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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 655.852-1, DE FRANCISCO BELTRÃO 2ª VARA CÍVEL APELANTE: PEDRO AURÉLIO FELISBINO APELADO: MÁRIO VARGAS JUNQUEIRA DA ROCHA RELATOR SUBST.: ROBERTO PORTUGAL BACELLAR REVISOR: DES GUIMARÃES DA COSTA APELAÇÃO CIVIL. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ERRO MÉDICO DIAGNÓSTICO INICIAL EQUIVOCADO. TRATAMENTO PARA LEISHMANIOSE E VERIFICADA DOENÇA DENOMINADA BLASTOMICOSE SUL-AMERICANA. OBRIGAÇÃO DE MEIO E RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. MÉDICO QUE REQUEREU EXAMES E ADOTOU OS PROCEDIMENTOS PARA TRATAMENTO DE LEISHMANIOSE, VERIFICANDO-SE POSTERIORMENTE POR BIÓPSIA TRATAR- SE DE OUTRA DOENÇA DANOS MATERIAIS E MORAIS NÃO DECORRERAM DO DIAGNÓSTICO INICIAL EQUIVOCADO. FUNGO ENCONTRADO QUE MANIFESTA EVOLUÇÃO LENTA E CRÔNICA QUE CAUSOU LESÃO PERMANENTE NO PULMÃO DO AUTOR QUE NÃO PODE SER ATRIBUÍDA AO MÉDICO. SENTENÇA MANTIDA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 655.852-1, de Francisco Beltrão 2ª Vara Cível, em que é Apelante PEDRO AURÉLIO FELISBINO e Apelado MÁRIO VARGAS JUNQUEIRA DA ROCHA. I RELATÓRIO Trata-se de ação indenizatória por danos materiais e morais em que o autor alega, em síntese, que o médico requerido foi negligente e realizou diagnóstico equivocado no tratamento de sua doença, já que o medicou contra a leishmaniose ao passo que o autor possuía blastomicose sul-americana. A sentença de fls. 291/295 julgou improcedentes os pedidos iniciais e condenou o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios da parte adversa. Inconformado, o autor apresentou apelação às fls. 297/306 alegando, em síntese, que: (a) há evidente falta de cautela do réu no tratamento da doença; (b) aplica-se a teoria da perda da chance ao presente caso, já que a negligência no diagnóstico impediu a recuperação de sua saúde; (c) se as doenças possuem sintomas parecidos, deveria o réu ter agido a fim de verificar a possibilidade de ser o caso da outra doença; (d) houve falha do médico ao não considerar o
segundo exame de biópsia; (e) a perícia possui contradições e é frágil, de forma que as outras provas também deveriam ser consideradas. Contrarrazões às fls. 308/321. É o relatório.
II VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Quanto ao mérito, não há como ser acolhida a pretensão recursal e a sentença deve ser mantida. Como já bem destacado pelo magistrado a quo, a obrigação contratada entre o apelante e o médico apelado era de meio, e não de resultado. Quer-se dizer que, através dos serviços médicos prestados, não se buscava a certeza da cura da enfermidade, mas apenas o emprego das melhores técnicas para esse fim, em conformidade com a moderna ciência da medicina. Outra ponderação correta da sentença é a de que a responsabilidade civil advinda de erro médico é subjetiva, nos termos do artigo 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor. Era, portanto, imprescindível a comprovação da culpa para ser possível a responsabilização. Vejamos o entendimento da jurisprudência: "RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO AUTORA QUE SE SUBMETEU A CIRURGIA PARA RETIRADA DE JOANETE - ART. 14º,§ 4º, DO CDC PARA A
RESPONSABILIZAÇÃO DO PROFISSIONAL LIBERAL SE FAZ NECESSÁRIA A PROVA DE CULPA OBRIGAÇÃO DO MÉDICO É DE MEIO, NÃO SENDO NECESSÁRIO O ALCANCE DA CURA, MAS OS CUIDADOS NECESSÁRIOS NOS PROCEDIMETOS MÉDICOS ADOTADOS PERÍCIA MÉDICA DEMONSTROU QUE O MÉDICO RÉU ADOTOU TODOS OS PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS NECESSÁRIOS AO CASO DA AUTORA INEXISTÊNCIA DE CULPA IMPOSSIBILIDADE DE SE RESPONSABILIZAR O RÉU MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO." (TJPR 0524024-2 Apelação Cível 9ª Câmara Cível Rel. Eugenio Achille Grandinetti J. 02/06/2011 DJe 16/06/2011). Tendo isso por pressuposto, não parece ser possível dizer que o apelado agiu culposamente ou que deixou de empregar, diante das circunstâncias, as melhores técnicas no tratamento do apelante. Vejamos a decorrência cronológica dos fatos. O apelante buscou o médico apelado, no dia 10 de outubro de 2010, porque possuía alguns ferimentos em sua mão. Foi-lhe indicado que as lavasse com os produtos indicados (fl. 20). Na medida em que essas primeiras medidas receitadas não surtiram efeito, o médico então pediu, menos de um mês depois da primeira consulta, um exame para leishmaniose (fl.21), já que os sintomas apresentados indicavam a possibilidade dessa doença. Considerando que esse primeiro exame apontou
para inexistência dessa enfermidade (fl. 22), o apelado solicitou outro teste para ter certeza do resultado. Cabe destacar que essa atitude do médico de insistir no diagnóstico jamais indica sua negligência para com o paciente, como afirma o apelante. Demonstra, sim, sua preocupação em ter certeza sobre a doença, principalmente quando se considera a possibilidade de resultados falso-negativos. Como dito pelo perito: "Mais uma vez, o requerido solicitou os exames complementares recomendados para o caso em tela. Foi realizada a sorologia para pesquisa de anticorpos antilehsmania (resultado negativo) e pesquisa direta de protozoários pela punção da lesão (resultado positivo)." (fl. 206, grifos no original). Tão certa é a prudência da conduta do médico, que esse segundo exame, mais específico, e datado de 29/11/2000 (fl. 57), efetivamente comprovou suas suposições ao apresentar resultado positivo. Como se vê, em resumo, se o apelante apenas reclamou das feridas cutâneas e não se queixou de outros problemas pulmonares, se as feridas possuíam aspecto semelhante àquele deixado pela leishmaniose e se existia exame específico apontando a existência dessa doença, é certo que o apelado foi prudente em seu agir e em suas conclusões. Foi por essa razão que passou a medicar o autor, a partir de 29/11/2000, com as injeções que visavam curar a leishmaniose.
Aqui, cabe tecer alguns comentários acerca da biópsia de fl. 54, que foi realizada pelo apelante em 25/11/2000 a pedido de outro médico, Dr. Gilberto dos Santos, e que concluiu, em 29/11/2000, pela existência da doença de blastomicose sul-americana. O apelante alega que o apelado fora negligente por desconsiderar o resultado dessa biópsia e manter o tratamento da leishmaniose. Segundo afirma, isso teria agravado sua enfermidade e trazido danos irreparáveis para sua saúde, o que ensejaria sua responsabilização pela aplicação da teoria da perda de uma chance. Não parece ser cabível a alegação do apelante. A biópsia ficou pronta em 29/11/2000, mas o médico apelado apenas dela tomou conhecimento dias mais tarde. O próprio autor afirma que somente levou o resultado da biópsia depois de iniciada a aplicação daquelas injeções receitadas (ou seja, após a data de 29/11/200). É importante ressaltar que, embora ocorra hoje a incapacidade do apelante, ela não está relacionada à lesão cutânea e sim à lesão pulmonar crônica e que possivelmente já existia anteriormente à lesão de pele conforme analise do perito (fl. 224). É que em 21/12/2000, ou seja, aproximadamente duas semanas depois do apelado saber do resultado da biópsia, o apelante já estava realizando o tratamento correto para a Blastomicose com o Dr. Maurício Alves (fl. 23). O início do tratamento correto se deu logo em seguida e a demora de melhor diagnóstico não foi suficiente para afirmar a existência de um dano decorrente da conduta do médico. O perito afirma: "O atraso do diagnóstico correto e consequente
instituição do tratamento específico não acarretou danos ao requerente uma vez que tal atraso no tratamento pouco influenciou a evolução da doença em decorrência de outros fatores próprios do autor (tabagismo e idade acima e 50 anos);" (fl. 217, grifos no original). O médico apelado desde o início agiu visando o tratamento adequado do apelante. Realizou os exames e receitou os medicamentos para tanto. Ao desconsiderar a biópsia de fl. 54, retardou o melhor diagnóstico, mas, como visto, isso não foi capaz de gerar danos efetivos ao apelado. Como indicado na sentença: "(...) especificamente em relação à conduta médica do réu, o Laudo Pericial de fls. 195/232, é bastante explicativo e esclarecedor e concluir que não houve diagnóstico errado por parte do réu (fls. 222, quesito 09), mencionando que embora o réu tenha "falhado" (fls. 212) quando não considerou o exame de biópsia onde era demonstrada a presença de fungo e não de protozoário, não é possível atribuir a lesão permanente no pulmão do autor à conduta do réu" (fl. 294, grifo e negrito no original). Aliás, considerando que a blastomicose tem evolução lenta e crônica, ao passo que a leishmaniose se desenvolve mais rapidamente e pode ser completamente revertida se tratada no estágio inicial (fl. 220), não parece totalmente despropositada a atitude do
apelado de tratar primeiro esta doença e depois aquela, segunda consta nas suas declarações de fls. 62 e 254. Há de se analisar nexo de causalidade entre a conduta do médico e o dano. É dessa análise que decorre o direito do autor. Mesmo com a inversão do ônus da prova isso não dispensa o autor de produzir prova sobre o fato constitutivo de seu direito. Não se pode afirmar, portanto, que estejam caracterizados os danos morais pleiteados. Tratando-se de obrigação de meio, em que o resultado não é o objeto do contrato, o apelante estava ciente de que teria que se submeter a realizar exames e tomar medicamente que nem sempre acabam por atingir a finalidade desejada. Sabia que teria de arcar com custos para o diagnóstico e tratamento de sua enfermidade, os quais, inclusive, foram necessários para se chegar à correta conclusão sobre a moléstia. O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos danos materiais. Nada mais adequado do que tratar uma doença quando se tem exame constando-a. Também não é possível atribuir ao apelado a obrigação de pagar todas as despesas que o apelante terá para o resto de sua vida em razão da doença, principalmente quando se considera que ela não passou a existir e não foi agravada pela atuação do apelado. Enfim, considerando que inexiste qualquer nexo de causalidade entre os danos alegados e a conduta do apelado, não estão caracterizados os requisitos da responsabilidade civil para que sejam acolhidos os pleitos indenizatórios do autor.
Pelo exposto, nego provimento ao recurso de apelação e mantenho a sentença da juíza Carina Daggios.
III DECISÃO Acordam os Membros Integrantes da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em negar provimento, ao recurso de apelação, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Desembargador José Laurindo de Souza Netto, sem voto, dele participando os Desembargadores Guimarães da Costa (Revisor) e Jorge de Oliveira Vargas. Curitiba, 11 de abril de 2013. Roberto Portugal Bacellar Relator Designado
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