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APELAÇÃO CRIME Nº 879.397-1, DA COMARCA DE MANGUEIRINHA (Juízo Único). Apelante: MARLI BENITZ. Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
Relator: Des. JOSÉ MAURÍCIO PINTO DE
ALMEIDA. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE CONCUSSÃO POR EXCESSO DE EXAÇÃO (ART. 316, § 2 º, DO CP). TESE ABSOLUTÓRIA POR AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DESCONHECIMENTO DA ISENÇÃO DO ITCMD. ERRO DE TIPO NÃO EVIDENCIADO. INACOLHIMENTO. PETIÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA JUNTADA AOS AUTOS, ALÉM DE A APELANTE TER CONHECIMENTO DA IMPOSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DE VALORES REFERENTES A PAGAMENTO DE IMPOSTOS, E, MESMO ASSIM, RECEBEU VALORES PARA ESSE FIM. PLEITO ABSOLUTÓRIO DIANTE DA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. NÃO ACOLHIMENTO. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO A SUSTENTAR A CONDENAÇÃO. FIXAÇÃO DA PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIA DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ATENUANTE GENÉRICA. EMISSÃO DE RECIBO DE PAGAMENTO DE ITCMD. MENOR CULPABILIDADE DO AGENTE NÃO DEMONSTRADA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA INTEGRALIDADE E DA VOLUNTARIEDADE NA REPARAÇÃO DO DANO. ATENUANTE DA REPARAÇÃO DO DANO. PLEITO NÃO ACOLHIDO. PENA DE MULTA. DIMINUIÇÃO DO VALOR DO DIA-MULTA. VALOR PROPORCIONAL À CAPACIDADE ECONÔMICA DA RÉ. PERDA DO CARGO COMO EFEITO OBRIGATÓRIO DA CONDENAÇÃO (ART. 92, I, A, CP). MOTIVAÇÃO IDÔNEA E ADEQUADA. RECURSO DESPROVIDO. 1.O conjunto probatório é suficiente para concluir que a apelante tinha o conhecimento da isenção do imposto e praticou com consciência e vontade o delito de concussão por excesso de exação. 2.É idônea e suficiente a fundamentação das consequências do crime, para elevar a pena-base acima do mínimo legal, quando se refere à maior ou menor intensidade da lesão jurídica causada pela infração penal à vítima ou a terceiros. 3.Não se reconhece a atenuante inominada, prevista no art. 66 do Código Penal, quando não há situação relevante, ocorrida antes ou depois do crime, que indique menor culpabilidade do agente. 4.Para o reconhecimento da causa de diminuição do arrependimento posterior é necessário que a reparação do dano ou a restituição da coisa seja de forma voluntária e integral. 5.Não se aplica a atenuante da reparação do dano quando não há espontaneidade na conduta da ré por ocorrer interferência externa na devolução dos valores. 6.Não deve ser reduzido O valor da pena de multa fixado em atenção à condição econômica da ré. 7.O art. 92 do Código Penal traz como efeito obrigatório da condenação a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, se o delito houver sido perpetrado com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, hipótese dos autos. I. Trata-se de apelação criminal interposta por MARLI BENITZ, denunciada pela prática, em tese, do crime descrito no art. 316, § 1º, do Código Penal, em decorrência dos seguintes fatos narrados na denúncia:
"No dia treze de junho de 2005, nas dependências do Fórum, situado na Rua Dom Pedro II, 1033, nesta cidade e Comarca de Mangueirinha, a denunciada MARLI BENITZ, dolosamente, consciente da ilicitude de sua conduta, com ânimo de assenhoreamento definitivo, desviou em proveito próprio R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais), pertencentes a Ocir Parise, quantia que lhe foi indevidamente entregue para quitação de tributo estadual (ITCMD) nos autos 436/2004, do Juízo de Mangueirinha. Segundo apurado, em 13.10.2004, através de defensor constituído, Siro Parise e Terezinha Maria Parise ingressaram com pedido de separação judicial consensual junto ao Juízo de Família de Mangueirinha, demanda que foi
autuada sob o n. 436/2004, do Cartório Cível e Anexos, cuja escrivã titular era e é a denunciada MARLI BENITZ. O processo seguiu sua regular tramitação, sendo que no próprio dia 13.10.2004 realizou-se audiência de ratificação, decretando-se a separação judicial do casal, conforme termo de audiência de fl. 19 dos autos 436/2004. Decretada a separação, ainda nos autos 436/2004 do Cartório Cível e anexos, à fl. 20, no dia 23.01.2005, a Fazenda Pública do Estado do Paraná juntou cota informando "que nada tem a opor à presente ação de separação, tendo em vista que não há excesso de meação, não havendo incidência de tributo estadual". (destacamos) Contudo, apesar de inexistir qualquer óbice à expedição de
formal de partilha, haja vista inexistência de imposto a pagar, a Escrivã Cível de Mangueirinha, MARLI BENITZ, ora denunciada, quando procurada pelo Sr. Ocir Parise, filho do casal Siro Parise e Terezinha Maria Parise, informou que mencionado formal ainda não havia sido expedido em face do não pagamento de ITCMD. Em tal ocasião, Ocir Parise, obviamente leigo em questões jurídicas e tributárias e desconhecendo a informação da Fazenda Pública do Estado do Paraná, entregou a Marli Benitz o cheque 850.566, da conta bancária 14.833-4, da agência 2267-5, do Banco do Brasil, no valor de 2.300,0, e o cheque 599628, da conta bancária 028.400.9, agência 3306-5, no valor de R$ 2.500,00, totalizando, portanto, R$ 4.800,00 (quatro mil
e oitocentos reais), que seriam utilizados para quitação do suposto ITCMD, possibilitando posterior expedição de formal de partilha. Contudo, como claramente não havia qualquer imposto a saldar, MARLI BENITZ, que, em face do exercício de sua própria conta bancária, beneficiando-se pessoalmente. Diante da demora na expedição do formal de partilha e desconfiado da conduta da denunciada, Valmor Parise, encetou diligências, descobriu que não havia qualquer imposto a ser pago e que MARLI BENITZ havia ilicitamente se apoderado do numerário pago supostamente para quitar o ITCMD. Por diversas vezes a família Parise tentou obter acesso aos autos 436/2004, para esclarecer a situação, contudo sempre
recebendo respostas evasivas da denunciada. Diante disso, em 27.09.2005, Valmor Parise ingressou com pedido de repetição de indébito em dobro junto à Corregedoria- Geral de Justiça e somente neste momento, quando já não era mais possível ocultar o ilícito, MARLI BENITZ, restituiu a Siro Parise a quantia indevidamente exigida a título de imposto, conforme certidão de fl. 29 dos autos n. 436/2004, do Cartório Cível e Anexos da Comarca de Mangueirinha-PR. Com tal conduta restou incontroversa a vontade livre e consciente de MARLI BENITZ de auferir vantagem indevida em face do exercício do cargo de escrivã (enriquecimento ilícito), mediante desvio do que irregularmente recebeu para
recolher aos cofres públicos" (fls. 02/04).
Julgada procedente a pretensão formulada na denúncia pela r. sentença de fls. 598/620, a nobre julgadora de primeiro grau condenou a ré nas sanções do art. 316, § 2º, do Código Penal, aplicando-lhe a pena definitiva de 2 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e de 20 (vinte) dias-multa, no valor de 01 (um) do salário-mínimo vigente à época dos fatos. A pena corporal foi substituída por 02 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à entidade pública e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário- mínimo mensal a entidade de assistência social. Ainda, nos termos do art. 92, inciso I, alínea "a", do Código Penal, foi decretada a perda do cargo ocupado pela ré Marli Benitz, qual seja, o de Escrivã da Vara Cível e Anexos da Comarca de Mangueirinha. Condenou-a, igualmente, ao pagamento das custas e despesas processuais.
A ré interpôs recurso de apelação, alegando, em síntese, que: a)-é ausente o dolo na conduta; b)-restou duvidosa a existência do telefonema de cobrança, como a pessoa que atendeu a ligação sequer foi ouvida em Juízo; c)-a ré não tinha pleno conhecimento do teor da petição da Receita Estadual do Estado do Paraná, juntada no dia 28.01.2005, eis que o auxiliar de cartório foi quem recebeu os autos de ação de separação consensual, fazendo a juntada da petição de isenção (erro de tipo); d)- os autos não estavam em cartório, pois permaneceram com o procurador dos requerentes entre fevereiro a novembro de 2005, comprovando a boa-fé da apelante no momento que recebeu os cheques; e)- a boa-fé da ré também pode ser extraída da emissão do recibo do valor recebido, especificando que a quantia se referia a imposto possivelmente devido na ação de separação consensual;
f)- a apelante apenas tomou conhecimento da irregularidade quando foi cientificada da instauração do Pedido de Providências nº 003/2005 e procurou devolver os valores recebidos, antes mesmo da Portaria nº 009/2005, que determinou a restituição; g)- o laudo de exame documentoscópico de fls. 499/505 concluiu que, quanto às alterações nas certidões e juntada, as datas de "14 de junho" foram postas em primeiro lugar; h)- o fato de a ré ter depositado em sua conta corrente particular os cheques recebidos não tem o condão de comprovar a existência do elemento subjetivo do tipo; i)-nunca houve qualquer exigência de tributo, como a entrega do formal de partilha não foi condicionada ao pagamento de ITCMD; j)-alternativamente, a pena-base deve ser fixada no mínimo, pois as circunstâncias do crime estão fundamentadas em uma presunção; l)-deve ser aplicada a causa de diminuição do arrependimento posterior, previsto no art. 16 do Código Penal, ou,
alternativamente, a atenuante da reparação do dano, prevista no art. 65, inciso III, alínea "b", do mesmo Diploma Penal; m)-deve incidir a atenuante genérica do art. 66 do Código Penal, considerando a postura de lealdade da apelante, que agiu de forma transparente e emitiu recibo detalhado do valor recebido; n)- é incabível a perda do cargo público, como efeito específico da condenação, em virtude do princípio da proporcionalidade da pena; o)- deve ser reduzido o valor da pena de dias-multa, que foi fixado em 01 (um) salário-mínimo mensal, tendo em vista a situação financeira da apelante, porém está afastada das suas funções e percebe apenas 50% de sua remuneração. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, em suas contrarrazões recursais, opinou seja o apelo parcialmente provido, para o fim de reconhecer a causa de diminuição de pena do arrependimento posterior e, consequentemente, extinguir a punibilidade pela prescrição (fls. 694/728).
A douta PROCURADORIA-GERAL DE
JUSTIÇA, em parecer às fls. 735/745, opinou pelo desprovimento do recurso.
II. A)-DA ATIPICIDADE DA CONDUTA POR
AUSÊNCIA DE DOLO:
A tese não é de ser acolhida. Alega a recorrente, de início, não ter conhecimento da petição da Fazenda Pública que informava não haver incidência de tributo estadual em procedimento de separação consensual quando recebeu valores a título de ITCMD, daí a inexistência de dolo na prática do ilícito. Em que pesem as alegações apresentadas pela defesa, das provas carreadas aos autos extrai-se outra conclusão. A materialidade delitiva encontra-se consubstanciada nos cheques compensados de titularidade de Ocir Parise (fls. 24/25 e fls. 120/121), na decisão proferida no processo
administrativo para apuração dos fatos (fls. 30/35); na petição da Fazenda Pública (fl. 37) e no laudo de exame documentoscópico (fls.500/505). A autoria, da mesma forma, é incontroversa. Em análise do conjunto probatório, a apelante incidiu no tipo penal previsto no art. 316, § 2º, do Código Penal. MARLI BENITZ, em Juízo (fl. 511), alegou que, no dia da audiência da separação, ligou para a Fazenda Pública ao fim de verificar o valor do imposto, sendo-lhe informado um valor, bem assim que os interessados lhe pediram que recolhesse o valor devido. Ainda, ficou acordado que, assim que os autos retornassem da Fazenda, eles lhe repassariam o valor devido. Relatou que Valmor a procurou algumas vezes para saber informações sobre o procedimento, mas os autos ainda estavam na Fazenda; inclusive o orientou para ir até lá, falar com o Procurador e recolher o imposto. Acrescentou que, depois desse fato, Ocir compareceu no Cartório e deixou o valor do imposto. Contudo, o
alertou que os autos não tinham retornado, mas mesmo assim forneceu a ele o recibo, sabendo não ser sua obrigação. Marli, expressamente, confirmou ter ciência de que não devem ser recebidos valores referentes a impostos no Cartório, mas os recebia como um favor feito às partes e aos interessados. Quanto à alteração das datas de juntada da manifestação da Fazenda e de expedição do formal de partilha, a apelante justificou, em Juízo, que arrumou a data por haver erro no preenchimento. Assim relatou a apelante: "(...) (Juíza: Posteriormente foi juntado aos
autos o ofício da Fazenda dizendo que não incidia imposto porque não
tinha excesso de meação e verifica-se aqui que houve uma alteração do
carimbo da data da juntada, isso até foi comprovado pela perícia uma
modificação, e é visível aqui que há uma data sobreposta. Por que foi feita
a modificação do carimbo?) Olha doutora, do carimbo da Fazenda acho
que não; foi na expedição do formal de partilha que eu acho que fiz
errado, na hora que eu certifiquei a data porque tava solto... porque na
verdade, o processo chegou no cartório, mas não foi eu que recebi... acho
que foi com relação ao carimbo da expedição do formal de partilha, que
não foi eu que recebi da Fazenda, na época; [a juntada] do formal de
partilha porque do carimbo da Fazenda, não, chegou normal, e eu olhei
agora o processo pra mim dar uma olhada, tudo, antes da audiência
porque eu não lembro, faz tanto tempo as datas... assim também, que eu
errei na hora porque eu errei na hora de fazer a expedição do formal... sei
lá... eu tava fazendo um monte de coisa e atende telefone, conversa com
um, que eu errei na postura, mas a expedição do formal está correto, é 05
de fevereiro de 2005 (...)". (DVD fl. 511). Afirmou, ainda, não perceber nenhuma relação com a data de expedição do formal, constante nos autos 14 de junho, e a data da emissão dos cheques 13 de junho: "(...) [Promotor de Justiça: Tem uma alteração para o dia 14 de junho, o cheque é datado de 13 de junho, sabe
por que estas datas batem?] Olha doutor, isso... eu não vi nenhuma
relação, eu tava preenchendo, era começa de mês, eu não percebi, nem
notei os cheques, nem nada, assim, não sei, não vi nenhuma relação, tipo
não vi o cheque...".
Ademais, quando soube do Pedido de Providências, entrou em contato com as vítimas para devolver os valores: "(...) [Promotor de Justiça: Quanto a este
procedimento administrativo, você restituiu o valor?] Sim, assim que a
Dra. Giovana me passou que tinha um pedido de providência, que ela ia
fazer, eu pedi... falei, ela falou que eu deveria fazer isso, daí eu falei: "mas
é imediatamente que eu vou fazer", porque na verdade para que eu ia
pegar um dinheiro e dar um recibo e, tipo, assinar a própria sentença de
morte, entendeu. Eu poderia também ter entregue os formais e ninguém
iria ver o processo, mas simplesmente eu tava fazendo um favor, eles me
pediram pra fazer isso, entendeu. E daí imediatamente eu entrei em
contato e ninguém quis receber, daí ela que determinou no pedido de
providência para que eles viessem em juízo e recebessem o valor que
estava a disposição deles aqui, aí sim que eles vieram receber, aí que eu
liguei de novo pra eles, tudo, virem receber... não, não, liguei antes da
doutora determinar". Ainda, alegou não ter conhecimento de não ser devido o ITCMD quando não há excesso de meação. Justificou que sua conta bancária era utilizada por outros advogados e que
depositou os cheques por segurança, vez que ser responsável pelos valores que ficavam no Cartório. Por outro lado, segundo consta dos autos, a vítima OCIR PARISE, em seu depoimento judicial (fls. 471), relatou que Marli telefonou para a sua residência e informou que deveriam ser pagos R$ 4.800,00, referentes ao imposto devido para a Receita Federal em Pato Branco, necessário para a expedição do formal de partilha na separação consensual dos seus pais. Também, afirmou que foi ao Fórum e realizou o pagamento, mediante a entrega de dois cheques, e exigiu um recibo. Após a demora em expedir o formal, seu irmão ligou à Receita e descobriu não haver nenhum imposto a ser pago. Então, ingressaram com pedido de restituição do valor pago. Depois da instauração de processo administrativo, Marli ligou para tentar devolver a quantia recebida. O testemunho prestado em Juízo por VALMOR PARISE (fl. 472) corrobora as declarações de Ocir Parise.
A testemunha igualmente relatou que Marli telefonou para sua residência para que fosse realizado o pagamento do imposto, conversando provavelmente com sua mãe ou sua cunhada. Ademais, alegou que, quando esteve no Fórum solicitando informações sobre a separação consensual, sempre foi atendido por Marli, que informava que os autos estavam na Fazenda Estadual. Esclareceu a testemunha que, somente após a compensação dos cheques na conta particular de Marli, compareceu à Receita em Pato Branco para obter informações do pagamento do imposto: "(...) que depois que eu conversei com Dra.
Ana Paula [Procuradora do Estado], que tinha nenhum valor a pagar,
fui que quem pediu cópia do cheque no banco, eu e o meu irmão que
pedimos; que nós notamos que esses cheques foram depositados na conta
corrente da Dona Marli, que consta no verso (...)". (DVD- fl. 472). Acrescentou que, no dia da audiência de separação, foi feito o recolhimento das custas judiciais, sendo que
Marli informou ao seu pai que os autos iriam para manifestação da Receita e, após, ligaria avisando se houvesse incidência de imposto, o qual seria pago diretamente a ela. Além disso, do cotejo das provas produzidas nos autos, não se pode crer desconhecesse a recorrente não incidir imposto na referida separação consensual, ante a petição da Fazenda Pública. Extrai-se dos autos que a petição da Fazenda Pública Estadual (fls. 37), informando a não incidência do imposto, foi entregue em Cartório em 28.01.2005. Na sequência, consta o formal de partilha (fl. 38), com certidão de sua averbação no próprio verso da petição da Fazenda Estadual que informou a não incidência do imposto. Com relação aos cheques de titularidade de Ocir Parise, bem como o recibo firmado pela serventuária (fls. 120/122), foram emitidos em 13.06.2005. O depósito dos cheques em conta bancária de titularidade da ré, ao invés de utilizar a conta judicial vinculada ao
cartório, denotando a certeza do dolo na prática do injusto de concussão com excesso de exação. Soma-se a isso o laudo de exame de documento (fls. 500/505), nas certidões de fls. 37-verso, as datas de "14.06.2005", dia seguinte ao recebimento dos cheques, foram alteradas com a sobreposição de "05.02.2005". Assim, concluiu a perícia: "(...) 1) As datas das certidões de fl. 20-
verso foram alteradas?
Resposta: Sim, conforme devidamente
exposto no corpo do presente laudo.
2) Em caso de resposta afirmativa, é
possível aferir quais eram as datas originalmente apostas em
tais Certidões? Quais?
Resposta: Os lançamentos sotopostos aos
ora presentes foram identificados como sendo "14 de junho", conforme
pode ser visualizado nas imagens digitalizadas que ilustram o trabalho
pericial". (fls. 505)
Todavia, o formal de partilha foi emitido na data de 05.02.2005, de acordo com a certidão visivelmente alterada, com o intuito de justificar que a sua expedição não foi condicionada à entrega dos cheques. Portanto, não é crível a tese da defesa de que a entrega do formal não foi condicionada ao pagamento indevido do imposto. Merece destaque o raciocínio do representante do Ministério Público, em contrarrazões (fl. 705): "(...) de forma induvidosa, a acusada MARLI
BENITZ, sponte sua, lançou a certidão de fls. 53 verso
INICIALMENTE na data de 14 de junho de 2005, ou seja, no dia
seguinte ao recebimento das duas cártulas entregues por Ocir
Parise, no total de R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais),
vale dizer, dia 13 de junho de 2005, sendo certo, todavia, que
posteriormente, a fim de evitar qualquer indício a respeito do
recebimento dos valores, fez constar no aludido documento a
data de 05 de fevereiro de 2005, visando passar a impressão de
que referido documento já existia antes da entrega dos cheques e
que, portanto, tal entrega dos cheques não era condição para a confecção
do aludido documento, procurando assim afastar qualquer ligação entre
sua expedição e o recebimento do montante, o que, todavia, restou
afastado pela prova pericial de fls. 500/505" (grifos originais).
Desta forma, ao contrário do afirmado pela defesa, o dolo da apelante revela-se nos testemunhos colhidos, pela juntada da petição da Fazenda Pública Estadual, pelo recebimento indevido dos valores, pelas datas alteradas nos autos e respectivas datas de emissão dos cheques e pelo depósito dos valores em sua conta bancária pessoal. Conclui-se que Marli Benitz, conhecendo não ser devido o ITCMD, nos autos de separação consensual, com consciência e vontade, ligou para a vítima comparecer em Cartório e efetuar o pagamento do imposto, recebendo os cheques como se para esse fim, porém, depositando-os em sua conta bancária particular. Destarte, inacolhíveis as teses absolutórias de atipicidade da conduta por ausência de dolo e por insuficiência de provas.
B)-DA PENA:
Alternativamente, a recorrente pleiteou a diminuição da pena-base, a aplicação da atenuante genérica, a incidência do arrependimento posterior ou da atenuante do arrependimento, a diminuição do valor da pena de multa, além da exclusão do efeito específico da pena de perda do cargo.
B.1)-Da pena-base
Melhor sorte não socorre ao pleito da defesa. Infere-se dos autos que a magistrada sentenciante exasperou a pena-base em 04 (quatro) meses, por considerar como desfavoráveis as consequências do crime, fixando-a acima do mínimo legal, em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. Assim dispôs a magistrada (fl. 617): "(...) Consequências do crime: foram graves,
vez que a conduta da ré gerou prejuízo a imagem da Administração
Pública, notadamente por se tratar de Comarca pequena em que a repercussão dos fatos é maior" (sublinhou-se). A fundamentação adotada é idônea e suficiente à manutenção do quantum de aumento operado, porque utilizou fato que se refere à maior ou menor intensidade da lesão jurídica causada pela infração penal à vítima ou a terceiros. Não merece reparo o cálculo da reprimenda nesta primeira fase.
B.2)-Da atenuante inominada
Quanto à atenuante inominada, requer sua aplicação para reduzir a pena, argumentando que a postura de lealdade da apelante, que agindo de forma transparente, emitiu recibo detalhado do valor recebido. Sem razão a defesa. Prevista no art. 66 do Código Penal, a atenuante inominada, também conhecida como atenuante de
clemência, é circunstância legal aberta e facultativa, que se submete ao critério do Magistrado. Pode constituir-se de qualquer situação relevante, ocorrida antes ou depois do crime, que indique menor culpabilidade do agente, razão pela qual deve ser punido de modo mais brando. O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA assim já decidiu:
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME DE MOEDA FALSA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE INOMINADA. IMPOSSIBILIDADE. CONTINUIDADE DELITIVA. SÚMULA 07/STJ. I - Somente pode ser reconhecida a existência da atenuante inominada quando houver uma circunstância, não prevista expressamente em lei, que permita ao Juiz verificar a ocorrência de um fato indicativo de uma menor culpabilidade do agente. II - Tendo em vista que o quadro fático explicitado tanto na
exordial acusatória como no v. acórdão denota a existência de crime continuado, e não de crime permanente, a aceitação da tese abraçada na irresignação especial implicaria em reexame do material cognitivo (Enunciado da Súmula nº 07 do STJ). (Precedentes). Recurso especial parcialmente conhecido e, neste ponto, desprovido". (STJ - REsp: 875649 MG 2006/0175711-0, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 26/09/2007, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 12.11.2007 p. 279) (sublinhou-se).
No caso concreto, a vítima OCIR PARISE relatou que exigiu o recibo no valor dos dois cheques dados, para fins de pagamento do ITCMD. A própria ré, em Juízo, confessou saber que não poderia receber valores de impostos e emitir recibo em nome da Fazenda Pública.
Desse modo, a emissão do recibo serviu apenas para sustentar e obter êxito no seu intento delituoso, garantindo a vantagem econômica, não indicando menor culpabilidade da ré. Por tais razões, inaplicável a atenuante inominada, no caso.
B.3)-Do arrependimento posterior e da atenuante da reparação do dano
A apelante, ainda, pugna pela aplicação da causa especial de pena do arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal) e, alternativamente, da atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea "b", do Código Penal. Alega para tanto que apenas tomou conhecimento da irregularidade quando foi cientificada da instauração do Pedido de Providências nº 003/2005 e procurou devolver os valores recebidos, antes mesmo da Portaria nº 009/2005, que determinou a restituição.
Da leitura do art. 16 do Código Penal, extraem-se os requisitos da causa pessoal de diminuição da pena: a) o crime deve ter sido praticado sem violência ou grave ameaça; b) a reparação do dano ou a restituição da coisa deve ser voluntária, pessoal ou integral; c) e, ainda, a reparação ou a restituição deve ser efetuada até o recebimento da denúncia ou da queixa. Pois bem. Não há que se conhecer a minorante da pena, pois não satisfeitos os requisitos da reparação do dano ou da restituição da coisa de forma voluntária e integral. É o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: "HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ESTELIONATO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. TESE DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N.º 554 DA SUPREMA CORTE. MINORANTE DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR. VOLUNTARIEDADE NÃO CARACTERIZADA. NECESSIDADE DE AÇÃO CIVIL DE REPARAÇÃO DE DANOS. ORDEM DENEGADA. 1. (...). 2. (...).
3. O entendimento desta Corte é no sentido de que a minorante do ressarcimento posterior do dano, prevista no art. 16 do Código Penal, deve observar a voluntariedade do Acusado e o integral ressarcimento do prejuízo. No caso dos autos, as vítimas ajuizaram ação de reparação de danos na esfera cível, o que afasta a voluntariedade do agente. Precedentes. 4. Ordem denegada. (HC 156.424/SP, 5ªT., rel Min. Laurita Vaz, 20.09.2011, v.u.).
Quanto à integralidade da reparação do dano, asseverou a douta PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA: "(...) Igualmente descabido o pleiteado
reconhecimento da presença da causa de diminuição de pena prevista no artigo 16 do Código Penal, consistente no arrependimento posteriori,
cuja inaplicabilidade restou bem fundamentada na decisão apelada, uma
vez que o `o delito possui dois sujeitos passivos, quais sejam, o Sr. Ocir
Parise e a Administração Pública'.
(...) Assim, considerando que a incidência da causa de diminuição relativa ao arrependimento posterior exige a
comprovação da integral reparação do dano, esta não verificada nos
autos, não há como sustentar sua aplicação". Com efeito, o tipo de concussão por excesso de exação possui como bem jurídico a tutela da moralidade e da probidade da Administração Pública, além do patrimônio e da liberdade individual do particular prejudicado. Nas lições de GUILHERME DE SOUZA NUCCI, a reparação do dano moral: "(...) Não cremos que seja sustentável a
aplicação da redução da pena caso o agente busque reparar apenas o dano
moral provocado pelo crime. Em primeiro lugar, o dano moral é de
mensuração totalmente imprecisa, nem mesmo havendo lei expressa para
dispor sobre seu montante. (...) Em terceiro lugar, justamente porque a
mensuração do dano moral é complexa e controversa, pode levar muito
tempo até que haja uma decisão judicial definitiva sobre o tema. (...)"."
(Código Penal Comentado, 10ª Ed., RT, pág. 197).
Desta forma, em consonância com o judicioso parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, não verificada a integral reparação do dano, não há que ser aplicada a causa de diminuição relativa ao arrependimento posterior. Por outro lado, em relação à voluntariedade da restituição dos valores, esta não se verifica na conduta da ré, independentemente da negativa de recebimento pela vítima. Sobre a diferença entre voluntariedade e espontaneidade, ensina o mesmo autor: "(...) Agir voluntariamente significa atuar
livremente, sem qualquer coação. Agir espontaneamente quer dizer
uma vontade sincera, fruto do mais íntimo desejo do agente.
(...) Voluntariedade e não espontaneidade:
nesse caso, como já se viu, há necessidade de uma reparação ou
restituição feita livremente pelo agente, mas não significando que,
de fato, está arrependido pelo que fez, ou seja, não se exige
espontaneidade. Em idêntica posição, separando o ato voluntário do
espontâneo, encontra-se a lição de Waléria Garcia ao definir este último:
'reveste-se da qualidade de arrependimento; é um ato que nasce
unicamente da vontade do agente (autodeterminação, sem qualquer
interferência externa na ideia inicial - Arrependimento posterior, p.
93). Justamente para evidenciar o requisito da voluntariedade é que se
exige seja a devolução ou reparação feita pessoalmente pelo agente"
(Código Penal Comentado, 10ª Ed., RT, pág. 192 e 198). (sublinhou- se). Nesse sentido, destaca-se no interrogatório da ré: "(...) [Promotor de Justiça: Quanto a este
procedimento administrativo, você restituiu o valor?] Sim, assim que a
Dra. Giovana me passou que tinha um pedido de providência, que
ela ia fazer, eu pedi... falei, ela falou que eu deveria fazer isso, daí
eu falei: "mas é imediatamente que eu vou fazer", porque na verdade
para que eu ia pegar um dinheiro e dar um recibo e tipo assinar a própria
sentença de morte, entendeu. Eu poderia também ter entregue os formais
e ninguém iria ver o processo, mas simplesmente eu tava fazendo um
favor, eles me pediram pra fazer isso, entendeu. E daí imediatamente eu
entrei em contato e ninguém quis receber, daí ela que determinou no
pedido de providência para que eles viessem em juízo e recebessem o
valor que estava a disposição deles aqui, aí sim que eles vieram receber,
aí que eu liguei de novo pra eles, tudo, virem receber... não, não, liguei antes da doutora determinar" (destacou-se).
Portanto, ainda que a tentativa de devolução dos valores tenha ocorrido anteriormente ao recebimento da denúncia, a notícia do Pedido de Providência, somado à ordem informal da magistrada para a serventuária restituir, configura coação, uma vez que não agiu livremente conforme sua vontade. Outrossim, quanto à atenuante da reparação do dano, prevista no art. 65, inciso III, alínea "b", do Código Penal, inaplicável ao caso. Conforme as mesmas razões acima, não houve espontaneidade na conduta da ré, em virtude de ter havido interferência externa na devolução dos valores. Destarte, diante da não incidência de atenuantes e de causa de diminuição, permanece inalterada a pena fixada na sentença, qual seja, 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
B.4)-Do valor da pena de multa
Alegou a recorrente que deve ser reduzido o valor da pena de dias-multa, fixado em 01 (um) salário mínimo, em razão de sua situação financeira, pois está afastada das suas funções e percebe apenas 50% (cinquenta por cento) de sua remuneração. O valor dos dias-multa é fixado de acordo com o art. 49, § 1º, do Código Penal, não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário-mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a cinco vezes esse salário. Ao contrário do afirmado pela apelante, não merece reparo o valor fixado da pena de multa em um salário- mínimo, tendo em vista que o Juízo sentenciante considerou a situação econômica de Marli Benitz. Em que pese o argumento de que os vencimentos do cargo de Escrivã da Vara Cível estão reduzidos à metade, o valor do dia-multa pode ser suportado pelo montante recebido pela recorrente, eis que se sabe não ser de pequena monta o valor por ela recebido mensalmente, pois se cuida de Serventia Cível. Nesse sentido:
"A pena de multa deve ser fixada em duas fases. Na primeira, fixa- se o número de dias-multa, considerando- se as circunstâncias judiciais (art. 59, do CP). Na segunda, determina-se o valor de cada dia-multa, levando-se em conta a situação econômica do réu (Precedente do STJ)." (STJ, HC 132.351/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 19/08/2009, DJe 05/10/2009).
Ademais, em sede de execução de pena, poderá este valor ser parcelado, nos termos do art. 169 da Lei de Execução Penal.
B.5)-Da perda do cargo
Aduz ser incabível a perda do cargo público, como efeito específico da condenação, em virtude do princípio da proporcionalidade da pena. Com relação à perda do cargo público, embora não seja um efeito automático da sentença, deve por isso ser motivada (art. 92, parágrafo único, do CP), é certo que a sua fundamentação não precisa ser extensa, mesmo porque toda a argumentação empregada para a condenação da apelante serve exatamente para justificar a perda do cargo. A douta Magistrada fundamentou sua decisão nos termos do art. 92, inc. I, a, do Código Penal, decretando a perda do cargo público porque foi aplicada pena superior a 01 (um) ano e o delito foi praticado com violação de dever para com a Administração Pública, "(...) consistente nos deveres de honestidade, manter conduta compatível com a moralidade administrativa, observar
as normas legais e regulamentares, exercer com zelo e dedicação as
atribuições do cargo, dentre outros" (fl. 615) . Desta forma, é de se manter a decretação de perda do cargo ocupado pela ré MARLI BENITZ, qual seja, o de Escrivã da Vara Cível e Anexos da Comarca de Mangueirinha, nos
termos do art. 92, inciso I, alínea "a", do Código Penal, pois a decisão se encontra com motivação idônea e adequada.
C)- Da prescrição da pena suscitada pelo Ministério Público
Suscitou o representante do MINISTÉRIO PÚBLICO a prescrição retroativa, no caso de incidir a causa de diminuição prevista no artigo 16 do Código Penal. Não tendo sido acolhida a minorante em questão, como também qualquer outra causa que resultasse na diminuição da reprimenda, permaneceu inalterado o quantum da pena. Portanto, não decorreu lapso temporal superior àquele previsto no art. 109, inciso IV, do Código Penal, não há que se declarar a extinção a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se incólumes os termos da sentença.
III. Desse modo, ACORDAM os Magistrados integrantes da Segunda Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Paraná, à unanimidade, em negar provimento ao recurso. Deliberou o Colegiado, também, pela imediata remessa de cópia deste acórdão, via Mensageiro, à prolatora da sentença Dra. VANESSA D'ARCANGELO RUIS PARACCHINI, onde estiver exercendo sua atividade jurisdicional. Participaram do julgamento os Excelentíssimos Desembargadores ROBERTO DE VICENTE, Presidente e Revisor, e JOSÉ CARLOS DALACQUA. Curitiba, 21 de novembro de 2013.
José Maurício Pinto de Almeida Relator
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