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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.108.755-5, DO FORO REGIONAL DE MANDAGUARI DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE MARINGÁ VARA CÍVEL. APELANTE: NATUCOR TINTAS LTDA. APELADOS: SILVIO DE SOUZA SILVA E OUTRA RELATOR: DES. LAURI CAETANO DA SILVA REVISOR: DES. LUIS SÉRGIO SWIECH APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE. AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO. PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO JULGADO PROCEDENTE. NEGÓCIO SIMULADO. VÍCIO NO CONSENTIMENTO. AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE JULGADO IMPROCEDENTE. ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA E INSTRUMENTO DE PROCURAÇÃO. DOLO E SIMULAÇÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INTELIGÊNCIA DO ART. 47 DO CPC. NECESSIDADE DE CHAMAMENTO PARA COMPOR O POLO PASSIVO DA RELAÇÃO PROCESSUAL DE TODAS AS PESSOAS QUE PARTICIPARAM ATIVAMENTE NO NEGÓCIO. NULIDADE PROCESSUAL. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PREJUDICADO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.108.755-5, do Foro Regional de Mandaguari da Comarca da Região Metropolitana de Maringá Vara Cível, em que é apelante Natucor Tintas Ltda, e apelados Silvio de Souza Silva e Tatiana Martins Silva. ACORDAM os Desembargadores integrantes da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, anular a sentença. Recurso Prejudicado. I- RELATÓRIO 1. DA AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE AUTOS Nº644-71/2009
1.1. Natucor Tintas Ltda ajuizou, em 14.08.2009, ação com pedido de imissão de posse em face de Silvio de Souza Silva e Tatiana Martins Silva aduzindo, em síntese, que: a) em 30.10.2008 adquiriu dos réus o imóvel residencial constituído pelo lote de terreno nº10, da quadra "E", com área de 205,00m2, situado no Jardim Residencial Delgado, objeto da matrícula nº 10.283 do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Mandaguari; b) os réus, alienantes do imóvel, comprometeram-se a desocupar o bem no prazo de três meses, o que não ocorreu, sendo o prazo prorrogado por mais três meses; c) os requeridos recusam-se a desocupar o imóvel; d) a resistência dos réus é injustificada, uma vez que a autora é a proprietária do imóvel. Como consequência dos fatos alegados requereu liminarmente a expedição do mandado de imissão de posse do imóvel, além da procedência do pedido, ao final da demanda. 1.2. Silvio de Souza Silva e Tatiana Martins Silva ofereceram defesa em sede de contestação (f.31/38), alegando, preliminarmente, a inépcia da petição inicial, uma vez que a ação de imissão de posse não mais existe no ordenamento jurídico pátrio. No mérito, negaram a alienação do imóvel e afirmaram que exercem posse mansa e pacífica, não estando presentes os requisitos para concessão de liminar ou para a procedência do pedido. 1.3. O MM. Juiz a quo proferiu a sentença de f.57/68, pela qual julgou extinto o processo sem resolução de mérito, em razão da impossibilidade jurídica do pedido, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$4.500,00. Contra esta decisão a autora Natucor Tintas Ltda interpôs recurso de apelação (f.75/115). A sentença foi cassada de ofício e o recurso julgado prejudicado (Apelação Cível nº704.460-6 f.296/303). 1.4. Em sede de audiência de instrução e julgamento foram, foram colhidos os depoimento pessoais do representante legal da autora e do réu Silvio de Souza Silva, e ouvido o informante Valdir Gazoli (f.349/351).
2. DA AÇÃO ANULATÓRIA AUTOS Nº106-22/2011. 2.1. Silvio de Souza Silva e Tatiana Martins Silva ajuizaram, em 14.01.2011, "ação anulatória de registro" em face de Natucor Tintas Ltda aduzindo, em síntese, que: a) são os legítimos proprietários do imóvel residencial constituído pelo lote de terreno nº10, da quadra "E", com área de 205,00m2, situado no Jardim Residencial Delgado, objeto da matrícula nº10.283 do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Mandaguari; b) o autor Silvio de Souza Silva laborava desde 02.05.2007 na empresa Guedes de Souza e Cia Ltda, na função de balconista, percebendo remuneração de R$380,00; c) a proprietária da empresa, Nelma Fernando de Souza Bento, induziu os autores a outorgar em favor de Cleusa Luiza Tamiozzo Gazoli uma procuração com poderes para a venda do único imóvel que possuíam (lote nº10, da Quadra "E" do Jardim Residencial Delgado), com a promessa de que assim o fazendo tornar-se-iam sócios da empresa; d) para aumentar o valor de venda do bem, a proprietária da empresa Guedes de Souza e Cia Ltda, Nelma Fernando de Souza Bento, pagou pela reforma do imóvel; e) após a reforma, o imóvel foi vendido para a empresa Natucor Tintas Ltda, através de Escritura Pública de Compra e Venda (f.22/23), na qual os autores foram representados pela procuradora Cleusa Luiza Tamiozzo Gazoli - tal operação deu-se como forma de pagamento de uma dívida existente com a empresa Guedes de Souza e Cia Ltda; f) os autores foram induzidos em erro, participando de negócio jurídico simulado entre as empresas Natucor Tintas Ltda e Guedes de Souza e Cia Ltda; g) não tinham conhecimento de que o imóvel seria utilizado para pagamento de dívida, e não receberam qualquer importância pela venda da casa, restando evidente a nulidade do negócio; h) a procuradora Cleusa Luiza Tamiozzo Gazoli, que representou os autores na venda do imóvel, é esposa de um dos sócios da empresa Natucor Tintas Ltda, Valdir Gazoli; i) Nelma Fernando de Sousa Bento atualmente encontra-se em lugar desconhecido, mas é acusada da prática de estelionato, conforme inquéritos policiais nº15/8009 (Mandaguari) e nº175/2008 (Jandaia do Sul), o que corrobora que ludibriou os autores com falsas promessas, induzindo-os em erro. Como consequência dos fatos alegados requereram liminarmente a expedição do mandado de manutenção de posse no imóvel, além da procedência do pedido para anular a Escritura Pública de Compra e Venda do Imóvel e, consequentemente, o registro imobiliário.
2.2. O MM. Juiz a quo, considerando que os autores visam anular o negócio jurídico realizado com a ré alegando a existência de dolo ou fraude cometido por Nelma Fernando de Sousa Bento, determinou a emenda da petição para incluí-la no polo passivo da demanda, bem como adequar a natureza jurídica da ação (f.42). Os autores emendaram a petição inicial incluindo Nelma Fernando de Sousa Bento no polo passivo (f.44), bem como adequaram o pedido, postulando a anulação do negócio jurídico com a consequente anulação da escritura pública de compra e venda do imóvel e da procuração outorgada em favor de Cleuza Luiza Tamiozzo Gazoli (f.47/48). 2.3. Natucor Tintas Ltda ofereceu resposta em sede de contestação (f.53/68), aduzindo, em síntese, que: a) a empresa Guedes de Souza Ltda ME devia à ré a importância de R$78.094,37 e por esta razão deixou de fornecer-lhes produtos; b) no ano de 2008 a empresa Guedes de Souza Ltda ME passava por dificuldades financeiras e o autor Silvio de Souza Silva tinha pleno conhecimento destes fatos, pois trabalhava como balconista, conforme ele mesmo informa em sua petição inicial; c) em razão das dificuldades financeira da empresa Guedes de Souza Ltda ME, a sócia gerente Nelma Fernando de Souza propôs sociedade ao autor Sílvio de Souza Silva, o que foi aceito por este; d) como forma de pagamento da dívida ofereceram à ré a casa de propriedade dos autores, e em razão de seu baixo valor de mercado, a proposta foi recusada; e) como confessado pelos autores, a casa foi reformada por Nelma Fernando de Souza, o que elevou seu valor de mercado; f) o imóvel foi novamente ofertado como forma de pagamento da dívida, o que foi aceito pela ré; g) não há dúvidas de que os autores tinham pleno conhecimento do negócio, tanto é que permitiram a reforma do imóvel para aumentar o seu valor e proporcionar a sua quitação; i) a ré jamais agiu de má-fé; j) o autor Silvio de Souza Silva tornou-se sócio majoritário da empresa Guedes de Souza Ltda ME, conforme certidão simplificada emitida pela Junta Comercial do Paraná; k) os autores cederam sua casa e assumiram a condição de sócios majoritários da empresa Guedes de Souza Ltda ME, não havendo que se falar em erro ou qualquer vício de vontade. 3. O MM. Juiz a quo proferiu a r. sentença de f.110/113 (autos nº106-22/2011), pela qual julgou procedente o pedido formulado na ação anulatória, para o fim de declarar nulo o negócio jurídico de compra e venda do imóvel descrito na exordial, e, julgou improcedente o pedido formulado na ação de imissão de posse. Condenou a empresa Natucor Tintas Ltda ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor dado a causa. Ainda condenou a empresa Natucor Tintas Ltda ao pagamento de multa no montante de 1% sobre o valor da causa em razão de sua litigância de má-fé. Por fim, determinou a abertura de Inquérito Policial para a apuração das fraudes e demais atos ilícitos cometidos por Natucor Tintas Ltda e por Nelma Fernando de Souza Bento. Consignou o magistrado que a prova produzida nos autos comprovou a existência de simulação, tratando-se de negócio jurídico nulo engendrado pelos sócios das empresas Guedes de Souza Ltda ME e Natucor Tintas Ltda, a primeira no intuito de ver-se liberada de uma dívida, e a segunda no intuito de receber crédito cuja expectativa de pagamento era incerta. Apontou, ademais, que tal negócio foi realizado em prejuízo do funcionário da empresa devedora, que entregou o único bem que possuía em garantia de pagamento para ter realizado o sonho de tornar-se empresário, não tendo o alcance completo do significado da negociação. 4. A autora Natucor Tintas Ltda interpôs recurso de apelação (f.115/146) em cujas razões pleiteia a reforma integral da sentença, aduzindo, em síntese, que: a) em seu depoimento pessoal Silvio de Souza Silva confessou ter conhecimento de que a empresa Guedes de Souza Ltda ME devia à empresa apelante pelo fornecimento de produtos, bem como tinha total conhecimento acerca das dificuldades financeira enfrentadas pela empresa; b) Sílvio de Souza Silva confessou em seu depoimento pessoal que aceitou a proposta formulada por Nelma Fernando de Souza Bento para tornar-se sócio da empresa por sua livre e espontânea vontade, pois sabia que Nelma Fernando de Sousa Bento e sua família tinham uma boa condição financeira; c) Sílvio de Souza Silva efetivamente tornou-se sócio majoritário da empresa Guedes de Souza Ltda ME; d) Sílvio de Souza Silva confessou que sua casa foi reformada por Nelma Fernando de Sousa Bento para que o imóvel tivesse seu valor aumentado e pudesse suportar a dívida existente com a apelante; e) restou comprovado que os apelados tinham pleno conhecimento de toda a negociação e, posteriormente, arrependeram-se do
negócio por não terem capacidade gerencial para levantar a empresa; f) em sua petição inicial os autores confessam que outorgaram procuração à Cleusa Luiza Tamiozzo Gazoli para que a mesma pudesse vender, ceder, permutar, compromissar e transferir o imóvel a quem quer que fosse; g) não houve qualquer vício de vontade, coação, engano ou trapaça, pois os apelados cederam sua casa e assumiram a condição de sócios majoritários da empresa Guedes de Souza Ltda ME. Contrarrazões de apelação às f.155/163. É o relatório. II- VOTO Presentes os pressupostos recursais de admissibilidade, intrínsecos e extrínsecos, merece o recurso ser conhecido. 5. A apelante pleiteia a reforma integral da sentença que julgou improcedente o pedido por ela formulado na de ação de imissão de posse, e julgou procedente o pedido formulado por Silvio de Souza Silva e Tatiana Martins Silva na ação anulatória de negócio jurídico. 6. Da análise dos autos e dos argumentos apresentados pelas partes verificamos a seguinte situação fática: a) a empresa Natucor Tintas Ltda mantinha relações comerciais com a empresa Guedes de Sousa e Cia Ltda ME; b) Silvio de Souza Silva era empregado da empresa Guedes de Sousa e Cia Ltda ME desde 02.05.2007 (f.21 autos nº106- 22/2011), e, juntamente com sua esposa Tatiana Martins Silva, era proprietário da data de terras nº 10, da quadra "E", situada no Jardim Residencial Delgado, conforme R-2 da matrícula nº10.283 do Registro de Imóveis da Comarca de Mandaguari (f.23/24 autos nº644-71/2009); c) a empresa Guedes de Sousa e Cia Ltda ME deixou de honrar suas dívidas com a empresa Natucor Tintas Ltda, que, por sua vez, deixou de fornecer seus produtos, exigindo uma garantia de pagamento para a retomada da relação comercial então existente; d) segundo a versão apresentada por Silvio de Souza Silva e Tatiana Martins Silva, a sócia da empresa Guedes de Sousa e Cia Ltda ME, Nelma Fernando de Sousa Bento, lhes propôs que estes dessem sua casa em garantia da dívida, e, em troca, Silvio de Souza Silva tornar- se-ia sócio da empresa; e) em 25 de setembro de 2009 Silvio de Souza Silva e Tatiana Martins Silva outorgaram em favor de Cleusa Luiza Tamiozzo Gazoli instrumento público de procuração conferindo-lhe poderes para o fim especial de vender, ceder, permutar, compromissar e transferir a quem quer que seja e pelas condições que convencionar (f.24 autos nº106-22/2011); f) Cleusa Luiza Tamiozzo Gazoli é esposa de Valdir Gazoli, sócio da empresa Natucor Tintas Ltda (contrato social de f.17/19 autos nº644-71/2009); g) na mesma data (25.09.2008), firmaram, na qualidade de vendedores, contrato particular de "compra e venda quitada valor R$65.000,00" em favor Cleuza Luiza Tamiozzo Gazoli, na qualidade de compradora, declarando para todos os fins de direito o recebimento valor de R$65.000,00 pela venda do imóvel objeto da matrícula nº10.283 (f.25 autos nº106-22/2011); h) em 30 de outubro de 2008 Silvio de Souza Silva e Tatiana Martins Silva, representados por Cleuza Luiza Tamiozzo Gazoli, outorgaram Escritura Pública de Compra e Venda em favor da empresa Natucor Tintas Ltda EPP, alienando o imóvel objeto da matrícula nº10.283 pelo valor de R$45.000,00 (f.22/23 - autos nº106- 22/2011); i) a Escritura Pública de Compra e Venda foi levada a registro no próprio dia 30.10.2008, conforme R-4 da Matrícula nº10.283 (f.23/24 - autos nº644-71/2009); j) Natucor Tintas Ltda ajuizou ação de imissão de posse em face de Silvio de Souza Silva e Tatiana Martins Silva em 14.08.2009 (autos nº644-71/2009); k) Silvio de Souza Silva e Tatiana Martins Silva ajuizaram em 14.01.2011 ação anulatória de ato jurídico em face de Natucor Tintas Ltda, buscando a declaração de nulidade da procuração outorgada a Cleusa Luiza Tamiozzo Gazoli e da Escritura Pública de Compra e Venda outorgada em favor de Natucor Tintas Ltda, com a consequente anulação do negócio jurídico celebrado. 7. É irrefutável que o imóvel de que se trata pertencia aos apelados, conforme R-2 da matrícula nº10.283 do Registro de Imóveis da Comarca de Mandaguari (f.23/24 - autos nº644- 71/2009), e foi transferido à empresa apelante em 30 de outubro de 2008, por meio da Escritura Pública de Compra e Venda de f.22/23 (autos nº106-22/2011). Nesta Escritura Pública de Compra e Venda, Silvio de Souza Silva e Tatiana Martins Silva foram representados por sua procuradora Cleuza Luiza Tamiozzo Gazoli, enquanto a empresa Natucor Tintas Ltda foi representada pelo sócio Valdir Gazoli (marido de Cleusa). De outro lado, os apelados Silvio de Souza Silva e Tatiana Martins Silva questionam a validade do negócio jurídico, pois afirmam que foram induzidos em erro por Nelma Fernando de Sousa Bento, sócia da empresa Guedes de Sousa e Cia Ltda ME, a qual, em conjunto com um dos sócios da empresa Natucor Tintas Ltda, Valdir Gazoli e sua esposa Cleuza Luiza Tamiozzo Gazoli, simularam negócio jurídico diverso daquele que pretendiam concretizar. Afirmaram que jamais tiveram a intenção de dar seu imóvel em pagamento da dívida que a empresa Guedes de Souza e Cia Ltda tinha com Natucor Tintas Ltda, e que houve vício de consentimento ao outorgarem o instrumento público de procuração a Cleuza Luiza Tamiozzo Gazoli, a qual, posteriormente, alienou o imóvel a Natucor Tintas Ltda. Por essa razão pedem a declaração de nulidade do negócio jurídico, com a anulação da procuração outorgada em favor de Cleuza Luiza Tamiozzo Gazoli e da Escritura Pública de Compra e Venda por ela firmada, e, consequente, a improcedência da ação de imissão de posse ajuizada por Natucor Tintas Ltda.
8. Ora, dos fatos narrados, verifica-se que a ação anulatória ajuizada por Silvio de Souza e Tatiana Martins de Souza tem por escopo a declaração de nulidade da venda do imóvel em razão de vício de consentimento - existência de verdadeiro conflito entre a vontade manifestada e sua real intenção ao realizar o negócio jurídico. Silvio de Souza afirmou que Nelma Fernando de Sousa Bento, sócia da empresa Guedes de Sousa e Cia Ltda ME, na qual laborava como vendedor, ofereceu-lhe sociedade em troca de que este desse sua casa em garantia de uma dívida existente com a apelante, Natucor Tintas Ltda. Em seu depoimento pessoal, Silvio de Souza disse que foi pressionado por Nelma e também por Valdir Gazoli, sócio da empresa Natucor, o qual teria dito tratar-se de um excelente negócio e uma oportunidade como esta (sociedade) não ocorreria novamente. Tal fato foi confirmado por Valdir Gazoli, que ouvido como informante, afirmou que o imóvel foi oferecido como garantia da dívida, e por essa razão Silvio de Souza teria ingressado no quadro societário da empresa Guedes de Souza e Cia Ltda.
Não obstante, o imóvel não foi dado em garantia e não foi dado como pagamento da dívida, uma forma talvez não convencional de integralização do capital para o ingresso de Silvio na sociedade. Ao invés disso o imóvel foi "vendido" a Cleuza Luiza Tamiozzo Gazoli pelo valor de R$65.000,00, conforme contrato particular de f.25 (autos nº106-22/2011), sendo-lhe outorgada uma procuração por instrumento público para que a mesma pudesse vender, ceder, permutar, compromissar a venda e transferir o imóvel a quem quer que fosse e pelas condições que achasse conveniente (f.24 - autos nº106- 22/2011). Por sua vez, Cleuza, na qualidade de procuradora de Silvio e Tatiana, vendeu o imóvel à Natucor Tintas Ltda, representada pelo sócio Valdir Gazoli (esposo de Cleuza) pela importância de R$45.000,00, conforme Escritura Pública de Compra e Venda de f.22/23 (autos nº106-22/2011). 9. Para o negócio jurídico ser válido é imprescindível que haja a manifestação de vontade livre e de boa-fé - faticamente aferível e que decorra de um processo mental de cognição -, agente capaz, forma prescrita ou não defesa em lei e objeto lícito, possível e determinado ou determinável. No caso, questiona-se a existência de vício de consentimento na manifestação de vontade de Sílvio e Tatiana, em razão do dolo1 praticado por Nelma Fernando de Sousa Bento, e a existência de simulação2 envolvendo Cleuza Luiza Tamiozzo Gazoli e a apelante Natucor Tintas Ltda, razões suficientes para a anulação do negócio jurídico.
Não obstante, da análise dos autos verifica-se que somente a empresa Natucor Tintas Ltda participou da relação processual. O MM. Juiz a quo determinou a emenda da petição inicial para a inclusão de Nelma Fernando de Sousa Bento (f.42 autos nº106- 22/2011) no polo passivo da demanda, o que inclusive restou atendido pelos autores à f.44 (autos nº106-22/2011). Todavia, Nelma Fernando de Sousa Bento não foi citada. Não nos parece possível, sem que todos os envolvidos participem do processo, anular o negócio jurídico. A suposta cadeia de vícios teve início com atos de Nelma Fernando de Sousa Bento e de Natucor Tintas Ltda, por meio de seu sócio Valdir Gazoli. Frise-se que o MM. Juiz a quo inclusive reconheceu a participação direta de Nelma Fernando de Sousa Bento no dolo perpetrado, determinando a abertura de inquérito policial para apurar os fatos. De outro lado, Cleuza Luiza Tamiozzo Gazoli foi peça fundamental na simulação do negócio jurídico. Primeiramente "comprou" o imóvel pelo valor de R$65.000,00 sem que tal pagamento tenha a qualquer momento sido realizado -, e, posteriormente, atuando como procuradora dos autores Silvio de Souza Silva e Tatiana Martins Silva, vendeu o imóvel pelo valor de R$45.000,00 menos do que teria pago a Natucor Tintas Ltda, no ato representada por Valdir Gazoli (marido de Cleusa). Para a declaração de nulidade da procuração de f.24 e da Escritura Pública de Compra e Venda de f.22/23, e reconhecimento do vício de consentimento, todos os atos que deram ensejo ao negócio viciado devem ser analisados. Assim, as partes que participaram dos atos viciados devem, obrigatoriamente, figurar no polo passivo da demanda, atendendo-se aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
O art. 47 do Código de Processo Civil estabelece que "há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo". Não se mostra possível reconhecer a existência de dolo sem que o agente que deu causa a manifestação viciada de vontade figure no processo. Da mesma forma não há como se reconhecer a simulação somente com relação a um dos agentes (Natucor), sem que o outro partícipe (Cleusa) seja incluído no polo passivo. Neste sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ANULATÓRIA DE ESCRITURA PÚBLICA. SIMULAÇÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. LITISCONSÓRCIO ATIVO FACULTATIVO. RECURSO PROVIDO. A presença dos insurgentes no polo ativo da ação anulatória de escritura pública não trará prejuízo à defesa ou à solução do litígio. Os agravantes têm interesse na lide tendo em vista que o suposto ato simulado lhes trouxe prejuízo. Outrossim, todos que participaram de ato que supostamente está eivado de vício devem compor o polo passivo da ação, uma vez que arcaram com consequências jurídicas. Os litisconsortes necessários devem ser citados para a ação, sob pena de a sentença não produzir efeito algum. A decisão deverá ser uniforme para todos os partícipes do ato jurídico. (TJMG, A.I. n.º 1.0684.08.005703- 8/001. Rel. Des. Rogério Medeiros, j. 07/05/2009, publ. 02/06/2009). APELAÇÃO - PETIÇÃO INICIAL - INDEFERIMENTO - NOMEN JURIS DA AÇÃO - IRRELEVÂNCIA - DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE COMPRA E VENDA SIMULADA - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO - TODOS OS PARTICIPANTES DO NEGÓCIO JURÍDICO - EMENDA DA INICIAL - ART. 284 DO CPC. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firme no sentido de que o nomen juris atribuído ao feito é irrelevante, devendo-se levar em conta o pedido e a causa petendi. Na ação de nulidade de negócio jurídico simulado os sujeitos passivos da lide serão todos os participantes do negócio impugnado, em litisconsórcio passivo necessário. Assim, impõe-se a cassação da sentença, determinando-se a intimação do apelante para proceder à emenda da inicial, com fulcro no art. 284 do CPC, no prazo de dias, incluindo no polo passivo da demanda os vendedores do imóvel objeto da compra e venda que se pretende declarar nula por simulação. (TJMG, Apelação Cível 1.0115.06.009414-7/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Mariné da Cunha , 17ª CÂMARA CÍVEL, j. 09/11/2006, pub. 23/11/2006)
PROCESSUAL CIVIL. ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO. COMPRA E VENDA DE ASCENDENTE A DESCENDENTE POR INTERPOSTA PESSOA. SIMULAÇÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. NULIDADE PARCIAL DO PROCESSO. Na ação que busca desconstituir compra e venda alegadamente simulada para contornar a vedação do art. 1.132, do antigo Código Civil, os terceiros que tenham sido co-partícipes do negócio devem ser chamados a integrar o processo como litisconsortes passivos necessários. (TJSC, Apelação Cível n. 2003.002404-2, de Criciúma, rel. Des. Newton Janke, j. 25-09-2008). Simulação. Necessidade de integração na lide de todas as pessoas que figuraram no alegado ato simulado. Litisconsórcio passivo necessário. A inobservância desta regra acarreta a nulidade. (TJPR - 18ª C.Cível - AC - 413547-1 - Palotina - Rel.: Carlos Mansur Arida - Unânime - - J. 13.08.2008) 10. Diante do exposto, de ofício, desconstituo a sentença de f.110/113, e determino a inclusão de Cleuza Luiza Tamiozzo Gazoli no polo passivo da ação, bem como seja procedida a citação de Nelma Fernando de Sousa Bento, já incluída no polo passivo à f.44. Recurso Prejudicado. III- DECISÃO ACORDAM os Desembargadores integrantes da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, anular a sentença. Recurso Prejudicado. O julgamento foi presidido pelo Desembargador LAURI CAETANO DA SILVA, relator, e dele participaram os Desembargadores LUIS SÉRGIO SWIECH e TITO CAMPOS DE PAULA. Curitiba, 14 de maio de 2014. DES. LAURI CAETANO DA SILVA Relator
-- 1 "Dolo é o artifício ou expediente astucioso empregado para induzir alguém à prática de um ato que o prejudique e aproveite ao autor do dolo ou a terceiro. Consiste em sugestões ou manobras maliciosamente levadas a efeito por uma das partes a fim de conseguir da outra uma emissão de vontade que lhe traga proveito ou a terceiro." (Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2011, pág.315). -- 2 "Simulação é uma declaração falsa da vontade, visando aparentar negócio diverso do efetivamente desejado. (...) Simular significa, pois, fingir, enganar. Negócio simulado, assim, é o que tem aparência contrária à realidade. A simulação é produto de um conluio entre os contratantes, visando obter efeito diverso daquele que o negócio aparenta conferir. (...) É uma desconformidade consciente da declaração, realizada de comum acordo com a pessoa a quem se destina, com o objetivo de enganar terceiro ou fraudar a lei." (Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2011, pág.358).
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