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Acórdão
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0998815-8 DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE TELÊMACO BORBA
AGRAVANTE: LEONI DE FÁTIMA
AGRAVADOS: RITA DE CÁSSIA TIBURCIO RIBAS; ELZA MARIA TIBURCIO RIBAS GIMENEZ; JURANDIR ANTONIO GIMENEZ; WALTER MANOEL TIBURCIO RIBAS; SILVANA PANEK RIBAS e PAULO SÉRGIO TIBURCIO RIBAS
RELATOR: Desembargador MÁRIO HELTON JORGE PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR. NULIDADE POR OFENSA À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. INOCORRÊNCIA. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA LIMINAR DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IMÓVEL PARTILHADO EM FAVOR DOS HERDEIROS (AGRAVADOS). POSSE DA AGRAVANTE DECORRENTE DO EXERCÍCIO DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO (CC, ART. 1.831 E LEI 9.278/96, ART. 7º). REGIME DE BENS. IRRELEVÂNCIA. RECURSO PROVIDO. O direito real de habitação se estende ao companheiro sobrevivente (Lei 9.278/96, art. 7º, parágrafo único), sendo irrelevante perquirir sobre o regime de bens aplicável à partilha (CC, art. 1831). Sendo legítimo o exercício da posse, mostra-se descabida a concessão de liminar de reintegração. Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de Agravo de Instrumento nº 0998815-8, da Vara Cível da Comarca de Telêmaco Borba, em que é agravante LEONI DE FÁTIMA e agravados, RITA DE CÁSSIA TIBURCIO RIBAS; ELZA MARIA TIBURCIO RIBAS GIMENEZ; JURANDIR ANTONIO GIMENEZ; WALTER MANOEL TIBURCIO RIBAS; SILVANA PANEK RIBAS e PAULO SÉRGIO TIBURCIO RIBAS. I EXPOSIÇÃO DOS FATOS
A ré-reconvinte, LEONI DE FÁTIMA, interpôs recurso de agravo de instrumento contra a decisão (fls. 19/21-TJ) que deferiu a liminar, fixando multa diária de R$ 100,00, para o caso de descumprimento, limitada a R$ 10.000,00, na Ação de Reintegração de Posse, ajuizada por RITA DE CÁSSIA TIBURCIO RIBAS; ELZA MARIA TIBURCIO RIBAS GIMENEZ; JURANDIR ANTONIO GIMENEZ; WALTER MANOEL TIBURCIO RIBAS; SILVANA PANEK RIBAS e PAULO SÉRGIO TIBURCIO RIBAS.
Em suas razões recursais (fls. 04/18), alegou que a decisão é nula, eis que prolatada antes que se lhe oportunizasse a impugnação aos documentos juntados pelos agravados ("transcrição imobiliária e notificação extrajudicial"), conforme determina o art. 398
do CPC, havendo violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Disse que não estão presentes os requisitos para a concessão da liminar, eis que os agravados comprovaram o domínio e não a posse, a qual é exercida por si de modo legítimo, "porque decorrente da união estável mantida com o pai dos Agravados, não havendo, pois, que se falar em esbulho". Ressaltou que, não tendo havido posse, pelos agravados, ou esbulho, de sua parte, não há como "estabelecer-se data da turbação ou do esbulho e, tampouco, há que se falar em perda da posse". Asseverou que a existência de união estável, superior a 10 anos, lhe garante o direito real de habitação, mesmo que o imóvel tenha sido adquirido pelo falecido antes da constituição da união, independentemente, ainda, do regime de bens aplicável, já que a intenção da lei é a "garantia mínima de subsistência". Pediu a antecipação da tutela recursal, bem como o provimento do recurso.
O efeito suspensivo foi concedido (fls. 68/75).
O juiz "a quo" comunicou a manutenção da decisão (fl. 79) e o cumprimento do artigo 526 do CPC (fl. 79 e fls. 81/82).
Os agravados ofereceram contrarrazões, pugnando pelo não provimento do recurso (fls. 84/101). II VOTO E SEUS FUNDAMENTOS
Não há óbice ao conhecimento do recurso, eis que preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
A alegação dos agravados, de que a agravante "nem mesmo reside no local" (fl. 91), ou seja, no imóvel objeto do litígio, é nova, ou seja, não foi deduzida na inicial, até porque é contrária à alegação feita na ocasião, no sentido de que "estão tendo a posse perante o imóvel esbulhada pelo ato da Requerida em permanecer no imóvel" (fl. 47-TJ).
Assim, se a agravante não mais reside no local, esse fato deve ser comprovado e submetido à análise do juiz "a quo".
Não há nulidade por não ter sido intimada a agravante para se manifestar sobre os "documentos" juntados pelos agravados.
Aparentemente, os documentos juntados, ou são públicos (fls. 149/156-TJ), ou já eram do conhecimento da agravante (fls. 158/159-TJ), que, por sinal, não os impugnou em seu aspecto formal ou quanto ao seu teor.
Ademais, a liminar poderia ser deferida inaudita altera parte, ou seja, sem a prévia oitiva da parte contrária, estabelecendo-se, a posteriori, o contraditório.
Assim, não se pode falar em violação ao art. 398, do CPC, ou em ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório.
Prosseguindo, insta destacar que, com a abertura da sucessão, transmite-se desde logo a herança aos herdeiros legítimos e testamentários (CC, art. 1784), ou seja, inclusive a posse dos bens, ainda que indireta.
Nos dizeres da doutrina, "Os herdeiros, mesmo sem o saber, já serão donos da herança, tendo, quando nada, posse indireta" (Direito Civil Curso Completo, César Fiuza, Editora Del Rey 11ª Edição, pá. 991).
Nada impede, portanto, que se valham da ação possessória para se defender de eventual turbação ou esbulho, inclusive com pleito de liminar.
No caso, porém, essas questões podem ser relegadas à sentença, quando poderão ser analisadas com maior profundidade, bastando, no caso, para a reforma da decisão agravada, a consideração ao fato de que a posse da agravante decorre do exercício do direito real de habitação.
A existência da união estável é incontroversa, eis que admitida pelos próprios agravados, sendo, também incontroverso, que o imóvel cuja reintegração se pediu foi aquele em que o falecido residiu com a agravante.
Não há dúvida de que o direito real de habitação se estende ao companheiro ou convivente em união estável, por força, inclusive, de disposição legal expressa ("Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família", Lei 9.278/96, art. 7º, parágrafo único).
No mesmo sentido, destaca-se da doutrina:
"O Código Civil, no art. 1831, reconhece expressamente o direito real de habitação aos cônjuges, mas não faz qualquer referência aos companheiros. Pois bem, malgrado o silêncio do Estatuto Civil a respeito do direito real de habilitação do companheiro, é de se concluir pela sua efetiva existência, em razão da incidência do Parágrafo Único do art. 7º da Lei nº 9.278/96, que não foi revogado pela superveniência da Lei Civil, conforme entende majoritariamente a doutrina brasileira. (...). De fato, não se pode cogitar da existência do direito real de habitação em favor do cônjuge e negar-lhe ao companheiro, sob pena de afronta ao Texto
Constitucional. Por isso, até que sobrevenha lei, reconhecendo o direito de habitação ao companheiro, impõe-se aos juristas uma interpretação conforme a Constituição Federal, admitindo tal direito aos conviventes, (...)" (Curso de Direito Civil Famílias, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Editora JusPodivm, 5ª Edição, pág. 577/578).
Outrossim, já decidiu o STJ:
DIREITO CIVIL. SUCESSÃO. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. POSSIBILIDADE. VIGÊNCIA DO ART. 7° DA LEI N. 9.278/96. RECURSO IMPROVIDO. 1. Direito real de habitação. Aplicação ao companheiro sobrevivente. Ausência de disciplina no Código Civil. Silêncio não eloquente. Princípio da especialidade. Vigência do art. 7° da Lei n. 9.278/96. Precedente: REsp n. 1.220.838/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 27/06/2012. 2. O instituto do direito real de habitação possui por escopo garantir o direito fundamental à moradia constitucionalmente protegido (art. 6º, caput, da CRFB). Observância, ademais, ao postulado da dignidade da pessoa humana (art. art. 1º, III, da CRFB). 3. A disciplina geral promovida pelo Código Civil acerca do regime sucessório dos companheiros não revogou as disposições constantes da Lei 9.278/96 nas questões em que verificada a compatibilidade. A legislação especial, ao conferir direito real de habitação ao companheiro sobrevivente, subsiste diante da omissão do Código Civil em disciplinar tal
direito àqueles que convivem em união estável. Prevalência do princípio da especialidade. (...) (REsp 1156744/MG, Rel. Min. MARCO BUZZI, 4ª TURMA, julgado em 09/10/2012).
Por outro lado, é irrelevante o regime de bens adotado, conforme de infere da leitura do art. 1831, do CC:
"Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar".
Assim, pouco importa que o imóvel já pertencesse ao de cujus por ocasião do início da união estável, ao contrário do que concluiu o juiz "a quo", já que o que está em discussão não é partilha (questão, aliás, já ultrapassada no caso, com a divisão do bem entre os herdeiros, exclusivamente). A discussão acerca do regime de bens era relevante na vigência do Código Civil de 1916 (ou em sucessões abertas sob a sua égide, o que não é o caso), que estabelecia o direito ao usufruto em favor do cônjuge casado no regime da separação (CC/1916, art. 1611, §1º).
Em suma, o direito à sucessão hereditária, ou a propriedade adquirida com a sucessão e a partilha, não impede o exercício do direito de habitação, pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente.
Assim, a posse da agravante, em princípio, é legítima, por decorrer do exercício do direito real de habilitação que expressamente a lei lhe confere (CC, art. 1831 e art. 7º, parágrafo único, da Lei 9.278/96), mostrando-se descabida a liminar de reintegração de posse. CONCLUI-SE, portanto, pelo provimento do recurso, para revogar a liminar de reintegração de posse, confirmando- se, assim, o efeito suspensivo inicialmente concedido (fls. 68/75). III DISPOSITIVO
ACORDAM os magistrados integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso para revogar a liminar de reintegração de posse, nos termos do voto e seus fundamentos.
O julgamento foi presidido pelo Desembargador LAURI CAETANO DA SILVA (sem voto) e dele participaram o Desembargador Fernando Paulino da Silva Wolff Filho e o Juiz Substituto em Segundo Grau Fabian Schweitzer.
Curitiba (PR), 31 de julho de 2013.
MÁRIO HELTON JORGE Relator
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