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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 957.743-1 DA 22ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA. APELANTE: JAMHAR AMINE DOMIT APELADO: CONDOMÍNIO EDIFÍCIO RIO SENA E OUTROS. RELATOR: DES. ARQUELAU ARAUJO RIBAS APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO VERTICAL. PRELIMINAR. INTEMPESTIVIDADE. INOCORRÊNCIA. APELO INTERPOSTO ANTES DA DECISÃO DOS EMBARGOS. RATIFICAÇÃO. DESNECESSIDADE. EXCLUSÃO DE CONDÔMINO NOCIVO. LIMITAÇÃO DO DIREITO DE USO/HABITAÇÃO, TÃO-SOMENTE. POSSIBILIDADE, APÓS ESGOTADA A VIA ADMINISTRATIVA. ASSEMBLÉIA GERAL REALIZADA. NOTIFICAÇÕES COM OPORTUNIZAÇÃO DO CONTRADITÓRIO. QUORUM MÍNIMO RESPETITADO (3/4 DOS CONDÔMINOS). MULTA REFERENTE AO DÉCUPLO DO VALOR DO CONDOMÍNIO. MEDIDA INSUFICIENTE. CONDUTA ANTISSOCIAL CONTUMAZ REITERADA. GRAVES INDÍCIOS DE CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL, REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. CONDÔMINO QUE ALICIAVA CANDIDATAS A EMPREGO DE DOMÉSTICAS COM SALÁRIOS ACIMA DO MERCADO, MANTENDO-AS PRESAS E INCOMUNICÁVEIS NA UNIDADE CONDOMINIAL. ALTA ROTATIVIDADE DE FUNCIONÁRIAS QUE, INVARIAVELMENTE SAIAM DO EMPREGO NOTICIANDO MAUS TRATOS, AGRESSÕES FÍSICAS E VERBAIS, ALÉM DE ASSEDIOS SEXUAIS ENTRE OUTRAS ACUSAÇÕES. RETENÇÃO DE DOCUMENTOS. ESCÂNDALOS REITERADOS DENTRO E FORA DO CONDOMÍNIO. PRÁTICAS QUE EVOLUIRAM PARA INVESTIDA EM MORADORA MENOR DO CONDOMÍNIO, CONDUTA ANTISSOCIAL INADMISSÍVEL QUE IMPÕE PROVIMENTO JURISDICIONAL EFETIVO. CABIMENTO. CLÁUSULA GERAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. MITIGAÇÃO DO DIREITO DE USO/HABITAÇÃO. DANO MORAL. NÃO CONHECIMENTO. MATÉRIA NÃO DEDUZIDA E TAMPOUCO APRECIADA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS FIXADOS EM R$ 6.000,00 (SEIS MIL REAIS). MANTENÇA. PECULIRIDADES DO CASO CONCRETO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos, estes autos de apelação cível nº 957.743-1 da 22ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que figura como apelante JAMHAR AMINE DOMIT e apelado CONDOMÍNIO EDIFÍCIO RIO SENA E OUTROS. RELATÓRIO 1. Cuida-se de recurso de apelação interposto em face da decisão de primeiro grau que julgou procedente o pedido da ação de Obrigação de Não Fazer, para determinar que o requerido se Abstenha de usar/habitar a unidade 901 do Condomínio Rio Sena; improcedente o pedido da ação de indenização por danos morais pretendido pelo apelante; improcedente a anulatória de ato jurídico; condenou o apelante no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em R$ 6.000,00 (seis mil reais). (fls. 1146/1155) 1.1. Os embargos de declaração (fls. 1158/1164 e 1173/1190) foram rejeitados (fls. 1168/1169 e 1191/1192)
1.2. O apelante pretende a reforma da decisão alegando, resumidamente, que a lei não prevê a expulsão do condômino indesejado; é imprescindível a comprovação de infração grave; a sentença não especifica, exatamente, qual o tipo de perturbação praticada que resultou na sua exclusão; as acusações feitas contra o apelante são inverídicas; que o "quantum" indenizatório fixado à título de indenização por danos morais chega às raias do desrespeito; os honorários advocatícios estão exacerbados. (fls. 1193/1200) 1.3. Contrarrazoado o recurso. (fls. 1206/1262) É relatório. FUNDAMENTOS DE FATO E DE DIREITO BREVE RELATO DOS FATOS 2. Com a exordial os fatos foram assim descritos: "No dia 21.09.2009, os moradores do CONDOMÍNIO EDIFÍCIO RIO SENA tiveram o desgosto de ver seu prédio ser alvo de investida policial que resultou na prisão de um de seus moradores (Sr. Jamhar Amine Domit ora Réu). As acusações contra aquele morador eram chocantes: o Réu, morador da unidade 901, estava sendo acusado da prática
dos crimes de estupro, cárcere privado e redução a condição análoga a de escravo. As acusações eram tão graves que chamaram a atenção de toda a sociedade brasileira, vindo a fazer parte do noticiário nacional. Segundo noticiaram os jornais, o apartamento do Réu "era um verdadeiro circo dos horrores". Para lá trabalhadoras domésticas eram atraídas com anúncios de emprego pelo qual se ofereciam salários de "cerca de R$ 1.200,00", sendo, que as inocentes trabalhadoras, ao "chegarem no apartamento, (...) tinham documentos retidos e passavam a ser ameaçadas e assediadas por Domit, que, muitas vezes, as trancava e deixava as vítimas sem comunicação." Uma das vítimas relatou ao meios de comunicação que: "ele chegava na cozinha, dava um empurrão. Dizia que tinha me contratado para que cuidasse dele, a casa não interessava". Outra que: "sempre que ele chamava tinha um filme pornô". E outra vítima relatou como o Réu se comportava no momento da contratação: "quando nós fomos lá para a cozinha, a primeira coisa, ele fez eu abrir a boca, ver meus dentes, ver meus seios, se eu tinha condições de trabalhar para ele." [...] Ou seja, os crimes eram da maior gravidade e invariavelmente tinham cunho sexual.
O réu se beneficiava de sua condição econômica e da necessidade de trabalho de pobres mulheres para satisfazer todas as suas perversidades sexuais. Com a prisão, de uma hora para a outra os moradores do CONDOMÍNIO AUTOR se viram arrastados em um escândalo de grandes proporções. Mas não só isso. Constataram aquilo que já suspeitavam: o Réu é um sujeito perigoso, incapaz de conviver pacífica e socialmente com pessoas de bem. A suspeita decorria das várias atitudes destemperadas, ameaçadoras e desrespeitosas do Réu com terceiros, moradores e funcionários do CONDOMÍNIO EDIFÍCIO RIO SENA, ora AUTOR. [...] Como se mencionou no parágrafo anterior a prisão do Réu Jamhar Amine Domit foi só o ápice de uma vida desregrada. Muito antes de sua prisão o Réu já praticava vários desmandos no interior de sua residência e nas partes comuns do Edifício Rio Sena aterrorizando e envergonhando todos aqueles que ali moravam e transitavam. Só para se ter uma ideia, há alguns anos, diante das várias ameaças e badernas verificadas no interior da residência do Réu, diante dos gritos de mulheres desesperadas pelos corredores e elevadores do edifício, diante da verificação de visitas de carros de polícia em frente ao prédio com vistas a solucionar problemas do Réu com suas "empregadas domésticas", os moradores do Condomínio Edifício Rio Sena resolveram abrir um livro de ocorrências no prédio. Este livro de ocorrências revelou no decorrer dos anos todo o desvio comportamental do Réu.
[...] Em meados de 2006, funcionários e moradores se queixaram tanto à administração do Condomínio Edifício Rio Sena sobre os desmandos e problemas criados pelo Réu Jamhar Amine Domit que a então síndica determinou que se abrisse um livro de ocorrência, o qual deveria conter todas as ocorrências vivenciadas no interior daquele edifício. Assim foi feito. Analisando-se o conteúdo daquele livro de ocorrência se verifica que mais de 90% (noventa por cento) de seu conteúdo se refere ao Réu (o que já demonstra o quão insuportável é conviver com o mesmo). Não bastasse a quantidade exagerada de problemas ocasionados pelo Réu, naquele livro consta também a gravidade das condutas praticadas por tal condômino seja em face de terceiros, seja em face de moradores do Condomínio Edifício Rio Sena. [...] Além de todas estas ocorrências, ainda foram registradas no livro mencionado, outras reclamações relacionadas a assédio sexual praticado pelo Réu contra empregadas domésticas. Além disso também encontra-se naquele documento relatos de problema ocorridos com candidatas em entrevista de emprego sendo que uma delas, a candidata relatou que "o proprietário durou mais de três horas na entrevista" sendo eu durante a entrevista "fez perguntas de foro íntimo e com insinuações de assédio sexual e que quando pedia para ir embora era impedida, pedindo inclusive que ela tocasse na sua genitália.
Como se vê, há vários anos os moradores do Condomínio Edifício Rio Sena são vítimas do desvio comportamental do Réu o qual utiliza indevidamente sua unidade para saciar o seu "apetite sexual". Entretanto, deve se frisar que os perigos para os moradores do Condomínio Edifício Rio Sena estão cada vez maiores uma vez que o Réu está em uma ascendência no seu desvio comportamental, isto porque primeiramente, o Réu só assediava candidatas a emprego. Com o tempo passou a assediar mulheres que não eram candidatas a emprego e, mais à frente, passou a investir em face de moradoras do edifício." PRELIMINAR TESMPESTIVIDADE DO RECURSO. 3. Não merece prosperar a preliminar de intempestividade do recurso, contida nas razões do recorrido, senão vejamos: 3.1. Aduz o condomínio autor, que o recurso é intempestivo em razão de ter sido interposto, antes da intimação da sentença dos embargos de declaração e, após proferida, o apelante não ratificou suas razões nem tampouco interpôs outro recurso.
3.2. Sem razão o recorrido, vez que inexiste necessidade de ratificação das razões recursais, após o julgamento dos embargos que, diga-se, inclusive foram rejeitados. 3.3. Neste sentido: "COBRANÇA. CADERNETAS DE POUPANÇA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. PLANOS BRESSER, VERÃO, COLLOR I E II. 1. TEMPESTIVIDADE DA APELAÇÃO. DESNECESSIDADE DE RATIFICAÇÃO OU REITERAÇÃO DO APELO INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. POSSIBILIDADE DA PARTE INTERPOR RECURSO EM QUALQUER MOMENTO DENTRO DO PRAZO RECURSAL. (...) (TJ-PR, AC 741904- 3, Rel. Des. Luiz Taro Oyama, J. em 08/06/11) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. PRIMEIRA FASE. RECURSO TEMPESTIVO. INTERPOSIÇÃO ANTERIOR À PUBLICAÇÃO DA DECISÃO DOS EMBARGOS À DECLARAÇÃO OPOSTOS PELA PARTE ADVERSA. (...) 1. Diante das peculiaridades do caso, impõe-se o conhecimento do recurso, ainda que interposto antes da publicação da decisão dos embargos de declaração, haja vista ter se verificado a sua tempestividade, se contado o prazo a partir da publicação da sentença embargada, e a oposição dos aclaratórios pela parte adversa, o que leva a crer que a parte recorrente sequer tinha conhecimento dos embargos. (...)
(TJ-PR, AC 471617-8, Rel. Des. Luis Espíndola, J. em 06/08/08) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO E ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. INTERPOSIÇÃO DO RECURSO DE APELAÇÃO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTE. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO AFASTADA. (...)(TJ-PR, AC 354321-1, Rel. Des. Augusto Lopes Cortes, J. em 16/05/07) "O fato da apelante, após regular intimação da sentença e no prazo legal, ter interposto o recurso quando pendente de julgamento os embargos de declaração opostos pelo apelado, não torna extemporânea a apelação, merecendo, destarte, o seu conhecimento. (...)" (TJPR - 7ª CCv - Ap Cível nº 581.802-2. Des. Ruy Francisco Thomaz, j. 04/08/2009, p. 31/08/2009).
3.4. Anote-se que o requerido, ao tempo da publicação da sentença estava sem representante nos autos, razão pela qual foi intimado pessoalmente (fls. 1170), cujo mandado foi juntado às folhas 1169v, em 25 de maio de 2012. 3.5. Ocorre que o condomínio opôs embargos de declaração, interrompendo o prazo para recurso (fls. 1173/1190) e antes de ser proferida decisão nesses embargos o
requerido protocolizou o recurso em apreço, razão pela qual, não havia se esgotado o prazo recursal. 3.6. Assim, não havendo falar em intempestividade por recurso protocolizado antes do prazo, rejeita-se a preliminar. MERITUM CAUSAE 4. A lide em apreço, não bastasse a própria repercussão midiática causada pelos assombrosos fatos descritos na exordial, traduz uma pretensão de acentuada polêmica no campo doutrinário, face às necessárias interpretações dos dispositivos legais atinentes ao tema, sem correspondentes no Digesto Civilista anterior. 4.1. Trata-se da denominada "exclusão de condômino por reiterado comportamento antissocial", cujo silêncio da lei especificamente quanto à tal possibilidade, desagua em discussão doutrinária. Contudo, antes de adentrar no tema propriamente dito, é mister descer ao caso concreto, analisando-se os fatos ditos antissociais atribuídos ao réu Jamhar Amine Domit, senão vejamos:
4.2. Segundo constou da exordial, desde 2006, em razão de inúmeras reclamações feitas por funcionários e moradores do condomínio, houve por bem, a síndica, determinar a abertura de um livro de ocorrências, a partir de quando, o que se viu foi a preponderância de registros atribuídos a condutas praticadas pelo réu, vez que, das 34 (trinta e quatro) ocorrências, 22 (vinte duas) se referiam a ele, no período compreendido entre 03/10/2006 até 20/08/2009. (fls. 119/145, vol. 1) 4.3. A primeira ocorrência então registrada, em 03/10/2006 foi assim descrita: "Nesta data veio até este condomínio a empregada do apto. 901, Ivonete, (haja vista que ela fora passar o final de semana na casa dos pais) até então para nós da portaria era empregada, segundo ela para receber saldo de seu pagamento, apanhar documentos pessoais (retidos pelo empregador) e suas roupas que deveriam estar na portaria, segundo ela que o Dr. Jamhar havia prometido assim proceder. Ao adentrar a portaria um cunhado dela entrou junto (estava do lado) Foi interfonado ao Dr. Jamhar o qual se negou a recebe-la usando termos (palavreado) inadequados e de baixo calão. Diante disso a já ex-empregada e o cunhado chamaram a Polícia Militar, chegou a viatura c/ dois policiais pediram para falar c/ o Sr. Jamhar. Novamente foi interfonado O Sr. Jamhar disse
"que não tinha nada o que falar", o policial pediu p/ mim porteiro (Luiz Carlos) que mandasse os pertences da Inovete sob palavrões de baixo calão mandou uma mochila e Ivonete conferiu, verificou que faltava a sua RG novamente foi interfonado e o documento foi enviado (via elevador de serviço, assim como a mochila anteriormente). A ex- empregada queria saber do seu pagamento novamente foi interfonado sob acusação de que a ex-empregada não fazia as coisas direito, que não tinha nada para receber e que..."Fosse receber na P.Q.P" que quebrava as coisas dentro de casa (apto.). E a Ivonete, o cunhado, e os dois policiais saíram dizendo que iriam até a delegacia formular queixa. Após dois dias ela veio receber R$ 200,00 (duzentos reais) mas que o certo seria R$ 430,00 (quatrocentos e trinta reais) mas o empregador só lhe pagou R$ 200,00." (fls. 119/120) 4.4. Destaca-se que o condomínio alegou ter aberto o livro de registro, face ao crescente número de situações que, de constrangedoras, passaram a se demonstrar atentatórias à dignidade dos condôminos. 4.5. O que se evidenciou com o passar do tempo, foi uma desproporcional rotatividade de empregadas domésticas na residência do requerido, que segundo consta "[...]no ano de 2007 o Sr. Jamhar havia recebido 245 visitas de mulheres para entrevistas relacionadas ao emprego de doméstica[...]"(fls. 115
vol.1) as quais, após a instalação do livro de registro das ocorrências, passaram a noticiar os abusos por ele praticados. 4.6. Segundo consta, o requerido, ofertando trabalho com salário acima do mercado, atraía candidatas, inclusive de outras cidades, as quais, após ingressarem no emprego, passavam a ser destratadas, humilhadas, agredidas, física e verbalmente, além de terem sido relatados casos de assedio sexual, cárcere privado e retenção de documentos pessoais, senão vejamos: "As 15:30 hs desceu com as malas a empregada (ex) do apto. 901, Valdicéia, desceu alegando que ia aguardar um taxi, o seu filho p/ ir embora, já que o Sr. Jamhar, a tratava com grosseria, teria assediado sexualmente a mesma, além de pedir (exigir) que a mesma acariciasse outra candidata a emprego, segundo ela (Valdicéia) a outra pessoa estava seminua, no que Valdicéia não concordou, logo após à noite conta ela que o Sr. Jamhar queria a todo custo que fosse dormir com ele.[...]" (fls. 129) 4.7. Com o agravamento das condutas que se reiteravam e se tornavam cada vez mais frequentes e atentatórias, o condomínio, após várias tentativas, em 02 de outubro de 2007, logrou êxito em notificar o requerido em
Assembleia Condominial, para que se abstivesse de tais práticas, senão vejamos o conteúdo da notificação: "Não é de hoje que os condôminos vêm percebendo que Vossa Senhoria têm tido a infelicidade de ter uma alta rotatividade de funcionárias do lar. Nos últimos tempos, a rotatividade, de contratação de funcionárias domésticas tem se intensificado, sendo que as contratações, não se sabe por quais motivos, não tem durado muito tempo, e, invariavelmente, quando do término do contrato destas novas funcionárias, ou seja, na dispensa das mesmas, grandes confusões têm ocorrido, sendo que, em uma delas, até viatura da polícia militar foi acionada. Ocorre que essa grande rotatividade de pessoas, está gerando insegurança a todas os moradores do condomínio, pois, por diversas vezes, essa grande movimentação prejudica a identificação das pessoas que adentram ao condomínio. Os porteiros não tem conhecimento de quem foi contratado pelo NOTIFICADO, tendo em vista a grande rotatividade de funcionários que o mesmo já contratou. Sendo assim, os porteiros não sabem quem está autorizado a circular pelo condomínio. Não fosse isso, por diversas vezes as funcionárias do NOTIFICADO descem do apartamento do mesmo em completo desespero, dizendo que foram agredidas verbal, e em alguns casos, até fisicamente, além do que reclama de que foram expulsas do apartamento. Não obstante, reclamam aos moradores que presenciam os acontecimento, à síndica do condomínio
e aos porteiros, que o NOTIFICADO não permite que elas retirem seus pertences e que o mesmo não as remunera pelos serviços prestados. Muitas delas chama a prometer "vingança" pelos maus tratos e constrangimentos suportados pelas atitudes do NOTIFICADO. Não são raras as vezes, que as ex-funcionárias são obrigadas a chamar a polícia para conseguir resgatar seus pertences. Em algumas ocasiões, as funcionárias demitidas, chamam seus familiares, que vem até a frente do condomínio, e com os ânimos exaltados, querem "resolver" a situação, o que acaba resultando em constrangimento maior ainda aos moradores do edifício. Na realidade o que tem ocorrido nos últimos tempos é uma sucessão de verdadeiros escândalos. Baixarias, agressões verbais, as quais, muitas vezes, tem como consequências ameaças físicas ao NOTIFICADO. Não é preciso mencionar que tal situação está denegrindo a imagem e colocando em risco a integridade física de todos os condôminos e funcionários do NOTIFICANTE, deixando os mesmos, em estado de tensão constante. Cabe ponderar que, por conta disto, diante das ameaças devidas, o NOTIFICANTE não se surpreenderia se alguém tentasse atentar contra o patrimônio ou até mesmo, contra a vida do NOTIFICADO, colocando assim em risco todos os que por ali estiverem presentes." (fls. 165/166) sem grifos no original
4.8. Anote-se que o requerido se esquivava em receber tal notificação, o que somente ocorreu, como dito alhures, na Assembleia extraordinária realizada no dia 02/10/2007, conforme constou da respectiva ata: "DISCUSSÃO DAS MEDIDAS A SEREM ADOTADAS EM RELAÇÃO AO CONDÔMINO DO APARTAMENTO 901 COM RELAÇÃO AOS VÁRIOS INCIDENTES RELACIONADOS À SUA UNIDADE CONDOMINIAL QUE CRIARAM (E CONTINUA CRIANDO) SITUAÇÕES CONSTRANGEDORAS AOS DEMAIS CONDÔMINOS, EM ESPECIAL PARA DISCUTIR A CONFIGURAÇÃO DO MESMO COMO CONDÔMINO ANTISOCIAL, AINDA MAIS PELO FATO DE QUE O CONDOMÍNIO JÁ TENTOU NOTIFICAR O RESPONSÁVEL PELA UNIDADE POR DIVERSAS VEZES, SEJA PELO CORREIO, SEJA POR OFICIAL DO CARTÓRIO, PARA CIENTIFICÁ-LO DAS TRANSGRESSÕES AO REGIMENTO INTERNO E AOS BONS COSTUMES, RESULTANDO TOTALMENTE INFRUTÍFERAS AS TENTATIVAS. Foi entregue pelo presidente ao Sr. Domit 2 (duas) notificações datadas de 02/10/2007, cujas cópias encontram-se anexadas e ficam fazendo parte integrante desta ata, pedindo o presidente em seguida ao Sr. Jamhar Amine Domit que assinasse o protocolo de recebimento das referidas notificações. Recusou-se o notificado (Sr.Domit) em assinar qualquer documento, pedindo então o Presidente à Secretária que
fizesse a leitura das notificações, na íntegra e com clareza, dando conhecimento dos termos ao Sr. Domit e a todos os presentes, sendo em seguida dito pelo presidente ao Sr. Domit que estava oficializada a sua notificação, pedindo que todos os condôminos presentes assinassem como testemunha da recusa da assinatura do notificado, no próprio corpo da notificação, deixando claro ao Sr. Domit que o condomínio lhe concedeu prazo de 15 dias para que apresentasse sua defesa por escrito." (fls. 156/157) 4.9. Segundo consta, o requerido, ao invés de reduzir suas investidas contras as candidatas e suas funcionárias, passou a agir da mesma forma contra condôminos, inclusive com uma menor, que na época contava com apenas 16 (dezesseis anos), senão vejamos o contido na ata de assembleia: "[...] Inicialmente, manifestou-se a moradora do apartamento 801, a qual informou aos demais moradores que veio morar no edifício há poucos meses e que logo no início de sua estadia aconteceu um fato envolvendo sua filha e o sr. Jamhar Amine Domit. Segundo a moradora do apartamento 801, logo nas primeiras semanas após sua mudança, uma de suas filhas de 16 anos de idade, desceu do elevador com o Sr. Jamhar no intuito de dirigir-se ao pátio do prédio para passear com seu cachorrinho. Segundo a mesma moradora logo que o Sr. Jamhar adentrou ao elevador o mesmo começou a olhar estranhamente para a sua filha e
tecer comentários nada agradáveis sobre sua beleza. Após descerem do elevador, o sr. Jamhar passou a perseguir a filha da moradora para ver onde ela ia. Assustada, sua filha rapidamente voltou ao apartamento de sua família com medo pelo modo estranho com que aquele morador havia se portado. Informa a moradora do apartamento 801 que sua filha ficou traumatizada após o ocorrido e que se recusa a dividir o elevador com aquele condômino, motivo pelo qual, sempre que tem que descer de seu apartamento interfona aos porteiros do prédio e questiona os mesmos se o Sr. Jamhar está no prédio e, caso a informação seja positiva, se o mesmo está descendo o elevador. Se o morador estiver no prédio a sua filha, bem como a sua irmã, se recusam a sair do apartamento sem que alguém de sua família as acompanhe uma vez que tem medo que o Sr. Jamhar possa via a assediá-las novamente. [...]" (fls. 114)
4.10. Como resultante lógica das práticas ilícitas do requerido, sua prisão foi decretada, com instauração de ação penal, conforme se observa da decisão proferida em Habeas Corpus autuado sob o nº. 623.873-3, de relatoria do Des. Eduardo Fagundes, em que figura o recorrente como impetrante. Veja-se: "I [...]. II - Em juízo de cognição sumária, retira-se dos autos que o paciente foi preso em 21.09.2009, por ordem da MM.ª Juíza de Direito do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Juizado de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, sob a suspeita de ter incorrido, em tese, nos delitos tipificados nos artigos 148 (sequestro), 149 (redução à condição análoga de escravo) e 213 (estupro) do Código Penal. No caso em tela, o paciente Jamhar Amine Domit utilizava- se de jornal de grande circulação para aliciar trabalhadoras domésticas. As interessadas vinham seduzidas por proposta de emprego vantajosa, terminando, conforme inclusive por elas relatado (Autos de Pedido de Prisão Preventiva nº 2009.0016027-9 - fls.110/128), sendo privadas de sua liberdade, tendo seus documentos e objetos pessoais recolhidos, tipificando, em tese, o delito insculpido no artigo 149 do Código Penal. [...]". grifamos
4.11. Os fatos aqui narrados inclusive tiveram grande repercussão nacional, pois, vários meios de comunicação divulgaram o ocorrido. Confira-se: "Empresário de 78 anos foi preso na manhã desta segunda-feira (21) em Curitiba acusado de prender mulheres em seu apartamento para assediá-las sexualmente. Policiais da Delegacia da Mulher conseguiram um mandado de busca, apreensão e prisão provisória graças à denuncia de uma vítima que alega ter ficado presa com o homem por 15 dias. Além de prender o suspeito, os oficiais libertaram uma mulher que estava no apartamento do homem há dois
dias. Também foram apreendidos objetos eróticos, três carteiras de identidade e onze carteiras de trabalho. "ele fazia parecer uma proposta séria e oferecia salários de cerca de R$1.200", diz a delegada Sâmia Cristina Coser, da Delegacia da Mulher". (Jornal Gazeta do Povo, 29/09/2009) (fls. 84/85). "[...]. Os anúncios em jornais ofereciam, para empregada com experiência e sem filhos, para morar no emprego, salário superior a R$1,2 mil. Logo depois que a candidata entrava no apartamento, ele trancava a porta e guardava os documentos da vítima, e passava a assediá-la, conforme detalhou a delegada. As câmeras de segurança do edifício registraram 117 candidatas. As que ele considerava feia, dispensava em poucos minutos. As outras ele as obrigava a assistir filmes pornográficos. A delegada descobriu que uma das vítimas ficou presa no apartamento por mais de 15 dias, sem conseguir se comunicar. `Ela contou que tentou jogar bilhetes pela janela para avisar o porteiro, mas não conseguiu', complementou. Na maioria dos casos, Jamhar não devolveu os documentos das vítimas. Ele as ameaçava dizendo que se fosse denunciado os usaria para prejudicá-las. Além disso, as humilhava dizendo que ninguém acreditaria nelas pois eram moças pobres denunciando um homem
rico, obviamente com interesses financeiros. [...]". (Paraná Online, 22/09/2009) (fls. 87/88). 4.12. O relaxamento da prisão, noticiado pelo apelante, ocorreu, única e exclusivamente, em razão do reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça Estadual para julgamento da causa, vez que a prática, em tese, de crime de redução à condição análoga de escravo (art. 149 CP), impôs a remessa dos autos à Justiça Federal, com imperioso reconhecimento do constrangimento ilegal. 4.13. Porém, o Ministério Público Federal ofertou denúncia em face do réu, pela prática, em tese, de 13 (treze) crimes de redução à condição análoga a de escravo, 6 (seis), crimes de estupro e 5 crimes da prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, em sua forma tentada, conforme demonstra o ofício de folhas 636/699. (vol. 4) 4.14. Conforme constou da referida denúncia, em cumprimento ao mandado de busca e apreensão, foram localizados na residência do autor, "[...] diversos documentos pertencentes a terceiros, entre eles 03 (três) documentos de identidade e 11 (onze) carteiras de trabalho [...]" (fls. 638), o que é corroborado pelas inúmeras ocorrências registradas em livro próprio do condomínio.
4.15. A denúncia foi recebida e expedido decreto de prisão preventiva, desta vez por juiz federal (fls. 707/716, 4º vol.), sendo descrita na peça acusatória as condutas delituosas, donde se extrai, "in verbis": "I) Helena de Fátima Knopf: permaneceu reduzida à condição análoga à de escravo durante pelo menos dois meses ininterruptos do ano de 2004 (depoimento nas folhas 647- 651, 705 e 756-757 do inquérito); II) Norma Scalsavara: permaneceu reduzida a condição análoga à de escravo no período compreendido entre 01/09/2007 e 05/09/2007, bem como foi constrangida, nesse mesmo período, mediante grave ameaça, a praticar e a permitir que com ela fossem praticados atos libidinosos diversos da conjunção carnal, especificamente sexo oral e que o acusado esfregasse o pênis no corpo da vítima (depoimento nas fls. 182-184 do inquérito e representação através do depoimento e da formalização de boletim de ocorrência nas fls. 63-65 do inquérito); III) Graça Darling Dantas Britto: permaneceu reduzida à condição análoga a de escravo no período compreendido entre 17/09/2007 e 27/09/2007. Durante esse período, Jahmar Amine Domit tentou, ainda mediante violência e grave ameaça, constrangê-la a praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal, o que, todavia, não chegou a se consumar, por circunstâncias alheias à vontade do infrator
(depoimento nas fls. 594-598 do inquérito e representação nas fl. 39 do apenso X); IV) Joceli Muraro: permaneceu reduzida à condição análoga a de escravo durante alguns dias dos meses de maio e junho de 2008 (fls. 744-745 do inquérito); V) Daniele Martins: permaneceu reduzida à condição análoga a de escravo furante um dia do mês de dezembro de 2008 (depoimento nas fls. 754-755 do inquérito); VI) Ana Maria da Silva Mello: permaneceu reduzida à condição análoga a de escravo durante dois dias do mês de dezembro de 2008 (depoimento nas fls. 185-186 e fls. 749- 750 do inquérito); VII) Tamaris Cequinel Bell: permaneceu reduzida à condição análoga a de escravo durante dois dias do mês de dezembro de 2008 (depoimento nas fls. 267-268 do inquérito); VIII) Neusa Cristina Fogaça dos Santos: permaneceu reduzida à condição análoga a de escravo durante treze dias do mês de dezembro de 2008 (depoimento nas fls. 647-651 e 681-684 do inquérito); IX) Cacilda Lopes Carvalho: permaneceu reduzida à condição análoga a de escravo no período compreendido entre 25/02/2009 e 19/03/2009 (fls. 719-720 do inquérito); X) Hilda Picinatto: permaneceu reduzida à condição análoga a de escravo no período compreendido entre 14/05/2009 e 30/05/2009. Durante esse período, Jamhar Amine Domit tentou, ainda, mediante violência e grave ameaça, constrangê-la a praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal, o que, todavia, não chegou a se consumar, por circunstâncias alheais a vontade do infrator (depoimento nas
fls. 07-19 e 741 do inquérito e representação nas fls. 1-13 do apenso V); XI) Vaneza de Carvalho: permaneceu reduzida à condição análoga a de escravo nos dias 08/06/2009 e 09/06/2009 (depoimento nas fls. 439-441 do inquérito); XII) Nelci Terezinha Palma Severino: foi constrangida, em 06/07/2009, mediante violência, a permitir que com ela fossem praticadas atos libidinosos diversos da conjunção carnal, especificamente `obrigou Nelci a permitir que as mãos dele fossem passadas, por cima do casaco, nos seis e na barriga da vítima' e `a permitir que uma de suas mãos (dele) fossem introduzidas na calça da vítima' (depoimento e representação nas fls. 54-57 do inquérito); XIII) Cláudia Vieira Leidens Hamasaki: permaneceu reduzida à condição análoga a de escravo no período compreendido entre 14/07/2009 e 29/07/2009, bm como foi constrangida, nesse mesmo período, mediante violência, a praticar atos libidinosos diversos da conjunção carnal, especificamente `mediante insistentes puxões, obrigou-a a abraça-lo e a tocar em partes bem próximas de seu pênis' (depoimento e representação nas fls. 610-613 do inquérito); e XIV) Adriana de Pádua Machado: permaneceu reduzida à condição análoga a de escravo no período compreendido entre 17/09/2009 e 21/09/2009, bem como foi constrangida, nesse mesmo período, mediante violência, a praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal, especificamente `obrigou-a, mediante gritos, agarrões e puxões de cabelo, a lhe fazer sexo oral' (depoimento e representação nas fls. 178-179 e 717-718 do inquérito)." (fls. 708/709, vol. 4º)
4.16. Aqui chegamos ao primeiro ponto de considerável relevância na análise do caso em apreço, que é a consubstanciação da conduta antissocial, ou seja, não se está tratando daquele condômino sisudo, calado, de pouca educação, ou de trato ríspido, mas sim, daquele que gera na coletividade, pânico, insegurança, repulsa, em razão da prática reiterada de atos atentatórios à dignidade dos seus pares. 4.17. Destaca-se ainda que tais condutas, que mais do que antissociais, em tese, criminosas, ao que se noticia nos autos teriam sido igualmente praticadas em outro condomínio onde o requerido possuía propriedade, localizado no Balneário de Camboriú (fls. 625/634), demonstrando-se que não se trata de caso isolado, ou qualquer espécie de perseguição do apelado, como alega o apelante, mas revelador de uma personalidade desviada, anormal, voltada à prática contumaz de fatos atentatórios e até tipificados como crime, que de uma forma ou de outra acabaram produzindo reflexos nefastos na coletividade de indivíduos representados pelo condomínio autor de caráter residencial. 4.18. Cabe, portanto, ao Estado/juiz, em seu poder/dever de dizer o direito, a outorga de uma tutela jurisdicional, mais do que justa, efetiva, no intuito de resguardar
as garantias constitucionais individuais daquela coletividade, ainda que, resultem em mitigar parcela do direito de propriedade do réu, mais especificamente, quanto ao seu direito de habitação da sua unidade condominial. 5. Feitas essas considerações, versando a pretensão do condomínio sobre a possibilidade de restrição do direito de uso do apelante sobre seu bem imóvel, ciente do caráter polêmico que cerca tal questão, passa-se a análise do caso, frente direito material que regula o tema, senão vejamos: 5.1. A propriedade é um direito real, assegurado pela Constituição Federal, que confere ao seu titular o direito de usar, gozar, dispor, fruir, reaver nos termos do artigo 1.228 do Código Civil: "Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha". 5.2. Contudo, hodiernamente, não mais vigora o caráter absoluto do direito de propriedade, haja vista que este sofre limitações advindas da lei, dos princípios e, até mesmo, da própria vontade do proprietário.
5.3. Portanto, a função social limita o exercício do direito de propriedade, que deve ser realizado em conformidade com a finalidade econômica e social do bem. 5.4. É o entendimento doutrinário: "A função social se opõe ao exercício egoístico do direito de propriedade. As ações do proprietário se refletem na coletividade em que se vive. Por isso, deve haver respeito não só à vizinhança mas ao erga omnes. Hoje, o meio ambiente ecologicamente é bem de uso comum do povo, sendo essencial à qualidade de vida. Todos estes valores que atingem as gerações atuais e futuras devem, necessariamente, compor o exercício do direito de propriedade, inclusive valores históricos e artísticos. A função social da propriedade se preenche de ações desenvolvidas com base nestes valores sociais". (NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e propriedade. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2003, p. 116). 5.5. No caso em análise, prevê a convenção condominial, em seu artigo 8º, alínea "e", como um dos deveres do condômino "dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego,
salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes." (f. 68). 5.6. Da mesma forma o Regimento Interno do Condomínio Edifício Rio Sena, no capítulo II que trata dos direitos e deveres dos condôminos, em ser artigo 2º, alínea a, determina: "Artigo 2º - Constituem DIREITOS dos condôminos, e no que couber dos moradores, seus dependentes e empregados: a) Usar e dispor da respectiva unidade autônoma, de acordo com o respectivo destino residencial da respectiva unidade autônoma, desde que não prejudiquem a solidez do edifício, que não causem danos aos demais condôminos e não transgrida as normas legais ou as disposições da Convenção do Condomínio [...]". (fls. 75). 5.7. Ainda, além das disposições da convenção condominial, regimento interno, "supra" citadas e outras tantas, o direito de vizinhança, também, impõe limites ao exercício do direito de propriedade. Veja-se o artigo 1.277 do Código Civil: "Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências
prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a locação do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança". 5.8. Aqui, cabe a ressalva de que a pretensão do apelado não é juridicamente impossível, conforme constou nas razões recursais, estando inclusive previsto no enunciado 508 da V Jornada de Direito Civil: "508) Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, da CRFB e 1.228, § 1º, do CC) e a vedação ao abuso do direito (arts. 187 e 1.228, § 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal."
5.9. Destacam-se os dispositivos mencionados: "Art. 1.336. São deveres do condômino:
I contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004) II não realizar obras que comprometam a segurança da edificação; III não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas; IV dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes. § 1o O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito. § 2o O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembléia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa." "Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente
até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem. Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia."
5.10. Ainda, com relação a possibilidade do pedido, na doutrina, dentre outros, Maria Regina Pageti Moran (Exclusão do Condômino Nocivo, Ed. de Direito, 1996, págs. 321/322) e Silvio de Salvo Venosa (Direito Civil, Ed. Atras, 2003, pág. 303), defendem, em tese, a possibilidade da exclusão do condômino nocivo. 5.11. Por sua vez, o festejado João Batista Lopes, como nosso Código Civil, não inclui expressamente como penalidade, a expulsão do condômino nocivo, realça que: "De lege ferenda, seria cogitável a inserção de disposições ainda mais rigorosas, a exemplo do que ocorre em outros países, pondo os condôminos a salvo da presença indesejável de indivíduos nocivos à tranquilidade geral.
Enquanto isso não ocorrer, caberá à jurisprudência construir em cada caso, solução que melhor se ajuste aos princípios gerais de direito" (Condomínio, São Paulo, Rev. Dos Tribunais, 9ª ed., 2006, pág. 158).
5.12. É inquestionável que a questão é polêmica, daí porque o Ministro Felix Fischer em voto de sua relatoria sustenta: "Com fundamento em autorizada doutrina, entendemos que é preciso mesclar essas duas posições para se concluir que, em matéria de direitos contidos na esfera do direito privado, é suficiente a inexistência de vedação expressa quanto á pretensão trazida a juízo pelo autor. Assim, ainda que inexista previsão expressa na lei (norma material) quanto ao tipo de providência requerida, se proibição não houver, estar-se-á diante de pedido juridicamente possível" (STJ, Recurso Ordinário em MS nº 13.684 DF, 5ª turma, j. 05.02.2002). 5.13. Outro não é o entendimento do renomado professor Moniz de Aragão: "Sendo a ação o direito público subjetivo de obter a prestação jurisdicional, o essencial é que o ordenamento jurídico não contenha uma proibição ao seu exercício; ai, sim, faltará a possibilidade jurídica" (Com. ao Cód. de Processo Civil, Ed. Forense, II Vol. 2ª ed. pág. 508).
5.14 Continuando, arremata: "Não havendo veto há possibilidade jurídica; se houver proibição legal não há possibilidade jurídica" (ob. cit. pág. 508). 5.15. Inclusive, existe quem defenda a aplicação do § 5º do art. 461 do nosso Digesto Processual Adjetivo à remoção do condômino antissocial com sustentáculo nos artigos 12 e 21 do Código Civil. 5.16. Como se pode observar, em que pese o silêncio do legislador quanto à exclusão extrajudicial do condômino antissocial, houve previsão expressa de procedimentos administrativos que possibilitam a punição das condutas atentatórias, o que autoriza a dedução da pretensão em juízo podendo o julgador, preenchidas as formalidades legais, ou seja, esgotada a via administrativa, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, restringir o direito de uso da propriedade. 5.17. Anote-se que a exclusão do condômino antissocial não ofende ao seu direito de propriedade, mas apenas restringe o seu direito de moradia naquela propriedade,
que permanece sob sua titularidade, podendo ainda dela dispor, ou seja, vender, alugar, doar, ceder gratuitamente, etc.. 5.18. Trata-se de ponderação entre a garantia fundamental da função social da propriedade e a garantia constitucional da moradia e repita-se, não se está retirando do autor, seu direito à propriedade, mas apenas mitigando um dos direitos inerentes à propriedade, qual seja o de usar/habitar o bem. 5.19. O festejado Silvio de Salvo Venosa discorrendo a respeito da questão aqui enfocada, conclui: "Nossa conclusão propende para o sentido de que a permanência abusiva ou potencialmente perigosa de qualquer pessoa no condomínio deve possibilitar sua exclusão mediante decisão assemblear, com direito de defesa assegurado, submetendo-se a questão ao Judiciário. Entender-se diferentemente na atualidade é fechar os olhos à realidade e desatender ao sentido social dado à propriedade pela própria Constituição. A decisão de proibição não atinge todo o direito de propriedade do condômino em questão, com se poderia objetar: ela apena o limita tolhendo o seu direito de habitar e usar da coisa em prol de toda uma coletividade (Direitos Reais, Vol. V, 12ª, 2012, pág. 366).
5.20. Outra não é a conclusão do Código Civil Comentado, coordenado pelo Ministro Cezar Peluso: "Cabe, assim, a medida para retirar o condômino nocivo do edifício, para apreender objetos perigosos, que causem ruídos, ameacem a saúde ou o sossego dos demais condôminos ou a interdição de determinadas atividades ilícitas. Tais medidas certamente farão cessar o ilícito, na maioria dos casos, Note-se que em tais casos perde o condômino o direito de usar a unidade, permanecendo, todavia, com a posse indireta e a prerrogativa de fruição, entregando-a à exploração lícita de terceiros" (ob. cit. 2007, Ed. Manole, 1204).
5.21. Aliás, como bem enfoca o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, o juiz deve fazer uso da régua dos arquitetos de Lesbos, flexível e maleável, permitindo quando se meça os objetos, acompanhar seus contornos. 5.22. Essa é a régua da equidade, e diz mais ainda: "E essa é, penso eu, a régua do juiz, pois este, quando for fazer a aplicação da lei, deve usar uma régua que lhe permita ajustar a sua decisão à hipótese de que ele está tratando, ajustá-la àquele caso, para fazer justiça no caso concreto. Nesse sentido, e equidade é um princípio e uma técnica de hermenêutica que deve estar presente em toda
aplicação da lei" ( In: Comentários ao Novo Código Civil, vol. XIII, Ed. Forense, 2004, pág. 335).
5.23. Isso resulta da técnica legislativa cuja edição de normas se dá por cláusulas gerais, ou seja, conceitos abertos, na hipótese e na consequência, fugindo da casuística, autorizando que o julgador adeque a situação fática à norma geral, como é o caso da função social da propriedade, a boa-fé objetiva, a dignidade da pessoa humana. 5.24. A função social da propriedade, resgatada pela Magna Carta, nada mais é do que a função de proteger o coletivo em detrimento do individual, ou sempre que existir conflito social, o legislador deverá resolver em favor da coletividade, ainda que em sacrifício do direito subjetivo. 5.25. O Direito Civil contemporâneo em fase de mudanças, de ebulição criativa modificatória, prestigia às cláusulas gerais, deixando o juiz de ser apenas "a boca da lei". 5.26. Tanto isso é verdade que o Novel Código Civil sufragou várias cláusulas gerais como dito alhures, a boa-fé objetiva, a função social da propriedade, a função social do contrato, a dignidade da pessoa humana, dentre outras.
5.27. As cláusulas gerais não estabelecem condutas, não são casuísticas, apenas estabelecem valores, parâmetros de inteligência, deixando em aberto a emolduração da situação fática à norma extraída para caso concreto. 5.28. Como ilustração, vale lembrar que no direito comparado, na Argentina se permite o sequestro de apartamento no caso do condômino nocivo; no Uruguai, a norma autoriza a remoção dos inquilinos nocivos; a lei mexicana permite que o condômino nocivo seja obrigado a alienar seu apartamento em hasta pública; a legislação da Suíça, autoriza a exclusão do condômino que pratique falta grave com a venda judicial da unidade; a lei alemã, igualmente, permite a alienação obrigatória da unidade de condômino nocivo. 5.29. Finalmente, o próprio João Batista Lopes afirma que os dispositivos explícitos do Código Civil são insuficientes para reprimir a conduta do condômino nocivo, fato público e notório, sugerindo de "lege ferenda" a criação de novos dispositivos mais rigorosos, mas enquanto isso não ocorre, arremata, que "caberá a jurisprudência construir em cada caso, solução que melhor se ajuste aos princípios gerais de direito (Condomínio, Ed.RT, 9ª Edição, 2006, pág. 158).
5.30. Volvendo ao caso dos autos, é de se relembrar que o condomínio autor convocou inúmeras assembleias para por em discussão a conduta praticada pelo requerido, abriu livro de ocorrências para registrar as práticas reiteradas, notificou o requerido de que estaria incurso nas sanções previstas para o condômino antissocial e culminou por decidir, em assembleia geral extraordinária, preenchido o quórum legalmente previsto (3/4), pelo ajuizamento da pretensão de sua exclusão. (fls. 113/116) 5.31. Destaca-se ainda, que tal assembleia foi objeto da ação anulatória em apenso, julgada improcedente em primeiro grau, não mencionada nas razões recursais em apreço, refletindo o conformismo do apelante, pacificando-se a matéria quanto a validade do ato. 5.32. A doutrina já se pronunciou a este respeito: "Expressas em lei especiais, em regulamentos administrativos, e no próprio Código Civil, há numerosas limitações que se impõem coativamente aos proprietários. Tais restrições têm como fundamento o interesse público, social ou coletivo, de um lado, e, de outro, o interesse de outros proprietários considerados
em função da necessidade social de coexistência pacífica. [...]. Inspirando-se no interesse público, sacrificam interesses do proprietário sob o fundamento de que se devem subordinar àquele. [...]. São, verdadeiramente, limitações da propriedade, impostas em razão da finalidade social de harmonia que a ordem jurídica procura assegurar, coordenando os direitos privados para que possam coexistir pacificamente. Tais medidas legais que regulam os direitos de vizinhança. Atingem, tão- somente, o exercício do direito de propriedade, não o afetando em toda a sua extensão. Ao contrário das restrições de Direito Administrativo, caracterizam-se pela bilateralidade. O vínculo é realmente recíproco. A limitação impõe-se igualmente a todos os vizinhos. As restrições fundadas no interesse da coordenação dos Direitos Privados estão presentes no Código Civil". (GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 144/145). (grifos nosso). 5.33. E foi neste sentido que julgou a Meritíssima Juíza de primeiro grau, "in verbis": "No caso concreto, havendo um conflito entre o direito individual de um único condômino e a da coletividade do condomínio, o Poder Judiciário deve resolver no interesse
coletivo, ainda que se sacrifique um direito subjetivo, uma vez que, do contrário, em não se tutelando o interesse da coletividade, estar-se-ia pondo em cheque, ainda que de forma indireta (ou seja, sem ordem judicial expressa, mas em consequência de seu não deferimento) uma pluralidade de direitos subjetivos (no caso em tela dos demais condôminos que permaneciam com seu direito de propriedade cercado ante o uso nocivo e não reprimido judicialmente da propriedade por parte do requerido). A função social de propriedade garantida constitucionalmente também assegura uma exploração eficiente do imóvel a fim de propiciar o bem-estar coletivo. Assim sendo, também na Constituição Federal e nos direitos fundamentais encontramos parâmetros hábeis a demonstrar que o uso nocivo da propriedade por parte do requerido deve ser repelido. É exatamente a tolerabilidade que extrai a essência para determinação da normalidade e anormalidade. [...] Cumpre ainda ressaltar que embora em nosso direito pátrio não haja previsão expressa da possibilidade de expulsão de condômino proprietário, tal previsão legal não se faz necessária, uma vez que em se tratando de regra aplicável as relações privadas, em não havendo expressa proibição legal, não há vedação para sua prática, adotando-se as medidas necessárias, no caso o pedido judicial. Demais disso, a possibilidade da expulsão do proprietário condômino encontra amparo no direito comparado. Nos países como Argentina e Espanha, há previsão na Lei para
expulsão temporária e na Alemanha e Suíça há até mesmo previsão de expulsão definitiva, já na França e Itália é possível a expulsão ser prevista na Convenção de Condomínio. Por fim, não há que se falar que o requerido ficaria sem local para morar, haja vista que possui outros imóveis na cidade, podendo fazer deles sua moradia." (fls. 1152/1153)
5.34. A própria Carta Magna registra que "a propriedade atenderá sua função social", e a vida em condomínio edilício residencial representa nada mais nada menos que a convivência em uma micro-urbe, devendo prevalecer o interesse coletivo o bem estar, o sossego a segurança dos condôminos, em desfavor da conduta do condômino nocivo, antissocial, que abusa do seu direito e conturba o bom exercício da boa vizinhança. 5.35. Na grande rede, inúmeros textos sobre o tema tem sido publicados, indicando para a possibilidade de restrição do direito de uso, ao condômino antissocial, senão vejamos, a análise feita por André Luiz Junqueira: Renomados doutrinadores estão se mostrando favoráveis a tese da exclusão do condômino nocivo. Citamos Hamilton Quirino Câmara, advogado da área imobiliária, que em sua obra Condomínio Edilício (2ª ed., pg. 159) expôs: "poderá o condomínio requerer em juízo a exclusão do condômino (ou
ocupante) nocivo, ou a proibição de seu ingresso no imóvel, com interdição temporária ou definitiva". Marco Aurélio Bezerra de Melo, professor e defensor público, também afirmou em seu livro Direito das Coisas (pg. 262): "entendemos que a assembléia, com o quorum especial, previsto no caput (três quartos), poderá deliberar a interdição temporária do uso da unidade habitacional ou até mesmo a privação da coisa por parte do condômino ou do possuidor". Para punir o condômino ou possuidor por seu comportamento, com a multa de 10 quotas ou exclusão, não basta que sua conduta seja proibida pela convenção do condomínio, seus atos devem causar incompatibilidade de convivência com os demais comunheiros. Por isso, entendemos que o condômino/ocupante que cause transtornos insuportáveis pode ser proibido de ingressar no condomínio, uma vez que sua conduta não atende a função social da propriedade e prejudica gravemente o direito de propriedade dos demais. (http://jus.com.br/revista/texto/11342/possibilidade-de-
exclusao-de-condomino-anti-social)
5.36. E vai além:
"Basicamente, a exclusão de condômino/ocupante antissocial aborda dois direitos inseridos na Constituição Federal: o direito de propriedade e o direito de moradia. O direito de propriedade é previsto na norma principal do Art. 5° da Carta Suprema e repetido no inciso XXII do mesmo artigo. Da mesma forma, o direito à moradia também se encontra constitucionalizado, no Art. 6° caput. Ao excluir um condômino do convívio dos demais se exclui o seu direito de moradia, embora seu direito de propriedade permaneça, podendo vender ou alugar seu imóvel. Em outras palavras, admitir a exclusão do morador é ferir seu direito fundamental e social de moradia. Mas do outro lado da questão, os outros condôminos que são obrigados a aguentar a conduta insuportável do vizinho podem se vir forçados a se abster de morar em seus imóveis e, até mesmo, vender seus imóveis para se livrar do incômodo. Sem considerar que os condôminos certamente encontrarão dificuldades de encontrar um comprador ou locatário para o seu imóvel, se este descobrir a presença de um condômino antissocial. Ou seja, obrigar os condôminos a "suportar o insuportável" é permitir que seus direitos fundamentais de propriedade e moradia sejam lesados. O direito de propriedade dos vizinhos de um morador antissocial é sensivelmente lesado, na medida em que seus respectivos imóveis são desvalorizados. Afinal, quem alugará um apartamento cujo vizinho promove festas barulhentas ou que costuma invadir as vagas de garagens dos outros? Então chegamos a seguinte equação: o direito à moradia de um supera o direito de propriedade e de moradia dos
demais? Respondemos que não. Afinal, o condômino excluído não sofre uma desapropriação, tão somente perde o direito ao uso do imóvel, permanecendo com os outros poderes inerentes à propriedade (fruição, disposição e reivindicação). Temos certeza que o Constituinte nunca teve a intenção de que os direitos fundamentais à propriedade e moradia fossem utilizados como proteção ao comportamento antissocial e insuportável de seus detentores. Hoje, não se pode negar que os condomínios são grandes fontes de conflitos sociais, fato este que, por si só, obriga os interpretes da Lei a refletirem sobre os melhores meios de apaziguamento desses conflitos. (idem)" 5.37. Rigorosamente, inexiste no arcabouço probatório, prova inequívoca do lançamento das multas, contudo, além de não impugnado tal fato pelo apelante, restou amplamente demonstrado nos autos, inúmeros avisos de que as penas seriam impostas, o que, presume-se possa ter ocorrido. 5.38. No entanto, ainda em caso negativo, a questão em apreço possui tamanha peculiaridade que, mesmo se descumprida tal regra, inexiste outra medida judicial que possua o alcance necessário para a dissolução do presente imbróglio. 5.39. Explica-se: o Enunciado 508 da V Jornada de Direito Civil, mencionado acima, possui como premissa expressa
a "ineficácia da sanção pecuniária", ou seja, existem situações em que, independentemente do valor da multa, esta não seria suficiente para desestimular a conduta e cessar a prática. 5.40. Isso vale tanto para situações onde o condômino tenha significativa condição econômica, quanto para o devedor contumaz, que independente do valor da taxa condominial ou da multa, o pagamento dependerá do ajuizamento de ação de cobrança e, como é de sabença comum, "sabe-se lá" quando se efetivará sua quitação, ou trocando em miúdos quando "doerá no bolso do devedor". 5.41. Vem daí que, em um condomínio como o autor, de padrão classe média/alta, a aplicação da referida multa, limitada ao décuplo do valor da taxa, o que, pelas máximas da experiência indicam uma valor em torno de R$10.000,00 (dez mil reais, se considerarmos uma taxa condominial de R$ 1.000,00), não nos parece, a bem da verdade, suficiente para desestimular o requerido das práticas descritas na inicial. 5.42 Assim, como afirma Antonio Biase Ruggiero, citado por Deise Mara Soares:
"O suplício imposto aos moradores pelo mau uso, sobretudo quando convivem com vizinhos nocivos, escandalosos, imorais, barulhentos e loucos, vai continuar, se esse mau vizinho for rico. Em todos os países que cultivam o respeito ao ser humano, sobrepujando-se ao da santíssima propriedade, o morador de conduta nociva é desalojado, seja ele proprietário ou não. O projeto foi sensível ao problema, mas adotou solução elitista: o condômino ou possuidor, que, por causa de seu reiterado comportamento anti-social, tornar insuportável a moradia dos demais possuidores ou a convivência com eles poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo de suas contribuições. Então, aquela `insuportável convivência", ditada pelo reiterado comportamento anti-social, passará a ser suportável, com o pagamento do décuplo das contribuições condominiais. Assim, suportabilidade ou insuportabilidade será uma questão de preço. A multa tornará suportável o que era insuportável" ( hhttp://jus.com.br/revista/texto/6584/direito de vizinhança-e-comportamento-anti-social).
5.43. Com a devida e máxima vênia, um indivíduo que tenha praticado todos os delitos, em tese, descritos no vasto caderno sob análise, além das demandas trabalhistas e reparatórias que podem e devem se avultar, da agressividade para com os seus pares, descritas nas inúmeras atas assembleares, certamente, não se influenciará por uma simples multa condominial, razão pela qual, independentemente da
comprovação inequívoca de sua cobrança, excepcionalmente no caso dos autos, impõe-se a medida punitiva pretendida. 5.44. Daí resulta que a tormentosa decisão como a do caso em tela, de retirar de um idoso como o requerido, o direito a habitar sua própria residência, somente se admite excepcionalmente, frente à inexistência de outras medidas administrativas que surtam o efeito necessário. 5.45. Note-se que a unidade condominial em questão, foi utilizada com evidente desvio de finalidade, pois, além de não cumprir com sua função social constitucionalmente prevista, servia como instrumento para prática de ilícitos criminais (em tese), civis e trabalhistas, através do qual o apelante saciava sua lascívia, contudo, transbordando os limites dos seus próprios direitos. 5.46. Ora, não se trata de "fetichismo" ou sexualidade deturpada, limitada a "quatro paredes", mas desvios que extrapolavam os limites da propriedade, atingindo toda uma coletividade de famílias, as quais somente voltarão a normalidade, após o afastamento do "condômino antissocial" daquele local.
5.47. As testemunhas e informante, ouvidas em juízo, cujos depoimentos foram arquivados em mídia própria (CD-rom) em uníssono, confirmaram tudo que constou da exordial e mais, que foram centenas de mulheres vítimas do requerido e muitas delas não foram identificadas, além do que, em que pese reconheçam que após a sua segunda prisão, as práticas atentatórias cessaram, o apelante mantem-se hostil para com seus pares, confirmando-se que a mantença da decisão de primeiro grau é medida que se impõe. 6. Quanto aos danos morais, o ponto devolvido não pode ser conhecido, na medida em que, além de inexistir pedido do autor nesse sentido, a matéria não foi sequer abordada na sentença de primeiro grau. DOS HONORÁRIOS
7. Quanto aos honorários sucumbenciais, arbitrados em R$ 6.000,00 (seis mil reais), melhor sorte não assiste ao recorrente, na medida em que a complexidade da causa, ressalvando que são três demandas em apenso, consideradas para o arbitramento, que a ação foi proposta em novembro de 2009; interposição de agravo de instrumento e realização de audiência com inquirição de três testemunhas (fls. 891/893);
8. Diante do exposto, e da ausência de demais questões devolvidas à apreciação desta Corte, é de se negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão vergastada.
DECISÃO: ACORDAM os integrantes da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos em negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto relatado. Participaram do Julgamento: Des. Luiz Lopes (Presidente com voto) e Des. Nilson Mizuta. Curitiba, 13 de dezembro de 2.012. ARQUELAU ARAUJO RIBAS Desembargador Relator
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