas 51 parcelas, ou seja, mais da metade do contrato.
A doutrina contemporânea, além da previsão do Código Civil, deu novos contornos à teoria contratual, legitimando a boa-fé objetiva e a função social dos contratos, importando do direito inglês, a Teoria do Adimplemento Contratual, por meio da qual se determina a conservação dos contratos, impedindo a resolução, sempre que esta se mostrar inviável diante do pagamento de considerável percentual do pactuado.
Pela Teoria do Adimplemento Substancial do Contrato busca-se impedir o uso desequilibrado do direito de resolver o contrato, especialmente em razão da função social deste. No caso, tendo em conta as suas peculiaridades, quais sejam, o pagamento de aproximadamente 60% (sessenta por cento) das parcelas, a construção de benfeitorias e a moradia no imóvel, não é razoável desapossar os apelados, pois o prejuízo social seria ainda maior. Além disso, resta resguardado o direito do credor de cobrar as parcelas faltantes dos autores.
Os Tribunais Pátrios têm decidido:
CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ALEGAÇÃO DE NÃO ADIMPLEMENTO DA DÍVIDA OBJETO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. COMPROVAÇÃO NOS AUTOS DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO PREÇO AJUSTADO NO CONTRATO. NÃO AUTORIZAÇÃO DO CREDOR PARA PROPOSITURA DE AÇÃO VISANDO A EXTINÇÃO DO PRESENTE CONTRATO. NÃO CONFIGURAÇÃO DA POSSE INJUSTA POR PARTE DO REIVINDICADO. BOA-FÉ DOS TERCEIROS INTERESSADOS QUE ADQUIRIRAM AS UNIDADES HABITACIONAIS INTEGRANTES DO PROJETO ORIGINAL DO EMPREENDIMENTO. CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE CONSUMO. DIREITO INDISPONÍVEL DOS ASSISTENTES LITISCONSORCIAIS QUE INGRESSARAM NA LIDE COMPROVANDO A AQUISIÇÃO DOS APARTAMENTOS, MUITOS DELES JÁ QUITADOS. IMINENTE RISCO DE PREJUÍZO INSANÁVEL NA HIPÓTESE DE REFORMA DO DECISUM A QUO. EXECUÇÃO DO SALDO DEVEDOR RESTANTE NOS MOLDES DA NORMA ESPECÍFICA PARA O CASO. PRECEDENTES DO STJ E DA 2ª CÂMARA CÍVEL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE 1º GRAU QUE SE IMPÕE. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO CÍVEL. I - Na hipótese de ter o adquirente/devedor, quitado parte significativa da obrigação contratada, aplica-se a Teoria do Adimplemento Substancial, impedindo-se a retomada do imóvel objeto do contrato. II - O deferimento da pretensão almejada nas razões recursais permitiria a desmesurada valorização de uma parte em detrimento da outra, solução evidentemente danosa aos adquirentes das unidades habitacionais que pagaram o preço para na edificação residirem. III - Relação de consumo expressamente caracterizada. (TJRN. 2ª Câmara Cível. Processo: 2009.009825-3. Relator: Des. Aderson Silvino. Julgamento: 09/03/2010)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PAGAMENTO DE QUASE A TOTALIDADE DA DÍVIDA. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO CONTRATO. APLICABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DA RETOMADA DO BEM ALIENADO. SATISFAÇÃO DO CRÉDITO POR OUTRO MEIO. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. DECISÃO MANTIDA. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. (...) (TJRN. Processo: 2009.006854-2. 2ª Câmara Cível. Rel. Des. Osvaldo Cruz. Julgamento: 15/09/2009)
AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Tendo o requerido pago parte significativa do contrato, é incabível a resolução contratual pelo não-pagamento do restante do débito. O direito formativo extintivo de resolução contratual não se exibe absoluto ao promitente- comprador, cabendo ser analisado se, no caso concreto, o pedido de resolução não significa abuso da posição jurídica do vendedor. Somente deve ser declarada a eficácia da cláusula resolutiva se estão atendidos os princípios da boa-fé e da equidade. Deste modo, o pagamento de parte significativa do preço impõe a manutenção do contrato e, por via de consequência, impede a sua rescisão, pela aplicação da chamada Teoria do Adimplemento Substancial, sob pena de estar-se violando o Princípio da Boa-Fé Objetiva. RECURSO PROVIDO. (TJRS. Recurso Cível Nº 71003156346, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Leandro Raul Klippel, Julgado em 30/06/2011)
APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO C/C INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS E PEDIDO LIMINAR DE DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL. 1. Não há razoabilidade na rescisão do contrato com a desocupação do imóvel, quando a parte adimpliu quase todo o preço acordado, devendo ser mantida a condenação ao pagamento do saldo remanescente. Aplicação da teoria do adimplemento substancial, um dos efeitos do princípio da boa-fé objetiva. 2. A escritura deverá ser entregue após a regularização/finalização do processo de inventário e partilha, condicionada, ainda, ao adimplemento total do preço, conforme pactuado pelas partes, restando descaracterizada à exceção do contrato não cumprido. 3. A comissão de corretagem é devida pela parte que contrata o corretor que, no caso dos autos, é a ré, não podendo tal valor ser abatido da dívida. 4. Ausência de comprovação dos danos que ensejariam a indenização postulada. 5. Erro material corrigido de ofício, para adequar o valor devido com os pagamentos efetivamente comprovados. APELOS DESPROVIDOS. (TJRS. Apelação Cível Nº 70033227257, Décima Nona Câmara Cível. Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 12/07/2011)
Por sua vez, em precedente do STJ:
1. É pela lente das cláusulas gerais previstas no Código Civil de 2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual "[a] parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir- lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos". 2. Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato. 3. No caso em apreço, é de se aplicar a da teoria do adimplemento substancial dos contratos, porquanto o réu pagou: "31 das 36 prestações contratadas, 86% da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor residual garantido". O mencionado descumprimento contratual é inapto a ensejar a reintegração de posse pretendida e, consequentemente, a resolução do contrato de arrendamento mercantil, medidas desproporcionais diante do substancial adimplemento da avença. 4. Não se está a afirmar que a dívida não paga desaparece, o que seria um convite a toda sorte de fraudes. Apenas se afirma que o meio de realização do crédito por que optou a instituição financeira não se mostra consentâneo com a extensão do inadimplemento e, de resto, com os ventos do Código Civil de 2002. Pode, certamente, o credor valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por exemplo, a execução do título. 5. Recurso especial não conhecido. (REsp 1051270/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/08/2011, DJe 05/09/2011)
STJ - CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO ORDINÁRIO. FALTA DE PROVA MANSA. REIVINDICATÓRIA PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AUSÊNCIA DE POSSE INJUSTA. Improcede a ação de usucapião por falta de prova da posse mansa e pacífica durante o tempo necessário para a prescrição aquisitiva. Pelas peculiaridades da espécie, improcede o pedido reivindicatório uma vez que o possuidor não exerce posse injusta já que por força de contrato de promessa de compra e venda, do qual já pagou parte substancial do preço, não tendo sido previamente rescindido. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 241486/CE Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA Quarta Turma DJ 04.02.2002);
STJ - SEGURO. INADIMPLEMENTO DA SEGURADA. FALTA DE PAGAMENTO DA ULTIMA PRESTAÇÃO. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. RESOLUÇÃO. A COMPANHIA SEGURADORA NÃO PODE DAR POR EXTINTO O CONTRATO DE SEGURO, POR FALTA DE PAGAMENTO DA ULTIMA PRESTAÇÃO DO PREMIO, POR TRES RAZÕES: A) SEMPRE RECEBEU AS PRESTAÇÕES COM ATRASO, O QUE ESTAVA, ALIAS, PREVISTO NO CONTRATO SENDO INADMISSIVEL QUE APENAS REJEITE A PRESTAÇÃO QUANDO OCORRA O SINISTRO; B) A SEGURADORA CUMPRIU SUBSTANCIALMENTE COM A SUA OBRIGAÇÃO, NÃO SENDO A SUA FALTA SUFICIENTE PARA EXTINGUIR O CONTRATO; C) A RESOLUÇÃO DO CONTRATO DEVE SER REQUERIDA EM JUIZO, QUANDO SERA POSSIVEL AVALIAR A IMPORTÂNCIA DO INADIMPLEMENTO, SUFICIENTE PARA A EXTINÇÃO DO NEGOCIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO". (REsp 76362 Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR Quarta Turma DJ 01.04.1996).
Da doutrina, consta:
A prestação imperfeita, mas significativa de adimplemento substancial da obrigação, por parte do devedor, autoriza pedido de indenização, porém não o de resolução (...) para resolver, a falta deve atingir substancialmente a relação, afetando a utilidade da prestação. Como a inutilidade deriva da capacidade da coisa ou do ato em satisfazer o interesse do credor, termos que a prestação inútil que pode ser enjeitada e levar à resolução do contrato e mais perdas e danos é a feita com atraso ou imperfeições tais que ofendam substancialmente a obrigação, provocando o desaparecimento do interesse do credor, por inutilidade. Ao reverso, quando não obstante a mora, o cumprimento ainda é possível e capaz de satisfazer basicamente o interesse do credor, ou quando, apesar da imperfeição do cumprimento, parcial ou com defeito, foram atendidos os elementos objetivos e subjetivos a serem atingidos pelos cumprimento, diz-se que o adimplemento foi substancial e atendeu às regras dos arts. 394, 395 e 389 do Código Civil, afastando-se a resolução. (AGUIAR, Ruy Rosado. Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor, pp. 124 -132, Rio de Janeiro; AIDE).
Diante disso, note-se que a sentença foi corretamente fundamentada, porquanto julgou improcedente o pedido de rescisão contratual e reintegração de posse, sob o fundamento de que o adimplemento de parte considerável da dívida é bastante para conservar o contrato.
Portanto, não há julgamento extra petita, uma vez que o juiz conhece o direito e a Teoria do Adimplemento Substancial afasta a possibilidade de resolução, mas permite a cobrança do débito remanescente.
No mais, deve ser mantida a decisão por seus próprios fundamentos, também no que concerne ao pagamento das parcelas em mora, incidindo, sobre o valor, juros moratórios e multa de 2%, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.
III DISPOSITIVO.
ACORDAM os Senhores Magistrados integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador João Domingos Kuster Puppi, sem voto, e acompanharam o voto do Relator as Excelentíssimas Senhoras Desembargadoras Joeci Machado Camargo e Ivanise Maria Tratz Martins.
Curitiba, 12 de setembro de 2012.
MARCO ANTONIO MASSANEIRO
Relator
|