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Acórdão
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AÇÃO RESCISÓRIA N.º 890.191-9, DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE MANDAGUARI. AUTORES: ANGELINA GOMES ROSSE E OUTROS RÉ: COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA - COPEL RELATOR: DES. ARQUELAU ARAUJO RIBAS. AÇÃO RESCISÓRIA. DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO EM AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRABALHO OCORRIDO EM 1982 QUE LEVOU A TETRAPLEGIA DO EMPREGADO. MÉRITO. VIOLAÇÃO A DISPOSIÇÃO LITERAL DE LEI. ART. 37, §6° DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 927, PARAGRÁFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS. ART. 15 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. CONSAGRAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO. DECISÃO RESCINDENDA QUE REALIZOU A ANÁLISE DA CULPA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ORDENAMENTO JURÍDICO VIGENTE À EPOCA. 1. A violação a lei capaz de ensejar a rescisão de decisão transitada em julgada não é aquela advinda de uma interpretação razoável da norma jurídica, mas a expressa, direta, literal. 2. Considerando que o acidente que levou a tetraplegia do marido/pai dos autores ocorreu em 1982, quando ainda não vigia a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002, não há que se falar em aplicação de dispositivos que fazem parte de tais diplomas legais, diante do princípio da irretroatividade das leis. 3. O art. 15 do Código Civil consagrou a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, e não da responsabilidade objetiva, como defendido pelos requerentes nas razões desta demanda. PEDIDO IMPROCEDENTE. VISTOS, relatados e discutidos, estes autos de Ação Rescisória nº 890.191-9 da Vara Única da Comarca de Mandaguari, em que figuram como autores: ANGELINA GOMES ROSSE e OUTROS e ré: COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA - COPEL.
RELATÓRIO 1. Trata-se de ação rescisória proposta por Angelina Gomes Rosse, Luzemar Gomes Rosse, Cleverson Gomes Rosse e Roni Marcio Garcia Rosse, sucessores de Zelândio de Aguiar, em face de Companhia Paranaense de Energia, na qual procuram ver rescindido o Acordão proferido na Apelação Cível n° 240.588-5, pela 7ª Câmara Cível do extinto Tribunal de Alçada, em ação de indenização por acidente de trabalho. 1.1. Sustentam os autores que a decisão colegiada, ao aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva, afastando a condenação de primeiro grau, sob o fundamento de que não restou demonstrada a culpa da empresa, violou o disposto no art. 37, § 6° da Constituição Federal, o art. 15 do Código Civil de 1916, bem como o prescrito no art. 927 do Código Civil de 2002. 1.2. Destacam que o argumento utilizado no acordão rescindendo de que o autor da ação indenizatória não defendeu a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva não merece prevalecer, tendo em vista que a subsunção do fato a norma é tarefa do magistrado, conforme explicita o brocardo "da mihi facto, dabo tibi ius".
1.3. Aduzem que tanto a doutrina como a jurisprudência dos Tribunais Superiores defendem a aplicação da teoria do risco no caso do desenvolvimento de atividades perigosas, sendo presumida a culpa da empresa, bastando para a responsabilização o binômio nexo-dano. 1.4. Requerem a procedência do pedido para rescindir a decisão colegiada, proferindo-se novo julgamento, reconhecendo-se o direito a indenização pleiteada na ação originária. 1.5. Devidamente citada, a ré apresentou contestação, alegando, em síntese: a) a impossibilidade do ajuizamento de ação rescisória como sucedâneo recursal; b) a ação fundada no art. 485, V do Código de Processo Civil só é cabível nos casos em que há flagrante transgressão à lei, o que não ocorreu no presente caso; c) A Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal dispõe ser incabível o ajuizamento de ação rescisória quando a decisão rescindenda estiver baseada em dispositivo legal de interpretação controvertida nos tribunais; d) são inaplicáveis os arts. 37, §6° da Constituição Federal e 927 do Código Civil de 2002, pois não vigentes à época do evento danoso que deu ensejo ao ajuizamento da ação de indenização; e) ainda que se admitisse a responsabilização da ré, dever-se-ia aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva, vez que o pedido
indenizatório é baseado em uma conduta omissiva da Administração; f) não é aplicável a teoria da responsabilidade objetiva, pois o autor da demanda indenizatória não figurava como usuário do serviço público; g) o art. 15 do Código Civil de 1916 não abarcava as pessoas jurídicas de direito privado; h) aplica-se à época do evento danoso o disposto na Súmula 229 do Supremo Tribunal Federal; i) o acórdão rescindendo afastou o nexo causal, de modo que ainda que se admita a aplicação da responsabilidade objetiva, tal fato não é suficiente para afastar a improcedência do pedido indenizatório (fls. 775/788). 1.6. Apresentada impugnação (fls. 803/812), as partes foram intimadas para especificarem as provas que pretendiam produzir (fls. 814). 1.7. A ré postulou pela remessa dos autos a uma das Câmaras de competência de Direito Público, bem como se manifestou pela desnecessidade de produção de outras provas (fls. 818/823). Por sua vez, os autores deixaram de pleitear a produção de qualquer prova (fls. 824). 1.8. A decisão saneadora indeferiu o pedido de redistribuição dos autos e determinou o julgamento antecipado da lide (fls. 826/830).
1.9. Foram apresentadas alegações finais (fls. 835/844 e 847/853). 1.10. A Procuradoria de Justiça opinou pela desnecessidade de intervenção (fls. 858/860). É o relatório. FUNDAMENTOS DE FATO E DE DIREITO BREVE RELATO DOS FATOS
2. Zelândio Aguiar Rossi ajuizou ação de indenização em face de Companhia Paranaense de Energia Elétrica COPEL. Relatou que era funcionário da empresa ré desde 04 de outubro de 1965 e após algum tempo passou a exercer a função de eletricista. 2.1. Destacou que, em 17 de junho de 1982, ao prestar um serviço durante o período de plantão, caiu de uma altura de aproximadamente 8 (oito) metros, por falha no equipamento de segurança. Em razão do acidente teve o pescoço e várias vertebras da coluna quebrados, lesões que resultaram na paralisia de seus membros superiores e inferiores. Por conta disso, pleiteou a condenação da requerida ao
pagamento de indenização por danos materiais, estéticos e morais (fls. 32/57). 2.2. Seguido o devido trâmite legal, foi proferida sentença que julgou procedente o pedido para condenar a ré ao pagamento: a) de pensão mensal, tendo como base de cálculo a evolução do salário da categoria e demais vantagens, acrescido de juros e correção monetária a partir do evento danoso e do vencimento de cada parcela; b) dano estético, apurado na forma do art. 1538 do Código Civil, incluindo o tratamento despendido e a despender e lucros cessantes pelo aleijão, na forma duplicada, a ser liquidado por arbitramento; c) danos morais, na importância de 300 (trezentos) salários mínimos, acrescidos de juros e correção monetária a partir do evento. Condenou, ainda, a requerida ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da indenização ao final, mais a soma das prestações vencidas e doze vincendas (fls. 362/380). 2.3. Irresignada a Companhia Paranaense de Energia COPEL interpôs apelação sustentando, em síntese: a) o acidente ocorreu por culpa exclusiva da vítima, vez que descumpriu as determinações da empresa, subindo a escada com o conjunto de aterramento sobre o ombro direito; b) o magistrado não julgou com base nas provas constantes nos
autos; c) a única testemunha presencial dos fatos foi enfática ao afirmar que o autor não prendeu o talabarte no mosquetão; d) não restou demonstrado que o equipamento utilizado pelo requerente era deficitário ou de qualidade inferior; e) a troca dos equipamentos ocorreu com o objetivo de melhorar a segurança dos funcionários; f) é inaplicável a responsabilidade objetiva, vez que a jurisprudência condiciona a concessão de indenização por direito comum a existência de culpa grave ou dolo por parte do empregador; g) ainda que se admita a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, é necessário a demonstração do nexo causal, que não restou demonstrado no presente caso; g) não há que se falar em indenização por danos materiais e morais; h) no caso de manutenção da pensão mensal devem ser descontados os valores recebidos pelo autor a título de aposentadoria junto ao INSS; i) não são cumuláveis as indenizações por danos morais e estéticos; j) é aplicável a Súmula 490 do Supremo Tribunal Federal; l) os juros e a correção monetária devem incidir a partir da citação, e não do evento danoso, como constou na sentença; m) os honorários advocatícios devem ser calculados apenas sobre o valor das parcelas vencidas e uma anuidade (fls. 387/424). 2.4. O Acórdão, relatado pelo Desembargado,r então Juiz, Miguel Pessoa, integrante da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada, deu provimento ao recurso para julgar
improcedente o pedido, sob o fundamento de que não restou demonstrada a culpa da empregadora pelo acidente (fls. 539/547). 2.5. Confira-se a ementa: "ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO PRETENDIDA PELO DIREITO CIVIL. QUEDA DE ELETRICISTA DE POSTE DE TRANSMISSÃO. TETRAPLEGIA. ALEGAÇÃO DE DEFEITO DO CINTO DE SEGURANÇA. FATO NÃO PROVADO. CULPA INDEMONSTRADA. RECURSO PROVIDO. 1- O trabalho externo em cima de postes e torres de alta tensão implica em riscos, inerente ao ofício. Para evitar acidente o profissional haverá de estar permanentemente consciente dos perigos de sua atividade naquele local e se manter disciplinado na obediência as técnicas de segurança. 2- Provado ter a vítima se descurado da segurança ao violar norma, subindo a escada levando consigo material pesado, "conjunto de aterramento"; e não provado o defeito alegado no "mosquetão" do cinto de segurança, inviável reconhecer a culpa da empregadora. 3- Se foi devidamente instruído acerca dos riscos do trabalho, das normas técnicas
de segurança a serem empregadas, e fornecido todo o material necessário, não se pode entender presente quer a omissão, quer a ação imprudente, imperita ou negligente, do empregador ou seus prepostos, necessárias a caracterizar o ilícito."
2.6. Os embargos de declaração opostos pelo autor (fls. 549/553) foram rejeitados, por maioria, vencido o Juiz Carlos Mansur Arida (fls. 561/572). 2.7. Houve o trânsito em julgado da decisão em 30/06/2010, sendo a presente ação ajuizada em 23 de fevereiro de 2012 (fls. 20). DA VIOLAÇÃO LITERAL A TEXTO DE LEI 3. Aduzem os autores que a 7ª Câmara Cível do extinto Tribunal de Alçada, ao dar provimento ao recurso da Companhia Paranaense de Energia COPEL, julgando improcedente o pedido indenizatório, ofendeu o disposto no art. 37, §6° da Constituição Federal, o art. 15 do Código Civil de 1916 e o art. 927, parágrafo único do Código Civil de 2002.
3.1. De acordo com os requerentes, era cabível a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva ao caso, diante do risco da atividade, e não da teoria da responsabilidade subjetiva, como constou da decisão. 3.2. O art. 485 do Código de Processo Civil, ao tratar dos casos que autorizam a rescisão da decisão já transitada em julgado, dispõe: Art. 485 - A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) V - violar literal disposição de lei;
3.3. O termo "lei" utilizado pelo legislador deve ser entendido em sentido amplo, abrangendo tanto a Constituição, como a lei complementar, a lei ordinária ou delegada, a medida provisória, o Decreto legislativo, a resolução, o decreto executivo, o ato normativo baixado pelo Poder Judiciário. Engloba-se neste conceito, também, além das normas de direito interno, a legislação estrangeira, não havendo distinção, ainda, se a norma é direito material ou de direito processual.
3.4. A violação a que o dispositivo faz referência não é aquela advinda de uma interpretação razoável da norma jurídica, mas aquela expressa, direta, literal. 3.5. Como ensinam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart: "Se, no julgamento, o juiz desrespeita ou não observa regra expressa de direito (que deveria regular a situação concreta que lhe foi submetida), sua decisão não representa a vontade do Estado sobre a questão julgada, não podendo por isso prevalecer. Obviamente, não se admite a utilização da ação rescisória nos casos em que exista divergência sobre a interpretação estabelecida na sentença, sob pena de desestabilizar-se toda a ordem e seguranças jurídicas. A ação rescisória constitui remédio extremo, e assim não pode ser confundida com mero recurso. Em outras palavras: a sentença que possui interpretação divergente daquela que é estabelecida pela doutrina e pelos tribunais, exatamente pelo fato de que interpretações diversas são plenamente viáveis e lícitas, não abre ensejo para ação rescisória (Súmula 343 do STF). A ação rescisória somente é cabível nos casos de ofensa indiscutível a disposição de lei." (In: Curso de Processo Civil, vol. 2
Processo de Conhecimento, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo: 2007, p. 654/665) 3.6. No mesmo sentido leciona José Miguel Garcia Medina: "Exige o inc. V do art. 485, para que seja cabível a ação rescisória, que haja violação a literal disposição de lei. Diante disso, tem-se decidido que não cabe a ação rescisória quando se tiver dado interpretação razoável à norma jurídica" (p; 495)
3.7. Outro fator importante que merece destaque é que na ação rescisória fundada em violação a texto literal de lei cada suposta infração constitui uma causa de pedir. Assim, cabe ao órgão julgador apenas analisar as teses levantadas pela parte, sendo defeso acolher o pedido rescisório caso verifique a existência de transgressão de norma não indicada pelo autor. 3.8. Como ensina José Carlos Barbosa Moreira: "Casa suposta violação constitui uma causa petendi. O autor precisa indicar, na inicial, a norma a seu ver infringida, embora se deva prescindir, desde que
claramente identificável o conteúdo, da referência a número de artigo ou de parágrafo, e a fortiori relevar o eventual equivoco na menção. Pode o autor, naturalmente, alegar que a decisão rescindenda infringiu mais de uma norma: haverá duas ou mais causas de pedir. Ao órgão julgador não é lícito acolher o pedido senão com base em alguma (s) das alegadas. Se nenhuma delas ocorreu, terá de julgar o pedido improcedente, ainda que verifique a existência de transgressão a norma não indicada pelo autor." (Comentários ao Código de Processo Civil, volume V, 15ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro: 2009, p. 132/133) 3.9. Feitas essas considerações, passa-se a análise do caso concreto. 4. Como ressaltado anteriormente, os autores pleiteiam a rescisão da decisão do acordão n° 240.588-5, sob o fundamento de violação aos seguintes dispositivos: a) art. 37, § 6° da Constituição Federal; b) art. 927, parágrafo único, do Novo Código Civil; c) art. 15 do Código Civil de 1916. Pois bem.
4.1. Em relação aos artigos 37, § 6º da Constituição Federal e 927 do Código Civil/2002, não há que se falar em violação ao disposto em lei. 4.2. Isso porque, embora, de fato, tais dispositivos determinem a aplicação da responsabilidade objetiva tanto nos casos de danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos (art. 37, § 6°, CF), como naqueles em que é desenvolvida atividade de risco (art. 927, parágrafo único do Código Civil), tal legislação não possui aplicação no caso concreto. 4.3. O acidente que vitimou o marido/pai dos autores ocorreu em 17 de junho de 1982, quando ainda vigiam a Constituição Federal de 1969 e o Código Civil de 1916. Assim, não há que se falar na aplicação de dispositivos que foram acrescentados pela Constituição de 1988 e pelo Código Civil de 2002. 4.4. Ora, o ordenamento jurídico brasileiro consagra, como regra, o princípio da irretroatividade das leis. Isso significa dizer que no sistema jurídico nacional prevalece que nenhuma lei poderá atingir o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada, não possuindo as leis, em regra, efeito retroativo. 4.5. A Constituição Federal em seu art. 5°, XXXVI, dispõe: Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
4.6. Por sua vez, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro consigna: "Art. 1°. Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada." "Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada."
4.7. Sobre a adoção do princípio da irretroatividade das leis, Maria da Glória Colucci ensina: "O princípio que rege a eficácia das leis no tempo é o da irretroatividade, ou seja, a lei nova ao entrar em vigor tem efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. A lei é vigente quando existe juridicamente, obrigando, facultando ou proibindo denominadas ações ou omissões. A existência jurídica (vigência) ou formal não corresponde sempre à existência material da lei. Por que as leis, geralmente, precisam de um período de tempo para entrarem em vigor, já que a regra é a vigência respeitar os prazos previstos no artigo 1° §§ 1° e 2°, respectivamente, 45 (quarenta e cinco) dias no território brasileiro e 3 (três) meses, nos Estados estrangeiros, depois de oficialmente publicada. Denomina-se vacatio legis o período de tempo que vai da publicação da lei à sua entrada em vigor, salvo disposição em contrário da própria lei, ou de outra, que tanto pode estabelecer prazos maiores
quanto menores, tanto que o citado art. 1° da LICC, estabelece que `salvo disposição contrária...'. Uma lei é substituída por outra (revogação), que pode ser total (ab-rogação) ou parcial (derrogação); de forma expressa ou tácita; neste sentido examine- se a LICC, artigo 2°, e seus parágrafos. Quando se afirma que a lei é irretroativa o que se quer dizer é que a lei produz efeitos somente a partir do momento em que entrar em vigor, disciplinando as situações presentes e futuras; não se aplicando ao passado, desde que caracterizem como ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada. Estes são os limites à aplicação da lei nova, conforme preceitua a Constituição Federal, no art. 5° XXXVI e o artigo 6° e §§ 1° e 3° da LICC. A irretroatividade é garantidora da segurança jurídica, posto que todas as vezes que houvesse mudanças no sistema jurídico, pela inclusão de novas leis, seriam ameaçados os atos jurídicos já realizados, os direitos integrados ao patrimônio jurídico dos indivíduos ou organizações ou mesmo as decisões judiciais (sentenças e acórdãos) já definitivamente transitadas em julgado." (In: Fundamentos de Teoria Geral do Direito e do
Processo, 3ª edição, JM editora, Curitiba: 2003, p. 317/318 grifo nosso) 4.8. Deste modo, tendo em vista que o evento danoso que originou a pretensão indenizatória ocorreu em 1982, inaplicável os arts. 37, §6°, CF e 927, parágrafo único, CC/2002, ainda que à época do prolação da decisão de segundo grau tais dispositivos já estivessem vigentes. 4.9. Nesse sentido Rui Stocco cita: "'O art. 37, § 6°, da CF, que dispõe sobre a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiro, é norma de eficácia imediata e não tem efeito retroativo, inaplicável a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência. Isso porque as Constituições não têm, de ordinário, retroeficácia. O respeito dos direitos adquiridos, da coisa julgada e dos negócios jurídicos perfeitos resulta de regra jurídica constitucional que o estabelece e não de princípio a que a Constituição tinha de atender. As Constituições têm incidência imediata, ou desde o momento em que ela mesma fixou como aquele em
que começaria a incidir. Somente há retroação quando há expressa disposição na Lei Magna' (1° TACSP 8ª C. Ap. Rel. Toledo Silva j. 20.09.1990 RT 673/104)." ((In: Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo: 2004, p.971)
4.10. Merece destaque ainda: "Acidente de trabalho. Responsabilidade civil da empregadora. Acidente ocorrido antes da CF 88/88. - `O direito a indenização nasce no momento da lesão injusta e sob o império da lei vigente, não podendo ser invocado o inciso XXVII do art. 7° da Constituição Federal de 1988, quando o evento ocorreu anteriormente à promulgação da nova Carta Magna' (2° TACSP AP 487.168-00/8 Rel. Amaral Vieira j. 12.08.1997 in Humberto Theodoro Júnior, Dano moral, Ed. Oliveira Mendes, 1ª ed., 1998, p. 172)." (In: Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo: 2004, p. 611)
4.11. Registre-se, apenas a título de argumentação, que, como destacado anteriormente, ainda que no ordenamento jurídico vigente à época do evento danoso existisse legislação admitindo a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva em face da Administração Pública, a "causa petendi" da presente demanda se restringe a suposta violação do art. 37, § 6º da Constituição Federal e do art. 927, parágrafo único do Novo Código Civil, não podendo, assim, este colegiado rescindir a decisão manifestada no Acórdão n° 240.588-5, com base na existência de violação a outros dispositivos legais que não os debatidos na presente demanda. 5. Já no que diz respeito ao art. 15 do Código Civil de 1916, não há, igualmente, que se falar em violação a texto literal de lei, senão vejamos. 5.1. Tal artigo, ao tratar da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público, dispunha: "Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano."
5.2. Referido dispositivo consagrou a responsabilidade civilística do Estado, e, por conta de sua redação imprecisa, propiciou grande discussão na doutrina durante o início da sua vigência. 5.3. Parte dos doutrinadores defendeu que o Código Civil de 1916 consagrava a teoria do risco, possibilitando a condenação da Administração Pública sem buscar o elemento culpa. Prevaleceu, porém, o entendimento de que o legislador havia adotada a teoria da responsabilidade subjetiva da Administração. 5.4. Sobre o tema, Hely Lopes Meireles ensina: "O Código Civil Brasileiro de 1916, acolhendo a doutrina subjetivista dominante em sua época, estabeleceu no art. 15 que as pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem dano a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano. Neste dispositivo ficou consagrada, embora de maneira equívoca, a teoria da culpa como
fundamento da responsabilidade civil do Estado. A imprecisão do legislador, todavia, propiciou larga divergência na interpretação e aplicação do citado artigo, variando a opinião dos juristas e o entender da jurisprudência entre os que viam, nele, a exigência da demonstração da culpa civil da Administração e os que já vislumbravam admitida a moderna teoria do risco, possibilitando a responsabilidade civil sem culpa em determinados casos de atuação lesiva do Estado. Temos para nós que o questionado art. 15 nunca admitiu a responsabilidade sem culpa, exigindo sempre e em todos os casos a demonstração desse elemento subjetivo para a responsabilização do Estado. Nem é outra a observação de Alvino Lima em preciosa tese sobre a matéria, onde sustenta que `O Código Civil Brasileiro, seguindo a tradição de nosso Direito, não se afastou da teoria da culpa, como princípio genérico regulador da responsabilidade extracontratual.'" (In: Direito Administrativo Brasileiro, 32ª edição, Editora Malheiros, São Paulo: 2006, p. 651)
5.5. Por sua vez, Sergio Cavalieri Filho consigna:
"O primeiro dispositivo legal que tratou especificamente da responsabilidade civil do Estado foi o art. 15 do Código Civil de 1916, que dizia: `As pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem dano a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano. Não obstante a redação ambígua desse dispositivo, o que ensejou alguma controvérsia inicial, a melhor doutrina acabou firmando o entendimento no sentido de ter sido, nele, consagrada a teoria da culpa como fundamento da responsabilidade civil do Estado. Tanto é assim que fala em representantes, ainda ligado a ideia de que o funcionário representaria o Estado, seria o seu preposto, tal como ocorre no Direito Privado. Ademais, as expressões `procedendo de modo contrário ao Direito ou faltando a dever prescrito por lei' não teriam sentido se não referissem à culpa do funcionário." (In: Programa de Responsabilidade Civil, 9ª edição, Editora Atlas, São Paulo: 2010, p. 245)
5.6. Assim, para a responsabilização do Estado, segundo o art. 15 do Código Civil de 1916, imprescindível a apuração da culpa. 5.7. Pois bem, da análise da decisão rescindenda, verifica-se que não houve qualquer violação ao art. 15, porque o acórdão adotou a teoria subjetiva, entendendo que não restou demonstrado que a queda que levou à tetraplegia o marido/pai dos autores se deu por culpa da ré. 5.8. Confira-se o trecho da decisão: "Definido ter a vítima de acidente decorrente do trabalho além do direito acidentário, a possibilidade de ser indenizada com base no direito comum desde que presente no sinistro a participação do empregador quer com dolo ou culpa. A culpa, que anteriormente se exigia grave, após o advento da Constituição Federal, passou a caracterizar o direito desde que presente, portanto mesmo sendo leve. Tal interpretação decorre do texto do artigo 7º no qual estão previstos os direitos dos trabalhadores, dispondo o inciso XXVIII: Seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está
obrigado, quando incorrer em dolo ou em culpa;No caso dos autos é certo que a apelante mantinha regular contribuição com o Instituto de Previdência, no tocante a responsabilidade acidentária, que foi atendida ao autor. Se o valor que está sendo pago não é o correto como afirma, tem todo direito de questionar a respeito o INSS. Impõe avaliar, portanto, a presença da culpa da apelante no trágico acidente, porquanto dolo não há e nem se alega." Concluo entendendo, em que pesem as conseqüências lamentáveis decorrentes do acidente com o autor, na análise cautelosa do processo, não veio aos autos prova de conduta omissiva ou comissiva da Apelante, por seus prepostos, quer por imprudência, imperícia ou negligência a ensejar responsabilização civil de indenizar o apelado. O acidente está circunscrito aos limites da infortunística, e apenas sob essa ótica deve ser enfrentado"
5.9. Deste modo, tendo em vista que o art. 15 do Código Civil consagrou a aplicação da teoria subjetiva, e não da objetiva, como sustentado na inicial, não há qualquer razão que justifique a rescisão da decisão manifestada no acórdão n° 240.588-5.
6. Registre-se, apenas a título de argumentação, que em relação a responsabilidade civil decorrente de acidente de trabalho, sempre prevaleceu a necessidade de apuração da culpa para a condenação do empregador. 6.1. O Decreto-Lei n° 7.036 de 1944, primeiro a admitir a possibilidade de reparação pelo direito comum no caso de acidente do trabalho, dispunha em seu art. 31 que "o pagamento da indenização estabelecida pela presente lei exonera o empregador de qualquer outra indenização de direito comum, relativa ao mesmo acidente, a menos que este resulte de dolo seu ou de seus propostos." (grifo nosso) 6.2. A jurisprudência, então, ampliou a área de incidência da nova regra, equiparando ao dolo a culpa grave, orientação que culminou na edição da Súmula 229 pelo Supremo Tribunal Federal, em 13/12/1963, "in verbis": "Súmula 229. A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador."
6.3. Tal posicionamento vigorou até a promulgação da Lei n° 6.367/76, que implantou a tutela do acidente de trabalho dentro do campo da Previdência Social. 6.4. De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, a partir da entrada em vigor da referida lei, para o reconhecimento da existência de indenização pelo direito comum bastava a demonstração da culpa do empregador, ainda que em grau leve. 6.5. Nesse sentido, confira-se julgado do Superior Tribunal de Justiça: "DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO (ART. 159, CC). ACIDENTE DO TRABALHO. CULPA LEVE. ENUNCIADO 229 DA SUMULA/STF. LEI 6.367/76. DIREITO ADQUIRIDO. PRECEDENTES. RECURSO DESACOLHIDO. - SEGUNDO ENTENDIMENTO DA TURMA, A PARTIR DA EDIÇÃO DA LEI 6.367/76 PASSOU A NÃO MAIS PREVALECER O ENUNCIADO N. 229 DA SUMULA/STF, QUE RESTRINGIA A RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELA INDENIZAÇÃO DE DIREITO COMUM AOS CASOS DE DOLO OU CULPA GRAVE. PELA REPARAÇÃO CIVIL DEVIDA COMO DECORRENCIA DE SINISTROS
LABORAIS DESDE ENTÃO VERIFICADOS, PASSARAM A RESPONDER TODOS AQUELES QUE PARA OS MESMOS TENHAM CONCORRIDO COM CULPA, EM QUALQUER GRAU, AINDA QUE LEVE, INDEPENDENTEMENTE DA EXISTENCIA, OU NÃO, DE VINCULO EMPREGATICIO COM A VÍTIMA. - OCORRENTE O ACIDENTE EM ABRIL DE 1988, NÃO SE HA DE COGITAR DE PRETENSO DIREITO ADQUIRIDO A SO INDENIZAR NOS CASOS PRECONIZADOS PELO SUPERADO VERBETE." (REsp 12.648/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueredo Teixeira, 4ª turma, DJ 30/08/1993, p. 17294) 6.6. Portanto, a decisão rescindenda, ao analisar a existência ou não de culpa do empregador, apenas aplicou a legislação vigente à época do acidente, agindo conforme as disposições constantes no ordenamento jurídico. 7. Ante o exposto, julga-se improcedente a presente a ação rescisória, condenando os autores ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, que, considerando o tempo de tramite do feito, a complexidade das questões discutidas e o trabalho desenvolvido pelos patronos do réu, fixa- se em R$ 2.000,00 (dois mil reais), conforme o disposto no art. 20 §4º do Código de Processo Civil, ressalvando o consignado
no art. 12 da Lei 1.060/50, tendo em vista que os requerentes são beneficiários da assistência judiciária gratuita (fls. 762).
DECISÃO: ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível em Composição Integral do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em julgar improcedente o pedido, nos termos do voto do Desembargador Relator. Participaram do Julgamento: Des. Luiz Lopes (Presidente com voto), Des. Jurandyr Reis Junior e Juízes Substitutos em 2º Grau Antônio Carlos Ribeiro Martins e Elizabeth de F. N. C. de Passos. Curitiba, 21 de março de 2.013. ARQUELAU ARAUJO RIBAS Desembargador Relator
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