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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.127.700-2 VARA CRIMINAL E ANEXOS DO FORO REGIONAL DE CAMPO LARGO DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA Apelante: JORGE SALOMÃO JÚNIOR Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO Relator: Des. Rogério Kanayama APELAÇÃO. PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 33, CAPUT, E ART. 34, AMBOS DA LEI Nº 11.343/2006, E ART. 12, DA LEI Nº 10.826/2003). PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE DEFENSOR PARA ACOMPANHAR O INTERROGATÓRIO NA FASE POLICIAL. PRESCINDIBILIDADE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ART. 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/2006. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS. APREENSÃO DO ENTORPECENTE. QUANTIDADE E VARIEDADE DE DROGAS. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DO ART. 28, DA LEI Nº 11.343/2006. ART. 34, DA LEI Nº 11.343/2006. ABSOLVIÇÃO, DE OFÍCIO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ART. 12, DA LEI Nº 10.826/2003. CONDENAÇÃO MANTIDA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. APREENSÃO DA ARMA. DOSIMETRIA. PENAS-BASES NO MÍNIMO LEGAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE. PLEITO DE APLICAÇÃO DA ATENUANTE INOMINADA ANTE A DEPENDÊNCIA QUÍMICA. IMPOSSIBILIDADE. CONDIÇÃO NÃO COMPROVADA. EXCLUSÃO DA MAJORANTE DO ART. 40, III, DA LEI Nº 11.343/2006. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO NA DENÚNCIA E DE PROVAS DA SUA CARACATERIZAÇÃO DELA. RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. FUNDAMENTO UTILIZADO PELO IL. MAGISTRADO, PARA INDEFERIR O BENEFÍCIO, INIDÔNEO. MODIFICAÇÃO, DE OFÍCIO, DO REGIME DE CUMPRIMENTO DA REPRIMENDA PARA O ABERTO. ART. 33, §§ 2º E 3º, DO CÓDIGO PENAL, E ART. 387, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. a) "A presença do advogado durante a lavratura do auto de prisão em flagrante não constitui formalidade essencial à sua validade" (STJ, HC 188.527/GO, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 04/04/2011). b) É de se manter a condenação por tráfico de entorpecentes e posse ilegal de arma de fogo de uso restrito pois comprovadas a autoria e a materialidade dos delitos. c) Demonstrado que o entorpecente destinava-se à comercialização e não ao uso do apelante, é impossível a desclassificação do crime do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, para o do art. 28, do mesmo diploma legal. d) É aplicável ao caso o princípio da consunção entre o crime do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, e o do art. 34, da mesma lei, em razão de que este serviu de meio para a realização do delito-fim (tráfico de drogas). e) Inaplicável o disposto no art. 66, do Código Penal, sob o argumento de que o réu é dependente químico, porquanto não há nenhum elemento que comprove tal condição. f) Diante da ausência de descrição da majorante na denúncia e, também, da falta de provas da sua caracterização, é de se excluir da aplicação da pena do crime de tráfico de entorpecentes a incidência da causa de aumento do art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006. g) Insuficiente a fundamentação a respeito da inaplicabilidade da minorante do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, imperativo o deferimento, de ofício, do mencionado benefício. h) É de se modificar o regime de cumprimento para o aberto em razão de que o quantum da pena detraída não supera 4 (quatro) anos de reclusão e, também, porque todas as circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal, foram valoradas de modo favorável ao recorrente. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 1.127.700-2, da Vara Criminal e Anexos do Foro Regional de Campo Largo da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba,
em que é apelante JORGE SALOMÃO JÚNIOR e, apelado, o MINISTÉRIO PÚBLICO. I - Trata-se de apelação de Jorge Salomão Júnior da sentença que o condenou, como incurso nos crimes do art. 33, caput, c/c art. 40, III, e do art. 34, c/c art. 40, III, ambos da Lei nº 11.343/2006, e do art. 12, da Lei nº 10.826/2003, à pena de 11 (onze) anos e 8 (oito) meses de reclusão, sob regime fechado, e 1.610 (mil seiscentos e dez) dias-multa. A denúncia tem o seguinte teor: "Fato 1 Tráfico de Substância Entorpecente (artigo 33 da Lei n° 11.343/03) No dia 18 de agosto de 2012, por volta das 22h30min, na Estrada do Cerne, km 32, Chácara da Comunidade Religiosa Santo Daime, Bateias, Campo Largo/PR, o denunciado JORGE SALOMÃO JUNIOR, com livre vontade e consciente da ilicitude de sua conduta, guardava e tinha em depósito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para consumo de terceiros, 36 (trinta e seis) porções da substância entorpecente vulgarmente conhecida como `maconha', 01 (um) pote de `haxixe', 01 (um) pote com sementes de `maconha', pesando 34 gramas, 02 (dois) galhos secos de `maconha' e 01 (um) balde com folhas e caules secos de `maconha' (Auto de Apreensão de folhas 26/27 e Auto de Constatação Provisória de Substância Entorpecente de folhas 24/25). Segundo ficou esclarecido durante as investigações preliminares, o denunciado JORGE SALOMÃO JUNIOR
semeou, cultivou e colheu 15 (quinze) `pés de maconha', que seriam destinados ao consumo de terceiros. A `maconha' e o `haxixe', são proibidos no país pela Portaria 344, do DIMED, atualizada pela RDC 07, de 26 de Fevereiro de 2009. Fato 2 possuir instrumentos e objetos destinados à fabricação e produção de drogas (artigo 34 da Lei n° 11.343/06) No dia 18 de agosto de 2012, por volta das 22h30min, na Estrada do Cerne, km 32, Chácara da Comunidade Religiosa Santo Daime, Bateias, Campo Largo/PR, o denunciado JORGE SALOMÃO JUNIOR, com livre vontade e consciente da ilicitude de sua conduta, possuía , sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, instrumento destinado à preparação de substância entorpecente, consistente em 01 (um) instrumento artesanal estilo prensa de madeira crua, 01 (um) instrumento para prensar, uma caixa de madeira (molde), com resquícios de `maconha' e 01 (uma) apostila com instruções para plantio e produção de `maconha', conforme Auto de Apreensão de folhas 26/27. Fato 3 Possuir de Arma de Fogo de uso permitido (artigo 12 da Lei n° 10.826/03) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o denunciado JORGE SALOMÃO JUNIOR, com livre vontade e consciente da ilicitude de sua conduta, possuía, no interior de sua residência, sem autorização e em desacordo com determinação legal, 01 (uma) espingarda, sem marca, calibre 28, número de série
129197 e 01 (um) invólucro de plástico contendo 24 gramas de pólvora, conforme Auto de Apreensão de folhas 26/27" (fls. 3/4). O recorrente alega, inicialmente, que o auto de prisão em flagrante é nulo porquanto foi interrogado sem a presença de Defensor. Na sequência, pleiteia o direito de recorrer em liberdade, negado pelo Juízo ao proferir a sentença. Seguindo, pugna pela absolvição sob o argumento de que não há provas suficientes para embasar a condenação. Requer, alternativamente, a desclassificação do crime de tráfico para o do art. 28, da Lei nº 11.343/2006. Subsidiariamente, insurge-se contra a pena fixada na sentença. Pede que: a) seja considerada a primariedade na fixação da sanção, b) seja aplicado o art. 66, do Código Penal, diante da condição de relativamente incapaz e, c) seja excluída a causa de aumento do art. 40, III, da Lei nº 11.343/06. O Ministério Público, em contrarrazões, pugna pelo conhecimento e não provimento do recurso. A douta Procuradoria-Geral de Justiça manifesta-se pelo conhecimento e provimento parcial do recurso para que seja afastada a causa de aumento do art. 40, III, da Lei n° 11.343/06.
O pleito para recorrer em liberdade foi negado por este Relator (fls. 369/371). O apelante interpôs, então, Agravo Regimental (fls. 401/409) que foi desprovido pela Câmara (fls. 412/417). Por último, o apelante formulou pedido de realização de exames de sanidade mental e de dependência toxicológica, pretensão indeferida por este Relator (fls. 455/460). II Conheço do recurso porque presentes os pressupostos de admissibilidade. Em sede preliminar, o recorrente argumenta que o feito é nulo porque o interrogatório policial, por ocasião do auto de flagrante, foi realizado sem a presença de Defensor. Sem razão, contudo. Embora o acusado tenha o direito de ser acompanhado por advogado durante o interrogatório policial, a presença do Defensor não é imprescindível. A esse respeito, Renato Brasileiro de Lima explica que "a presença de advogado quando do interrogatório policial pode até ser admitida pela autoridade policial, mas daí não se pode concluir que sua presença seja obrigatória e imprescindível. (...) em se tratando de interrogatório feito em sede policial, o art. 6º, inc. V, do Código de Processo Penal, estabelece que a autoridade policial deve ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII do
Livro I do CPP ("Do interrogatório do acusado")" (Renato Brasileiro de Lima. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p. 147). E, continua o autor: "(...) outro argumento que corrobora nossa posição é o próprio art. 306, § 1º, do Código de Processo Penal, com redação determinada pela Lei nº 11.449/07, segundo o qual, se o autuado em flagrante não informar o nome de seu advogado, cópia integral do auto de prisão em flagrante deverá ser encaminhado à Defensoria dentro em 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão. Ora, se o próprio dispositivo dispõe que cópia do auto será encaminhada à Defensoria em até 24 (vinte e quatro) horas, significa dizer que a presença de advogado não se faz necessária quando da lavratura do auto de prisão em flagrante delito (...)" (in Manual de Processo Penal vol. I, 2ª ed. Niterói, RJ: Impetus, 2012 - p. 147). No mesmo sentido: "CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. QUESTÃO NÃO APRECIADA NA CORTE ESTADUAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE. NULIDADE. MAUS TRATOS E TORTURAS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. DIREITOS CONSTITUCIONAIS. CIENTIFICAÇÃO DO INTERROGANDO. OITIVA DO RÉU SEM A PRESENÇA DE ADVOGADO. INQUÉRITO. PEÇA INFORMATIVA. AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. INOCORRÊNCIA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. `ACERTO DE CONTAS'. MODUS OPERANDI. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA PARA GARANTIA DA
ORDEM PÚBLICA. SEGREGAÇÃO JUSTIFICADA. EXCESSO DE PRAZO. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA DE PRONÚNCIA. ALEGAÇÃO SUPERADA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA. Evidenciado que a Corte Estadual não apreciou a alegação de inépcia da denúncia, sobressai a incompetência desta Corte para o seu exame, sob pena de indevida supressão de instância. Hipótese na qual o impetrante não trouxe aos autos qualquer elemento comprobatório das alegações de que o paciente teria sido submetido a maus tratos e torturas físicas, bem como de que o mesmo teria assinado o Termo de Qualificação e Interrogatório do Auto de Prisão em Flagrante Delito sem ter conhecimento de seu conteúdo, sendo certo que no referido documento restou consignada a cientificação do interrogando de seus direitos constitucionais. O posicionamento firmado nesta Corte é no sentido de que os eventuais vícios ocorridos no inquérito policial não são hábeis a contaminar a ação penal, pois aquele procedimento resulta em peça informativa e não probatória. A presença do advogado durante a lavratura do auto de prisão em flagrante não constitui formalidade essencial à sua validade. Configurada a periculosidade concreta do agente, o qual teria agido com a intenção de ceifar a vida de pessoa que havia prestado depoimento em seu desfavor em procedimento investigativo anterior, com inúmeros disparos de armas de fogo, em suposto "acerto de contas", resta justificada a decretação da custódia preventiva para a garantia da ordem pública, com base no modus operandi, que se sobressalta na
hipótese. Precedentes desta Corte. Evidenciado que foi proferida sentença de pronúncia em desfavor do acusado, resta superado o argumento de demora no término da instrução criminal. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada." (STJ, HC 188.527/GO, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 04/04/2011, grifei). "PROCESSUAL PENAL - FURTO QUALIFICADO - NULIDADE - PRISÃO EM FLAGRANTE - FLAGRANTE IMPRÓPRIO - AUSÊNCIA DE ADVOGADO - REQUISIÇÃO DO PACIENTE. - Inexiste nulidade na prisão em flagrante de acusado que se escondeu em um matagal, sendo localizado horas depois do delito. De outro lado, a ausência de advogado por ocasião da lavratura do flagrante não nulifica o ato quando o paciente é informado de seus direitos constitucionais e expressamente declara que se reserva no direito de só falar em juízo. - Ordem denegada." (STJ, HC 24510/MG, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, julgado em 06/03/2003, DJ 02/06/2003, p. 310). "PENAL. PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". DEFICIÊNCIA DA DEFESA. IRREGULARIDADE NO INQUÉRITO POLICIAL. INTERROGATÓRIO. AUSÊNCIA DE ADVOGADO. I. A deficiência da defesa só anulará o processo se houver prova de prejuízo para o réu. Súmula 523.
II. Por se tratar de peça meramente informativa da denúncia ou da queixa, eventual irregularidade no inquérito policial não contamina o processo, nem enseja a sua anulação. III. A ausência de advogado no interrogatório do réu não vicia o ato, mesmo porque o defensor do acusado não pode intervir ou influir nas perguntas e nas respostas. CPP, art. 187. IV. H.C. indeferido." (STF HC n.º 74198 2ª Turma Rel. Min. Carlos Velloso DJ de 06.12.1996, grifei). Ultrapassada essa questão, passo à análise das demais. A materialidade dos delitos de tráfico de entorpecentes e de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido está demonstrada por meio do Auto de Prisão em Flagrante Delito (fls. 7/17), Boletim de Ocorrência (fls. 19/24), Auto de Constatação Provisória de Substância Entorpecente (fls. 28/29), Auto de Apreensão (fls. 30/31), Laudo de Perícia Criminal (Exame em Dispositivos Móveis Telefonia Celular) (fls. 116/124), Laudo de Perícia Criminal Exame e Pesquisa de Substâncias Psicotrópicas em Instrumentos (fls. 226/228), Laudo de Perícia Criminal Exame e Pesquisa de Substâncias Psicotrópicas em Objeto (fls. 229/230), Laudo de Perícia Criminal Exame de Vegetal (fls. 231/233) e Laudo de Exame de Arma de Fogo e Munição (fls. 241/243). O apelante negou a prática do tráfico de entorpecentes. Disse que estava na chácara "Santo Dai-me"; que o "haxixe" e a "maconha" eram de sua propriedade; que pretendia extrair óleo do
"haxixe"; que o entorpecente era para uso próprio; que tinha 6 pés de "maconha" plantados; que a igreja é de recuperação de usuários e, por isso, ninguém sabe que usava drogas; que não sabe porque plantou drogas; que morava na chácara há dois anos; que tinha apenas uma produção de "maconha"; que a altura das plantas variava, umas tinham 1 m (um) metro, outras 1,5 m (um metro e meio); que na comunidade da Igreja havia 10 (dez) chácaras e era proprietário de uma delas; que é uma comunidade aberta; que não há cercas entre as chácaras e todos frequentam os terrenos alheios; que confirma que os instrumentos descritos na denúncia são seus; que todos os processos de plantação da droga estão na apostila; que comprou a mencionada apostila; que a arma de fogo apreendida era do seu pai; que não tinha autorização para manter a arma; que ficou com a arma porque sua irmã queria entregá-la quando teve o "recolhimento das armas"; que é marceneiro; que mora sozinho na chácara; que já usou "cocaína"; que ganha cerca de R$ 1.000,00 (mil reais) por mês; que tinha 6 (seis) pés de "maconha" que produziam; que tinha outros 4 (quatro) pés que não produziam; que começou a plantar a droga por curiosidade; que a apostila ensina tudo sobre a plantação da droga; que uma plantação leva em torno de 9 (nove) meses para produzir; que depois leva mais 3 (três) meses para "curar"; que comprou o manual em Curitiba em um encontro para liberação da "maconha"; que mais ninguém na comunidade faz uso de drogas (audiência digitalizada fls. 144). Entretanto, a negativa do recorrente, quanto ao tráfico, não merece credibilidade porquanto dissociada do restante do conjunto probatório que demonstra, sem sombra de dúvidas, que o entorpecente apreendido não se destinava ao uso, como alega a Defesa.
Com efeito, o policial militar Olenir Moreira dos Santos relatou, em Juízo, que no dia dos fatos estavam em operação para verificar uma situação de roubo; que diligenciaram em um bar; que, no bar, encontraram um usuário de "maconha"; que o usuário disse que adquiria a droga na casa de um indivíduo com o apelido de "Abelha"; que "Abelha" é o réu Jorge; que o usuário informou onde era a casa do réu; que o réu era caseiro do templo "Santo Daime"; que o usuário disse que o réu plantava "maconha" e a vendia para os adeptos do "Santo Daime"; que quando chegaram na casa do réu, encontraram drogas penduradas em sacolas; que havia uns potes com drogas; que acharam vidros de "haxixe"; que o "haxixe" estava em produção; que localizaram uma espingarda e cartuchos; que, diante disso, prenderam o réu; que o réu vendia para os moradores da região e também para os moradores da comunidade "Santo Daime"; que apreenderam em torno de 4 kg (quatro quilos) de "maconha"; que o usuário estava em uma estrada, próximo a um bar; que não encontraram a plantação de "maconha"; que havia fotos da plantação no celular do réu; que o réu negou que vendia drogas; que apreendeu os instrumentos descritos na denúncia; que o réu admitiu a propriedade de tais bens; que a arma não estava registrada em nome do réu (audiência digitalizada fls. 143). No mesmo sentido, o outro policial militar, Lucas Marinho Ferreira, narrou que estavam patrulhando pela região de Bateias quando abordaram um usuário de "maconha"; que o tal usuário disse que comprava drogas de "Abelha" e que referida pessoa morava em uma chácara na comunidade "Santo Daime"; que do lado de fora da casa do réu, era possível ver a droga; que a "maconha" estava pendurada na porta; que os vizinhos do réu disseram que ele tinha um comportamento estranho; que
a abordagem do usuário foi próxima da casa do réu; que os vizinhos não sabiam nada a respeito da plantação da droga; que o réu confessou que plantava "maconha"; que a "maconha" estava pendurada para secar; que já havia porções embaladas também (audiência digitalizada fls. 125). Inquestionável, então, que a droga pertencia ao réu. Resta, agora, estabelecer a que se destinava o mencionado entorpecente: ao uso do recorrente, como alega, ou à traficância. Pois bem. Esclareça-se que a caracterização do crime de tráfico de substâncias entorpecentes resulta da imprescindível conjugação de várias circunstâncias: local, condições em que ocorreu o delito, conduta do acusado, forma de acondicionamento da substância, demais objetos encontrados e, também, a quantidade. Luiz Flávio Gomes, nesse contexto, apresenta duas teorias utilizadas para se distinguir o traficante do usuário: "Há dois sistemas legais para se decidir sobre se o agente (que está envolvido com a posse ou porte de droga) é usuário ou traficante: (a) sistema da quantificação legal (fixa-se, nesse caso, um quantum diário para o consumo pessoal; até esse limite legal não há que se falar em tráfico; (b) sistema do reconhecimento judicial ou policial (cabe ao juiz ou à autoridade policial analisar cada caso concreto e decidir sobre o correto enquadramento típico. (...) É da tradição da lei brasileira a adoção do segundo critério (sistema do reconhecimento judicial ou policial). (...) Para isso a lei estabeleceu uma série enorme de critérios. Logo, não se trata de uma opinião do juiz ou de uma apreciação subjetiva. Os dados são objetivos." (Lei de Drogas Comentada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 161).
No Brasil, cabe à autoridade judicial sopesar, no caso concreto, todos os elementos de prova produzidos e concluir pela configuração ou não do tráfico. Muitas vezes a análise é difícil considerando que, compreensivelmente, a tese de usuário é a mais utilizada para se tentar afastar a condenação pelo crime de tráfico e as consequências daí advindas. No caso, impõe-se a manutenção da condenação do réu pelo delito de tráfico uma vez que do conjunto probatório é possível concluir que a droga apreendida destinava-se à venda. Impressiona, desde logo, a considerável quantidade de entorpecentes apreendida na casa do acusado: 2,6 Kg (dois quilos e seiscentos gramas) de "maconha" e 1,38 Kg (um quilo e trezentos e oitenta gramas) de "haxixe". Ora, referida quantidade não é a comumentemente encontrada com meros usuários de drogas. Mencione-se, por oportuno, que com 2,6 kg (dois quilos e seiscentos gramas) de "maconha" é possível fabricar cerca de 7.878 (sete mil, oitocentos e setenta e oito) cigarros do entorpecente (MORAES, Alexandre de; SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial, 7ª ed., Jurídico Atlas, 2004, p. 137). Além disso, é de se destacar a variedade de drogas apreendidas, o que também não é comum quando se trata de usuários de entorpecentes.
Saliente-se, ainda, que, embora não tenham sido encontrados pelos policiais, o apelante confirmou que mantinha 6 (seis) "pés" de "maconha" na propriedade. O recorrente esclareceu, também, que da plantação até a colheita da droga transcorrem cerca de 9 (nove) meses e que, depois desse tempo, é preciso um período de 3 (três) meses para "curar" a "maconha". Ora, não há lógica nenhuma em um usuário de drogas esperar por 12 (doze) meses para fazer uso do entorpecente. Não bastasse tudo isso, é de se ressaltar que na casa do réu os policiais apreenderam também uma balança de precisão (cf. auto de apreensão de fls. 30). Diante desse quadro fático fica claro que a tese de que a droga se destinava ao consumo pessoal não se sustenta. Pondere-se, ainda, que mesmo que comprovada a condição de usuário do réu, a traficância não estaria automaticamente excluída. Neste sentido, cita-se a jurisprudência deste Tribunal: "APELAÇÃO CRIME TRÁFICO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE CONDENAÇÃO. ALEGAÇÃO DE FLAGRANTE PREPARADO IMPROCEDÊNCIA AÇÃO POLICIAL POSTERIOR À CONSUMAÇÃO DO CRIME E QUE NÃO INDUZIU OU ESTIMULOU A SUA PRÁTICA PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA PREVISTA NO ARTIGO 28 DA LEI Nº 11.343/06 IMPROCEDÊNCIA
SUFICIENTE COMPROVAÇÃO DA INTENÇÃO DE COMÉRCIO DO ENTORPECENTE VALIDADE E RELEVÂNCIA DE DEPOIMENTOS DE POLICIAIS E DENÚNCIAS ANÔNIMAS, EM HARMONIA COM A APREENSÃO DE DINHEIRO TROCADO NA POSSE DO RÉU ALEGAÇÃO DA CONDIÇÃO DE USUÁRIO DO RÉU QUE, POR SI SÓ, NÃO EXCLUI A TRAFICÂNCIA TRÁFICO CARACTERIZADO. DOSIMETRIA PENAL PENA-BASE FUNDAMENTADAMENTE FIXADA EM QUANTIDADE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL (CIRCUNSTÂNCIA DE O ILÍCITO SER PRATICADO NAS IMEDIAÇÕES DE INSTITUIÇÃO DE ENSINO) ELEVAÇÃO EM QUANTIDADE ADEQUADA; CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO §4º DO ARTIGO 33 DA LEI Nº 11.343/06 RECONHECIDA PELA SENTENÇA PENA REDUZIDA EM PROPORÇÃO MENOS FAVORÁVEL AO RÉU SEM FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA ILEGALIDADE MODIFICAÇÃO DO PERCENTUAL DE REDUÇÃO PARA O MÁXIMO, DE 2/3 (DOIS TERÇOS). SUBSTITUIÇÃO, DE OFÍCIO, DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS DECLARAÇÃO INCIDENTAL, PELO PLENO DO STF, DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSÃO `VEDADA A CONVERSÃO DE SUAS PENAS EM RESTRITIVAS DE DIREITOS' CONTIDA NO ARTIGO 44 DA LEI Nº 11.343/06 PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 44 DO CÓDIGO PENAL. PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, PARA REDUZIR A PENA, E SUBSTITUIÇÃO, DE OFÍCIO, DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS" (TJPR - 3ª C.Criminal - AC 0775802-9 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Juiz Subst. 2º G. Rui Bacellar Filho - Unânime - J. 07.07.2011).
"(...) Além disso, mesmo que a condição de usuário ou dependente pudesse recair sobre o recorrente, tal circunstância não se mostra incompatível com o tráfico de drogas ou mesmo o afasta, porquanto muitos são os casos enfrentados atualmente pelo Judiciário, de consumidores de entorpecentes que ingressam na seara do comércio clandestino de drogas para financiar o próprio uso. (...)" (TJPR - 5ª C.Criminal - AC 0701590- 7 - Marialva - Rel.: Juiz Subst. 2º G. Raul Vaz da Silva Portugal - Unânime - J. 10.03.2011). Destarte, mantenho a condenação de Jorge Salomão Junior como incurso no delito do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006.
Quanto à apreensão dos instrumentos destinados ao plantio e preparação da droga - prensa de madeira crua, uma caixa de madeira (molde) e uma apostila com instruções para plantio e produção de "maconha" tem-se que o crime do art. 34, da Lei nº 11.343/06, está absorvido pelo delito de tráfico de entorpecentes. É que tais objetos serviram apenas como instrumento para a consumação do delito de tráfico. Nesse sentido: "DIREITO PENAL. RECURSO ESPECIAL. 1. TRÁFICO DE DROGAS. POSSE DE MAQUINÁRIO. ASSOCIAÇÃO. ARTS. 33, 34 E 35 DA LEI N. 11.343/2006. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. DECOTE DE CAUSA DE AUMENTO DO ART. 40, VI, DA LEI DE DROGAS. INCIDÊNCIA DE REDUTORA
DO ART. 33, § 4º, DA MESMA LEI. PLEITOS INVIÁVEIS NA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DAS NORMAS VIOLADAS. RECURSO ESPECIAL COM MOTIVAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. 2. PEDIDOS QUE DEMANDAM REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. IMPROPRIEDADE DA PROVIDÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. 3. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. CONDENAÇÃO SIMULTÂNEA NOS ARTS. 33 E 34 DA LEI N. 11.343/2006. ALEGAÇÃO DE BIS IN IDEM. OCORRÊNCIA. POSSE DE INSTRUMENTOS. CRIME MEIO. 4. BALANÇA DE PRECISÃO E SERRA CIRCULAR. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE. OBJETOS PRÓPRIOS DO CRIME DE TRÁFICO. 5. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. 1. Os pedidos de absolvição por ausência de prova, de decote da causa de aumento prevista no art. 40, inciso VI, da Lei nº 11.343/2006 e de incidência da causa de diminuição da pena trazida no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, não têm como ser analisados na via eleita. Com efeito, o recorrente se limitou a reiterar os pedidos já formulados perante o Tribunal de origem, sem, no entanto, apontar qualquer violação a norma infraconstitucional ou divergência jurisprudencial. Assim, a ausência de especificação das hipóteses de cabimento do presente recurso torna sua fundamentação deficiente, o que atrai, por analogia, a incidência do verbete nº 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 2. É assente nesta Corte Superior que cabe ao aplicador da lei, nas instâncias ordinárias, proceder ao cotejo do
material fático-probatório dos autos, a fim de aferir a existência de provas aptas a embasar a condenação bem como a correta dosimetria da pena, com incidência das causas de aumento e de diminuição que ficarem comprovadas. Não compete ao Superior Tribunal de Justiça, na via eleita, o reexame de fatos e provas, conforme dispõe o enunciado nº 7 da Súmula desta Corte. 3. Há nítida relação de subsidiariedade entre os tipos penais descritos nos arts. 33 e 34 da Lei 11.343/2006. De fato, o tráfico de maquinário visa proteger a "saúde pública, ameaçada com a possibilidade de a droga ser produzida", ou seja, tipifica-se conduta que pode ser considerada como mero ato preparatório. Portanto, a prática do art. 33, caput, da Lei de Drogas absorve o delito capitulado no art. 34 da mesma lei, desde que não fique caracterizada a existência de contextos autônomos e coexistentes, aptos a vulnerar o bem jurídico tutelado de forma distinta. No caso, referida análise prescinde do reexame de fatos, pois da leitura da peça acusatória, verifica-se que a droga e os instrumentos foram apreendidos no mesmo local e num mesmo contexto, servindo a balança de precisão e a serra/alicate de unha à associação que se destinava ao tráfico de drogas, não havendo a autonomia necessária a embasar a condenação em ambos os tipos penais simultaneamente, sob pena de bis in idem. 4. Salutar aferir, ademais, quais objetos se mostram aptos a preencher a tipicidade penal do tipo do art. 34 da Lei de Drogas, o qual visa coibir a produção de drogas. A meu ver, deve ficar demonstrada a real
lesividade dos objetos tidos como instrumentos destinados à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sob pena de a posse de uma tampa de caneta - utilizada como medidor -, atrair a incidência do tipo penal em exame. Relevante, assim, analisar se os objetos apreendidos são aptos a vulnerar o tipo penal em tela. No caso dos autos, além de a conduta não se mostrar autônoma, verifico que a apreensão de uma balança de precisão e de um alicate de unha não pode ser considerada como posse de maquinário nos termos do que descreve o art. 34 da Lei de Drogas, pois referidos instrumentos integram a prática do delito de tráfico, não se prestando à configuração do crime de posse de maquinário. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para excluir a condenação dos recorrentes Márcia Regina Millezi e Francisco Luís Alves de Lima pela prática do delito do art. 34 da Lei de Drogas" (STJ - REsp 1196334/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 19/09/2013, DJe 26/09/2013). "EMENTA: 1. PENAL. ART.33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/2006. SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELAÇÃO CRIMINAL DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. DESCABIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE CONSUBSTANCIADAS. FARTO CONJUNTO PROBATÓRIO COLHIDO APÓS COMPLEXA OPERAÇÃO POLICIAL. DROGA ENCONTRADA NO FORRO DO TELHADO DA RESIDÊNCIA DO ACUSADO. AUTORIA DELINEADA POR INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS
AUTORIZADAS JUDICIALMENTE. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. ADMISSIBILIDADE. LUCRO FÁCIL COMO MOTIVO DETERMINANTE DA PRÁTICA DO ILÍCITO PENAL. A ação penal que aqui se cuida originou- se de complexa operação policial voltada ao combate do narcotráfico na região de Marechal Cândido Rondon, conforme demonstram os inúmeros relatórios policiais anexados ao caderno processual, que fundamentaram os pedidos de expedição de mandados de busca e apreensão e pedidos de interceptações telefônicas, os quais deflagraram, ainda, outras ações penais. 2. ART. 34, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/2006. PETRECHOS PARA A PRÁTICA DE TRÁFICO. BALANÇA DIGITAL APREENDIDA. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. CRIME SUBSIDIÁRIO EM RELAÇÃO AO DELITO DE TRÁFICO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Na hipótese, não ocorre a figura do concurso material ou formal entre os crimes de tráfico e o de petrechos para o tráfico, uma vez que este constitui conduta precedente para o cometimento daquele. 2. Pelo princípio da consunção, o crime maior e mais grave previsto no art. 33, caput, absorve o tipo penal em exame, legalmente entendido como crime- meio menos grave. Por isso, o crime de petrechos deve ser considerado tipo penal subsidiário em relação ao tráfico ilícito de drogas" (TJPR, Ap. Crim. nº 539.022- 1, Rel. Des. Marques Cury, 3ª C.Crim., j. 12.02.2009, DJ 03.04.2009). Dessa forma, é de se absolver Jorge Salomão Júnior da prática do art. 34, da Lei nº 11.343/2006.
Mencione-se, ainda, que embora não seja objeto do recurso, está comprovada a autoria e a materialidade do crime do art. 12, da Lei nº 10.826/2003, por meio do Auto de Prisão em Flagrante Delito (fls. 7/17), Boletim de Ocorrência (fls. 19/24), Auto de Apreensão (fls. 30/31) e Laudo de Exame de Arma de Fogo e Munição (fls. 241/243). Ademais, o recorrente confirmou a propriedade da espingarda apreendida na sua residência. É sabido que para a caracterização do delito do art. 12, da Lei nº 10.826/2003, basta a prática de um dos verbos nele descritos. No caso, como dito, o réu mantinha sob sua guarda a arma. Do exposto, mantenho a condenação do réu pelos crimes do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, e do art. 12, da Lei nº 10.826/2003, e o absolvo do delito do art. 34, da Lei nº 11.343/06. Indo adiante, há a irresignação do recorrente com relação à pena fixada na sentença. O il. Magistrado assim caminhou para a aplicação da reprimenda: "(...) Partindo do mínimo legal estabelecido no art. 33, da Lei nº 11.343/06, ou seja, 5 anos de reclusão e 500 dias-multa, passo a analisar as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal. Culpabilidade: a conduta merece censura acima do normal, uma vez que o réu tem capacidade plena para entender o caráter reprovável do crime perpetrado, cultivando substâncias ilícitas em local destinado a
reabilitação de dependentes químicos. No entanto, por ser causa de aumento de pena tal situação, deixo de valorar nesta fase. Antecedentes: o réu não ostenta antecedentes, não havendo acréscimo cabível à pena-base. Conduta social: não restou demonstrada a boa ou má conduta social do réu, não havendo acréscimo cabível à pena-base. Personalidade do agente: não restaram suficientes elementos para avaliar, não havendo acréscimo cabível à pena-base. Motivos: não restaram comprovados motivos que demonstrem ser a conduta reprovável além do normal, não havendo acréscimo cabível à pena-base. Circunstâncias: não há elementos para valorar, não havendo acréscimo cabível à pena-base. Consequências: o delito causou prejuízos ao Estado e à sociedade, porém tal circunstância é inerente ao tipo penal, não havendo acréscimo cabível à pena-base. Comportamento da vítima: deixo de valorar, não havendo acréscimo cabível à pena-base. Assim fixo a pena base em 5 anos de reclusão. Não existem agravantes ou atenuantes. Presente a causa especial de aumento de pena do inciso III do art. 40 da lei nº 11.434/06, conforme fundamentado acima, aumento a pena em 1/3, representando 1 ano e 8 meses. Passo à análise do disposto no art. 33, §4º, da lei nº 11.343/06. Compulsando-se os autos, verifico que o acusado é primário e de bons antecedentes.
No entanto, observo que restou devidamente demonstrado que este se dedica à atividade criminosa, uma vez que tem produção da substância entorpecente apreendida, não mera revenda, e foram apreendidos objetos que indicam ser a traficância o meio de vida do réu conforme auto de apreensão fls. 30/31. Assim, entendo que a benesse prevista no §4º do art. 33 da lei nº 11.343/06 não deve ser aplicada, pois a prática do crime não é eventual, mas habitual. Não havendo outras causas de aumento ou diminuição de pena aplicáveis, fixo definitivamente a reprimenda em 6 anos e 8 meses de reclusão. Atentando para o critério da proporcionalidade entre a pena privativa de liberdade (aumentada em 1/3 do patamar mínimo) e a pena de multa, fixo esta última em 666 dias-multa. (...) Quanto ao crime do art. 12, do Estatuto do Desarmamento, ou seja, 1 ano de detenção e multa, passo a analisar as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal. Culpabilidade: a conduta merece censura normal, não havendo acréscimo cabível à pena-base. Antecedentes: o réu não ostenta antecedentes. Conduta social: não restou demonstrada a boa ou má conduta social do réu, não havendo acréscimo cabível à pena-base. Personalidade do agente: não restaram suficientes elementos para avaliar, não havendo acréscimo cabível à pena-base.
Motivos: não restaram comprovados motivos que demonstrem ser a conduta reprovável além do normal, não havendo acréscimo cabível à pena-base. Circunstâncias: não há elementos para valorar, não havendo acréscimo cabível à pena-base. Consequências: o delito causou prejuízos ao Estado e à sociedade, porém tal circunstância é inerente ao tipo penal, não havendo acréscimo cabível à pena-base. Comportamento da vítima: deixo de valorar, não havendo acréscimo cabível à pena-base. Assim, fixo a pena base em 1 ano de detenção. Inexistem agravantes, estando presente a atenuante da confissão espontânea, nos termos do art. 65, III, "d", do Código Penal. Não sendo possível, nesta fase, o decréscimo da pena aquém do mínimo legal (Súmula nº 231 do STJ), mantenho-a em 1 ano de detenção. Ausentes causas de aumento ou diminuição de pena aplicáveis, fixo definitivamente a reprimenda em 1 ano de detenção e 10 dias-multa. Tendo por base o disposto no art. 111 da Lei de Execuções Penais, bem como o art. 2º, §1º da Lei 8072/90, com redação dada pela Lei 11.464/2007, a pena total de 11 anos e 8 meses de reclusão será cumprida em regime inicialmente fechado. São incabíveis, no caso, a substituição da pena corporal por restritiva de direito e a concessão de sursis (...)" (fls. 298/303). Nota-se que o il. Juiz, quanto aos crimes de tráfico e posse ilegal de arma de fogo, estabeleceu as penas-bases em seus
mínimos legais. E, como pretende a Defesa, a primariedade do réu acabou reconhecida pelo Magistrado que entendeu que o apelante não é portador de maus antecedentes. Portanto, a Defesa não tem interesse em impugnar este ponto. Na segunda etapa da dosimetria, o il. Juiz reconheceu a atenuante da confissão espontânea quanto ao crime de posse ilegal de arma de fogo mas, acertadamente, deixou de reduzir a reprimenda em razão do contido na Súmula nº 231, do Superior Tribunal de Justiça. No que toca ao crime de tráfico de entorpecentes, corretamente, o Dr. Juiz entendeu não existirem nem circunstâncias atenuantes e nem agravantes. E não é de se aplicar a circunstância atenuante inominada por ser o recorrente, alegadamente, relativamente incapaz. Não se olvida que o art. 4º, II, do Código Civil, dispõe que são relativamente incapazes "os ébrios eventuais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido". Entretanto, a incapacidade relativa não é "automática". Como ensina Flávio Tartuce, "em todos os casos haverá necessidade de um processo de interdição relativa, não se presumindo tais incapacidades" (in Manual de Direito Civil Volume Único. 3ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2013 - p. 81).
E, no caso, não há nenhum elemento nos autos que demonstre que houve a interdição do apelante. Não há, na verdade, nenhuma prova de que o recorrente seja realmente viciado em tóxicos. Ademais, mesmo que se admitisse a incapacidade relativa do paciente, tal fato não teria relação com a imputabilidade penal. As situações dos artigos 3º e 4º, do Código Civil, têm como intuito a proteção do incapaz e, também, dos negócios e atos praticados por ele. Na lição de Fábio Ulhoa Coelho, a incapacidade não é restrição à personalidade, ou seja, o incapaz pode praticar, em regra, todos os atos e negócios jurídicos que a pessoa capaz pode praticar. A diferença é que este pode praticá-los imediatamente, enquanto que aquele necessita de representação ou assistência (in Curso de Direito Civil. 4ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010 - p.171). De outro lado, a imputabilidade penal tem relação com o conhecer a ilicitude do fato e determinar-se de acordo com este entendimento. Tanto que, como bem explica Flávio Monteiro de Barros, "durante os intervalos lúcidos, o doente mental é considerado imputável, respondendo pelos crimes praticados. Não é impossível que ao tempo do crime o doente mental se encontre com capacidade de entender e querer" (in Direito Penal Parte Geral, v.1, 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009 - p. 378).
Portanto, não há que se falar em incapacidade relativa e nem em inimputabilidade ou semi-imputabilidade. Assim, inaplicável a atenuante inominada sob este argumento. Na terceira etapa da aplicação da pena, o il. Juiz ponderou que não estão presentes nem causas de aumento e nem de diminuição quanto ao crime de posse ilegal de arma de fogo. E, no que diz respeito ao delito de tráfico de entorpecentes, elevou a sanção de 1/3 (um terço) em razão da majorante do art. 40, III, da Lei nº 11.343/06. Acontece que referida causa de aumento não está descrita na denúncia e não houve aditamento da inicial pelo Ministério Público. Portanto, a incidência da majorante fere o princípio da correlação entre a sentença e a denúncia. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/1997. CAUSA DE AUMENTO APLICADA NA SENTENÇA SEM A CORRESPONDENTE DESCRIÇÃO NA PEÇA ACUSATÓRIA. AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DO SUPOSTO DANO CAUSADO A TERCEIRO NA DENÚNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PENA REMANESCENTE ESTABELECIDA EM 2 (DOIS) ANOS DE DETENÇÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. 1. O princípio da correlação entre acusação e sentença, também chamado de princípio da congruência, representa uma das mais relevantes garantias do direito de defesa, visto que assegura a não condenação do acusado por fatos não descritos na peça acusatória,
é dizer, o réu sempre terá a oportunidade de refutar a acusação, exercendo plenamente o contraditório e a ampla defesa. 2. A causa de aumento de pena deve estar devidamente descrita na denúncia ou no aditamento à denúncia para que possa ser reconhecida pelo juiz na sentença condenatória, sob pena de cerceamento de defesa. 3. No caso dos autos, a despeito de ter sido aplicada a causa de aumento prevista no preceito secundário do art. 182 da Lei nº 9.472/97, percebe-se da denúncia que em nenhum momento foi narrado o suposto dano causado pela conduta dos recorrentes, evidenciando a violação ao princípio da correlação. 4. Considerando a pena estabelecida, após a exclusão da causa de aumento, verifica-se a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, visto que transcorridos mais de 4 (quatro) anos desde a publicação da sentença condenatória. 5. Recurso provido para excluir a causa de aumento fixada na sentença, declarando a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva" (STJ - REsp 1193929/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 04/12/2012). Demais disso, como bem ponderou o douto Procurador de Justiça, não há provas de que a comunidade "Santo Daime", em que está inserida a chácara do apelante, seja um centro de recuperação de dependentes químicos.
Desse modo, é de se excluir a causa de aumento do art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006. Entretanto, é de se reconhecer, de ofício, a incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. O il. Juiz entendeu ser inaplicável tal minorante sob o argumento de que "restou devidamente demonstrado que este se dedica à atividade criminosa, uma vez que tem produção da substância entorpecente apreendida, não mera revenda, e foram apreendidos objetos que indicam ser a traficância o meio de vida do réu" (fls. 300). Ora, a produção de "maconha" consiste em uma das modalidades previstas pelo tipo penal para caracterizar o tráfico pois o art. 33, caput, da Lei de Drogas fala em "produzir" e até em "fabricar". Assim, tal conduta, porque inerente ao delito, não pode ser levada em conta para negar a causa de diminuição. Sobre a circunstância de o réu possuir em casa objetos para a plantação e separação da droga, ficou decidido que integra a prática do crime de tráfico de entorpecentes. Tanto que aplicado o princípio da consunção entre os delitos do artigo 33 e 34, da Lei nº 11.343/06. Assim, não subsistindo o fundamento do douto Magistrado, é de se reconhecer a incidência da minorante do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, razão pela qual reduzo a pena de 1/6 (um sexto).
Justifico a escolha do percentual mínimo porque na residência do apelante os policiais apreenderam grande quantidade e variedade de entorpecentes 2,6 Kg (dois quilos e seiscentos gramas) de "maconha" e 1,38 Kg (um quilo e trezentos e oitenta gramas) de "haxixe". Diga-se, por oportuno, que de acordo com recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (HC 109.193 e HC 112.7776) é possível considerar a quantidade da droga nesta fase da dosimetria porquanto tal circunstância não foi utilizado pelo Juiz sentenciante na primeira etapa da aplicação da reprimenda. Dessa forma, fica o apelante condenado à pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 416 (quatrocentos e dezesseis) dias-multa. Diante do concurso material entre os delitos de tráfico de entorpecentes e posse ilegal de arma de fogo, fica o réu condenado à pena definitiva de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão, 1 (um) ano de detenção e 426 (quatrocentos e vinte e seis) dias-multa. Ante a pena aplicada e o fato de que as circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal, são todas favoráveis ao recorrente, seria de se fixar o regime semiaberto para o cumprimento da reprimenda, conforme o disposto no art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. Entretanto, em 3.12.2012 entrou em vigor a Lei nº 12.736, de 30.11.2012, que acrescentou ao art. 387, do Código de Processo Penal, o § 2º, com a seguinte redação: "o tempo de prisão provisória, de
prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação de regime inicial de pena privativa de liberdade". Anteriormente à Lei nº 12.736/2012, bastava para a aplicação do regime de cumprimento da pena a observância do disposto no art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. Contudo, a partir da alteração trazida pela aludida lei, devem ser analisadas em conjunto as regras dispostas no Código Penal e a contida no citado art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal. Assim, para a aferição do regime devem ser levados em consideração: a) quantum da reprimenda fixado na sentença, b) o tempo em que o réu permaneceu internado ou preso, provisória ou administrativamente e, c) a valoração das circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal. Pois bem. Infere-se dos autos que o réu encontra- se preso desde 18.8.2012, o que perfaz cerca de 1 (um) ano e 7 (sete) meses. Assim, para fins de aplicação do regime deve ser levada em consideração a pena de 3 (três) anos e 7 (sete) meses. Desse modo, diante da pena detraída e da análise favorável de todas as circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal, estabeleço como regime de cumprimento da sanção corporal o aberto. As condições deverão ser estabelecidas pelo Juízo da execução.
III Do exposto, voto pelo parcial provimento do recurso para excluir a majorante do art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006, e, de ofício, absolvo o réu da imputação do art. 34, da Lei nº 11.343/2006, reconheço a incidência da minorante do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, e modifico o regime de cumprimento para o aberto.
ACORDAM os integrantes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos em dar parcial provimento ao recurso e, de ofício, absolver o réu quanto ao crime do art. 34, da Lei nº 11.343/2006, reduzir a pena fixada e modificar o regime de cumprimento da pena para o aberto. Oficie-se ao Juízo da Vara Criminal do Foro Regional de Campo Largo da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba para que expeça Alvará de Soltura em favor de Jorge Salomão Junior, se por al não estiver preso.
Participaram do julgamento a Desembargadora Sônia Regina de Castro (Presidente em exercício, sem voto), o Desembargador José Cichocki Neto e a Juíza Substituta em Segundo Grau, Dr.ª Maria Roseli Guiessmann.
Curitiba, 3 de abril de 2014.
ROGÉRIO KANAYAMA Relator
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