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Acórdão
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SEGURO. SINISTRO. PAGAMENTO DO PRÊMIO EM ATRASO. PRETENSÃO DA SEGURADORA EM EXIMIR-SE DO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA CONFIRMADA. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. "Não subsiste a cláusula de cancelamento automático da apólice, seja porque a resolução da avença é de ser requerida previamente em Juízo, seja porque reputada nula em face do Código Civil (Arts. 1092, parágrafo único, e 1450) e do Código de Defesa do Consumidor (art. 51, incisos IV e XI).
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 199.957-9, de Bocaiúva do Sul - Vara Cível, em que é apelante Bradesco Seguros S.A. e apelados Marcos Aurélio de Mira, Helmut Aurélio de Mira e João Batista de Souza. 1. Trata-se de recurso de apelação ofertado contra a sentença proferida nos autos de ação de ressarcimento de danos causados em acidente de veículo terrestre, ajuizada por João Batista de Souza e sua mulher Iza de Souza contra Helmut Jorge Moser e Marcos Aurélio de Mira, nela figurando a Bradesco Seguros S.A. como litisdenunciada. A respeitável sentença de fls. 216 usque 222, houve por bem em: a)- excluir Helmut Jorge Moser do pólo passivo, condenando os autores ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 03 (três) salários mínimos; b)- acolher o pedido em relação a Marcos Aurélio de Mira, condenando-o a indenizar os autores nas importâncias de R$ 9.650,00 (nove mil, seiscentos e cinqüenta reais), relativas aos danos sofridos no veículo, e R$ 7.299,42 (sete mil, duzentos e noventa e nove reais e quarenta e dois centavos), relativas às despesas e honorários médicos, remédios e cadeira de rodas, acrescidas de correção monetária e juros de mora, mais custas e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor da condenação; c)- julgar procedente a denunciação a lide, condenando a Bradesco Seguros S.A. a reembolsar o litisdenunciante até o limite previsto na apólice, mais custas e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre referido valor. O inconformismo é de parte da Bradesco Seguros S.A., que negando a qualidade de litisdenunciada, argumenta que estaria isenta do pagamento de qualquer indenização, à vista da ausência do pagamento do prêmio de parte do segurado, que tendo pago apenas duas parcelas, estaria coberto apenas por 45 (quarenta e cinco) dias, findando sua obrigação em 07 de março de 2000, enquanto que o acidente ocorreu em 09 de março daquele ano, portanto, fora do período de vigência. Foram apresentadas contra-razões defendendo a manutenção da sentença recorrida, para tanto asseverando que a ausência de pagamento deve ser debitada à apelante que não teria encaminhado o indispensável carnê. Ademais, em se tratando de relação protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, caberia à apelante a prova de que teria entregue o referido carnê. Preparo e remessa regulares. É o relatório. 2. Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, seu conhecimento se impõe. A apelante, desde a primeira hora, não aceitou a denunciação porque apesar de ter sido firmado o contrato de seguro de responsabilidade civil (fls. 63/64), o segurado apelado não teria pago o prêmio integral. Segundo argumenta, do total de 10 (dez) parcelas, o segurado pagou apenas 2 (duas), correspondente a 21,10 daquele, o que implicaria em cobertura de 45 (quarenta e cinco dias), a teor da circular expedida pela Susep (nº 67, de 25.11.98). E como o contrato foi firmado em 21 de janeiro de 2000, a cobertura securitária findou em 07 de março de 2000, não alcançando, pois, a data do sinistro, ocorrida em 09 de março de 2000. Ocorre que o segurado apelado afirmou que o seguro foi contratado em operação casada, por ocasião da obtenção do financiamento para compra do veículo envolvido no acidente, tendo pago a primeira parcela contra-recibo (fl. 120), e que até o vencimento da segunda (fl. 121), não teria recebido o correspondente carnê, o que se concretizou apenas em 17 de março de 2000, com a sua entrega, acompanhada do certificado de seguro e manual do segurado (fl. 122), oportunidade em que teria promovido os respectivos pagamentos. A respeitável sentença, apreciando a controvérsia, invocando as regras do Código de Defesa do Consumidor com o fim de inverter o ônus da prova, afirmou que a seguradora não fez prova da entrega do carnê de pagamento, assegurando-lhe, portanto, a indenização perseguida. Evidentemente, embora a litisdenunciada não tenha aceito a denunciação a lide, a questão sub judice reclamava decisão de parte do Juízo "a quo". Nesse sentido a melhor orientação: "Cabe ao juiz decidir a controvérsia daí decorrente (RP 6/307, em. 59), pois é óbvio que o simples fato de negar a qualidade de listisdenunciado, se esta ocorre, não poderá deixar de ser parte no processo e forrar-se aos seus efeitos" (RSTJ 2/323, do voto do Min. Eduardo Ribeiro à p. 326; JTA 55/202, 56/92, in "CPC e legislação processual em vigor", 32ª edição, pág. 178, Theotonio Negrão). Quanto ao mérito, quer me parecer que a questão referente ao atraso do pagamento das parcelas, deve ser examinada sobre outra ótica, sem com isso desnaturar a "causa petendi", pois esta segundo definem os doutos "é o fato ou o conjunto de fatos suscetível de produzir, por si, o efeito jurídico pretendido pelo autor" (STJ - 4ª Turma, Resp 2.403-RS, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 28.8.90, não conheceram, v.u., DJU 24.9.90, p. 9.983), até porque o nosso direito sempre prestigiou a aplicação dos aforismos: "Da mihi factum, dabo tibi jus", "Jura novit curia". O Juiz aplica o direito ao fato, ainda que aquele não tenha sido invocado. Com efeito, a questão a ser dirimida é se os atrasos no pagamento do prêmio implicam na rescisão automática do seguro. A doutrina e a jurisprudência dizem que não. O sempre preciso ARNALDO RIZZARDO assim doutrina: "Na verdade, a mora do segurado suspende os efeitos do contrato em relação à indenização, tanto que o art. 1450 do Código Civil, pelo atraso na satisfação do prêmio, prevê o pagamento dos juros legais: "O segurado presume-se obrigado a pagar os juros legais do prêmio atrasado, independentemente de interpelação do segurador, se a apólice ou os estatutos não estabelecerem maior taxa. Possibilitando a norma o pagamento dos juros na hipótese de mora, não permite o cancelamento puro e simples da apólice. Simplesmente fica suspensa a eficácia do contrato enquanto não realizada a condição do pagamento. Uma vez efetivada, com os encargos inerentes, é exigível a indenização, com efeito "ex tunc". Válida a lição de Pontes de Miranda: "A cláusula de preclusão ou resolução do contrato, isto é, a cláusula que estabeleça prazo para pagamento dos prêmios, findo o qual se tenha como resolutivo o contrato (resolução por inadimplemento), é ilícita. À empresa seguradora cabe pedir em juízo a resolução do contrato. Enquanto não está pago o prêmio, vinculado está o segurador. Daí a vantagem da cláusula de suspensão da eficácia: suspende-se a eficácia contra o segurador e fluem os juros, com a dívida ou com as dívidas dos prêmios. Se o art. 1450 traz a previsão da incidência de juros em caso de mora, está evidente a inviabilidade de resilição ou do cancelamento, impondo-se a interpretação para permitir a purgação dos valores devidos, pouco valendo cláusula dispondo em contrário. Ao segurador simplesmente se autoriza suspender o ressarcimento enquanto não satisfeito o preço. E para que o contraente cumpra o avençado, é preciso que preste todos os prêmios devidos e os juros de mora, que são os legais, se não houver convenção a respeito. Se a purga é procedida em juízo, há de envolver as custas e mais as despesas desembolsadas pelo segurador. Em suma, não se apresenta válido, sob a alegação de falta de pagamento de prêmio de seguro, rescindir unilateralmente o pacto respectivo." ("Contratos", vol. III, pág. 834, Aide Editora). In casu, a seguradora apelante sequer trouxe aos autos cópia das condições gerais do contrato de seguro, contentando-se com mera referência aos termos da Circular Susep nº 67, de 25 de novembro de 1998, como se isso fosse suficiente para rescindir de pleno direito aquele. A respeito do tema a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido que: "Seguro. Inadimplemento da segurada. Falta de pagamento da última prestação. Adimplemento substancial. Resolução. A companhia seguradora não pode dar por extinto o contrato de seguro, por falta de pagamento da última prestação do prêmio, por três razões: a) sempre recebeu as prestações com atraso, o que estava, aliás, previsto no contrato, sendo inadmissível que apenas rejeite a prestação quando ocorra sinistro; b) a segurada cumpriu substancialmente com sua obrigação, não sendo a sua falta suficiente para extinguir o contrato; c) a resolução do contrato deve ser requerida em juízo, quando será possível avaliar a importância do inadimplemento, suficiente para a extinção do negócio. Recurso conhecido e provido" (Recurso Especial 76362/MT, j. 11.12.95, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 01.04.96, pág. 9917). Ainda: "Seguro. Cláusula de cancelamento automático do contrato em caso de atraso no pagamento do prêmio. Insubsistência em face do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Não subsiste a cláusula de cancelamento automático da apólice, seja porque a resolução da avença é de ser requerida previamente em Juízo, seja porque reputada nula em face do Código de Defesa do Consumidor (art. 51, inciso IX e XI). Recurso conhecido, em parte, e provido" (Recurso Especial nº 323.186/SP, j. 06.09.2001, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 04.02.2002). Consequentemente: "SEGURO. CLÁUSULA PREVENDO CANCELAMENTO AUTOMÁTICO DO CONTRATO EM CASO DE ATRASO NO PAGAMENTO DO PRÊMIO. INSUBSISTÊNCIA. CÓDIGO CIVIL E DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1) Não subsiste a cláusula de cancelamento automático da apólice, seja porque a resolução da avença é de ser requerida previamente em Juízo, seja porque reputada nula em face do Código Civil (Arts. 1092, parágrafo único, e 1450) e do Código de Defesa do Consumidor (art. 51, inciso IV e XI). Entendimento do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido. 2) Apelação conhecida e provida." (TA-Pr., ap. civ. 179.268-1, de Paranavaí, 1ª Vara Cível, , 9ª Câmara Cível, julgamento 17.08.2002, rel. Juiz Luiz Cezar Nicolau). Diante desta quadra de considerações, proponho que se negue provimento ao recurso, confirmando-se a respeitável sentença, na parte atacada, por sua conclusão, autorizando-se a Apelante a abater do valor devido as parcelas vencidas e vincendas após o evento danoso. 3. Por tais razões, ACORDAM os Senhores Juízes integrantes da Nona Câmara Cível, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso. O julgamento foi presidido pelo Senhor Juiz HAMILTON MUSSI CORRÊA, sem voto, dele participando os Senhores Juízes JOSÉ AUGUSTO GOMES ANICETO e LUIZ CEZAR NICOLAU. Curitiba, 20 de setembro de 2002. Juiz WILDE DE LIMA PUGLIESE - relator
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