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Processo:
1228524-8
(Decisão monocrática)
Segredo de Justiça: Não
Relator(a): Guilherme Luiz Gomes
Desembargador
Órgão Julgador: Órgão Especial
Comarca: Piraquara
Data do Julgamento: Wed Jul 09 17:20:00 BRT 2014
Fonte/Data da Publicação: DJ: 1369 Mon Jul 14 00:00:00 BRT 2014

Decisão Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Decisão monocrática. Eventuais imagens serão suprimidas.

ÓRGÃO ESPECIAL
SUSPENSÃO DE LIMINAR Nº 1.228.524-8
Requerente: Município de Piraquara
Interessadas: Eva Wall e Iraci Érica Rosa Escobar

VISTOS.

1. O Município de Piraquara, com fundamento no artigo 4º da Lei nº 8.437/92, requer a suspensão, até o trânsito em julgado, das liminares concedidas nos Mandados de Segurança nº 0003384-57.2014.816.0034 e 0003383.72.2014.8.16.0034, em trâmite na Vara da Fazenda Pública de Piraquara, do Foro Regional da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, que determinaram o bloqueio de valores daquele Município para o pagamento do tratamento de saúde - terapia por pressão negativa - VAC - das impetrantes, portadoras de HAS.
Alega o requerente, em síntese, que sempre prestou assistência médica especializada aquelas impetrantes, egressas do Hospital de Dermatologia do Paraná - Hospital São Roque, e que o tratamento denominado VAC é extremamente custoso, cerca de R$100.000,00 (cem mil reais) por paciente, bloqueados por força das decisões liminares naqueles mandados de segurança.
Destaca que os laudos que instruem aquelas ações constitucionais indicando aquele tratamento são subscritos por médico que é sócio do Instituto de Medicina Hiperbárica GMA Ltda. que possui contrato com a Secretaria Estadual de Saúde para atendimento pelo Sistema Único de Saúde e que o médico da Unidade Germano Traple, do Município, é categórico ao atestar em seu parecer que não há risco imediato de morte dessas pacientes, ao contrário do que consta daqueles laudos.
Afirma que as liminares concedidas em favor das impetrantes causam lesão a ordem pública e econômica em razão do elevado custo de tratamento e do potencial efeito multiplicador desse tipo de demanda pois há aproximadamente 20 (vinte) pacientes em tratamento que se enquadrariam nessa terapia.
Ademais, há ingerência indevida do Poder Judiciário nas políticas públicas de saúde de competência do Executivo e que não há omissão desse Poder no cumprimento de seus encargos políticos-jurídicos relacionados ao direito à saúde, o que legitimaria a intervenção do Judiciário, nos termos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45.
Nesse sentido, destaca que gastou mais de R$31.000.000,00 (trinta e um milhões de reais) com saúde e que o bloqueio de R$200.000,00 (duzentos mil reais) pelas liminares interfere diretamente com a execução de suas políticas públicas.
Requer, por esse motivo, a suspensão dos efeitos da liminares proferidas nos Mandados de Segurança nº 0003384-57.2014.816.0034 e 0003383.72.2014.8.16.0034 até o trânsito em julgado daquelas ações.
Os autos foram remetidos ao Núcleo de Atendimento Técnico (NAT) que expediu laudo a respeito do tratamento pleiteado pelas impetrantes naquelas ações (fls. 959/963).
É o relatório.
2. Nos Mandados de Segurança nº 0003384-57.2014.816.0034 e 0003383.72.2014.8.16.0034, em trâmite na Vara da Fazenda Pública de Piraquara, do Foro Regional da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, o Juiz de Direito determinou o bloqueio de valores daquele Município para o pagamento do tratamento de saúde - terapia por pressão negativa - VAC - das impetrantes Eva Wall e Iraci Erica Rosa Scobar (fls. 150/151 e 714/716, respectivamente):

"Assim, tendo em conta a decisão liminar já deferida nestes autos (não desafiada por qualquer recurso, até esta data) determino o bloqueio do valor necessário e suficiente, via sistema Bacenjud, das contas do Município de Piraquara, para que seja custeado o tratamento de saúde da autora, no valor de R$102.384,08 (cento e dois mil, trezentos e oitenta e quatro reais e oito centavos) (fl. 151).

"Assim, defiro o pedido de liminar para ordenar à ré e ao Município de Piraquara que forneçam à autora, em até cinco dias, o tratamento descrito na petição inicial, nas quantidades indicadas pelo médico da impetrante, sob pena de aplicação do crime de desobediência, sob pena de aplicação do disposto no art. 461 do CPC" (fl. 716).

O Município de Piraquara pleiteou a suspensão dessas liminares que, como adiante será demonstrado, deve ser deferida.
Nos termos do artigo 4º da Lei nº 8.437/92, o Presidente do Tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, pode, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspender a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público.
"Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas."

Assim, vê-se que no exame do pedido de suspensão de liminar, não se analisa, do ponto de vista jurídico, o acerto ou equívoco da decisão impugnada, mas apenas e tão somente a capacidade que ela possui de causar lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
Nesse sentido pode ser transcrita lição de Marcelo Abelha Rodrigues:
"... o mérito do instituto, qual seja, o seu objeto de julgamento, não coincide com o da causa principal, não sendo lícito, pois, que o órgão jurisdicional competente para apreciar o instituo em tela possa pretender funcionar como órgão de duplo grau de jurisdição para reformar a decisão recorrida. (...) O que justifica, pois, a suspensão da execução da decisão não é a sua antijuridicidade (da decisão), ainda que tal possa ocorrer, porque, repito e repiso, o objeto de julgamento desse incidente é a verificação se há o risco potencial de grave lesão entre a decisão proferida e os interesses públicos tutelados pelo incidente." (Ed. RT, 2005, págs. 168/169).

No caso em questão, verifica-se que, independentemente do acerto, ou não, em relação à questão de fundo, as decisões proferidas pelo Juízo de primeira instância realmente produzem risco de grave lesão à ordem, à saúde e à economia pública.
A Constituição Federal dispõe, em seu artigo 196 que: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".
O art. 23, II, da Constituição da República institui como competência comum aos entes federativos o cuidado com a saúde e a assistência pública, bem como a proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência. Para atender à competência constitucionalmente atribuída os entes públicos têm autonomia para definir programas de governo específicos.
Nesse sentido, não se pode olvidar que o Município de Piraquara demonstra estar empenhado na tarefa de melhorar o quadro de saúde pública, com aplicação do percentual de 18,56% (dezoito vírgula cinquenta e seis por cento) de seu orçamento em saúde, segundo consta da informação prestada pelo Superintendente de Finanças daquele Município (fl. 364) e de estar prestando atendimento médico as impetrantes Eva Wall e Iraci Erica Rosa Scobar, segundo depreende-se dos pareceres de fls. 185/186 do médico daquele Município.
O Poder Judiciário não pode invadir a esfera de atuação do Poder Executivo, obrigando-o a praticar atos próprios da gestão pública. É competência do Poder Executivo, cujo chefe é eleito pelo voto popular justamente para exercer as opções políticas e de gestão pública, a eleição das medidas adequadas e possíveis para resolução de problemas sociais.
Ao Poder Executivo compete valorar razões de oportunidade e conveniência, considerar a dotação orçamentária existente e eleger prioridades de governo. Partindo de ampla análise das condições sociais e financeiras são definidas políticas de planejamento e programas de ação. Neste âmbito não cabe ingerência do Poder Judiciário, é questão de mérito administrativo que só admite controle por este Poder em caso de ilegalidade ou inconstitucionalidade.
Ao Poder Judiciário, portanto, é vedado, ainda que sob o salutar pretexto de proteção a direitos e garantias fundamentais, ordenar a execução de determinada política pública, como se deu no caso em apreço, ante a flagrante violação ao princípio da separação dos poderes, agasalhado no artigo 2º da Constituição da República.
Lembrando a lição de Hely Lopes Meirelles, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que:

"(...) Só o administrador, em contato com a realidade, está em condições de bem apreciar os motivos ocorrentes de oportunidade e conveniência na prática de certos atos, que seria impossível ao legislador, prover com justiça e acerto. Só os órgãos executivos é que estão, em muitos casos, em condições de sentir e decidir administrativamente o que convém e o que não convém ao interesse coletivo".
(STJ - REsp 208893/PR, rel. Min. Franciulli Netto, j. 19/12/2003, DJU 22.03.2004, p. 263.).

Não se nega a necessidade de garantir saúde, tratamento especializado e adequado às necessidades particulares de cada cidadão. No entanto, a resolução deste problema não pode se dar nos moldes proclamados pelas decisões liminares que tem o condão de causar grave lesão à ordem e à economia pública, pois o custeio do tratamento das Senhoras Eva Wall e Iraci Erica Rosa Scobar .
Além do elevado custo do tratamento determinado naquelas decisões, aproximadamente R$200.000,000 (duzentos mil reais) bloqueados da conta do Município, o que é reconhecido no parecer médico do Núcleo de Apoio Técnico - NAT (fls. 959/963) e que "... no caso de hanseníase, dificilmente existe a urgência na aplicação, pois é uma doença crônica, com larga evolução" (fl. 960).
Nesse mesmo sentido é a manifestação do médico do Município de Piraquara que sugere a adoção da terapia VAC "... em caráter eletivo em acompanhamento sincrônico com a equipe local, dentro de um programa que contemple os casos crônicos de difícil solução." (fls. 185 e 186).
Ressalte-se, de outro lado, a manifestação da Secretária Municipal de Saúde quanto ao fato do médico subscritor dos laudos que instruem a inicial daquelas ações e que recomenda a terapia VAC integrar o quadro de médicos do Instituto de Medicina Hiperbárica Ltda, que presta tratamento aos pacientes de Piraquara pelo Sistema Único de Saúde, por meio de contrato com a Secretaria Estadual de Saúde (fl. 180).
Tem-se que essas decisões, reconhecendo a gravidade e complexidade do problema posto em Juízo, atropela o processo político necessário para a implementação de uma política pública e usurpa a competência do Poder Executivo Municipal para realizar opções políticas representa grave lesão à ordem pública, e, em consequência, autoriza sua suspensão.
Por fim, a manutenção dos efeitos das liminares concedida implicará em flagrante prejuízo à economia e à saúde pública. Ainda que se dispense esforços para atender a ordem judicial, o financiamento dos tratamentos particulares com verbas públicas demandaria custos e estrutura que poderão comprometer o orçamento do Município destinado ao custeio da saúde pública.
Ademais, esse custo extraordinário não ocorre em caso isolado, pois há risco de outros pacientes solicitarem medidas liminares da mesma natureza, o que impossibilitará o Município de Piraquara de dar continuidade aos programas públicos na área da saúde.
Todos os esforços serão destinados no sentido de dar cumprimento às liminares deferidas, o que não atenderia ao interesse público, ao contrário, retardaria a solução.
Isso porque a concessão indiscriminada de liminares determinando custeio de tratamento particular pelo Poder Público conduz a exclusão de outras pessoas necessitadas por insuficiência de recursos.
Por isso a necessidade de suspender a decisão em razão da possibilidade de gerar o chamado "efeito multiplicador". Sendo proferidas decisões semelhantes a essa, certamente o Estado não terá recursos suficientes para cumpri-las, uma vez que, sabidamente, os recursos públicos são escassos. Tal situação implicaria em um descalabro da economia pública, o que não se pode permitir.
Por essa razão já decidiu o colendo Supremo Tribunal Federal que a existência de "efeito multiplicador" é fundamento suficiente para a suspensão da liminar, senão veja-se:

"1. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. Efeito Multiplicador. Lesão à economia pública. Ocorrência. Pedido deferido. Agravo regimental improvido. Precedente. O chamado efeito multiplicador, que provoca lesão à economia pública, é fundamento suficiente para deferimento de pedido de suspensão. 2. SERVIDOR PÚBLICO. Inativo. Remuneração. Proventos de aposentadoria. Vantagem pecuniária incorporada. Não sujeição ao teto previsto no art. 37, XI, da CF. Inadmissibilidade. Suspensão de Segurança deferida. Agravo improvido. Precedentes. A percepção de proventos ou remuneração por servidores públicos acima do limite estabelecido no art. 37, XI, da Constituição da República, na redação da EC nº 41/2003, caracteriza lesão à ordem pública."
(SS 4423 AgR, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 10/11/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-233 DIVULG 07-12-2011 PUBLIC 09-12-2011) - grifou-se

Restando demonstrado, portanto, que as decisões impugnadas causa lesão à ordem, à saúde e à economia públicas, outra não pode ser a solução senão a de deferir o pleito de suspensão dos efeitos dessas decisões até o transito em julgado.
Isso posto,
I. Defiro o pedido de suspensão de liminar e, em consequência, suspendo, até o trânsito em julgado da decisão de mérito, os efeitos das liminares concedida nos autos de Mandados de Segurança nº 0003384-57.2014.816.0034 e 0003383.72.2014.8.16.0034.
II. Dê-se imediato conhecimento desta decisão ao Juízo da Vara da Fazenda Pública de Piraquara, do Foro Regional da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba.
III. Intimem-se.

Curitiba, 07 de julho de 2013.

Des. GUILHERME LUIZ GOMES
Presidente do Tribunal de Justiça