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APELAÇÃO CÍVEL Nº 954.638-3 DE MARINGÁ 5ª VARA CÍVEL (0002959-67.2003.8.16.0017) APELANTE : NORTOIL LUBRIFICANTES LTDA. APELADO : ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE CIANORTE APROMAC. RELATOR : JUIZ ROGÉRIO RIBAS, SUBST. DE 2º GRAU1 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO AMBIENTAL. ATERROS INDUSTRIAIS. DERIVADOS DE PETRÓLEO. POLUIÇÃO DO SOLO, SUBSOLO, ÁGUAS E VEGETAÇÃO. SENTENÇA PROCEDENTE PARA DETERMINAR OBRIGAÇÕES DE FAZER (RECUPERAÇÃO DO MEIO AMBIENTE) E AINDA, CONDENAR A PARTE RÉ AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO DEVIDA AO FUNDO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE. AGRAVO RETIDO. VALOR DA CAUSA. ESTIPULAÇÃO CORRETA. PARÂMETRO DIRETO NO PEDIDO INDENIZATÓRIO. ART. 259 DO CPC. APLICABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. PRELIMINARES. NULIDADE PELA FALTA DE CITAÇÃO DE LITISCONSORTE NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. MERA PRESTADORA DE SERVIÇO QUE NÃO SE CONFUNDE COM PROPRIETÁRIA OU POSSEIRA DOS IMÓVEIS EM QUESTÃO. RESPONSABILIDADE AMBIENTAL QUE, POR SER "PROPTER REM", RECAI EXCLUSIVAMENTE QUANTO À PROPRIETÁRIA. PRELIMINAR AFASTADA. NULIDADE POR FALTA DE INTIMAÇÃO DE DESPACHO. INEXISTÊNCIA. DESPACHO QUE APENAS AMPLIOU PRAZO PARA QUE A PARTE RÉ APRESENTASSE UM SUPOSTO COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA, QUE NUNCA FOI JUNTADO AOS AUTOS. AUSÊNCIA DE QUALQUER PREJUIZO. PRELIMINAR IGUALMENTE AFASTADA. MÉRITO. EXISTÊNCIA DE DANOS AMBIENTAIS COMPROVADA. PROVA TÉCNICA ROBUSTA E INCONTESTE. ALEGAÇÃO DE QUE QUANDO DA INSTALAÇÃO DA ATIVIDADE TODAS AS CONDICIONANTES FORAM CUMPRIDAS E HAVIA CHANCELA DO ÓRGÃO AMBIENTAL. ARGUMENTO TOTALMENTE IRRELEVANTE. ATUALIDADE DO DANO AMBIENTAL QUE NÃO SE SUJEITA A MARCOS TEMPORAIS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO DE POLUIR. JURISPRUDÊNCIA. AINDA, ALEGAÇÃO DE QUE A RESPONSABILIDADE RECAIRIA SOBRE SUPOSTA SUCESSORA DOS IMÓVEIS. CONSTATADA A INEXISTÊNCIA DE SUCESSÃO NO CASO. MERA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. REPONSABILIDADE "PROPTER REM" A RECAIR EXCLUSIVAMENTE SOBRE A APELANTE, PROPRIETÁRIA DOS IMÓVEIS. CONDICIONANTES E PRAZOS DEFINIDOS PARA A RECUPERAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. POSSIBILIDADE DE DEFINIÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. ATIVIDADE TÍPICA DO JULGADOR QUE NÃO INVADE A ESFERA ADMINISTRATIVA. CONJUGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL COM O DIREITO INTERGERACIONAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. ARTIGOS 5º, XXXV E 225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRAZOS E CONDICIONANTES RAZOÁVEIS DIANTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. DECISÃO QUE MERECE SER MANTIDA NO PONTO. PEDIDO DE REDUÇÃO DA MULTA COMINATÓRIA (ASTREINTES). NÃO ACOLHIMENTO. MEDIDA PREMATURA QUE PODE E DEVE SER ANALISADA SOMENTE NO FUTURO (NÃO A PRIORI), CASO DESCUMPRIDA A DECISÃO JUDICIAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA AINDA QUE CUMULATIVAMENTE À OBRIGAÇÃO DE FAZER. DANOS AMBIENTAIS COMPROVADOS QUE JUSTIFICAM A MEDIDA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DAS TUTELAS PACIFICAMENTE ACEITA PELA JURISPRUDÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO EXPRESSO. DESNECESSIDADE. APELAÇÃO DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA "IN TOTUM". VISTOS, relatados e discutidos estes autos. Cuida-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA
SUSPENSÃO DE ATIVIDADE, DIMENSIONAMENTO E REPARAÇÃO DE DANOS AMBIENTAIS (nº antigo: 815/2003), ajuizada pela ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE CIANORTE - APROMAC em face de NORTOIL LUBRIFICANTES LTDA.. A demanda versa sobre danos ambientais causados pela atividade da empresa ré que manipula derivados do petróleo, possuindo aterro industrial para armazenamento de resíduos decorrentes destes produtos. Foram apontadas na inicial diversas irregularidades na atividade da demandada, tais como: armazenamento irregular de substâncias com alta concentração de metais pesados e hidrocarbonetos; tanques rudimentares para o armazenamento de resíduos viscosos, ausente qualquer impermeabilização e estabilização adequada dos taludes e aterros; resíduos semissólidos amontoados diretamente no solo descoberto; transbordamento dos tanques a espalhar resíduos pelo solo e vegetação; escorrimento de aguas pluviais e de terras para dentro dos tanques, causando erosão e assoreamento; margens dos tanques encobertas por vegetação, a demonstrar falta de manutenção; vegetação em contato com a borra em estado de mortandade; inexistência de monitoramento de lençol freático; desrespeito ao próprio projeto do aterro apresentado ao órgão ambiental competente (na época a SUREHMA); recebimento do aterro de resíduos superiores à sua capacidade. Devidamente instruída a demanda, inclusive com produção de prova pericial, foram apontados danos efetivos ao meio ambiente, os quais foram considerados existentes pela sentença ora
contrastada, tendo-se feito referência específica quanto à prova técnica. Entendeu o douto Juízo, portanto, procedente a demanda para o fim de DETERMINAR: a) a interdição temporária dos lotes em que ocorreram os danos ambientais (devidamente especificados na sentença); b) a retirada de todo o material danoso ou nocivo depositado nos referidos lotes, bem como a sua destinação adequada, conforme sugerido pelo perito judicial (demais condicionantes especificamente apontadas na sentença); c) a descontaminação e recuperação ambiental da água, solo e vegetação dos lotes em questão, mediante plano a ser apresentado pelo IAP Instituto Ambiental do Paraná; d) a realização de novo licenciamento da atividade por parte da ré, e ainda, com o devido cumprimento da legislação ambiental e de transporte de produtos perigosos, caso haja ainda interesse na continuação do empreendimento. O MM. Juiz entendeu ainda por FIXAR prazo de 12 meses para o cumprimento dos itens "b" e "c", e de 45 dias para o início dos trabalhos (contados do trânsito em julgado); prazos esses que, descumpridos, farão incidir multa diária de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), bem como restarão interditados os locais e impedido o licenciamento da atividade até que se cumpra efetivamente a decisão. Por fim, houve o MM. Juiz por CONDENAR a demandada ao pagamento de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) a título de indenização por prejuízos ambientais causados (aplicou a
correção monetária pelo INPC a partir da publicação da sentença, mais juros de mora de 1% ao mês, contados da citação). Determinou que o valor da indenização seja destinado ao FEMA Fundo Estadual do Meio Ambiente. E CONDENOU ainda a ré no pagamento das custas e dos honorários, estes fixados em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) (sentença de fls. 2635/2658 volume 13). Houve Embargos Declaratórios (fls. 2666/2672), os quais quedaram rejeitados (fls. 2673/2673-v). Apela a parte ré às fls. 2675/2700, alegando o seguinte: a)- Preliminar de nulidade da sentença, pois teria faltado a formação do litisconsórcio necessário com a suposta sucessora da ré, a empresa ORGANOSUPER MERCANTIL INDUSTRIAL DE FERTILIZANTES ORGÂNICOS LTDA.; b)- Preliminar de nulidade pela ausência de intimação do despacho de fls. 2634. Tal despacho teria dado último prazo a ré (após uma sucessão de outros) para a apresentação de suposto Termo de Ajustamento de Conduta travado com o Ministério Público e o IAP (TAC que nunca foi apresentado); c)- Preliminar para julgamento de agravo retido com pedido de redução do valor da causa; d)- No mérito, ausência de dano ambiental provocado pela apelante, na medida em que à época da instalação da atividade houve a devida chancela pelo Instituto Ambiental do Paraná, tendo-se constatado ainda a inexistência de danos ao meio ambiente em decorrência da atividade. E mais: que todos os danos possivelmente ocorridos após a assinatura do contrato de fls. 1871/1873 (e constatados
por meio do laudo judicial, somente em 2010) seriam de responsabilidade exclusiva da empresa ORGANOSUPER MERCANTIL INDUSTRIAL DE FERTILIZANTES ORGÂNICOS LTDA., à conta do referido contrato; e)- Caso mantida a condenação mesmo assim, aduz a apelante que o modo como se deve dar a destinação dos resíduos deverá ser definido pelo IAP e não como constou da sentença (de acordo com a sugestão do perito), cabendo reforma no ponto; f)- No que tange ao prazo para os obrigações de fazer impostas, alega que 12 meses (e 45 dias para o início dos trabalhos) é prazo muito exíguo diante dos fatos, ao que deve ser majorado para início dos trabalhos em pelo menos 6 meses e término das atividades em até 36 meses; g)- Quanto à multa diária em caso de descumprimento dos prazos, deve também ser reduzida, eis que irrazoável. Sugere a apelante o valor de R$ 500,00 por dia; h)- Acerca da indenização a que foi condenada, afirma não ser devida; primeiro, porque restou demonstrado que a apelante não causou dano algum ao meio ambiente (estes, como argumentado, causados pela suposta sucessora). Segundo, sendo condenada na obrigação de fazer não poderia ser condenada cumulativamente à reparação pecuniária do dano. Isso porque a indenização pecuniária só seria cabível no caso de não ser possível a recomposição do meio ambiente (tutela específica alternativa à tutela pelo equivalente); i)- Ainda, quanto à indenização, para o caso de entender-se cabível, merece ser reduzida, eis que demasiadamente excessiva. Entende a apelante que a indenização não pode passar de R$ 50.000,00;
j)- Quanto à sucumbência, havendo o provimento do recurso deve ser invertida. Não sendo o caso, deve-se reduzir o valor dos honorários advocatícios. Por fim, deseja a parte apelante prequestionar expressamente dispositivos legais e constitucionais citados. O pedido recursal é, portanto, pela nulidade da sentença, ou, subsidiariamente, pelo provimento do recurso no mérito para reformar-se a decisão guerreada. Preparo efetivado. Recurso recebido. Contrarrazões não apresentadas (certidão à fl. 2708). O Ministério Público em Primeiro Grau emitiu parecer pelo desprovimento do apelo (fls. 2709/2725). Subiram os autos e, instada a se manifestar, a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou também pelo desprovimento do apelo (fls. 2734/2738). Este Juiz de Direito Substituto de 2º Grau foi designado para a relatoria do feito. É, em síntese, o relatório. FUNDAMENTAÇÃO E VOTO: Conheço da apelação porque presentes os
pressupostos de admissibilidade. DO AGRAVO RETIDO A parte apelante ratifica razões de agravo de instrumento, antes convertido em retido, referente à sua impugnação ao valor da causa. Pois bem, na peça inicial da referida impugnação a parte alega ser excessivo o valor de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais) atribuído à demanda pela parte autora. Contudo, este foi exatamente o valor do pedido referente à aplicação de multa ambiental à parte ré. Ora, sabe-se que o valor da causa deve corresponder ao valor do pedido se este for deduzido em dinheiro; ou ainda, ao valor da soma dos pedidos em caso de pedidos cumulativos (disposição expressa do artigo 259 do CPC). A falta de razoabilidade alegada pela parte não compete, portanto, de ser invocada neste caso. Poderia a parte dizer que o próprio pedido é irrazoável, o que desembocaria numa análise de mérito, mas, havendo o pedido, o valor da causa é seu consectário. Foi essa a decisão recorrida/agravada, a qual merece ser mantida. O valor da causa, portanto, não poderia ser outro, não sendo crível que o autor demande um valor "X" e atribua como valor
da causa valor diferente, a menor. Em sendo assim, o agravo retido é de ser desprovido. PRELIMINARES. A parte apelante, antes de adentrar ao mérito, aduz preliminar de nulidade da sentença quanto à suposta falta de chamamento de litisconsorte necessário, qual seja, a empresa ORGANOSUPER MERCANTIL INDUSTRIAL DE FERTILIZANTES ORGÂNICOS LTDA.. A tal empresa seria sucessora de parte das terras em que se verifica a ocorrência de danos ao Meio Ambiente, daí porque, na condição de detentora da posse atual dos imóveis e também porque responsável pelos supostos danos lá ocorridos, deveria ser chamada à demanda, sob pena de nulidade. Pois bem. Não há a alegada nulidade. Isso porque consta dos autos que a tal empresa ORGANOSUPER não tem posse ou propriedade de nenhuma das áreas objeto da presente demanda. É, no máximo, mera detentora dos referidos lotes, pois foi contratada pela ré apenas para prestar serviços no local. O documento de fls. 1871/1873, citado pela apelante como prova da sucessão na posse dos imóveis, não prova nada
a esse respeito, mostra apenas a existência de uma relação contratual de prestação de serviço. Ora, o fato de outra empresa estar prestando serviço no local, contratada pela ré, não obriga a que seja citada na demanda que discute dano ambiental na área em questão. A responsabilidade ambiental no caso recai unicamente sobre a proprietária, pois se trata de obrigação, como se sabe, "propter rem", isto é, inerente ao espaço territorial em que verificado o dano ao Meio Ambiente. Nesse sentido: "Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos. Foi essa a jurisprudência invocada pela origem para manter a decisão agravada". (STJ - REsp 1251697/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/04/2012, DJe 17/04/2012) Não há dúvida, portanto, de que a preliminar deve ser rejeitada. Quanto à preliminar de nulidade pela ausência de
intimação do despacho de fls. 2634, igualmente não procede. Tal despacho veio após uma série de outros, dando prazo à autora para que provasse a existência de um suposto Compromisso de Ajustamento de Conduta firmado com o IAP e o Ministério Público. Após várias oportunidades, este Compromisso não apareceu e até agora não se menciona a sua existência, mas apenas o fato de não ter sido intimada a parte quanto ao tal último prazo concedido. Ora, evidente que isto não é causa de nulidade. Caso o TAC já tivesse sido assinado, bastaria a sua juntada sem maiores discussões, o que não ocorreu. De tal modo, não há por onde macular o processo até agora, não havendo que se falar em nulidade. Ainda, correto o parecer do douto Procurador de Justiça oficiante (Dr. Saint-Clair Honorato Santos) no sentido de que o despacho em questão sequer possui natureza decisória, além de não ter causado prejuízo algum à parte (como dito, só o fato de faltar a intimação não afasta a constatação de que o tal TAC não foi juntado em nenhum momento e não faltou oportunidade a tanto). Rejeitada a preliminar, portanto. MÉRITO No mérito, não há falar em ausência de dano
ambiental porque supostamente teria havido a chancela do Instituto Ambiental do Paraná na época em que a apelante instalou sua atividade. Sabe-se que as regras de proteção ao meio ambiente e as condicionantes para operação de atividades danosas não se sujeitam a marco temporal. Isto é, advindo norma ambiental mais protetiva ou condicionantes mais exigentes, mesmo posteriormente à licença para a instalação de uma atividade, mesmo que isso onere mais esta, não se pode invocar direito adquirido às condicionantes ou à legislação anteriores, pois a ninguém cabe o direito adquirido de poluir. Nesse sentido apregoa a jurisprudência do STJ: "PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. (...) POLUIÇÃO E DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. (...) Já no que diz respeito à alegação de contrariedade ao art. 6º, §§1º e 2º, também da LICC, sob o fundamento de que o regulamento relativo aos arts. 3º, inc. I, 6º, 11 e outros da Lei n. 7.661/88 são posteriores ao empreendimento em questão e aos alvarás e licenças que lhe dizem respeito, esta não prospera. Esta Corte é pacífica no sentido de que não há direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. De fato, "décadas de uso ilícito da propriedade rural não dão salvo-conduto ao proprietário ou posseiro para a continuidade de atos proibidos ou tornam legais práticas vedadas pelo legislador, sobretudo no âmbito de direitos
indisponíveis, que a todos aproveita, inclusive às gerações futuras, como é o caso da proteção do meio ambiente". Precedente". (STJ, REsp 1222723/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/11/2011, DJe 17/11/2011) Destarte, não cabe invocar mudança de condicionantes ou de legislação a fim de se esquivar a apelante da responsabilidade pelo Meio Ambiente de acordo com o que é devido na atualidade. O dano ambiental sempre se afere contemporaneamente e não se olhando para traz; pois se a sociedade hoje (por meio de seus órgãos protetores do Meio Ambiente - SISNAMA) entende que a proteção do bem macro deve ser mais severa, isto se aplica a todos imediatamente, mesmo àqueles que supostamente já cumpriam a legislação no rigor que antes detinha. Ademais, mesmo havendo manifestação do IAP em 2006 (28 de julho daquele ano) no sentido de inexistir dano ambiental nos locais, estes danos vieram a ser constatados posteriormente (de fato), no ano de 2010, por meio de prova técnica substanciosa. Isto é, existe dano, está provado, não havendo, portanto, que se argumentar pela via de marcos temporais. E, se há dano hoje, deve ser reparado, sendo irrelevante se em 2006 este dano inexistia.
Vale destacar trecho do laudo produzido judicialmente que consubstancia a existência efetiva de danos ao meio ambiente nos locais em questão, trecho este também citado na sentença e que merece ser repetido aqui neste voto: "Nos locais A, B, C e D vistoriados constatam- se diversas anomalias e danos ambientais, que estão relacionados no item 3.4" (fl. 2147)". "Na composição do petróleo existem hidrocarbonetos, HPA's, que se destacam por serem estáveis, persistentes, no meio ambiente e poderem apresentar efeitos tóxicos nos organismos. Amostras dos resíduos depositados nos locais A, B e C, analisadas pelo laboratório do SENAI provam que estavam contaminados com HPA's, item 6,7" (fl. 2148). "Para responder aos quesitos formulados pelas pares, além da constatação visual, foram feitas várias coletas de amostras para confirmar tecnicamente se os locais vistoriados A, B, C e D são áreas contaminadas, item 6.10. Após análises laboratoriais a borra ácida e a torta de filtro coletadas nos locais A, B e C foram classificados como resíduos classe I perigosos, item 6.11. Usando como parâmetro os valores limite do anexo II da Resolução n. 357/2005 do CONAMA e a Portaria 518 do Ministério da Saúde, constatou-se
que os locais A, B, C e D estão contaminados, item 6.12. Local A o solo esta contaminado com borra ácida e torta de filtro, resíduos perigosos Classe I, bem como contaminado por óleos de graxas e Ph muito baixo; a água superficial e profunda está contaminada com óleos e graxas; a água superficial está muito acida e contaminada com chumbo; os vegetais estão contaminados com hidrocarbonetos HPA's. Local B o solo está contaminado com borra ácida e torta de filtro, resíduos perigosos Classe I, bem como está contaminado com cobre, cromo, óleos e graxas; a água superficial está contaminada com óleos e graxas; os vegetais contaminados com hidrocarbonetos HPA's. Local C o solo está contaminado com borra ácida resíduo perigoso Classe I, com óleos e graxas e Ph baixo. Local D o solo está contaminado com borra ácida e torta de filtro, resíduos perigosos Classe I; a água do lençol freático profundo está contaminada com óleos e graxas, item 6.13". (fls. 2148-2149).
Como se vê, dos mais de 2 volumes de laudo pericial neste trecho resumidos, a prova técnica é robusta no sentido de provar a existência de danos ambientais nos locais apontados pela parte
autora, não havendo como retirar da apelante a responsabilidade por tais danos. A mesma sorte (improcedência) há de ter o argumento da apelante no sentido de que, após a assinatura do contrato de fls. 1871/ 1873, os danos seriam de responsabilidade da empresa ORGANOSUPER. Isso porque, como visto já da análise da preliminar afastada, tal contrato se consubstancia apenas em uma prestação de serviço nos locais em questão. Tal empresa, portanto, não passa de uma detentora provisória dos locais, uma simples contratada para conservá- los. Não se tornou proprietária dos terrenos nem tampouco posseira, de modo que a responsabilidade ambiental existentes nos lotes recai somente sobre a proprietária, no caso a ora apelante, posto que a responsabilidade pelos danos ambientais é "propter rem". Improcedente a evasiva da apelante, portanto, no sentido de tentar se esquivar mais uma vez de sua responsabilidade pelos danos ambientais claramente causados no solo, água e vegetação nos terrenos destinados à sua atividade de aterro industrial. Ainda quanto ao mérito, a apelante alega que não cabe ao Judiciário definir o modo como será cumprida a obrigação de fazer (recuperação da área poluída), mas sim ao órgão ambiental (IAP).
A assertiva, mais uma vez, não procede. Com efeito. É evidente que ao Poder Judiciário cabe, e é até mesmo impositivo a ele, determinar a maneira como deverá ser procedida a recuperação do meio ambienta devastado. Ao julgador cabe, no mínimo, e exatamente como ocorreu neste caso, definir prazos para o início e o término dos trabalhos, devendo sim o andamento ser acompanhado pela autoridade administrativa ambiental, no entanto, respeitando os contornos definidos pelo Judiciário. Não se trata de substituir-se ao órgão administrativo-ambiental no caso, mas sim de tutelar o meio ambiente adequadamente como função jurisdicional típica. É evidente que a conjugação entre o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional (artigo 5º, inciso XXXV da CF) e o Direito de todos ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado (artigo 225, caput, da CF), impõe a atuação do Judiciário na tutela do macro bem ambiental de forma efetiva, tempestiva e adequada. Não se pode, assim, impor empecilhos de ordem administrativa ao Poder Judiciário nesta esfera, sob pena de se deixar desagasalhada a devida tutela do meio ambiente. Nesse mister, a decisão está absolutamente correta e razoável ao impor prazo de 12 meses para a conclusão dos trabalhos de recuperação e de 45 dias para o início desses trabalhos; e tudo da forma como sugerida pelo perito judicial, cujo acompanhamento será feito pelo IAP.
Aliás, ao contrário do que alega a apelante, tais prazos não se mostram exíguos nem tampouco desmedidos em face da necessidade evidente e premente de se recuperar o meio ambiente nos locais onde ocorreram os danos, os quais se encontram bastante degradados. Sabe-se que a demora em recuperar o Meio Ambiente é fator que, por vezes, desemboca na total irreversibilidade da poluição. Assim o princípio da prevenção também incide nesta etapa dos acontecimentos, posto que a urgência em recompor a área degradada não pode estar em segundo plano diante do interesse meramente econômico do poluidor. Dessa feita, deve ser desacolhido o pedido de dilação de prazo feito pela apelante; nada obstando que durante o acompanhamento dos trabalhos pelo Juízo de Primeiro Grau, este possa vir a dilatar tais prazos diante de circunstância especial devidamente comprovada nos autos. Também no que se refere ao pedido para redução da multa coercitiva (astreintes) aplicada pelo juízo em caso de descumprimento da decisão, não merece guarida. Primeiro, porque diante do caso não se mostra desarrazoada, já que a demanda versa sobre medida extremamente onerosa a ser realizada pela parte apelante, que terá de dispender consideráveis recursos para a recuperação do meio ambiente; segundo, porque se trata de discussão prematura, uma vez que a medida
coercitiva só se aplicará em caso de descumprimento da decisão (evento futuro e incerto), e ainda, sem transitar em julgado com esta. Ou seja, a multa cominatória poderá ser alterada (reduzida ou ampliada) a qualquer momento, desde que diante de fatos atuais como e quando estes se apresentarem. Por ora, tais fatos sequer existem, já que a própria decisão acautelada pela medida coercitiva não se revestiu ainda de definitividade. Em suma, a multa coercitiva poderá ser reduzida pelo juízo da causa se verificado que tal é necessário, não sendo o caso de fazê-lo "a priori" quando ainda sequer houve o descumprimento da decisão, fato que se espera futuro e incerto (só na será incerto se desde já a parte tenha intenção de descumprir a decisão judicial). Por fim, no que se refere à indenização a que foi condenada a apelante, é sim devida, não merecendo agasalho o apelo também neste ponto. Nesse particular, incumbe dizer que, primeiro, está provada a existência de dano, conforme já fundamentado alhures, não havendo como exonerar a apelante de arcar com as consequências deles decorrentes. Em segundo lugar, é pacífico o entendimento de que pode sim ser cumulada a indenização (tutela ressarcitória) com a obrigação de fazer (tutela específica) no caso de dano ambiental, pois este tipo de dano tem abrangência ampla, sendo devida a recomposição dos danos causados, bem como a indenização a algum fundo específico de proteção ao Meio Ambiente.
Nesse sentido é pacífico o entendimento do STJ: "AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. DANOS AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÕES DE RECOMPOR/RESTAURAR/REPARAR E OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. (...) É pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual é possível a cumulação entre as obrigações de recompor/restaurar/recuperar as áreas afetadas por danos ambientais e a obrigação de indenizar em pecúnia. Precedentes. 4. Recurso especial provido". (STJ - REsp 1264250/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2011, DJe 11/11/2011) Ainda, na mesma ideia: "DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347/85 INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA CONDENAÇÃO PARA RECOMPOR O DANO AMBIENTAL CAUSADO E AO PAGAMENTO DE UMA INDENIZAÇÃO PELOS DANOS ECOLÓGICOS (...)3- É possível a condenação cumulativa em obrigação de fazer ou não fazer e de pagar, sobretudo porque, em
matéria ambiental, tal cumulação mostra-se ainda mais premente, em virtude do dano moral provocado à coletividade atingida pela devastação ecológica, tendo esse tipo de dano natureza peculiar, sendo de difícil reparação e mensuração, pelo que a condenação em dinheiro, se não consegue corresponder exatamente aos recursos naturais destruídos, no mínimo, desempenha um caráter educativo de intimidação à prática de ações similares. Portanto, a exegese dada pelo juízo é limitativa e não merece prevalecer, sob pena de se deturpar até mesmo o instituto da ação civil pública, que comporta não apenas condenação em prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), como também de pagar quantia, através de indenização dos danos insuscetíveis de recomposição "in natura". 4- A natureza do dano ambiental, porque diz respeito a um interesse difuso intangível, exige, além da reparação material - Se possível de restituição à situação anterior - A reparação moral coletiva, porque não se atinge uma única esfera jurídica, mas um direito compartilhado transindividualmente por todos os cidadãos. Por isso é que é plenamente possível a condenação em indenização por dano moral coletivo, até porque existe previsão normativa expressa sobre a possibilidade de dano extrapatrimonial em relação a coletividades, consoante se depreende da parte
final do artigo 1º da Lei nº 7.347/85. (...)" (TRF 5ª R. AC 2000.81.00.016020-5 2ª T. Rel. Des. Fed. Francisco Barros Dias DJe 16.09.2009 p. 180) "O Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que, diante da comprovação da ocorrência de dano ambiental, caso haja necessidade da adoção de certos procedimentos visando à integral recuperação da área degradada, a despeito da ocorrência de recuperação natural, não se exime de responsabilidade o degradador do meio ambiente, sendo admissível a cumulação de obrigação de fazer e eventual indenização pelo dano ainda remanescente (REsp nº 904.324/RS, 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJe 27/05/2009). (...)" (TRF 4ª R. AC 2005.72.08.006243-3/SC 3ª T. Rel. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva DJe 16.06.2011 p. 207). Assim sendo, está devidamente justificada a condenação da apelante no caso, seja quanto à recuperação do meio ambiente, seja quanto à indenização imposta. Desse modo, deve ser mantida a sentença pela procedência total do pedido da associação autora, tal como posta e fundamentada, mantendo-se também a verba sucumbencial imposta, esta que é até pequena diante da discussão travada nos autos
(complexidade da demanda). No que tange ao prequestionamento expresso, se mostra desnecessário desde que a Corte teça os fundamentos que a levaram a manter ou reformar a decisão guerreada. Isto é, uma vez fundamentada a decisão, não há necessidade de se explicitar os dispositivos de Lei ou da Constituição utilizados como base do julgado. Nesse sentido: "É desnecessário o denominado prequestionamento explícito, bastando que a matéria aduzida no recurso especial tenha sido objeto de manifestação pelo Tribunal a quo, sem que seja necessário o pronunciamento específico sobre os dispositivos legais correspondentes". (STJ - AgRg no REsp 961.348/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 29/03/2010) Isto posto, meu o VOTO vai no sentido de: A)- NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO; B)- AFASTAR AS PRELIMINARES E, NO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MANTIDA NA ÍNTEGRA A SENTENÇA RECORRIDA. É como voto.
DISPOSITIVO: ACORDAM os Desembargadores integrantes da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E À APELAÇÃO CÍVEL, nos termos da fundamentação do voto do relator. Presidiu o julgamento o Desembargador PAULO ROBERTO HAPNER (com voto). Votaram com o relator o Desembargador Presidente e o Desembargador ADALBERTO JORGE XISTO PEREIRA. Curitiba, 12 de março de 2013.
Juiz ROGÉRIO RIBAS, Subst. de 2º Grau Relator
-- -- 1 Em substituição ao Desembargador JOSÉ MARCOS DE MOURA.
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