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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 903844-2, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 4ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA, FALÊNCIAS E RECUPERAÇÃO JUDICIAL APELANTE 1 : MUNICÍPIO DE CURITIBA APELANTE 2 : JUNGLE BOYZ COMÉRCIO DE ARTIGOS ESPORTIVOS LTDA. APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RELATORA : DES.ª MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANO AMBIENTAL. EXPLORAÇÃO DA ATIVIDADE DE "PAINTBALL" EM IMÓVEL NO QUAL HÁ ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. SENTENÇA QUE DETERMINOU A RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEVASTADA E A LIMITAÇÃO DA ATIVIDADE DE "PAINTBALL", DE MODO A NÃO INVADIR A ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RECURSO DA JUNGLE BOYS LTDA.. ALEGAÇÃO DE QUE ESTARIAM SENDO PRESERVADOS 20 (VINTE) METROS DA ÁREA DE MATA CILIAR, O QUE SERIA SUFICIENTE PARA A MANUTENÇÃO DAS CONDIÇÕES NATURAIS. NÃO ACOLHIMENTO. SENTENÇA FUNDAMENTADA NO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO, QUE DETERMINA COMO ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE A ÁREA QUE MARGEIA O CURSO D'ÁGUA NUMA LARGURA DE NO MÍNIMO 30 (TRINTA) METROS. PROVA PERICIAL QUE ATESTA O COMPROMETIMENTO DO CÓRREGO QUE ATRAVESSA O TERRENO EM VIRTUDE DA DEVASTAÇÃO DA ÁREA. RESPONSABILIDADE PELA PRESERVAÇÃO E RECUPERAÇÃO QUE INCUMBE AO EXPLORADOR DA ATIVIDADE ECONÔMICA. RECURSO DO MUNICÍPIO DE CURITIBA. INSURGÊNCIA QUANTO À CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ACOLHIMENTO. SÚMULA Nº 02, DA 4ª E 5ª CÂMARAS CÍVEIS DESTE TRIBUNAL. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO DA JUNGLE BOYS LTDA. E PROVIMENTO DO RECURSO DO MUNICÍPIO DE CURITIBA, PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 903844-2, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - 4ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Recuperação Judicial, em que são Apelantes o MUNICÍPIO DE CURITIBA e Julgle Boys Comércio de Artigos Esportivos Ltda., sendo Apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. Trata-se de recursos de Apelação Cível, o primeiro interposto pelo Município de Curitiba e, o segundo por Jungle Boys Comércio de Artigos Esportivos Ltda., ambos dirigidos contra a r. sentença de fls. 650/668, proferida nos autos n. 50427 de Ação Civil Pública Ambiental, proposta pelo Ministério Público do Estado do Paraná contra Jungle Boys Comércio de Artigos Esportivos Ltda-ME e o Município de Curitiba, que julgou parcialmente procedente o pedido determinando em relação ao Município de Curitiba, que revogue a licença ambiental existente, uma vez que se verificou desconformidade com a legislação ambiental, e em relação ao réu Jungle Boys Comércio de Artigos Esportivos Ltda., que recupere a área na qual foi constatado dano ambiental, no prazo de 180 dias, procedendo ao plantio de espécies nativas, devendo limitar a área da cancha "paintball", a fim de que a atividade não seja realizada em área de preservação permanente. Ante a sucumbência mínima da requerente, condenou os
réus, pro rata, ao pagamento das despesas processuais, bem como ao pagamento das despesas processuais, bem como no pagamento de honorários de sucumbência ao requerente, que foram fixados em R$ 3.000,00, nos termos do artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil. Desta decisão foram opostos embargos de declaração com efeitos infringentes por Jungle Boys Comércio de Artigos Esportivos Ltda., às fls. 676/692. O Município de Curitiba também apresentou embargos declaratórios às fls. 694/698. O Ministério Público se pronunciou sobre a matéria questionada nos embargos às fls. 700/701. Posteriormente, ambos os embargos foram rejeitados pela decisão de fls. 702/704. Inconformado o Município de Curitiba recorreu (fls. 709/720), sustenta a impossibilidade de condenação da parte vencida aos honorários advocatícios, por determinação do artigo 18 da Lei n. 7.347/85 e alega que não houve comprovação de má-fé da Municipalidade no caso concreto, descabendo a sua condenação ao pagamento das verbas de sucumbência. Por fim, mencionando diversos julgados, pugna pelo provimento do recurso para reformar a decisão recorrida, excluindo da condenação a responsabilidade da Municipalidade no pagamento das verbas citadas. Por sua vez, Jungle Boys Comércio de Artigos Esportivos Ltda. Apelou (fls. 722/723), apresentando as razões de recurso às fls. 724/748, pretendendo a reforma da sentença no único ponto em que sucumbiu a Apelante, ou seja, para que seja permitida a manutenção da cancha de paintball parcialmente inserida na faixa de APP determinada abstrativamente pela Lei Ambiental, ante as peculiaridades do caso concreto (cf. prova documental, fotos e perícia técnica), bem como seja revista a forma de
distribuição do ônus de sucumbência, com a exclusão da condenação em honorários advocatícios e condenação do Apelado ao pagamento das custas processuais. No mérito, ressalta que os atos administrativos que autorizaram a atividade da Apelante gozam de absoluta presunção de legitimidade e veracidade, pois foram expedidos por autoridade competente que atestaram através da realização de vistoria (fls. 98), a conformidade da atividade da empresa com a legislação permanente, inclusive na seara ambiental. Por fim, requer o provimento do recurso para que seja reformada a sentença no sentido de ser reconhecida a integral improcedência dos pedidos formulados na inicial da demanda, permitindo-se a manutenção da cancha de paintball parcialmente inserida na faixa da APP, com a conseqüente redistribuição dos ônus de sucumbência, com a exclusão dos honorários advocatícios em favor do Ministério Público. Recebidos os recursos de Apelação (fls. 751) em seus devidos efeitos, o Apelado (Ministério Público do Estado do Paraná), apresentou contrarrazões (fls. 754/761), pugnando pelo desprovimento do recurso, no que foi seguido pela douta Procuradoria de Justiça em seu parecer de fls. 771/777. Na data de 28/09/2012 foram entregues, em gabinete, memoriais elaborados pela Jungle Boys Comércio de Artigos Esportivos Ltda.. É o relatório.
Voto. Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos de Apelação. Cuida-se de dois recursos de Apelação Cível interpostos pelo Município de Curitiba e por Jungle Boys Ltda. contra a sentença de fls. 650-668/TJ, que julgou parcialmente procedente a Ação Civil Pública interposta pelo Ministério Público do Estado do Paraná, determinando, em relação ao Município de Curitiba, que revogue a licença ambiental concedida em favor de Jungle Boys Ltda., vez que verificada desconformidade à legislação ambiental, e, em relação a Jungle Boys Ltda., que recupere a área explorada para prática do esporte paintball na qual foi constatado dano ambiental, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, procedendo ao plantio de espécies nativas, devendo limitar a área de cancha de paintball, a fim de que a atividade não seja realizada em área de preservação permanente. O Ministério Público do Estado do Paraná ajuizou Ação Civil Pública em face de Jungle Boys Ltda. e do Município de Curitiba, em razão de uma série de danos ambientais que teriam sido praticados pelo primeiro na exploração econômica de cancha de paintball, e pela concessão irregular de licença ambiental pelo Município em relação ao primeiro, vez que a atividade por ele explorada teria produzido dano ambiental em área de preservação permanente. A sentença recorrida declarou não terem sido comprovadas a poluição sonora e a perturbação da vizinhança alegadas pelo
Ministério Público. Reconheceu, porém, a ocorrência de dano ambiental quanto à utilização de cancha de paintball em área de preservação permanente, visto não ter sido respeitada a distância mínima de mata ciliar que deveria ser preservada (30 metros de distância do curso d'água). Foi determinada, assim, a responsabilização da Jungle Boys Ltda. pela recuperação da área de preservação permanente, a fim de que as condições naturais sejam restabelecidas, bem como a redução do tamanho da cancha, de modo que não atinja a área de preservação. Do mesmo modo, foi determinada a revogação da licença ambiental concedida pelo Município de Curitiba à empresa, vez que verificada a desconformidade com a legislação ambiental. O Município de Curitiba apelou da referida decisão (fls. 709-720/TJ), insurgindo-se contra a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em favor do Ministério Público. A Jungle Boys Ltda. também apelou da sentença (fls. 722-748/TJ), inconformado, igualmente, com a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, repisando, no mérito, as alegações expendidas na contestação, sustentando, ao final, que a sentença não teria sido razoável e proporcional ao aplicar a lei ambiental, visto que estaria utilizando apenas 10 (dez) metros da área de preservação permanente, sendo os outros 20 (vinte) suficientes para cumprir sua função ambiental. Do recurso da Jungle Boys Ltda. Primeiramente, quanto às questões suscitadas no recurso
acerca do Alvará de Funcionamento da atividade, da suposta poluição sonora causada pelo recorrente e das edificações em área de preservação permanente, verifica-se que a sentença atacada rechaçou os argumentos do Ministério Público pertinentes a estes temas, pelo que falece ao Apelante interesse recursal na sua rediscussão. Nesse sentido, deve também ser desconsiderada a seguinte alegação veiculada na peça de Memoriais: "Na resposta ao quesito 16 da Apelante, o Sr. PERITO deixa claro a ausência de dano ambiental ou aos vizinhos do terreno;
`Na primeira quadra, existem telas de proteção nas laterais (com altura de 6 metros) e na parte superior. (...) Salienta-se que em entrevista realizada com a vizinhança, foi informado que os funcionários do Requerido Jungle Boyz se prontificavam a limpar o local no caso de ocorrência deste incidente'.
Mais adiante, o Sr. PERITO esclarece que `as telas instaladas pelo Requerido Jungle Boys tem sido capazes de realizar o isolamento e, de acordo com a declaração do fabricante as bolas utilizadas são ATÓXICAS e BIODEGRADÁVEIS' (fls. 616)."
Tal passagem diz respeito à suposta perturbação da vizinhança com a realização da atividade de paintball, imputação esta que foi devidamente afastada pela sentença recorrida ("afastada a alegação de ocorrência de poluição sonora no local, bem como de perturbação dos vizinhos por parte do requerido em virtude da atividade realizada, passo a análise das alegações de irregularidades ambientais", fls. 656), pelo que não possui o Apelante interesse recursal na sua apreciação por esta Corte.
O mesmo se diga relativamente à afirmação, também formulada de que "quanto à alegação de poluição sonora, o Sr. PERITO afirmou que `essa poluição não foi caracterizada até o momento'", posto que a inexistência de poluição sonora já havia sido declarada pela sentença recorrida ("não restou comprovado nos autos que a atividade realizada pelo Requerido produz poluição sonora", fls. 654). Passa-se, portanto, à análise da única questão na qual foi sucumbente o Apelante, referente à sua responsabilidade sobre dano ambiental provocado em área de preservação permanente. Sustenta o Apelante não ter restado caracterizado dano ambiental, posto que os 20 (vinte) metros de área de preservação permanente por ele não utilizados no terreno em que explora a atividade de paintball seriam suficientes para manter as condições ecológicas do local. Não merecem acolhida os argumentos do recorrente. A Lei nº 4.771/1965 dispõe, no seu art. 2º, sobre as áreas consideradas de preservação permanente1, inserindo nesse rol, nos termos da alínea "a", nº 1, as faixas marginais com largura mínima de 30 (trinta) metros
para os cursos d'água com menos de 10 (dez) metros de largura2. Afirma o Apelante, porém, que, dos 30 (trinta) metros que margeiam o curso d'água que passa pelo terreno onde explora a atividade de paintball, 20 (vinte) deles estão preservados, o que seria suficiente para manter o equilíbrio ecológico daquele microssistema. Tal alegação, entretanto, não veio acompanhada de qualquer prova que demonstrasse que a utilização de 10 (dez) metros da área de preservação permanente não estaria comprometendo as condições naturais da área. Todas as provas constantes dos autos, inclusive, apontam em sentido contrário, como se depreende do laudo pericial de fls. 609-626/TJ:
"20) Na mesma toada, a atividade desenvolvida pelo Requerido Jungle Boys está a comprometer a integridade e higidez do curso d'água existente no terreno? Este córrego, naquela localidade, está seriamente comprometido por um conjunto de fatores, dentro os quais a inexistência parcial da área de preservação permanente, promovida pelo Requerido Jungle Boys, para o desenvolvimento da atividade em questão. A integridade e higidez do curso d'água também depende da continuidade da área de preservação permanente, bem como da cobertura vegetal (em termos de continuidade vegetal vertical e horizontal). Desta forma, para restabelecer as condições naturais do córrego, uma das providências a se tomar seria a restauração dessa área (de preservação permanente), com a consequente retirada das construções existentes. [grifos nossos]"
"3) A empresa Requerida Jungle Boys preenche todos os requisitos exigidos pela legislação ambiental atinente à espécie para a obtenção do necessário Alvará para Localização e Funcionamento, expedido pela Prefeitura Municipal de Curitiba? Não, tendo em vista que não respeita a área de preservação permanente exigida no Código Florestal. [grifos nossos]"
Assim, a alegação de que a lei ambiental teria sido aplicada de forma desarrazoada e desproporcional é totalmente descabida, visto que restou devidamente comprovado o comprometimento do córrego margeado pela área de preservação permanente em virtude da degradação desta. Aqui, também, resta afastada a afirmação feita pelo Apelante de que "a simples leitura da sentença recorrida revela que o Magistrado a quo concluiu pela presença de dano ambiental, sem qualquer respaldo nesse sentido no laudo pericial produzido (ou qualquer outro documento acostado aos autos) [grifos nossos]". Isso porque a perícia técnica comprovou, sim, a existência da dano ambiental no terreno ocupado pelo Apelante, conforme acima destacado, sendo a referida afirmação totalmente contrária às provas dos autos. Igualmente descabida a alegação de que "a perícia apontou que os 20 (vinte) metros preservados no local são plenamente capazes de cumprir com a sua relevante função ambiental".
Em nenhum momento o douto perito se manifestou nesse sentido. Aliás, em sentido totalmente contrário além dos trechos já citados destaque-se: "21) Preste o expert maiores esclarecimentos que achar necessários e pertinentes à questão debatida nos autos, principalmente no que diz respeito à geração ou não de dano ambiental em decorrência das atividades praticadas pelo Requerido Jungle Boys no terreno sub judice.
Há necessidade de ações, na atividade desenvolvida pelo Requerido Jungle Boys, que minimizem e harmonizem ainda mais sua atividade com o ambiente. Destaca-se que, no momento da vistoria, foi observado à montante do córrego sua supressão e canalização (FIGURA 3). Conforme descrito nas fls. 221, moradores do local "estão conjugando esforços no sentido de promoverem a canalização do córrego que passa na divisa de seus terrenos". Caso isso ocorra serão sérias as implicações ambientais em termos de microclima, qualidade de vida, diversidade biológica, entre outros aspectos, além da possível replicabilidade dessa ação. [grifos nossos]"
É fato confesso que o Apelante ocupa parte da faixa de 30 (trinta) metros que margeia o curso d'água com a cancha de paintball. O fato de ter construído cerca com a finalidade de proteger a área de mata ciliar existente, consoante alega em memoriais e pretende comprovar por meio de fotografia, não possui o condão de desconstituir tal fato, vez que é incontroverso e por diversas vezes
comprovado na perícia técnica3 que parte da área de preservação permanente é ocupada pela cancha, e que tal situação tem por consequência a produção de dano ambiental no córrego. O recorrente não tem o direito de exercer suas atividades empresariais em área definida por lei como de preservação permanente, o que apenas seria possível nas hipóteses de estas configurarem atividade de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, nos termos do art. 8º da Lei 12.651/20124:
Art. 8º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.
§ 1º A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, dunas e restingas somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.
§ 2º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.
§ 3º É dispensada a autorização do órgão ambiental competente para a execução, em caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas.
§ 4º Não haverá, em qualquer hipótese, direito à regularização de futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa, além das previstas nesta Lei.
Não restou demonstrado nos autos que a atividade empresarial desenvolvida pelo recorrente se subsumisse a qualquer das
hipóteses autorizadoras de intervenção ou supressão de vegetação nativa em área de preservação permanente. De se observar, aliás, que a verificação de tais quesitos cabe à autoridade ambiental competente, vez que dotada dos conhecimentos técnicos necessários para tanto, não incumbindo ao Poder Judiciário apreciar, no mérito, tais questões. Confira-se, a respeito, a doutrina de Luís Paulo Sirvinskas:
"Essas áreas de preservação permanente, como vimos, foram instituídas por lei, ou seja, pelo Código Florestal. Assim, as florestas e as demais formas de vegetação aí localizadas só poderão ser suprimidas, total ou parcialmente, em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto (art. 4º, §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, e 7º da Lei n. 4.771/65). Entendem-se por utilidade pública as atividades de segurança nacional e proteção sanitária, as obras essenciais de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia e as demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do CONAMA (art. 1º, § 2º, IV, a, b, e c, do Código Florestal). Interesse social são as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle de fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA, e as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área e demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA (art. 1º, § 2º, V, a,
b e c, do Código Florestal). [grifos nossos]"5
Além disso, a autorização para exploração de área de preservação permanente é condicionada à comprovação de alguns condicionamentos, não sendo lícito ao Poder Judiciário permitir a intervenção em APP ao arrepio das condições legais:
"Além dessas exigências, a lei cria restrições à intervenção, devendo o postulante comprovar: a) a inexistência de alternativa técnica e locacional às obras, planos, atividades ou projetos propostos; b) o atendimento às condições e padrões aplicáveis aos corpos d'água; c) a averbação da Área de Reserva Legal; e d) a inexistência de risco de agravamento de processos como enchentes, erosão ou movimentos acidentais de massa rochosa (art. 3º, I, II, III e IV, da citada resolução)."6
Vale ressaltar, ainda, com Luís Paulo Sirvinskas, "que o Poder Público não concederá autorização, em hipótese alguma, em caso de intervenção ou supressão de vegetação em APP para a implantação de projetos de interesse exclusivamente econômico, visando apenas ao lucro individual, por se tratar de medida de caráter de excepcionalidade"7. A jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça reconhece a importância fundamental da preservação das matas ciliares (aquelas que margeiam os cursos d'água), qualquer que seja a largura do curso d'água, e qualquer que seja a situação da vegetação, preservada ou já
desmatada:
AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MATA CILIAR. CORTE. ART. 2º DO CÓDIGO FLORESTAL. MATA ATLÂNTICA. DECRETO 750/93. SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM VIOLAÇÃO AOS TERMOS DA LICENÇA AMBIENTAL EXPEDIDA. 1. Exceto nos casos de comprovada utilidade pública ou interesse social, a Lei 4.771/65 (Código Florestal) literalmente proíbe a supressão e o impedimento de regeneração da Mata Ciliar, qualquer que seja a largura do curso d'água. 2. A proteção legal como Área de Preservação Permanente ciliar estende-se não só às margens dos "rios", mas também às que se encontram ao longo de "qualquer curso d'água" (Código Florestal, art. 2º, "a", grifei), aí incluídos riachos, córregos, veios d'água, brejos e várzeas, lagos, represas, enfim, todo o complexo mosaico hidrológico que compõe a bacia. 3. O regime jurídico das Áreas de Preservação Permanente ciliares é universal, no duplo sentido de ser aplicável à totalidade dos cursos d'água existentes no território nacional independentemente da sua vazão ou características hidrológicas e de incidência tanto nas margens ainda cobertas de vegetação (Mata Ciliar, Mata Ripária, Mata de Galeria ou Mata de Várzea), como naquelas já desmatadas e que, por isso mesmo, precisam de restauração. 4. Ao juiz descabe afastar a exigência legal de respeito à manutenção de Mata Ciliar, sob o argumento de que se está diante de simples "veio d'água", raciocínio que, levado às últimas conseqüências, acabaria por inviabilizar também a tutela das nascentes ("olhos d'água"). Mais do que nos grandes rios, é exatamente nesses pequenos cursos d'água que as Matas Ciliares cumprem o papel fundamental de estabilização térmica, tão importante à vida aquática, decorrente da interceptação e absorção da radiação solar. 5. A Constituição Federal ampara os processos ecológicos essenciais, entre eles as Áreas de Preservação Permanente ciliares. Sua essencialidade decorre das funções ecológicas que desempenham, sobretudo na conservação do solo e das águas. Entre
elas cabe citar a) proteção da disponibilidade e qualidade da água, tanto ao facilitar sua infiltração e armazenamento no lençol freático, como ao salvaguardar a integridade físico-química dos corpos d'água da foz à nascente, como tampão e filtro, sobretudo por dificultar a erosão e o assoreamento e por barrar poluentes e detritos, e b) a manutenção de habitat para a fauna e formação de corredores biológicos, cada vez mais preciosos em face da fragmentação do território decorrente da ocupação humana. 6. Seria um despropósito tutelar apenas as correntes mais caudalosas e as nascentes, deixando, no meio das duas, sem proteção alguma exatamente o curso d'água de menor volume ou vazão. No Brasil a garantia legal é conferida à bacia hidrográfica e à totalidade do sistema ripário, sendo irrelevante a vazão do curso d'água. O rio não existe sem suas nascentes e multifacetários afluentes, mesmo os menores e mais tênues, cuja estreiteza não reduz sua essencialidade na manutenção da integridade do todo. 7. O Município, contrariando a legislação vigente e os termos da licença expedida, desmatou a Mata Ciliar. 8. A ilegalidade do desmatamento provocado pela Prefeitura de Joinville é patente. A licença expedida pelo Ibama previa, textualmente, que a supressão de vegetação poderia ser feita, desde que "respeitados rigorosamente o disposto na letra 'a' do artigo 2º do Código Florestal, Lei 4.711/65, com as alterações introduzidas pela Lei n. 7.803/89, ficando o responsável pela execução dos trabalhos de exploração com a obrigação de preservar a faixa marginal do curso d'água existente na propriedade". 9. O descumprimento das exigências da legislação ambiental para a hipótese de supressão da Mata Atlântica é causa de nulidade das autorizações eventualmente concedidas e dos atos praticados (art. 10 do Decreto 750/1993), sendo devida a recomposição ambiental da área afetada. 10. Recurso Especial provido. [grifos nossos] (STJ, REsp 176753 / SC, Segunda Turma, Rel.: Min. Herman Benjamin, DJe 11/11/2009)
Incabível, igualmente, é o argumento de que a área de preservação permanente comprometida havia sido devastada pelo antigo locatário do imóvel. Tal fato não exime a responsabilidade do recorrente de tanto preservar como recuperar a área de preservação permanente inserida no imóvel no qual explora atividade econômica. Nesse sentido, a doutrina de Edis Milaré:
"Se é certo que a poluição jamais chegará ao nível zero, também é certo que os custos sociais dela decorrentes devam ser suportados por aquele que, diretamente, lucra com a atividade e que está mais bem posicionado para controlá-la: o próprio empreendedor. É ele o titular do dever principal de zelar pelo meio ambiente e é a ele que aproveita, direta e economicamente, a atividade lesiva. (...) No ponto, merece referência a questão do dano preexistente, que também não constitui motivo de exoneração da responsabilidade civil. Deve-se ter presente, nessas hipóteses, que o fator cumulativo dos agentes poluidores projeta efeitos adversos só muito tempo depois de sua emissão, e que podem ser agravados pela contribuição de novas atividades. [grifos nossos]"8
O recorrente também procura desconstituir as alegações do Ministério Público acolhidas pela sentença recorrida afirmando que não promoveu o desmate da área de preservação permanente, vez que este teria sido feito pelo antigo locatário do terreno: "Quanto ao argumento de que a Apelante fez (b) desmate de mata para a instalação do campo de paintball, o Sr. Perito confirma a improcedência da alegação do
Ministério Público ao responder o quesito nº 4 da Apelante no sentido de confirmar que `até 2004 existia um campo de futebol na área, sendo que neste mesmo ano foram implantadas as atividades de paintball (...)' (fls. 610)."
Ocorre que, conforme registrado no laudo pericial, ainda que o desmatamento originalmente tenha sido provocado pelo antigo ocupante do imóvel, fato é que o Apelante continua a ocupar a área de preservação permanente, invadida parcialmente pela cancha de paintball, o que é expressamente vedado pela legislação florestal: "13) O Requerido Jungle Boyz realizou, ou está a realizar, alguma espécie de construção na área de preservação permanente existente no imóvel? Não. O que existe ocupando parcialmente a área de preservação permanente é uma quadra para a prática do "paintball" em local em que, antigamente, havia um campo de futebol. [grifos nossos]"
Desse modo, sendo incontroverso o fato de que o recorrente está ocupando parte da área de preservação permanente, não há como pretender eximi-lo da responsabilidade de recuperar a área, cuja violação, conforme já sublinhado, tem contribuído para a produção de dano ambiental no curso d'água que atravessa o imóvel. No mesmo sentido, é de se observar que a afirmação constante dos memoriais de que "o Sr. Perito confirmou que `em vistoria pericial, NÃO foram encontrados indícios de que o Requerido tenha realizado qualquer tipo de desmatamento (...)" foi feita de forma descontextualizada. Com tal afirmação não quis o douto Perito afastar a
existência de dano ambiental o que, diversamente, foi devidamente atestado em outras passagens do laudo pericial , mas apenas referir que área foi inicialmente desmatada para a instalação de uma quadra de futebol, pelos antigos ocupantes, para depois ceder espaço à cancha de paintball. O novo ocupante do imóvel não adquire o direito de explorar área de preservação permanente pelo fato de o antigo ter promovido o seu desmatamento, como pretende fazer crer o Apelante. Aliás, não apenas não adquire tal direito, como possui a obrigação de restaurar a área, dada a sua natureza de obrigação "proter rem", consoante o entendimento jurisprudencial do egrégio Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA "A" DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284 DO STF, POR ANALOGIA. CONCLUSÕES DA ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DESTA CORTE SUPERIOR. ALÍNEA "C" DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE DIVERGÊNCIA ATUAL. 1. Trata-se de ação em que se pretende a indenização em virtude de limitação administrativa perpetrada pelo art. 4º do Código Florestal, que veda a supressão de mata ciliar em área de preservação permanente. 2. Não se pode conhecer do alegado desrespeito aos arts. 2º e 8º da Lei n. 4.771/65, pois as alegações que fundamentaram a pretensa ofensa são genéricas, sem discriminação das razões pelas quais tais dispositivos teriam sido contrariados. Incide, no caso, a Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal, por analogia. 3. A pretensão recursal busca, na verdade, analisar a espécie de intervenção na propriedade do recorrente e a realização de reflorestamento ou desmatamento na área em questão, sendo necessário rever a premissa de fato fixada pelo Tribunal de origem, soberano na avaliação do conjunto fático-probatório
constante dos autos, o que é vedado aos membros do Superior Tribunal de Justiça por sua Súmula n. 7. 4. Quanto à aludida extinção da pretensão de reparação do dano ambiental, mediante recomposição da área, impõe- se notar que esta Corte já se sedimentou no sentido da imprescritibilidade desta. Precedentes. 5. No que tange à apontada divergência jurisprudencial, não há como se falar em divergência atual, o que torna possível aplicar ao caso a Súmula n. 83/STJ. Em verdade, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a obrigação de recuperar a degradação ambiental ocorrida na faixa da reserva legal ou área de preservação permanente abrange aquele que é titular da propriedade do imóvel, mesmo que não seja de sua autoria a deflagração do dano, tendo em consideração a sua natureza propter rem. Precedentes. 6. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. [grifos nossos] (STJ, REsp 1247140 / PR, Segunda Turma, Rel.: Min. Mauro Campbell Marques, DJe 01/12/2011)
AMBIENTAL. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. FUNÇÃO ECOLÓGICA DA PROPRIEDADE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MÍNIMO ECOLÓGICO. DEVER DE REFLORESTAMENTO. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. ART. 18, § 1º, DO CÓDIGO FLORESTAL de 1965. REGRA DE TRANSIÇÃO. 1. Inexiste direito ilimitado ou absoluto de utilização das potencialidades econômicas de imóvel, pois antes até "da promulgação da Constituição vigente, o legislador já cuidava de impor algumas restrições ao uso da propriedade com o escopo de preservar o meio ambiente" (EREsp 628.588/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 9.2.2009), tarefa essa que, no regime constitucional de 1988, fundamenta-se na função ecológica do domínio e posse. 2. Pressupostos internos do direito de propriedade no Brasil, as Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal visam a assegurar o mínimo ecológico do imóvel, sob o manto da inafastável garantia constitucional dos "processos ecológicos essenciais" e da "diversidade biológica".
Componentes genéticos e inafastáveis, por se fundirem com o texto da Constituição, exteriorizam-se na forma de limitação administrativa, técnica jurídica de intervenção estatal, em favor do interesse público, nas atividades humanas, na propriedade e na ordem econômica, com o intuito de discipliná-las, organizá- las, circunscrevê-las, adequá-las, condicioná-las, controlá-las e fiscalizá-las. Sem configurar desapossamento ou desapropriação indireta, a limitação administrativa opera por meio da imposição de obrigações de não fazer (non facere), de fazer (facere) e de suportar (pati), e caracteriza-se, normalmente, pela generalidade da previsão primária, interesse público, imperatividade, unilateralidade e gratuidade. Precedentes do STJ. 3. "A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem" (REsp 1.090.968/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010), sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, descabendo falar em direito adquirido à degradação. O "novo proprietário assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para o desmatamento. Precedentes" (REsp 926.750/MG, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 4.10.2007; em igual sentido, entre outros, REsp 343.741/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 7.10.2002; REsp 843.036/PR, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ 9.11.2006; EDcl no Ag 1.224.056/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.8.2010; AgRg no REsp 1.206.484/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.3.2011; AgRg nos EDcl no REsp 1.203.101/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 18.2.2011). Logo, a obrigação de reflorestamento com espécies nativas pode "ser imediatamente exigível do proprietário atual, independentemente de qualquer indagação a respeito de boa-fé do adquirente ou de outro nexo causal que não o que se estabelece pela titularidade do domínio" (REsp 1.179.316/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 29.6.2010). 4. "O § 1º do art. 18 do Código Florestal quando dispôs que, 'se tais áreas
estiverem sendo utilizadas com culturas, de seu valor deverá ser indenizado o proprietário', apenas criou uma regra de transição para proprietários ou possuidores que, à época da criação da limitação administrativa, ainda possuíam culturas nessas áreas" (REsp 1237071/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 11.5.2011). 5. Recurso Especial não provido. [grifos nossos] (STJ, REsp 1240122 / PR, Segunda Turma, Rel.: Min. Herman Benjamin, DJe 11/09/2012)
No que tange à alegação trazida pelo recorrente de que a Medida Provisória nº 571/2012 teria dispensado a constituição rígida de áreas de preservação permanente entorno das acumulações de água com superfície inferior a 1 (um) hectare, mostram-se equivocadas as afirmações feitas pelo Apelante. O § 4º do art. 4º da Lei nº 12.651/2012 (novo Código Florestal) foi alterado pela Medida Provisória nº 571/2012, nos seguintes termos:
Antiga redação:
§ 4º Nas acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a 1 (um) hectare, fica dispensada a reserva da faixa de proteção prevista nos incisos II e III do caput.
Nova redação:
§ 4º Fica dispensado o estabelecimento das faixas de Área de Preservação Permanente no entorno das acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a 1 (um) hectare, vedada nova supressão de áreas de vegetação nativa.
Ocorre que, diversamente do sustentado pelo recorrente,
tal alteração não foi feita com o intuito de flexibilizar a conservação das áreas consideradas de proteção permanente, mas, em sentido justamente contrário, foi realizada com o intuito de fortalecer a preservação destes espaços, consoante se depreende da exposição de motivos da Medida Provisória nº 571/2012:
"Quanto ao § 4º do mesmo art. 4º, propõe-se a alteração da redação da Lei nº 12.651, para que se proteja a vegetação nativa remanescente no entorno das acumulações de água inferiores a um hectare. Essa medida se justifica para reduzir a possibilidade dos proprietários ou posseiros rurais, contemplados com a dispensa de manter faixa de proteção no entorno dessas acumulações, procederem a novas supressões de vegetação nativa remanescentes, agravando as condições de sustentabilidade desses reservatórios hídricos. [grifos nossos]"
Ademais, é de se observar que a eficácia da referida Medida Provisória está condicionada à sua conversão em lei, o que está sendo objeto de deliberação no Congresso Nacional, com a votação do Projeto de Lei de conversão de Medida Provisória nº 21/2012. De se notar que o referido Projeto de Lei prevê a seguinte redação para o art. 4º, § 4º:
§ 4º Nas acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a 1 (um) hectare, fica dispensada a reserva da faixa de proteção prevista nos incisos II e III do caput, vedada nova supressão de áreas de vegetação nativa, salvo autorização do órgão ambiental competente do Sisnama. [grifos nossos]
Assim, para além das razões acima expostas, deve-se ter
em conta que a regra prevista no Projeto de Lei de conversão de Medida Provisória nº 21/2012 dispensa a reserva de faixa de proteção de área de preservação permanente apenas nos casos dos incisos II e III do art. 4º, enquanto a área de preservação afetada pelas atividades do Apelante dizem respeito à previsão do inciso I do art. 4º, não estando o mesmo, portanto, contemplado pela dispensa de reserva de faixa de proteção9. Conclui-se, desse modo, ser acertada a sentença atacada, pelo que deve ser mantida nesse ponto. Observe-se, por fim, que o fato alegado pelo Apelante de haver outros empreendimentos e residências na área de preservação ambiental em que se situa o imóvel onde desenvolve a atividade de paintball não exerce qualquer influência sobre o deslinde da presente demanda, devendo essas questões serem apuradas em processo próprio.
A prática de dano ambiental por outros proprietários de imóveis atravessados pelo curso d'água não possui qualquer influência sobre o julgamento do presente recurso, vez que a responsabilidade do Apelante pela conservação da área de preservação permanente localizada no seu terreno não é diminuída em função da eventual prática de dano ambiental pelos proprietários vizinhos, possuindo fundamento constitucional10 e legal11 autônomo. Se eventuais danos ambientais estão sendo produzidos pelos proprietários dos imóveis vizinhos ao do recorrente, esse fato não pode servir de justificativa para eximir a responsabilidade deste último, mas deve motivar a regular apuração daqueles, para que a sua responsabilidade seja verificada em procedimento próprio. Do recurso do Município de Curitiba Assiste razão ao Município de Curitiba e à Jungle Boys Ltda. ao afirmarem a impossibilidade de condenar a parte sucumbente em
Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público se não comprovada sua má- fé. Dispõe o art. 18 da Lei nº 7.347/1985 que a parte autora na Ação Civil Pública não será condenada ao pagamento de honorários advocatícios em caso de sucumbência, salvo se comprovada má-fé12. Por força do princípio da isonomia, impõe-se dispensar tratamento simétrico à outra parte quando sucumbente, que não pode, por tal razão, ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios em favor do Ministério Público autor da Ação Civil Pública. Tal entendimento foi consolidado no âmbito deste Tribunal de Justiça com a edição da Súmula nº 02 das 4ª e 5ª Câmaras Cíveis, que possui o seguinte teor:
Em sede de ação civil pública, a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé; dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, não pode o "parquet" beneficiar-se dessa verba, quando for vencedor na ação civil pública. [grifos nossos]
Outro não é o entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. AGENTE POLÍTICO. LEGITIMIDADE PASSIVA. TIPICIDADE. DOLO. DOSIMETRIA DAS SANÇÕES. ELEMENTOS DE PROVA. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. HONORÁRIOS FIXADOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. (...) 4. A Primeira Seção, ao julgar os EREsp 895.530/PR, de relatoria da Ministra Eliana Calmon, por maioria, firmou que, em ação civil pública movida pelo Parquet, devem ser seguidas as seguintes balizas: I) o Ministério Público não pode auferir honorários por vedação constitucional, consoante o art. 128, § 5º, II, letra "a", da Constituição da República; II) aplicam-se estritamente os critérios previstos nas regras específicas da Lei 7.347/85, quanto à verba honorária; III) o STJ entende que o Ministério público somente pode ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios apenas nos casos de prova irrefutável de sua má-fé e; IV) dentro de critério de absoluta simetria, se o Ministério Público não paga os honorários, também não deve recebê-los. (Precedente: REsp 1099573/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 27/04/2010, DJe 19/05/2010). Recurso especial parcialmente conhecido e parcialmente provido. [grifos nossos] (STJ, REsp 1264364 / PR, Segunda Turma, Rel: Min. Humberto Martins, DJe 14/03/2012)
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE OMISSÕES. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. CONDENAÇÃO DO ESTADO AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A alegada violação dos artigos 475 e 535, do CPC, não se efetivou no caso dos autos, uma vez que não se vislumbra omissão ou contradição no acórdão recorrido capaz de tornar nula a decisão impugnada no especial. A Corte de origem apreciou a demanda de modo suficiente, havendo se pronunciado acerca de todas as questões que foram elencadas nos embargos de declaração opostos na origem. 2. Conforme o entendimento
jurisprudencial do STJ, não é cabível a condenação da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios em favor do Ministério Público nos autos de Ação Civil Pública. Nesse sentido: REsp 1.099.573/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe 19.5.2010; REsp 1.038.024/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 24.9.2009; EREsp 895.530/PR, 1ª Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 18.12.2009. 3. Recurso especial parcialmente provido. [grifos nossos] (STJ, REsp 1229717 / PR, Segunda Turma, Rel: Min. Mauro Campbell Marques, DJe 15/04/2011)
Desse modo, impõe-se a reforma da decisão recorrida neste aspecto, para o fim de excluir a condenação dos réus ao pagamento de honorários advocatícios. Diante de todo o exposto, voto pelo conhecimento das duas Apelações Cíveis, com o provimento do recurso do Município de Curitiba e o provimento parcial do recurso interposto pela Jungle Boys Ltda., tão somente para excluir a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em favor do Ministério Público do Estado do Paraná.
DECISÃO Acordam os Desembargadores da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em dar provimento ao recurso do Município de Curitiba e provimento parcial ao recurso da Jungle Boys Ltda. Declara voto convergente a Desembargadora REGINA AFONSO PORTES. Participaram da sessão e acompanharam o voto da Relatora as Excelentíssimas Senhoras Desembargadoras REGINA AFONSO PORTES, Presidente, com voto, e LÉLIA SAMARDÃ GIACOMET. Curitiba, 23 de outubro de 2012.
Des.ª MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA Relatora
Des.ª REGINA AFONSO PORTES Declaração de voto convergente
-- 1 Regra mantida pelo novo Código Florestal, instituído pela Lei nº 12.651/2012:
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I - as faixas marginais de qualquer curso d'água natural, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;
-- 2 Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: (...) a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: 1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;
-- 3 Como na seguinte passagem:
"14) Na margem oposta no curso d'água existem construções? Caso a resposta seja afirmativa, pede-se que o expert descreva as construções existentes, bem como esclareça se elas estão a respeitar os 30 (trinta) metros da área de preservação permanente (cf. art. 2º da Lei Federal 4.771/65). Sim. Existe desde a construção de muros até a margem do rio, até a ocupação da área de preservação permanente como quintal, não respeitando o Código Florestal. [grifos nossos]" 4 Antigo art. 4º da Lei 4.771/1965: o Art. 4 A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. o § 1 A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou o municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2 deste artigo. o § 2 A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico. § 3o O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente. o § 4 O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor. o § 5 A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam, respectivamente, as alíneas "c" e "f" do art. 2o deste Código, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.
-- o § 6 Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA. o § 7 É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa.
-- 5 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 442/443. 6 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 448. 7 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 448.
-- 8 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. 6ª ed. São Paulo: RT, 2009. P. 964/965.
-- 9 o Art. 4 Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I - as faixas marginais de qualquer curso d'água natural, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de: a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d'água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros; b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas; III - as áreas no entorno dos reservatórios d'água artificiais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento, observado o disposto nos §§ 1o e 2o; (...)
-- 10 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. (...) § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. 11 Lei n° 12.651/2012 (novo Código Florestal): o Art. 4 Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I - as faixas marginais de qualquer curso d'água natural, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;
-- 12 Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.
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