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Acórdão
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APELAÇÃO CRIME Nº 1.117.063-1, DO FORO REGIONAL DE CAMPINA GRANDE DO SUL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA. APELANTES: 1. ADRIANO CORDEIRO DA SANTANA. 2. ALVARO LUIZ DUARTE. APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO. RELATOR: DES. CAMPOS MARQUES. APELAÇÃO CRIME REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO TRANCAMENTO DE EVENTUAL INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL PEDIDO NÃO CONHECIDO ESTADO DE SUJEIÇÃO DAS VÍTIMAS NÃO DEMONSTRADO CONDUTA QUE SE AMOLDA AO CRIME DE MAUS TRATOS IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAR O DELITO INAPLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 383 DO CPP, UMA VEZ QUE A NARRATIVA FÁTICA NÃO DESCREVE ESTA CONDUTA ABSOLVIÇÃO DECRETADA PARA AMBOS OS RECORRENTES RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO NA PARTE EM QUE CONHECE. 1. Para a configuração do delito previsto no artigo 149 do Código Penal, é necessária a verificação de um total estado de sujeição da vítima, privando-a de sua liberdade, o que não configurou no presente caso. 2. Mesmo que configurado o crime de maus tratos, não é possível a desclassificação, uma vez que a respectiva conduta não está descrita na inicial acusatória. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime nº 1.117.063-1, do Foro Regional de Campina Grande do Sul da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que são apelantes 1. ADRIANO CORDEIRO DA SANTANA e 2. ALVARO LUIZ DUARTE e apelado o MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. Trata-se de apelação crime, interposta por Adriano Cordeiro da Santana e Alvaro Luiz Duarte, contra os termos da r. sentença de fls. 173/186, da Dra. Juíza de Direito do Foro Regional de Campina Grande do Sul da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, que os condenou, pela prática do crime disposto no artigo 149, parágrafo 2º, inciso I, do Código Penal, aplicando, ao primeiro, a pena de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e pagamento de 60 (sessenta) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, e, ao segundo, a pena de 6 (seis) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e pagamento de 60 (sessenta) dias-multa, no valor de um salário mínimo vigente à época dos fatos, a ser cumprida, a pena privativa de liberdade, para ambos, em regime inicialmente semiaberto.
O recorrente Adriano Cordeiro da Santana sustenta, em síntese, que deve ser absolvido, ante a ausência de provas, pois não restou comprovado que forçava as vítimas, seus filhos, a trabalhar na pedreira referida na denúncia, além de falar em ausência de prova, tanto que não chegaram, ao menos, a submetê-las a exame pericial, para atestar que tinham "calosidades" nas mãos, e, desta forma, comprovar que trabalhavam no aludido local. O apelante Alvaro Luiz Duarte, por sua vez, pleiteia a absolvição, sob o argumento de que não tinha conhecimento de que os ofendidos trabalhavam na citada pedreira, uma vez que dificilmente comparecia lá, além de alegar que, ao contrário do que diz a acusação, não era de sua propriedade. Ambos os recorrentes requerem, ainda, que seja determinado o arquivamento do inquérito policial, que apura a prática do crime de coação no curso do processo relativo a eles e sua defensora, instaurado por determinação da sentença em exame, e pedem, alternativamente, a desclassificação do crime a que foram condenados para o de maus tratos.
2. O Ministério Público, em contrarrazões, pugna pelo parcial provimento do recurso, para que seja decretada a absolvição do acusado Alvaro Luiz Duarte, ante a ausência de provas, e pela desclassificação do delito praticado pelo acusado Adriano Cordeiro da Santana para o previsto no artigo 136, caput, do Código Penal. Pede, ao final, o indeferimento do postulado trancamento do inquérito policial. 3. A douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo Procurador de Justiça Dr. Marcelo Alves de Souza, pronunciou-se pelo parcial conhecimento do apelo, e pelo desprovimento na parte conhecida. É o relatório. VOTO 4. Observa-se que a magistrada singular, ao final da sentença, encaminhou cópias dos depoimentos colhidos nos autos à Delegacia de Polícia de Quatro Barras, com o fim de apurar a prática do crime de coação no curso do processo, em face dos apelantes e de sua advogada.
Enviadas as respectivas peças, conforme noticia a certidão de fls. 118, a eventual manifestação acerca da existência ou não da aludida infração só poderá ser efetivada no autuado que é possível que já tenha sido instaurado, e não neste recurso. Não conheço, portanto, deste pedido. 5. No mérito, cumpre destacar que, ao ser interrogado, o recorrente Adriano Cordeiro da Santana negou a prática criminosa e disse que as vítimas, seus filhos, frequentavam o local em que trabalha, três vezes por semana, porém jamais as obrigou a fazer qualquer serviço (CD). O réu Alvaro Luiz Duarte, na mesma ocasião, disse que não tinha conhecimento de que as crianças trabalhavam com o corréu Adriano Cordeiro da Santana (CD). As vítimas Yago da Costa de Santana e Igor da Costa de Santana, perante a autoridade policial, relataram que ajudavam o pai, o acusado Adriano, três vezes por semana, no período de 8h30min às 11 horas, e que, depois, iam para a escola (fls. 12/15), enquanto que, em juízo, mudaram a versão, pois disseram, de modo geral, que compareciam no local "para levar água e café para o pai", que brincavam nas proximidades e que
algumas vezes o ajudavam, mas não eram obrigados a tanto (vide CD). A prova, portanto, mesmo que se tenha em consideração a palavra das crianças no inquérito, não autoriza a classificação reconhecida na sentença, pois, para tanto, consoante ensina Julio Fabbrini Mirabete, é necessário que exista "a consciência do agente de estar reduzindo alguém a um estado de submissão com a supressão do status libertatis" (CP Interpretado, 4ª edição, Editora Atlas, página 1.034). Da jurisprudência, vale citar a seguinte ementa: "APELAÇÃO CRIMINAL REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO ABSOLVIÇÃO NECESSIDADE ESTADO DE SUJEIÇÃO DA VÍTIMA NÃO DEMONSTRADO PARA A CARACTERIZAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 149 DO CÓDIGO PENAL, É NECESSÁRIA A VERIFICAÇÃO DE UM TOTAL ESTADO DE SUJEIÇÃO
DA VÍTIMA, QUE TEM PRIVADA A SUA LIBERDADE, EM SENTIDO AMPLO." (TJMG, Apelação Criminal nº 1.0453.08.016248-1/001, Rel. Des. Eduardo Machado). Num exame mais apurado, quem sabe, é possível a configuração do crime de maus tratos, conforme referiu o Dr. Promotor de Justiça, porém não é possível a emendatio libeli, uma vez que a denúncia não descreve a respectiva conduta, e a mutatio libelli não pode ser efetivada na segunda instância, na forma proclamada na Súmula nº 453 do E. Supremo Tribunal Federal. Neste sentido, já tive a oportunidade de decidir: "APELAÇÃO CRIME Cárcere privado Delito não configurado Vontade voltada no sentido de impedir a vítima de fazer determinada coisa Hipótese de constrangimento ilegal Inteligência do art. 146 do Código Penal Conduta, contudo, não descrita na denúncia
Impossibilidade de aplicação do disposto no art. 383 do Código de Processo Penal Ocorrência, além de tudo, da prescrição da pretensão punitiva do Estado Decisão mantida, embora com outro fundamento Recurso desprovido." (Apelação Crime nº 809.700-7). Assim, segundo orienta Mirabete, "caso no Tribunal se reconheça, em apelação da defesa ou revisão, que a definição para o fato criminoso é diversa da imputação, por não ter havido o aditamento, a solução não é a decretação da nulidade da sentença, se ela não foi arguida pela defesa (Súmula nº 160 do STF), mas sim a absolvição" (CPP Interpretado, Editora Atlas, 11ª edição, página 997). O meu voto, nestas condições, é pelo parcial conhecimento do recurso e provimento na parte conhecida, para absolver os réus Adriano Cordeiro da Santana e Alvaro Luiz Duarte. DECISÃO
6. Diante do exposto, ACORDAM os integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer parcialmente do recurso e, na parte conhecida, dar provimento para absolver ambos os réus. Participaram da sessão os Excelentíssimos Senhores Desembargadores TELMO CHEREM, Presidente, sem voto, MACEDO PACHECO, e o Senhor Juiz Substituto em Segundo Grau BENJAMIM ACÁCIO DE MOURA E COSTA. Curitiba, 13 de fevereiro de 2014.
Des. CAMPOS MARQUES, Relator.
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