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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1102995-5, DE FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 5ª VARA CÍVEL APELANTES: ESPÓLIO DE IRINEU LUIZ MAESTRELLI ROSEMARY MAESTRELLI APELADO: UNIVERSAL EMPREENDIMENTOS LTDA RELATORA: DESª DENISE KRÜGER PEREIRA APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C INDENIZAÇÃO CONCESSÃO DE JAZIGOS EM CEMITÉRIO VERTICAL INADIMPLEMENTO NO PAGAMENTO DAS TAXAS DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL DESCABIMENTO EXORDIAL INSTRUÍDA COM TODOS OS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS À PROPOSITURA DA DEMANDA, CONFORME DETERMINA A LEI PROCESSUAL NULIDADE DA SENTENÇA INOCORRÊNCIA OMISSÃO QUE DEVERIA TER SIDO ARGUIDA EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DESNECESSIDADE, ADEMAIS, DE O MAGISTRADO SE MANIFESTAR SOBRE TODOS OS ARGUMENTOS VENTILADOS PELAS PARTES EXIGIBILIDADE DAS TAXAS DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO VERIFICADA CESSIONÁRIO QUE ADIMPLIU COM OS PAGAMENTOS DURANTE ANOS A FIO, REPENTINAMENTE DEIXANDO DE ARCAR COM AS TAXAS COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO VIOLAÇÃO AOS DEVERES DE BOA-FÉ E INFORMAÇÃO CONTRATUAL PREVISÃO EXPRESSA DE RESCISÃO EM CASO DE INADIMPLEMENTO PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL RESCISÃO CABIDA SENTENÇA MANTIDA RECURSO DESPROVIDO VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1102995-5, de Foro Central da Comarca da Região
Metropolitana de Curitiba 5ª Vara Cível, em que são Apelantes ESPÓLIO DE IRINEU LUIZ MAESTRELLI E OUTRO e Apelado UNIVERSAL EMPREENDIMENTOS LTDA. I Trata-se de Ação de Rescisão Contratual c/c Indenização movida por Universal Empreendimentos em face de Espólio de Irineu Luiz Maestrelli e outro, em razão de Contratos de Compromisso de aquisição de lóculos que previam pagamento de taxas de manutenção, as quais não foram pagas pelos réus. Sobreveio Sentença (f. 308/320), julgando procedentes os pedidos iniciais para decretar a rescisão dos contratos e condenar os réus, solidariamente, ao pagamento de indenização, correspondente ao valor das taxas mensais de manutenção e conservação, a ser apurada em sede de liquidação de sentença por arbitramento, de setembro de 2002 a 21/10/2008, inclusive, acrescida de juros moratórios em 1% ao mês e correção monetária pela variação do INPC/IGP-DI a partir de cada vencimento, até o pagamento. Pela sucumbência, condenou os requeridos, ainda, ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios em 15% sobre o valor da condenação. Para tanto, assim fundamentou: (a) tendo em vista a manifestação da requerida (esposa), em duas oportunidades, pelo seu interesse sobre os contratos em discussão, evidente que deve integrar a lide, visto que versa sobre fatos que dizem respeito a ambos os cônjuges, na forma do art. 10, §1º, do CPC; (b) embora sustentem os réus que, sem a prova da necessidade de pagamento da taxa de manutenção e conservação, esta não
poderia ser cobrada, eles próprios reconheceram a necessidade, visto terem pagado, durante anos, a taxa; (c) ademais, a demanda ajuizada pelo réu em face da autora perante a 12ª Vara Cível não discutia esta taxa, mas aquela que estipulava cobrança em caso de cessão a terceiro; (d) tais condutas refletem violação ao dever do art. 422 do Código Civil, visto que contraditórias a suas condutas anteriores, pelas quais reconheceram a validade das cobranças; (e) esta validade é reconhecida pelo TJPR, com respaldo no art. 415 do CC; (f) tendo em vista o pagamento da taxa até 2002, certo que, deixando de fazê-lo, autorizada está a rescisão do contrato, incumbe-lhes pagar os valores devidos até o requerimento extrajudicial de rescisão formulado pela autora em 21/10/2008; (g) a fixação do valor devido pode se dar por liquidação de sentença, de setembro de 2002 até 21/10/2008; (h) descabida a indenização pela autora em favor dos réus, visto se tratar de exercício regular de direito (no caso, à rescisão do contrato e cobrança de valores devidos). Irresignados, os requeridos interpuseram Recurso de Apelação (f. 324/327), aduzindo, em síntese: (a) a sentença há de ser anulada ante a não manifestação acerca dos argumentos da contestação sobre a obrigatoriedade de apresentação dos balancetes contábeis que deveriam comprovar a legitimidade da cobrança e a certeza do valor exigido; (b) a petição inicial não atende as exigências do art. 284 do CPC, o que, a despeito de alegado na contestação e outras petições, não foi analisado pelo Juízo a quo; (c) a sentença enceta enriquecimento ilícito, visto que o próprio contrato previa carência para cobrança de eventuais taxas, desde que provadas; (d) a quitação da compra dos lóculos impede a anulação, sob pena de ofensa ao CDC; (e) não restou provada a inadimplência dos réus, o que exigiria demonstração da necessidade do pagamento da taxa; (f) a sentença ofende o princípio da proporcionalidade, até porque não caberia a rescisão de contrato
quitado, inclusive à vista. O recurso foi recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo (f. 13). A requerente ofereceu contrarrazões às f. 332/337. É a breve exposição. II VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: Presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato impeditivo ou extintivo) e extrínsecos (tempestividade, preparo e regularidade formal), conheço do recurso e passo à análise do mérito. Cinge-se a controvérsia à rescisão de contratos de compromisso de aquisição de jazigos entre as partes, em razão do inadimplemento dos requeridos quanto ao pagamento da taxa de manutenção e conservação. 1. Do indeferimento da petição inicial Afirmam os apelantes que a petição inicial não atende as exigências do art. 284 do CPC, segundo o qual incumbe ao autor acostar à inicial os documentos indispensáveis à propositura da demanda. Isso porque a autora não teria juntado aos autos documentos que efetivamente comprovem a necessidade de cobrança da taxa em discussão, a qual, segundo afirmam os
requeridos/apelantes, não detém caráter de obrigatoriedade, somente sendo devida quando efetivamente necessário o pagamento. Não lhes assiste razão. É que a tese da apelada é justamente no sentido de que a taxa discutida se revela devida e necessária em razão do pagamento anterior, durante anos a fio, pelos requeridos a este título, de modo que não mais lhes caberia discutir o cabimento da cobrança. Assim, analisando-se a tese lançada, o documento em questão que demonstrasse a necessidade de cobrança não se revela imprescindível à propositura da ação. De outro vértice, satisfeitos os requisitos do art. 282, não há motivos para o indeferimento da inicial, motivo pelo qual a pretensão neste sentido não merece prosperar. 2. Da anulação da sentença Postulam ainda para que se proceda à anulação da sentença, em virtude de não ter o magistrado singular apreciado o argumento versante sobre a obrigatoriedade de apresentação, pela autora, dos balancetes contábeis que deveriam comprovar a legitimidade da cobrança e a certeza do valor exigido. Novamente, sem razão.
O instrumento recursal cabível para o fim de sanar vício de omissão consiste nos Embargos de Declaração, disciplinado na forma do art. 535 do CPC, de modo que, não tendo o vício sido arguido no momento certo e pela via adequada, resta preclusa a possibilidade de discussão neste momento processual. Assim, o Recurso de Apelação, neste tocante, carece de cabimento, requisito de admissibilidade intrínseco que, ausente, impede o conhecimento do apelo. Diante disto, o recurso não merece conhecimento neste ponto. Ademais, ainda que conhecível fosse, não haveria que se acatar a argumentação quanto ao vício de omissão, visto que, como é cediço na jurisprudência pátria, ao julgador não é imperativo que se pronuncie acerca de todas as teses argumentativas ventiladas pelas partes, bastando que a decisão se embase em fundamentação completa e coerente, apreciando ainda todos os pedidos formulados. 3. Do mérito Vencidas as alegações preliminares, incumbe, no que atine ao mérito do recurso, estabelecer se as taxas em discussão a título de manutenção e conservação se revelam efetivamente passíveis de cobrança no caso, ou se sua exigência é descabida. Pois bem.
Neste tocante, veja-se o que dispõem os instrumentos contratuais firmados entre as partes: 3.3 - MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO A receita obtida dos alugueis do bar, lanchonete, floricultura e outros serviços sujeitos à locação, será aplicada na manutenção e conservação, complementada, se necessário, com uma taxa paga pelos concessionários dos lóculos perpétuos, a ser estipulada pela Administradora após estar a Necrópole em atividade. 3.3.1 - A taxa de manutenção é devida ainda que não utilizado o lóculo do presente compromisso. 3.3.2 - A taxa de manutenção não inclui serviços de inumação ou exumação, assim como outros específicos que deverão ser pagos segundo as tabelas então vigentes. Como se vê, restou pactuado que ocorreria, caso necessário, a cobrança de taxa de manutenção e conservação em face dos concessionários dos lócuplos. No caso, é incontroverso que o pagamento foi realizado pelo cessionário durante anos a fio (da entrada em atividade da Necrópole até 2002, quando iniciou o inadimplemento), somente após tendo se insurgido quanto à legitimidade das cobranças. Ora, é contraditório que, entre 1986 e 2002 ou seja, durante dezesseis anos o cessionário tenha se resignado ao pagamento da taxa em questão sem nada exigir em face da cedente no sentido de que demonstrasse a necessidade e o cabimento das cobranças, para somente após passar a contestá-las. Se, durante todo o período em que efetuou os pagamentos na forma contratualmente estabelecida, o cessionário jamais
exigiu a demonstração da "efetiva necessidade" de pagamento dos valores, por que então, apenas a partir de setembro de 2002 passou a questionar tal necessidade? A dificuldade em responder satisfatoriamente tal questionamento conduz à conclusão de que, conforme aduzido pela apelada, o novo comportamento dos apelantes em deixar de arcar com as taxas afigura-se contraditório com o comportamento que antes adotavam, em violação do preceito do non venire contra factum proprium. Outrossim, vislumbra-se que, por efetuar o pagamento das taxas durante tão extenso período de tempo, o cessionário conformou um padrão de comportamento, ante as obrigações e direitos contratuais, cuja continuidade passou a ser legitimamente esperada pela outra parte contratante a cedente, ora apelada. Neste contexto, não se coaduna com o princípio da boa-fé contratual, encartado na disposição do art. 422 do Código Civil, que o cessionário simplesmente tenha cessado com os pagamentos, sem comunicar à cedente seu interesse em consultar os balancetes financeiros mensais a fim de ver demonstrada a necessidade da cobrança em questão. Sob este prisma, a interrupção do pagamento, de uma hora para outra, sem sequer haver contestação quanto à cobrança, fere a necessidade de cooperação, informação e boa-fé entre as partes. Destarte, ante a configuração do inadimplemento, o instrumento contratual previa:
3.5.1 - O não pagamento das despesas de manutenção e conservação correspondente e de funcionamento, previsto na cláusula 3.3, por prazo superior a 3 (três) anos, implicará na caducidade da concessão que ficará rescindida de pleno direito, não ensejando, em nenhuma hipótese, a reabilitação que, contudo, poderá ser, a critério exclusivo do PROMITENTE CONCEDENTE, estudada. O prazo será contado do dia imediato ao do vencimento da primeira parcela não saldada a essa rubrica. A rescisão se operará, nesta hipótese, independentemente da notificação ou interpelação administrativa ou judicial, valendo aviso pela imprensa com o prazo de 30 (trinta) dias da sua publicação. Ante a previsão contratual, inarredável a conclusão de que plenamente cabível a pretensão deduzida pela autora, ora apelada, no sentido de obter a rescisão das avenças. E assim porque decorridos mais de três anos, conforme exigido pela cláusula contratual, de inadimplemento com as taxas de manutenção e conservação, ensejando a rescisão, de pleno direito, da concessão. Anote-se, neste particular, que não há que se alegar, como fazem os apelantes, que, uma vez quitado integralmente o preço, não caberia rescisão. É que não se trata de contrato de transferência de propriedade, de compra e venda, mas sim de aquisição de título de perpetuidade, na forma de concessão. É assim que estabelece a cláusula 3.1: PRAZO DA CONCESSÃO O prazo da presente concessão compromissada é indeterminado [...] (grifo nosso)
Tanto é que, conforme já explicitado acima, a inadimplência com o pagamento das taxas devidas importa na rescisão de pleno direito. Extrai-se do teor dos contratos, portanto, que a continuidade da concessão se subordina ao pagamento das devidas taxas e despesas contratualmente estabelecidas. Neste contexto, tampouco há que se falar em enriquecimento ilícito à apelada em decorrência da rescisão, visto que esta se viu tolhida, durante todos os anos de inadimplência dos apelantes, dos valores por estes devidos a título de manutenção e conservação da Necrópole. Trata- se a rescisão, ademais, de consequência contratual expressamente pactuada, não se podendo reputar de enriquecimento ilícito a simples observância dos termos contratados. No mesmo sentido, inclusive, há diversos precedentes emanados deste Tribunal: CIVIL - AÇÃO DE COBRANÇA - CESSÃO DE DIREITO REAL DE USO DE JAZIGO PERPÉTUO - OBRIGAÇÃO CONTRATUAL DO CESSIONÁRIO DE PAGAR AS TAXAS ANUAIS DE MANUTENÇÃO DO CEMITÉRIO - EXIGÊNCIA DESCABIDA DA CONSTRUÇÃO ANTECIPADA DE JAZIGOS - AÇÃO PROCEDENTE - RECONVENÇÃO IMPROCEDENTE. I - Não há cerceamento de defesa, se o fato é confessado pela parte adversa, sendo porém considerado irrelevante para o deslinde da causa. II - Tendo a cessionária pago durante muitos anos seguidos a taxa de manutenção, não pode agora recusá-la, dando ao contrato interpretação diversa, sob pena de comportamento contraditório. III - Não pode ser considerada inadimplida a obrigação ainda inexigível. (AC 530381 PR , 2ª Câmara Cível, Rel. Des. Munir Karam, j. 17/11/1999)
RESCISÃO CONTRATUAL. CONTRATO DE CONCESSÃO ONEROSA DE JAZIGO. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO E MANUTENÇÃO DE CEMITÉRIO. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO. INADIMPLÊNCIA. PROCEDÊNCIA. DECISÃO CONFIRMADA. Demonstrada a inadimplência, pela falta de pagamento das taxas de administração e manutenção, previstas no contrato celebrado entre as partes, julga-se procedente o pedido de rescisão contratual. (AC 716245 PR, 6ª CC, Rel. Des. Accácio Cambi, j. 21/10/1998) AÇÃO SUMÁRIA DE RESCISÃO DE CONTRATO - CONCESSÃO ONEROSA DE JAZIGO PACTUADA ANTES DA VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - CEMITÉRIO PARTICULAR - INADIMPLÊNCIA EM RELAÇÃO À TAXA DE ADMINISTRAÇÃO E MANUTENÇÃO - CONDIÇÃO RESOLUTIVA EXPRESSA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (AC 7545048 PR, 7ª CC, Rel. Des. Luiz Sérgio Neiva de Lima Vieira, j. 19/07/2011) Cabida, assim, a rescisão contratual, e a consequente indenização ao pagamento dos valores inadimplidos, não há que se cogitar da reforma da sentença monocrática.
Ante o exposto, voto pelo desprovimento do Recurso de Apelação, mantendo-se integralmente a sentença monocrática. III DECISÃO: Diante do exposto, acordam os Desembargadores da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora.
A sessão de julgamento foi presidida pela Desembargadora Relatora e dela participaram, e acompanharam o voto da Relatora, os Desembargadores ANTENOR DEMETERCO JUNIOR e LUIZ SÉRGIO NEIVA DE LIMA VIEIRA. Curitiba, 24 de setembro de 2013. Desª DENISE KRÜGER PEREIRA Relatora
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