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Acórdão
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Apelação Cível nº 818416-9, da Comarca de Londrina - 9ª Vara Cível. Apelante : Marcia Regina Bataglia Deguchi. Apelado: Clínica Psiquiátrica de Londrina Ltda. E Outro Relator: Desembargador Francisco Luiz Macedo Júnior APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA INVOLUNTÁRIA. PACIENTE SUPOSTAMENTE ACOMETIDA DE TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA. LEI Nº 10216/2001. ATO ILÍCITO. RESPONSABILIDADE DA CLÍNICA PSIQUIÁTRICA QUE ACEITOU O INTERNAMENTO SEM LAUDO MÉDICO CIRCUNSTÂNCIADO EVIDENCIANDO A NECESSIDADE DA MEDIDA E SEM EFETUAR A PORSTERIOR COMUNICAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO. SENTENÇA REVISTA. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. A internação psiquiátrica involuntária, embora legalmente autorizada, deve observar o procedimento previsto na lei nº 10.216/2001, sem descuidar da matriz constitucional que assegura os direitos fundamentais do paciente, especialmente o direito à liberdade e a dignidade da pessoa humana. Trata-se de apelação cível interposta por Marcia Regina Bataglia Deguchi contra a r. sentença de fls. 322/325, que, nos autos de ação de indenização por danos morais nº 225/2006, julgou improcedente o pedido inicial, condenando a autora ao pagamentos das custas processuais, bem como dos honorários advocatícios, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais)
Preliminarmente, defende a apelante, que a sentença seria nula, por ausência de manifestação sobre a revelia dos réus/apelados, apontada em sede de impugnação à contestação.
No mérito, sustenta a recorrente que a sentença merece reforma, por não ter sido demonstrada a necessidade de internação. Aduz que a perícia não apontou qualquer anormalidade mental na autora e que parte dos quesitos foram respondidos de forma evasiva, deixando transparecer o tom corporativo da classe médica. Afirma que houve violação ao Código de Ética Médica, devido a internação de uma paciente na plenitude de suas faculdades mentais. Alega que não se observou a forma prevista na lei 10.216/2001. Pleiteou, ao final, a reforma da sentença, com a condenação dos réus, ao pagamento de indenização por danos morais.
Requereu o provimento do recurso.
Contrarrazões às fls. 353/358.
Relatados,
VOTO:
Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedente ação de indenização por danos morais, em que a autora alega que foi internada na instituição ré, contra sua vontade, por pressão de seu marido, orientado pelo segundo requerido, o médico com o qual o casal fazia terapia, o que lhe causou um grave abalo psicológico.
No tocante a Leonardo Deguchi, terceiro requerido, restou reconhecida a prescrição da pretensão indenizatória, remanescendo nos autos, apenas, a Clínica Psiquiátrica de Londrina Ltda. e o médico Renato Mikio Moriya, respectivamente, segundo e terceiro requeridos.
De início, não se vislumbra a alegada nulidade da sentença, por ausência de manifestação quanto ao pedido de declaração de revelia dos réus.
Com efeito, da analise dos autos, observa-se que a citação por edital, do requerido Leonardo Deguchi, não atendeu aos preceitos legais atinentes a modalidade, posto que não foram esgotados todos os meios possíveis para sua localização.
Como a citação por edital é medida excepcional, somente admitida quando preenchidos os requisitos do art. 231, do CPC, não se admite que o simples desconhecimento do endereço do réu fosse suficiente para autorizar seu deferimento.
Essa, inclusive, tem sido a orientação do Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO POR EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. NÃO ESGOTAMENTO DOS MEIOS PARA LOCALIZAÇÃO DO DEVEDOR.1. Entendimento pacífico desta Corte no sentido de que para ser deferida a citação por edital, há necessidade de exaurimento de todos os meios na tentativa de localizar o devedor, não bastando o simples retorno do AR sem cumprimento. 2. Agravo regimental não- provido." (STJ - 781933 MG 2005/0153085- 6, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Data de Julgamento: 14/10/2008, T2 - segunda turma, Data de Publicação: DJe 10/11/2008)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ART. 545, DO CPC. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO POR EDITAL. POSSIBILIDADE APÓS O EXAURIMENTO DE TODOS OS MEIOS À LOCALIZAÇÃO DO DEVEDOR.545CPC1. A citação do devedor por edital só é admissível após o esgotamento de todos os meios possíveis à sua localização. 2. In casu, as conclusões da Corte de origem no sentido de que a recorrente não esgotou
todos os meios para a localização do executado "(...) o entendimento desta Corte consolidou-se no sentido de que a citação por edital só pode ser realizada quando esgotadas todas as possibilidades de localização do devedor, não sendo essa a hipótese dos autos (...)", resultaram do conjunto probatório carreado nos presentes autos. Consectariamente, infirmar referida conclusão implicaria sindicar matéria fática, interditada ao E. STJ em face do enunciado sumular n.º 07 desta Corte.3. Agravo regimental improvido" (STJ - 756911 SC 2005/0093870-1, Relator: Ministro luiz fux, Data de Julgamento: 16/05/2007, T1 - primeira turma, Data de Publicação: DJ 31.05.2007 p. 340) Assim, por ser nula a citação do requerido Leonardo Deguchi, o prazo para oferecimento de resposta deve ser reconhecido, na hipótese, como iniciado a partir de seu comparecimento espontâneo nos autos, isto é, a partir da apresentação de procuração 04/09/2006 (fls. 40).
Sopesado isto e levando em consideração que os requeridos possuem procuradores diferentes, o prazo de resposta, nos termos dos artigos 191 e 298, caput, do CPC, começou a fluir em 05/09/2006, encerrando-se em 04/10/2006.
E, como as contestações foram apresentadas em 03/10/2006 e 04/10/2006, não há que se falar em revelia.
Cabe, outrossim, afastar, desde logo, qualquer insinuação quanto a validade da prova pericial e, por óbvio, da própria sentença que nela se baseou, porquanto produzida de acordo com o procedimento estabelecido no Código de Processo Civil.
Com efeito, o perito nomeado, como não poderia ser diferente, tomou por base os exames e documentos constantes dos autos e com base neles e no exame realizado na autora, por ocasião da perícia, elaborou o laudo de fls. 299/307, respondendo aos quesitos apresentados pelas partes.
Após a apresentação do laudo, as partes foram intimadas para sobre ele se manifestarem, ocasião em que a apelante, às fls. 309/314, aduziu a insubsistência de alguns dos esclarecimentos apresentados, afirmando que determinadas respostas refletiam: "Tom corporativo da classe".
A irresignação, no entanto, não procede, pois a simples discordância quanto à conclusão do laudo, ou de parte dele, não enseja a sua invalidade, caso não se comprove algum vício capaz de afetar sua higidez.
Além disso, não houve, propriamente, um requerimento para nova perícia, mas, como dito, uma pontual insurgência quanto a algumas respostas apresentadas pelo perito, sugerindo que o "coleguismo"
existente entre os profissionais da área médica teria influenciado o expert, em parte dos questionamentos.
De se ressaltar, contudo, que embora não se constate qualquer irregularidade na produção da prova técnica, seu conteúdo deve ser cuidadosamente analisado, especialmente porque realizada, basicamente, sobre documentos produzidos pelos réus.
Assim, superada estas questões iniciais é de se adentrar no mérito do recurso.
E, neste ponto, a questão principal a ser considerada é se verificar se houve ilegalidade na internação psiquiatrica, e se em decorrência desta, a autora/apelante teria sofrido danos morais.
Pois bem, como visto, a presente ação indenizatória foi ajuizada sob o argumento de que a autora, Márcia Regina Batáglia Deguchi, teria sido internada em duas ocasiões diferentes, na Clínica Psiquiátrica de Londrina, contra a sua vontade, por pressão do seu marido, orientado pelo médico pediatra Renato Mikio Moriya, com o qual o casal fazia terapia.
Por primeiro é de se ressaltar que atualmente o Brasil conta com uma lei específica sobre o tratamento dos doentes mentais. Trata- se da lei federal nº 10.216/2001, que, como deixa explícito em seu subtítulo, se dispõe a proteger os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecionar o modelo de assistência em saúde mental.
No seu parágrafo único, do artigo 6º, a referida lei define as modalidades de internações psiquiátricas admitidas, conceituando-as da seguinte forma: a) internação voluntária, que ocorre com o consentimento do usuário; b) internação involuntária, que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e, c) intervenção compulsória, a qual é determinada pelo Poder Judiciário.1
Na hipótese dos autos, é certo que se trata de internação involuntária, já que ocorreu, por duas vezes, a pedido do Sr. Leonardo Deguchi, à época marido da apelante.
A internação involuntária, isto é, aquela que é efetuada sem o consentimento do paciente, implica em inegável restrição ao direito de liberdade da pessoa, daí porque somente pode ser executada diante da necessidade da medida e desde que observado o procedimento previsto na lei.
Aliás, justo por isto, há quem sustente que a internação involuntária só teria respaldo se estivesse expressamente prevista no texto da Constituição Federal.
1 Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
Mas, não me parece, contudo, que a lei em comento padeça de algum vício, até porque os direitos fundamentais, de um modo geral, não são absolutos. É certo, no entanto, que a internação involuntária, por esta particularidade, só deve ser admitida em situações extraordinárias, quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes (art. 4º).
Com base neste raciocínio Gustavo Henrique de Aguiar Pinheiro2 defende a existência de um "processo legal de internação involuntária na ordem jurídica brasileira".
Conforme enfatiza o citado autor:
"A expressão `devido processo legal' deriva do direito inglês due processes of law e quer indicar a existência de um procedimento legalmente previsto para garantir direitos fundamentais dos cidadãos. Essa cláusula constitucional processual garante aos litigantes um processo justo, ou no caso em exame, uma internação involuntária justa. (...) Temos, portanto, que o paciente psiquiátrico tem o direito constitucional de um devido processo legal de internação involuntária (sem o consentimento), ou compulsória (quando ordenado por juiz), que deverá obedecer a prévios padrões normativos, uma vez que se trata de evidente restrição ao direito fundamental à liberdade e não apenas de `ato médico'." E acrescenta:
2 PINHEIRO, Gustavo Henrique de Aguiar. O devido processo legal de internação psiquiátrica involuntária na ordem jurídica constitucional brasileira. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3038, 26 out. 2011 . Disponível em:
"Possuem os direitos fundamentais das pessoas portadoras de transtornos mentais eficácia imediata, vinculando inclusive os particulares, como médicos, clínicas e hospitais, que estão constitucionalmente obrigados a seguir o devido processo legal para internação involuntária, pois é certo que quando da referida restrição a direito fundamental, além da dimensão individual, está em questão a dimensão social da dignidade humana". Daí se extrai que a internação psiquiátrica involuntária, embora legalmente autorizada, deve observar o procedimento previsto na lei nº 10.216/2001, sem descuidar da matriz constitucional que assegura os direitos fundamentais do paciente, especialmente o direito à liberdade e a dignidade da pessoa humana.
Quanto ao procedimento, primeiramente, a lei em destaque, como já ressaltado, só admite a internação quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
Verificada tal situação, a lei ainda impõe que a internação psiquiátrica somente seja realizada mediante laudo médico circunstanciado, que caracterize seus motivos (art. 6º). Além disso, impõe que a internação seja autorizada por médico devidamente registrado no conselho Federal de Medicina do Estado onde se localize o estabelecimento, com posterior comunicação ao Ministério Público (prazo de até 72 horas), pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido.
Alfredo Jorge Kraut3 enumera alguns princípios e garantias da internação involuntária, os quais bem sintetizam as finalidades do procedimento acima, dentre os quais se destaca: a) deve existir uma enfermidade mental verificada como possível de internação; b) deve existir o perigo de que em liberdade o paciente possa produzir danos para si ou para terceiros; c) o tratamento psiquiátrico prescrito deve considerar imprescindível a internação, por não existirem alternativas terapêuticas mais eficazes e/ou menos restritivas ao direito de liberdade; d) direito a reparação dos danos sofridos.
Neste contexto verifica-se que a internação da apelante foi irregular, pois não observou o devido processo legal de internação.
Com efeito, segundo demonstra o conjunto probatório, a internação não foi precedida de laudo médico circunstanciado, como determina a lei.
A guia de internação, referente à primeira internação da apelante, apenas contém a descrição de fatos apontados pelo próprio internante, ex-marido da autora (que não é médico). Não há uma detalhada descrição dos motivos que caracterizariam a necessidade da internação, mas apenas uma indicação sobre um estado de agitação e agressividade da internada, o que não se coaduna com a lei.
3 Apud PINHEIRO, Gustavo Henrique de Aguiar. Já citado.
Veja-se que quando a lei diz que a internação é a última medida a ser tomada, permitida somente quando não há outro recurso extra- hospitalar possível, indiscutivelmente está primando pelo maior rigor quanto ao procedimento empregado, sobretudo para evitar situações em que a paciente, que poderia ser tratada por outros métodos terapêuticos, tenha sua liberdade tolhida.
E, nos autos, não há outras provas que demonstram a efetiva necessidade da medida restritiva adotada, nem que tal medida fosse a recomendada, ou que inexistisse algum tratamento médico alternativo e eficaz.
Importante consignar que a perícia, quanto a isto, limitou- se a descrever os fatos constantes da guia de internação, que, como ressaltado, apenas transcrevem as informações prestadas pelo ex-marido da apelante, também réu nesta ação (excluído da lide por força da prescrição).
Confira-se:
1) Com base nos prontuários dos dois internamentos da autora, poderia o Sr. Perito dizer se a autora poderia ser tratada em casa, ou se era extremamente necessário o seu internamento em hospital psiquiátrico? Se a autora possuía, àquela época, alguma doença mental que autorizasse a medida? Resposta: Documentos acostados nos autos indicam que a examinanda quebrava objetos em casa, colocou fogo nas roupas do marido. Desta forma é
indicado o tratamento em ambiente clínico/hospitalar. Documentos acostado nos autos indicam o CID F31.1 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco sem sintomas psicóticos. De igual modo, procedeu o Sr. perito quanto a resposta ao quesito nº 4º:
4) Como deveriam proceder os profissionais de medicina caso a Autora necessitasse de internamento à época? Deveriam interna-la utilizando a força como fizeram ou deveriam buscar meios legais? Resposta: Documentos acostados nos autos indicam que a examinada quebrava objetos em casa, colocou fogo nas roupas do marido. Desta forma é indicado o tratamento em ambiente clínico/hospitalar. A autora foi internada à pedido do Cônjuge". Vale ressaltar, no entanto, que ao examinar pessoalmente a autora, o perito não identificou qualquer traço de desvio mental ou de descontrole emocional e/ou agressividade (quesitos 2 e 3).
Quanto aos fatos descritos pelo ex-marido não é possível afirmar que realmente tenham ocorrido ou que se tratavam de situações falaciosas, utilizadas por ele para conseguir a internação da apelante. Isto porque transparece dos autos que o casal passava por uma crise conjugal, e que passavam por dificuldades de conciliação afetiva, o que os levou, inclusive, a fazer terapia de casal.
Aliás, neste ponto, mostra-se relevante transcrever o histórico descrito no laudo pericial:
"A examinada, no presente ato médico pericial, relatou que: Até hoje tem traumas do que aconteceu com ela; Na época dos fatos a examinanda alega que o ex marido estava tendo caso extra conjugal; Recebia ligações da outra mulher, em sua própria casa; Tentou por diversas vezes dialogar com seu ex marido para solucionar esse caso; Diante dos acontecimentos, o ex marido indicou uma "terapia de casal" para tentar arrumar o relacionamento; Informa que o médico onde foram fazer essa "terapia de casal" era um pediatra e não tinha capacidade para tanto; Esse médico indicou que a examinanda era bipolar, e que deveria ser internada; Quando estava dormindo, foi despertada por pessoas vestidas de branco, com camisa de força na mão, em ato contínuo ligou para o tio para procurar auxílio; Não foi necessário o uso da camisa de força, uma vez que ela foi andando calmamente junto com as pessoas que foram buscar a examinanda em casa; Durante o tempo que ficou internada, conversava somente com as enfermeiras; Depois de uma semana, foi liberada pois alega que não encontraram nenhuma anormalidade para manter o internamento; O ex marido falou que ela deveria sair de casa caso não estivesse satisfeita com o casamento e com o
caso extraconjugal; Que o ex marido ameaçava, se a examinanda começasse a brigar, ele chamaria a ambulância novamente; Que o ex marido não pagaria pensão alimentícia, pois trabalhava sem registro e não teria como comprovar que ele tinha renda; Alega que nunca teve uma consulta prévia aos internamentos, que desconhece como existe nos autos documentos de atendimento do CAPS; Alega que sempre trabalhou na vida, e que começou a trabalhar aos nove anos de idade; Nega o uso de medicação neuro psiquiátrica; Nega tratamento psiquiátrico; O divórcio aconteceu depois que o ex marido foi para o Japão, sem pagar pensão, sem dar esclarecimentos de onde estava ou se está vivo; Apareceu no dia da segunda audiência do divórcio, em 2009; Está com problemas posturais, e em tratamento para hérnia de disco; Precisa de auxílio de terceiros para seu sustento financeiro, recebendo ajuda de amigas e, da própria irmã de seu ex marido; A medicação que tomava, causava náuseas, sendo uma medicação no período matutina, que ficava parcialmente dopada, depois tinha outra medicação noturna; Já trabalhou como doméstica, mas o fato de não ter estudo, fica complicado arrumar trabalho; Hoje não está trabalhando por estar com hérnia de disco; Não precisa de auxílio de terceiros para a vida independente;
Tem duas filhas, tendo 8 e 9 anos de idade e que moram com a examinanda ab) foi abandonada pelo ex marido, hoje ela não tem informações do paradeiro, nem mesmo recebe a pensão que foi estipulada em juízo; ac) Estudou até a quarta série do primeiro grau. Por fim, importa ressaltar que o transtorno afetivo bipolar foi diagnosticado por um médico pediatra, com o qual o casal fazia terapia familiar, e não por um psiquiatra, como seria de se esperar.
Desta forma, a indicação de internação corroborada pelo perito, é de ser vista com ressalvas, pois limitada a fatos descritos pela pessoa que internou a apelante, o qual, conforme evidenciam os autos, tinha uma relação conturbada com a autora.
Nesta senda, entendo que houve ilegalidade na internação involuntária da apelante, porquanto não restou observado o devido processo legal, para haver internação, principalmente porque esta não foi precedida do competente laudo médico circunstanciado, como determina a lei.
Em arremate, observa-se que após a internação da apelante, não foi realizada a devida comunicação ao Ministério Público, isto, inclusive, nas duas ocasiões em que a apelante foi internada.
A comunicação ao Ministério Público em casos de internação involuntária e na respectiva alta, se faz necessária para que o MP
possa fiscalizar os estabelecimentos psiquiátricos e a respectiva legalidade das medidas adotadas, a fim de impedir excessos ou violações aos direitos fundamentais dos pacientes.4
Assim, a ausência de tal comunicação aumenta a ilegalidade da medida, restando configurado o ato ilícito.
No tocante a responsabilidade dos réus, de se destacar que o nosocômio responde, de forma objetiva, pelos danos causados, ao passo que o médico responde de forma subjetiva, ambos nos termos do Código de Defesa do Consumidor (art. 14).
Assim, quanto ao nosocômio, basta a existência do dano e do nexo de causalidade, para que surja o dever reparatório, sendo indiferente a análise do elemento culpa ou dolo, diferentemente do médico, onde o elemento subjetivo é imprescindível para a análise da responsabilidade (CDC, art. 14, § 4º).
Nessa seara, indiscutível a responsabilidade do hospital, por falha na prestação do serviço, conforme acima explicitado. De outra banda, entendo que não ficou demonstrada a culpa do médico, ora demandado.
4 PINHEIRO, Gustavo Henrique de Aguiar. Já citado.
Isto porque o profissional que figura no polo passivo desta demanda, não foi o responsável pela internação da autora, pois, embora tenha acompanhado o casal durante a aduzida terapia, apenas sugeriu que procurassem um psiquiatra, para acompanhamento do caso, sem, no entanto, participar da internação da apelante.
Quanto ao dano moral, diante dos fatos apresentados nos autos, entendo patente sua ocorrência.
Com efeito, a ilegalidade da internação constitui afronta aos direitos fundamentais da recorrente, sendo, por si só, causa suficiente para abalar emocionalmente a demandante, e lhe causar angústia e tristeza relevante.
Assim, não restam duvidas quanto ao dever de reparar o prejuízo moral causado.
De se analisar, então, o valor devido.
A dificuldade quanto à fixação dos danos morais reside, exatamente, em conseguir abstrair o cunho emocional que o pedido, normalmente, carrega.
É certo que a indenização por danos morais deve tentar compensar o sofrimento provocado pela atitude nociva, para que diminua, ao menos, o constrangimento suportado, mas também deve ser quantificada de modo a não ensejar enriquecimento ilícito.
Assim, considerando as peculiaridades do caso em concreto, bem como a condição econômica das partes e a extensão do dano, entendo como correto, arbitrar o valor dos danos morais em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), valor que representa uma justa compensação à vítima e guarda proporcionalidade entre o ato lesivo; o dano sofrido e a condição sócio-econômica das partes.
Sobre este valor deverão incidir juros de mora, a partir da ocorrência do evento danoso (data em que ocorreu a primeira internação), nos termos da Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça e correção monetária (INPC), a partir deste julgamento, nos termos da Súmula 362, do Superior Tribunal de Justiça5.
Por fim, tendo em vista a procedência do recurso, e a conseqüente reforma da decisão singular, necessária se faz a alteração das verbas de sucumbência, que deverão ser suportadas, exclusivamente, pela clinica requerida.
Por conseguinte, de se condenar o nosocômio apelado, ao pagamento dos honorários advocatícios devidos ao patrono da autora, arbitrados aqui em 15% (quinze por cento), sobre o valor da condenação, com fundamento no art. 20, § 3º, do CPC. 5 Súmula 362, do Superior Tribunal de Justiça: "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento".
Diante do exposto, VOTO por CONHECER do Recurso de Apelação e DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para fixar danos morais em favor da apelante em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), com consequente adequação da sucumbência.
ACORDAM os Membros Integrantes da 9ª Câmara Cível Do Tribunal De Justiça Do Paraná, por unanimidade de votos, em CONHECER do Recurso de Apelação e DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator. Participaram do julgamento os excelentíssimos Senhores Desembargadores José Augusto Gomes Aniceto ( presidente sem voto), Domingos José Perfetto e o Juiz Substituto de 2º Grau Sérgio Luiz Patitucci.
Curitiba, 13 de dezembro de 2012.
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