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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 756.069-2, DA 1ª VARA CÍVEL DO FORO REGIONAL DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA APELANTE 1: MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS APELANTE ADESIVO: MIGUEL ANACLETO DE LIMA APELADOS: OS MESMOS RELATORA: DESª IVANISE MARIA TRATZ MARTINS REVISOR: DES. MARCELO GOBBO DALLA DEA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO URBANA. ÁREA USUCAPIENDA EM DESACORDO COM A METRAGEM ESTABELECIDA PELO PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO. LEI MUNICIPAL PUBLICADA EM 2004 QUE PASSOU A CARACTERIZAR A ÁREA USUCAPIENDA COMO URBANA. IRRELEVÂNCIA. NECESSIDADE DE SE OBSERVAR A DESTINAÇÃO DADA AO IMÓVEL. REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA USUCAPIÃO QUE DEVEM SER OBSERVADOS QUANDO DA INCIDÊNCIA DA NORMA, QUE SE DÁ COM O TRANSCURSO DO LAPSO TEMPORAL DE 05 ANOS. IMÓVEL QUE POSSUÍA AS CARACTERÍSTICAS NECESSÁRIAS PARA SER USUCAPIDO QUANDO DO TÉRMINO DOS 05 ANOS. DESÍDIA DO MUNICÍPIO EM CUMPRIR COM SUA FUNÇÃO AO PERMITIR A OCUPAÇÃO IRREGULAR QUEDANDO-SE INERTE. NECESSIDADE DE SE FAZER VALER O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FATO QUE NÃO IMPEDE A AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE PELA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. MERA LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA AO USO DO IMÓVEL. REQUISITO DE METRAGEM MÍNIMA QUE NÃO É EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE LEI MUNICIPAL RESTRINGIR O DIREITO CONSTITUCIONAL PREVISTO NO ARTIGO 183 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. RECURSO ADESIVO. SENTENÇA QUE NÃO CONDENOU AS PARTES VENCIDAS AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESNECESSIDADE DE PEDIDO EXPRESSO. SÚMULA 256 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. A verificação dos requisitos necessários à configuração do suporte fático deve se dar tão somente quando da incidência da norma jurídica da usucapião, que, como é cediço, ocorre no instante em que se perfaz o lapso temporal de 05 anos previsto na Constituição Federal. 2. O fato da legislação municipal alterar a destinação da área usucapienda, não se presta a inviabilizar o direito de aquisição sobre o bem imóvel, sob pena de ofensa ao princípio da segurança jurídica. 3. Ainda que a área usucapienda seja considerada como de preservação permanente, não há óbice para a sua aquisição por meio da Usucapião especial urbana, tendo em vista que tal qualificação não torna a área em questão bem de domínio público, mas apenas limita o seu uso. Não se pode olvidar ainda que a Constituição Federal em momento algum veda a aquisição por meio da Usucapião especial urbana de imóveis situados em áreas de preservação permanente. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 756.069-2, da 1ª Vara Cível do Foro Regional de São José dos Pinhais da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é Apelante Município de São José dos Pinhais, Recorrente Adesivo Miguel Anacleto de Lima, e Apelados os mesmos. I RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível interposta em face da sentença de fls. 225-233/TJ, pela qual o douto Juiz a quo em ação de usucapião julgou procedente a ação declarando o direito do Apelado à Usucapião. Inconformado, alega o Apelante que área objeto da Usucapião está localizada entre o Setor Especial de Áreas Verdes e a Zona Especial de Ocupação Restrita, onde a lei exige que o lote seja de no mínimo 10.000 m², contenha testada mínima de 50 m², taxa de ocupação máxima de 10% e permeabilidade mínima de 75%, tendo em vista a cota de inundação da região. Assevera que em face da área que se pretende usucapir ser de 250m², não há como se reconhecer aos Apelados o direito à prescrição aquisitiva, a fim de não se contrariar a função social da propriedade, tendo em vista que a área está em desacordo com o Plano Diretor do Município.
Devidamente intimado, o Apelado apresentou contrarrazões, pugnando pela manutenção da decisão atacada. Miguel Anacleto de Lima, por sua vez, interpôs recurso adesivo, alegando que a fixação de honorários advocatícios independe de pedido do autor, devendo o Juiz fixá-los, de acordo com o que dispõe o artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil. Devidamente Intimado, o Município de São José dos Pinhais apresentou resposta ao recurso adesivo, pugnando pelo seu desprovimento. A douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo ilustre Procurador de Justiça João Carlos Silveira, opinou pelo desprovimento do recurso de Apelação interposto pelo Município de São José dos Pinhais e pelo provimento do Recurso Adesivo interposto por Miguel Anacleto de Lima. É o relatório. II VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO - Do Recurso de Apelação do Município Insurge-se o Município contra a sentença proferida pelo douto Juiz a quo que julgou procedente a ação de usucapião ajuizada para
reconhecer o direito do Apelado à aquisição da propriedade através da prescrição aquisitiva. - Da possibilidade da prescrição aquisitiva, mesmo diante da alteração legislativa que passou a considerar a área usucapienda como urbana em 2004: Primeiramente, antes de se adentrar na questão da necessidade de respeitar o Plano Direito do Município para que reste possível a aquisição da propriedade por meio da usucapião ou da possibilidade de aquisição por usucapião de áreas de preservação permanente, faz-se necessário o enfrentamento da questão refere à implementação dos requisitos da Usucapião. Isso porque, esta Câmara, com base no brilhante voto do Excelentíssimo Juiz Substituto em Segundo Grau Francisco Jorge, tem entendido que diante de alteração legislativa que passou a considerar a área usucapienda como urbana apenas em 2004, o lapso temporal necessário ainda não estaria preenchido. Tal entendimento decorre do fato de o Município de São José dos Pinhais por meio da Lei Complementar nº 10, de 23 de dezembro de 2004, ter passado a classificar a área usucapienda como urbana, sendo que a presente ação foi intentada em 2005, ou seja, 01 (um) ano após a referida área ter passado ao status de urbana. Assim, a Câmara vem entendendo que o lapso temporal para a contagem do prazo da usucapião especial urbana começaria a correr
apenas a partir de 2004, razão pela qual não teriam sido implementados os requisitos necessários à configuração da usucapião. Em que pese à relevância de tal entendimento e os sólidos fundamentos que o sustentam, entendo que a questão deve ser reanalisada. Como se sabe, os enunciados prescritivos dispostos em nosso texto constitucional encerram normas jurídicas, as quais, em razão de se configurarem como juízos hipotético-condicionais, se estruturam por uma hipótese ligada a uma consequência. Na hipótese, também chamada de suporte fático in abstrato, como quer Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, encontramos todos os elementos necessários à identificação da ocorrência do fato nela previsto no mundo fenomênico. No que tange à norma da usucapião verificamos que todas detêm como hipótese o transcurso de certo lapso temporal, findo o qual, preenchidos os demais requisitos previstos no suporte fático, instaura-se a relação jurídica prevista no consequente da norma, que encerra uma relação jurídica de direito real, conferindo-lhe a propriedade. Ao efetuarmos uma comparação entre as normas contidas nos dispositivos dos artigos 183 e 191 da Constituição Federal, verificamos que o lapso temporal necessário para a sua configuração é o mesmo, qual seja 05 anos. Contudo, findo tal lapso temporal, a Constituição
Federal prevê mais alguns requisitos para que se possa falar em aquisição da propriedade por meio da prescrição aquisitiva. Assim, para a usucapião especial rural, exigiu que a ocupação tivesse se dado sobre área de terra em zona rural, não superior a cinquenta hectares, e que o ocupante tenha tornado-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, além de ter estabelecido nela sua moradia. Por sua vez, quanto à usucapião especial urbana, exigiu tão somente imóvel não superior a 250 m², que seja utilizado para a moradia da pessoa que pretende usucapi-lo ou de sua família e que não seja proprietário de outro imóvel rural ou urbano. Destarte, resta evidente que a verificação dos requisitos do suporte fático só ocorrerão no momento da incidência da norma que, como se sabe, dá-se de maneira automática e infalível, tão logo tenha se completado o lapso temporal previsto na hipótese. Corroborando este entendimento, merecem transcrição as palavras de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda: "Os elementos do suporte fático da regra jurídica sobre prescrição ou sobre usucapião são os do dia em que vai terminar o prazo para prescrever a pretensão ou para usucapir."1 Portanto, deve-se verificar, no momento de aplicação da norma prevista no artigo 183, da Constituição da República se no momento em que se implementa o lapso temporal de 05 anos se a referida área contém os requisitos necessárias para a usucapião, o que, certamente, ocorreu, tendo em vista que é incontroverso nos autos que o Apelado encontra-se no imóvel desde 1999, tendo constituído sua moradia em área não superior a 250 m². Ressalte-se, inclusive, que o fato de lei municipal ter alterado a classificação da área posteriormente, não se presta para impedir a aquisição por meio da usucapião. Isso porque, como bem pondera Arnaldo Rizzardo, o que interessa é a destinação que se dá à área que se quer usucapir, sob pena de submeter os ocupantes ao arbítrio das autoridades municipais que, a qualquer tempo, poderão alterar a classificação da área, a fim de inviabilizar a aquisição da propriedade. Vejamos as considerações de Arnaldo Rizzardo acerca da destinação do imóvel, que, em que pese se refira a Usucapião Especial Rural, são plenamente aplicáveis à usucapião especial urbana: "Todavia, nada impede o exercício do direito para aqueles possuidores que, embora exerçam a posse em área urbanas, deem ao imóvel uma destinação rural ou agrícola. O adjetivo do art. 191 da Carta Maior, é o do artigo 1.239 do Código, socorrer àqueles que se dedicam ao amaino da terra e dela procuram retirar o sustento ou exercem a posse-produção. Este o sentido que deve preponderar, pois, do contrário o critério da localização ficaria ao sabor dos interesses municipais , perímetros urbanos nem sempre em função do aumento populacional ou desenvolvimento de atividades comerciais ou industriais."2 Ademais, não se pode olvidar que o Poder Constituinte Originário, ao utilizar conceitos para elaborar as normas jurídicas previstas no texto constitucional, incorpora os conceitos já existentes ao tempo de sua promulgação, não sendo possível alterar-lhe o sentido por meio de lei ordinária, sob pena de se negar a rigidez constitucional. Por tal razão, é que se deve considerar como rural o imóvel que se enquadre no conceito fornecido pelo Estatuto da Terra, em seu artigo 4º, tendo em vista que tal dispositivo foi recepcionado pela Constituição, além de estar vigente quando da promulgação de nossa Lei Maior. Vejamos o que diz o referido dispositivo: "Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se: I - "Imóvel Rural", o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada;" Verifica-se, portanto, que o próprio estatuto da terra, utiliza como critério para definição do imóvel a sua destinação e não o fato de existir lei que considere tal imóvel como urbano ou rural. Vale lembrar, inclusive, que a Constituição, em momento algum, determina que para fins de aplicabilidade do que dispõe seu artigo 183 deva se observar o que a lei define como urbana ou rural. Logo, irrelevante o fato de ter a lei municipal em 2004 passado a considerar a referida área como urbana, tendo em vista que anteriormente à sua edição já lhe é dada destinação urbana e não rural, já que não se enquadrava no conceito previsto no Estatuto da Terra. Cumpre ressaltar ainda, que ao contrário do entendimento que vem sendo adotado, ao se permitir a usucapião não estará
beneficiando a própria torpeza do Apelado, já que, como se sabe, a boa-fé é presumida em nosso ordenamento jurídico. Na hipótese dos autos, bem como das demais ações que tramitam neste Tribunal que tem por objeto a mesma área, verifica-se que as pessoas que lá estão adquiriram o imóvel na esperança de que fosse concedida autorização para o loteamento realizado. Ademais, não é por demais lembrar, que caso não se conceda a Usucapião estará se prestigiando o desprezo do Município com sua função, constitucionalmente atribuída, de juntamente com os demais entes da federação zelar pela proteção do meio ambiente, bem como pela garantia e observância dos direitos fundamentais. Isso porque, como se sabe, a função administrativa, a qual deve ser exercida pelo poder público, deve ser realizada com vistas à satisfação do interesse público, bem como para garantir a observância dos direitos e garantias fundamentais elencados pela nossa constituição. Marçal Justen Filho, acerca da função administrativa, leciona: "Justamente por se tratar de uma competência atribuída não no interesse egoístico do sujeito, a função compreende competências orientadas à realização de determinados fins. No caso da função administrativa, trata-se de promover a satisfação de interesses pertinentes aos direitos fundamentais. Deve-se insistir na concecpção de que esses poderes jurídicos são atribuídos não para a satisfação de interesses pessoais e egoísticos dos governantes. Ademais disso, é necessário assinalar que a natureza funcional da competência acarreta a vedação da omissão do seu exercício. A função administrativa envolve não apenas um conjunto de atribuições, mas um conjunto de atribuições que devem ser obrigatoriamente exercitadas, em virtude de ser imperiosa a realização dos direitos fundamentais."3 Não há dúvida que, na presente situação, o Poder Público Municipal concorreu para que a situação do loteamento irregular ocorresse, já que tinha pleno conhecimento da irregularidade da ocupação iniciada. Contudo, ao invés de tomar as medidas cabíveis, quedou-se inerte, esperando que as famílias que lá estavam ingressassem com ações visando o reconhecimento de domínio para que, em sede de contestação, alegasse as questões trazidas a esta corte. Impossibilitar o reconhecimento da usucapião será beneficiar a torpeza do Poder Público que não cumpriu com suas funções constitucionalmente atribuídas. Não se olvide ainda que nossa Constituição estabelece com fundamento do estado democrático de direito, o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual deve servir como vetor de interpretação das regras previstas na Constituição. Assim, negando-se o direito à Usucapião ao Apelado, estar-se-á violando o referido princípio, tendo em vista que a finalidade das normas previstas na Constituição que asseguram o direito à usucapião é justamente a de garantir o direito fundamental à moradia. Por fim, mister ressaltar que a Constituição Federal, em seu artigo 3º elenca como objetivos da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza. Na hipótese dos autos, ao se negar o direito à aquisição da propriedade às pessoas que estão no denominado "Jardim Modelo", um dos objetivos elencados pelo Poder Constituinte Originário
restará frustrado. Isso porque, não só o Apelado como milhares de famílias que lá estão há anos restarão privadas do único local que possuem para morar, restando desamparadas, em razão da inércia do Poder Público em, anos atrás, tomar as providências cabíveis para evitar a ocupação da referida área. Assim, caso o Poder Público entenda que não há como se permitir a atual situação no Jardim Modelo, deverá através do procedimento previsto nas normas de direito administrativo promover a desapropriação dos moradores que tiverem seus direitos a aquisição da propriedade reconhecidos, indenizando-os. - Da possibilidade de usucapir imóveis situados em áreas de preservação permanente: Como se sabe, as áreas de preservação permanente apenas encerram limitações administrativas à propriedade, mas em momento algum se prestam para impedir o domínio sobre imóveis que estejam nelas compreendidos. O simples fato da área ser considerada como de preservação permanente, por si só, não torna a área em questão de domínio público, mas tão somente limita o seu uso. Ademais, vale lembrar que em nenhum momento nossa Constituição, ao versar a respeito da Usucapião especial urbana vedou a aquisição de imóveis situados em áreas de preservação permanente. Nesse sentido, inclusive, é o entendimento de nossos Tribunais:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL PROCEDENTE - PRETENSÃO DO MUNICÍPIO DE REFORMA DA SENTENÇA, POR SE TRATAR DE ÁREA SITUADA EM LOCAL DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE DESCABIDA - O FATO DE A ÁREA USUCAPIENDA ESTAR SITUADA EM LOCAL DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, COM RESTRIÇÃO E LIMITAÇÃO DE DIREITOS DE PROPRIEDADE, NÃO IMPEDE QUE VENHA A PERTENCER A ALGUÉM, POIS, OBTIDA A USUCAPIÃO, O PROPRIETÁRIO DEVERÁ RESPEITAR AS LIMITAÇÕES DE USO DA ÁREA. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 18ª C.Cível - AC 548799-6 - Ponta Grossa - Rel.: Roberto De Vicente - Unânime - J. 07.10.2009)"
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE USUCAPIÃO. ÁREAS DE PRESERVAÇÃO. POSSIBILIDADE. RESTRIÇÕES ADMINISTRATIVAS. DESISTÊNCIA. DISCORDÂNCIA. PROSSEGUIMENTO. SUCUMBÊNCIA. Ainda que determinadas áreas possuam restrições quanto ao uso, por se tratarem de áreas de preservação permanente, possível é a aquisição de domínio pelo usucapião. A desistência da autora não foi eficaz, pois a discordância do réu fez prosseguir a demanda. A discussão sobre a matéria encontra-se, todavia preclusa ante a inércia do réu apelante frente aos fatos. Art. 183 do CPC. O feito foi reativado sem que o requerido tenha manifestado qualquer oposição à época. Redimensionamento da sucumbência e sua redistribuição para o fim de refletir o real decaimento de cada parte. Preliminares rejeitadas, apelação da autora improvida e parcialmente provida a do autor. (Apelação Cível Nº 70015741747, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 05/12/2006) Ademais, como bem ponderado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em caso semelhante, em que a ocupação se deu em área manancial, nada impede que se declare a usucapião, tendo em vista que o domínio será outorgado aos ocupantes da região com restrição de uso, de modo que toda e qualquer obra que queiram realizar em seus imóveis necessitará de aprovação por parte da autoridade competente:
"Com efeito, colhe-se do referido laudo que a gleba usucapida está inserida dentro de uma área de preservação de mananciais para abastecimento de Água da cidade de Paracatu, conforme Decreto n. 29.687/89. Todavia, tenho que o fato de as terras objeto do litígio se localizar em área de preservação permanente não é óbice, por si só, à sua aquisição por meio de usucapião. Isso porque a condição do imóvel usucapiendo estar localizado em área de preservação permanente deverá ser levada em consideração quando das eventuais autorizações para uso da terra, dentre outras, ou seja, todas as vezes que se fizerem necessárias à concessão de licença aos autores, a fim de continuarem suas atividades no imóvel sub judice, os órgãos competentes, na competência que lhe é atribuída pelo art. 23 da Constituição Federal, exercitarão seu poder de polícia com o fito de proteger e fiscalizar a área de preservação ambiental." (TJMG 4ª C. Cível Reexame Necessário- Cv 1.0470.01.003192-5/001 inteiro teor j. 22.11.2007.)
Assim, verifica-se que o poder de uso não é retirado por completo do proprietário de imóvel em preservação permanente, mas apenas é submetido a um regime jurídico próprio em que se impõem limitações à sua utilização, havendo sempre a necessidade de obtenção de aprovação por parte do Poder Público.
Por fim, quanto ao fato de a área objeto da presente ação estar em desacordo com o que dispõe o plano direto do município, entendo que tal argumento não se presta a impedir a aquisição da propriedade. Isso porque a Constituição Federal, ao estabelecer os requisitos da Usucapião Especial, não fez qualquer restrição quanto à necessidade de a área usucapienda estar de acordo com o Plano Diretor do Município, razão pela qual o fato de o imóvel usucapiendo estar ou não em desacordo com o Plano Diretor do Município, mostra-se irrelevante para o
deslinde da questão. Nesse sentido, já decidiu este Tribunal: "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. ÁREA PRETENDIDA (291,60 m²) INFERIOR ÀQUELA ESTABELECIDA PELO PLANO DIRETOR MUNICIPAL (360,00 m²). LEI COMPLEMENTAR Nº 16/2005. REQUISITO DE METRAGEM MÍNIMA QUE NÃO SE INSERE DENTRE AQUELE PREVISTO PELO ARTIGO 183, DA CF. IMPOSSÍVEL EXIGIR-SE MAIS DO QUE A CARTA MAGNA EXIGIU. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA, ANTE A PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 18ª C.Cível - AC 754577-1 - Rel.: Sérgio Roberto N Rolanski - Unânime - J. 05.10.2011)" "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO. LEI MUNICIPAL LIMITANDO O REGISTRO DE LOTES INFERIORES A 10.000 M². ÁREA EM QUE SE EFETUOU A POSSE DENTRO DO LIMITE ESTABELECIDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO. NÃO AFRONTA A LEI MUNICIPAL USUCAPIÃO DE ÁREA INFERIOR AO LIMITE MÍNIMO FIXADO POR ELA SE ESTA INTEGRA LOTE JÁ MATRICULADO QUE NÃO SERÁ SUBDIVIDIDO, RECONHECENDO-SE APENAS CONDOMÍNIO NO IMÓVEL JÁ MATRICULADO. ÁREA SITUADA EM LOCAL DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO PARA AQUISIÇÃO. PROPRIETÁRIO QUE DEVERÁ RESPEITAR AS LIMITAÇÕES DE USO DA ÁREA. APELAÇÃO CONHECIDA E NÃO PROVIDA. "É possível usucapir imóvel com área inferior à mínima para um lote, prevista na Lei do Município respectivo, se ao invés de ser criada matrícula individual, for registrado condomínio com o restante da área do imóvel já registrado".(Acórdão nº 19.017 Publicação: 11/07/2011). (TJPR - 17ª C.Cível - AC 785211-1, Rel.: José Carlos Dalacqua - Unânime - J. 21.09.2011) "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO URBANO - ÁREA PRETENDIDA INFERIOR ÀQUELA ESTABELECIDA PELO PLANO DIRETOR MUNICIPAL - REQUISITO DE METRAGEM MÍNIMA QUE NÃO SE INSERE DENTRE AQUELES PREVISTOS PELOS ARTIGOS 183, DA CF E
1.240, DO CC - IMPOSSÍVEL EXIGIR-SE MAIS DO QUE A CARTA MAGNA EXIGIU - RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA, ANTE A PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS. RECURSO DESPROVIDO - POR UNANIMIDADE." (TJPR - 17ª C.Cível - AC 534090-9 - a - Rel.: Fernando Vidal de Oliveira - Unânime - J. 29.07.2009) Além disso, cumpre ressaltar que quando a Constituição quis restringir o direito à usucapião, o fez expressamente, deixando consignado, por exemplo, que não são passíveis de Usucapião os bens públicos. Não se pode olvidar também, que a norma constitucional prevista no artigo 183, é norma de eficácia plena, razão pela qual independe e não admite lei infraconstitucional que venha a limitá-lo. Por tais razões, não merece reparos a decisão impugnada.
- Do recurso adesivo: Insurge-se o Recorrente contra a decisão que não impôs a condenação do Município e da Móveis Rittzman Ltda. ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Razão assiste ao Recorrente. Como se sabe, a condenação da parte vencida ao pagamento dos honorários advocatícios e custas processuais, independe de pedido expresso, em virtude de decorrer expressamente da lei:
"Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria." No mesmo sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ENCARGOS SUCUMBENCIAIS. DESNECESSIDADE DE PEDIDO EXPRESSO. SÚMULA 256/STF. REVERSÃO. 1. "É dispensável pedido expresso para condenação do réu em honorários, com fundamento nos arts. 63 ou 64 do Código de Processo Civil" (Súmula 256/STF). 2. Provido o recurso especial, impõe-se, no particular, a fixação de honorários com base no disposto no § 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil. 3. Embargos de declaração acolhidos sem efeitos modificativos." (EDcl no REsp 1138912/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 23/04/2010) Além disso, a matéria inclusive, já foi objeto de Súmula do Supremo Tribunal Federal: "Súmula 256 É DISPENSÁVEL PEDIDO EXPRESSO PARA CONDENAÇÃO DO RÉU EM HONORÁRIOS, COM FUNDAMENTO NOS ARTS. 63 OU 64 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL" Assim, merece provimento o presente recurso adesivo, a fim de condenar os Recorridos ao pagamento das custas processuais e determinar à douta Juíza a quo que fixe os honorários advocatícios.
- Conclusão: Como bem ponderou a douta Procuradoria Geral de Justiça, deve-se negar provimento ao recurso de apelação interposto pelo Município e dar provimento ao Recurso Adesivo interposto por Miguel Anacleto de Lima. - Prequestionamento
Tem-se por prequestionados quaisquer dispositivos legais apontados nos recursos que tenham expressa ou implicitamente pertinência às questões debatidas quando do presente julgamento.
III DISPOSITIVO
ACORDAM os Integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso de Apelação interposto, negando-lhe provimento e conhecer do Recurso Adesivo, dando-lhe provimento, nos termos do voto relatado.
Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Marcelo Gobbo Dalla Dea (Revisor) e dele participou o Excelentíssimo Senhor Juiz Substituto em Segundo Grau Dr. Marco Antonio Antoniassi (em substituição ao Des. Espedito Reis do Amaral). Curitiba, 20 de março de 2.013. DESª. IVANISE MARIA TRATZ MARTINS RELATORA
-- 1 Tratado de Direito Privado 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1971, vol. XI, p. 119. --
-- 2 Direito das Coisas 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 283. --
-- 3 Curso de Direito Administrativo 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 39. --
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