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Acórdão
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Digitally signed by LEONEL CUNHA:25816 Date: 2014.04.14 13:46:01 BRT Reason: Validade Legal Location: Paraná - Brasil
Apelação Cível nº 1164101-9, da Região Metropolitana de Maringá Foro Central de Maringá, 1ª Vara Cível. Apelantes: Geraldo Pegoraro Filho e outro. Apelada: Universidade Estadual de Maringá - UEM. Relator Originário Vencido: Des. Leonel Cunha. Redator do Acórdão: Des. Luiz Mateus de Lima. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. ILEGALIDADE DAS PORTARIAS QUE DETERMINARAM A RECONDUÇÃO DOS APELANTES AOS CARGOS DE TÉCNICO ADMINISTRATIVO. DESENQUADRAMENTO QUE DEVERIA TER SIDO PRECEDIDO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA. INOBSERVÂNCIA DO PRAZO JUDICIAL FIXADO PARA O RETORNO DOS SERVIDORES AOS CARGOS E FUNÇÕES ANTERIORMENTE OCUPADOS. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. (MAIORIA) Em decorrência da inobservância pela Universidade Estadual de Maringá do prazo judicial fixado para o retorno dos servidores aos cargos e funções inicialmente ocupados, Técnicos Administrativos, bem como em razão da não instauração de processo administrativo, a fim de proporcionar o exercício da Ampla Defesa e do Contraditório aos apelantes, é de rigor o provimento do recurso e, por consequência, a concessão à segurança para tornar sem efeito as Portarias nºs 788/2012 PRH e 789/2012- PRH.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1164101-9, do Foro Central da Região Metropolitana de Maringá, 1ª Vara Cível, em que são apelantes Geraldo Pegoraro Filho e outro e apelada Universidade Estadual de Maringá UEM. Adota-se por reportação o relatório de lavratura do Des. Leonel Cunha, in verbis: 1) "GERALDO PEGORARO FILHO e OUTRA impetrou MANDADO DE SEGURANÇA contra ato atribuído ao Senhor REITOR DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ, objetivando a suspensão das Portarias nºs 788 e 789/2012 PRH que os desenquadraram da função de advogados, revertendo-os no cargo público de Técnico Administrativo, nível médio, em obediência à decisão judicial proferida em Ação Civil Pública, com a consequente manutenção naquele cargo até então ocupado. 2) O pedido liminar de manutenção dos Impetrantes no cargo que ocupavam antes da expedição das Portarias de desenquadramento foi deferido (fls. 148/151), cuja decisão foi objeto de Agravo de Instrumento (fls. 328/339), ao qual neguei provimento, revogando a medida de urgência anteriormente conferida (fls. 366/374).
2 3) Em Informações, a Autoridade Coatora comunicou que tal defesa foi avocada pela Procuradoria Geral do Estado ante evidente conflito de interesses, e alega que: a) a ascensão dos Impetrantes deu-se por Portarias e não Resolução; b) a verba de representação prevista na Lei nº 9.422/90 foi suprimida unilateralmente dos vencimentos dos Impetrantes em razão de exercerem a função de advogado ilegalmente; c) o enquadramento dos Impetrantes no cargo de nível superior (advogados) é ilegal e já foi reconhecido pelo Poder Judiciário em Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa contra reenquadramento funcional (autos nº 159/2000), daí que correto o retorno às funções de origem; d) a Administração Pública tem o poder-dever de corrigir seus próprios atos administrativos, corolário lógico dos princípios da autotutela e autoexecutoriedade, nos termos das Súmulas nºs 346 e 473, ambas do STF; e) a legalidade na conduta da UEM em corrigir o ato de transposição dos cargos públicos de nível superior para técnico. 4) A sentença (fls. 397/400) denegou a segurança postulada. 5) Os Impetrantes apelaram (fls. 411/438), sustentando que: a) são ilegais os atos administrativos que retiraram o cargo de advogado dos Impetrantes, ocupado há mais de 20 (vinte) anos, sem o devido processo legal, conforme decisões dos Tribunais; b) as Portarias editadas pela Autoridade Coatora foram fundamentadas em decisão judicial não transitada em julgado, em mero parecer da PGE e lei genérica da carreira
3 dos servidores do IEESS; c) no caso dos autos, em que os Impetrantes estão prestes a se aposentar, o poder-dever da Administração de anular seus próprios atos tidos como ilegais merece relativizado, sob pena de acarretar grave sanção patrimonial; d) é injusto que somente os Impetrantes tenham sido reenquadrados no cargo antes ocupado (técnico administrativo) enquanto existem outros servidores na mesma situação funcional exercendo o mister de advogado; e) os Impetrantes estavam de boa-fé quanto à legalidade aparente do ato administrativo de enquadramento no cargo e função de nível superior. 6) Contrarrazões nas fls. 466/485.
É o relatório."
II VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO.
Presentes os pressupostos recursais de admissibilidade, conheço do recurso de apelação e lhe dou provimento, para o fim de conceder a segurança, no entanto por fundamentação diversa do Relator Originário. Vencido o Desembargador Leonel Cunha, que declara voto em separado. A questão dos autos versa sobre a ilegalidade das Portarias nºs 788/2012 e 789/2012 que
4 determinaram a recondução dos apelantes aos cargos anteriormente ocupados, qual seja Técnico Administrativo. Extrai-se dos autos que, o Ministério Público do Estado do Paraná ajuizou ação civil pública (nº 159/00), tendo em primeiro grau sido julgada improcedente e, em segundo grau reformada (apelação cível nº 558765-3), anulando-se "as Resoluções nºs 015/95 COU, datada de 29 de maio de 1995; nº 268/95 CAD, datada de 22 de junho de 1995 e nº 100/96 CAD, datada de 07 de março de 1996, e, por conseguinte, determinar que a Universidade Estadual de Maringá promova o retorno dos servidores aos cargos e funções inicialmente ocupados, em trinta dias a contar do trânsito em julgado desta decisão ..." (f. 119) Tal questão é objeto de recurso junto ao STJ, pendente de julgamento do Agravo em Recurso Especial nº 149433/PR (consulta sítio eletrônico do STJ). Vale observar que, ainda que a decisão acima referida não tenha transitado em julgado, vez que pendente de julgamento de recurso junto ao STJ, a Universidade Estadual de Maringá, em outubro de 2012, editou as Portarias nºs 788/2012 PRH e 798/2012 PRH, determinando o retorno dos servidores aos cargos e funções inicialmente ocupados, Técnicos Administrativos (fls. 41 e 43). Assim, não se está a discutir o desenquadramento de função em si, mas sim o descumprimento da ordem judicial pela Universidade Estadual de Maringá, haja vista que no acórdão do recurso de
5 Apelação Cível nº 558765-3 restou bastante claro que o retorno dos servidores aos cargos e funções inicialmente ocupados deveria se dar em trinta dias a contar do trânsito em julgado da decisão, todavia sendo tal decisão objeto de recurso na instância superior, não houve o trânsito em julgado do citado decisum, implicando, assim, em ofensa a direito líquido e certo dos apelantes. Além disso, no presente caso, o desenquadramento dos apelantes dos cargos anteriormente ocupados, deveria ter sido precedido de processo administrativo, com observância ao Contraditório e a Ampla Defesa, ainda que se tratasse do Poder de autotutela da Administração Pública, até porque tal ato produz efeito na esfera dos interesses individuais dos apelantes, além do que não está havendo o cumprimento do prazo fixado em decisão judicial para tal, o que seria diverso, caso houvesse tal cumprimento. Nesse sentido é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:
"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DO CARGO DE PROFESSOR. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE DIPLOMA EM CURSO DE NÍVEL SUPERIOR NO ATO DA POSSE. NÃO CUMPRIMENTO. NOMEAÇÃO E POSSE EFETIVADAS. TERMO DE COMPROMISSO. DEFERIMENTO DO PRAZO DE 180 DIAS PARA A APRESENTAÇÃO. REVISÃO DO ATO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ANULAÇÃO DO ATO. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE. 1. Não há como abrigar agravo regimental que não logra desconstituir os fundamentos da decisão atacada.
6 2. Não se discute que, nos termos da Súmula 473/STF, a Administração, com fundamento no seu poder de autotutela, pode anular seus próprios atos, desde que ilegais. 3. Ocorre que, quando tais atos produzem efeitos na esfera de interesses individuais, mostra-se necessária a prévia instauração de processo administrativo, garantindo-se a ampla defesa e o contraditório. Precedentes. 4. Na espécie, a Administração deu posse à agravada sem que fosse apresentada a documentação necessária para o exercício do cargo e, além disso, concedeu um prazo de 180 dias para a regularização dessa situação. No entanto, antes do encerramento do prazo estipulado, anulou o ato sem proporcionar à parte interessada o direito de defesa, com a instauração do competente procedimento administrativo." 5. Agravo regimental improvido." (STJ, AgRg no RMS 29222 / RO, 6ª Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, DJe 20.02.2014) (Grifos deste Relator)
"(...) EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA. NECESSIDADE DE IMPUGNAÇÃO FORMAL E DIRETA À VALIDADE DO ATO, FORMULADA POR AUTORIDADE COM PODER DE DECISÃO SOBRE A ANULAÇÃO DO ATO, ASSEGURADO AO INTERESSADO O EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. PARECER MINISTERIAL PELA CONCESSÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA.(...)" (STJ, MS 18678 / DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, Dje 07/02/2014) (Grifos deste Relator)
"ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 543-B, § 3º, DO CPC. RE n. 594.296/MG. REPERCUSSÃO GERAL. AUTOTUTELA. SÚMULA 473/STF. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO ILEGAL, COM PREJUÍZO A DIREITO DE PARTICULAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. CONCURSO PARA O PREENCHIMENTO DE CARGOS DE DENTISTA DO DISTRITO FEDERAL, OCORRIDO EM 2006. ANULAÇÃO DAS PROVAS. IMPEDIMENTO DE MEMBRO DA BANCA EXAMINADORA. ATO REALIZADO DURANTE CONTROLE DE LEGALIDADE DO CERTAME, AINDA NÃO HOMOLOGADO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A DIREITO DOS CANDIDATOS. INAPLICABILIDADE DO PRECEDENTE DO STF. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I - O Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 594.296/MG, consoante o disposto nos arts. 543-B, do Código de Processo Civil, consolidou o entendimento segundo o qual a anulação, pela Administração Pública, no exercício da autotutela, de ato administrativo reputado
7 ilegal que, contudo, já tenha produzido efeitos concretos perante terceiros, deve ser precedida de prévio processo administrativo, no qual seja garantido, aos interessados, o pleno exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa. (...)" (STJ, AgRg no RMS 24122 / DF, 5ª Turma, Rel. Minª. Regina Helena Costa, DJe 13.12.2013) (Grifos deste Relator)
No mesmo sentido: "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÕES. ANULAÇÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL.INOBSERVÂNCIA. O Supremo Tribunal Federal fixou jurisprudência no sentido de que é necessária a observância do devido processo legal para a anulação de ato administrativo que tenha repercutido no campo de interesses individuais. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento." (STF, RE 501869 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 23/09/2008, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-06 PP-01139 RTJ VOL-00208-03 PP-01251). (Grifos deste Relator)
Ainda, por oportuno, como fundamentação por reportação, vale transcrever parte do voto proferido pela Minª. Regina Helena Costa (STJ, AgRg no RMS 24122 / DF, 5ª Turma, Rel., DJe 13.12.2013), ementa acima citada: "Destaco, ainda, porquanto esclarecedoras, as observações tecidas pela Eminente Ministra Carmem Lúcia, em seu voto-vista: Autotutela da Administração Pública é o instrumento de que dispõe ela de verificar a legalidade de seus provimentos e do atendimento das funções que lhe são legalmente fixadas por decorrência da autoexecutoriedade dos atos administrativos.
8 Entretanto, não se desempenha a autotutela sem limites. A mais recente doutrina do direito administrativo nem mais se refere a poder de autotutela, mas função de autocontrole, pois não se cuida verdadeiramente de poder, mas de dever, para se aferir e garantir a legalidade dos comportamentos estatais. Poder ou função se lhe considere, o que é certo é que, no Estado Democrático de Direito, há limites neste desempenho. Tais limites são fixados, rigorosamente, pelos direitos fundamentais dos indivíduos, dos cidadãos, pelo patrimônio de bens jurídicos constitucionalmente assegurados a todos, aí incluídos os dos servidores, como é óbvio.(...)
O desempenho da autotutela da Administração Pública não a dispensa do rigoroso cumprimento da Constituição da República, em cujo art. 5º, inc. LV se impõe a observância do devido processo legal, garantindo-se a todos que os seus direitos (ou interesses) não sejam atingidos sem que, previamente, se assegure ao interessado o direito ao contraditório e à ampla defesa. Daí a necessidade de se formalizar processo administrativo quando a atuação da entidade administrativa puder acarretar restrição ou perda de direito ou de alteração ou anulação de situação antes reconhecida ao interessado." Inclusive, sobre tal matéria, é o Enunciado nº 32 das 4ª e 5ª Câmaras Cíveis desta Corte:
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"Ressalvada a decadência administrativa prevista no art. 54 da Lei Federal n.º 9.784/1999 (prazo de cinco anos), é lícito à Administração Pública, por força do poder de autotutela, anular ou revogar seus próprios atos, quando eivados de vícios; entretanto, sempre que a decisão administrativa afetar interesses individuais é imprescindível que se faculte aos interessados o exercício do contraditório e da ampla defesa."
Logo, restou consolidado o entendimento segundo o qual necessário oportunizar-se o exercício do Contraditório e da Ampla Defesa aos particulares, cujos direitos devam ser extintos ou limitados em decorrência da anulação, pela Administração, de ato administrativo eivado de ilegalidade, ainda mais que, como já dito anteriormente, a apelada está descumprindo prazo fixado em decisão judicial, cujo entendimento seria diverso se houvesse o cumprimento do mandamento judicial. Assim, em decorrência da não observância pela Universidade Estadual de Maringá quanto ao prazo judicial fixado para o retorno dos servidores aos cargos e funções inicialmente ocupados, Técnicos Administrativos, bem como em decorrência da não instauração de processo administrativo, a fim de proporcionar o exercício da Ampla Defesa e Contraditório aos apelantes, é de rigor o provimento do recurso e, por consequência, a concessão à segurança para tornar sem efeito as Portarias nºs 788/2012 PRH e 789/2012- PRH. Isto é, dá-se provimento ao recurso, todavia por fundamento diverso do Relator Originário.
10 III DECISÃO.
Diante do exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por MAIORIA de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto. Vencido o Desembargador Leonel Cunha, que declara voto em separado.
Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Nilson Mizuta (presidente, sem voto), Leonel Cunha, Luiz Mateus de Lima e Adalberto Jorge Xisto Pereira.
Curitiba, 08 de abril de 2014.
LUIZ MATEUS DE LIMA Desembargador Redator do Acórdão.
LEONEL CUNHA Desembargador Relator Originário Vencido.
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