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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.200.588-4
14ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA
APELANTE 01: COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO
APELANTE 02: GESSIVALDO DE OLIVEIRA MAIA
APELADOS: OS MESMOS
RELATOR: DES. LUIZ LOPES APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS FURTO DE DVD AUTOMOTIVO INSTALADO EM VEÍCULO QUE ESTAVA ESTACIONADO NO SUPERMERCADO DA RÉ CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO OCORRÊNCIA - CONJUNTO PROBATÓRIO QUE CONDUZ À CONCLUSÃO DA VERACIDADE DOS FATOS NARRADOS NA INICIAL APLICAÇÃO DA TEORIA DA REDUÇÃO DO MÓDULO DA PROVA ESTACIONAMENTO LOCALIZADO NA PROPRIEDADE DO ESTABELECIMENTO E UTILIZADO PELOS SEUS CLIENTES - DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA ESPÉCIE QUE SE SUBSUME À SÚMULA 130, DO STJ DANOS MATERIAIS DEVIDOS ADOÇÃO DO MENOR ORÇAMENTO DO APARELHO FURTADO DANO MORAL NÃO CONFIGURADO TRANSTORNOS INERENTES AO FURTO SUBTRAÇÃO, ADEMAIS, PERPETRADA POR TERCEIRO HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MANUTENÇÃO COMPENSAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA AFASTADA. RECURSO DE APELAÇÃO N. 01 (DA RÉ) DESPROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO N. 02 (DO AUTOR) PARCIALMENTE PROVIDO. 1 Não há que se falar em cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide, se os elementos probatórios carreados aos autos são suficientes para formar o convencimento do Julgador. 2 - A dificuldade de se produzir prova cabal de que o furto de equipamento instalado em veículo automotor ocorreu no estacionamento da requerida, autoriza a aplicação da redução do módulo da prova, para julgar com base na verossimilhança. O conjunto probatório coligido nos autos, consubstanciado no Boletim de Ocorrência, cupom fiscal de compras, e de o autor ter se dirigido à Delegacia pouco tempo depois do ocorrido, o que espelha a reação ao ocorrido, e a prova oral, são fatores que criam robusta verossimilhança das alegações iniciais, que não foram elididas em nenhum momento pela ré. 3 Restando configurado que o estabelecimento disponibilizava local de sua propriedade para o parqueamento dos veículos de seus clientes, como um atrativo a mais para incrementar seu negócio, incumbe a ele o dever de guarda e vigilância, subsumindo-se a espécie à tese jurídica estampada na Súmula n. 130, do Superior Tribunal de Justiça. 4 Quanto aos danos materiais, atente-se que em determinadas situações, como no caso de furto de veículo, é patente a dificuldade do consumidor em produzir provas quanto aos bens de sua propriedade que se encontravam no interior do mesmo, até mesmo porque, a perpetração do crime prejudica substancialmente a produção desta prova. Das provas carreadas aos autos, plenamente possível presumir que o requerente efetivamente possuía o equipamento arrolado na inicial, podendo inferir a verossimilhança nas asserções de que o mesmo efetivamente estava instalado no automóvel. Quanto ao valor atribuído ao bem, além de se revelar plenamente razoável, máxime com vistas à máxima da experiência comum, não foram impugnados especificamente pela requerida, que sequer trouxe aos autos orçamentos aptos a ilidi-los. 5 Os transtornos sofridos pelo suplicante em virtude da lesão patrimonial são inerentes ao furto, tratando-se de desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade, não ensejando dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Não é de se olvidar, ainda, que o autor direto do evento foi terceiro, que praticou o furto, derivando a responsabilidade do supermercado requerido apenas de ato omissivo, eis que não atentou ao dever de guarda e vigilância do bem, o que não enseja o dever de reparar os danos morais. 6 Considerando que a verba honorária fixada na sentença é superior ao pleiteado no apelo, e ainda, que o montante estabelecido no decisum está de acordo com a baixa complexidade da demanda, que inclusive foi julgada antecipadamente, e com o parco valor atribuído à demanda, razoável a manutenção dos honorários fixados pelo Juiz Sentenciante, ex vi das alíneas "a", "b" e "c", do § 3º, do artigo 20 do Código de Processo Civil. 7 - Até recentemente sempre admiti a compensação da verba honorária com amparo na Súmula nº 306, do Superior Tribunal de Justiça, até mesmo porque, este era o entendimento majoritário dos Julgadores que participavam do quórum de julgamento. Todavia, considerando que a Lei nº 11.382/2006 passou a estabelecer a impenhorabilidade dos honorários do profissional liberal, no inciso IV, do artigo 649, do Código de Processo Civil, e considerando a natureza alimentar conferida atualmente à verba honorária, ainda que sucumbencial, sedimentada está a discussão, no sentido de ser inviável o acolhimento da compensação, que encontra óbice nos incisos II e III, do artigo 373, do Código Civil em vigor. VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Cível nº 1.200.588-4, da 14ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de CURITIBA, em que é apelante 01 COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO, apelante 02 GESSIVALDO OLIVEIRA MAIA, e apelados OS MESMOS.
Trata a espécie de Ação de Indenização, narrando o autor, na inicial, que em meados de dezembro de 2009, adquiriu um "DVD veicular, da marca Napoli Modelo-8950" (fl. 03), o qual foi instalado no veículo marca/modelo Peugeot 307, placas ASL 2013. Ocorreu que, no dia 15 de fevereiro de 2010, por volta das 20:00 horas, parqueou o seu automóvel no estacionamento da requerida para comprar produtos em seu estabelecimento, momento em que o mesmo foi arrombado, tendo sido subtraído o aparelho supra mencionado. Aduziu que imediatamente comunicou a requerida, a qual prontamente abriu um registro de ocorrência, sendo comunicado por um preposto da demandada que o valor do equipamento seria ressarcido no prazo de 03 (três) dias, o que não
ocorreu, donde a razão da presente. Acrescentou que desde então não pode instalar outro aparelho e "está sem ver seus vídeos favoritos e demais utilidades que o DVD proporciona" (fl. 05). Com esta argumentação, pugnou pela condenação da suplicada ao pagamento de indenização por danos materiais, no importe de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), consistente no valor do bem furtado e do conserto do vidro do automóvel, bem como pelos danos morais daí advindos, em montante não inferior a 10 (dez) salários mínimos.
Julgando antecipadamente a lide, o Juiz Singular julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, para condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos materiais no importe de R$ 1.150,00 (mil cento e cinquenta reais), acrescido de correção monetária e de juros de mora de 1% ao mês, ambos contados desde o evento danoso, tendo rejeitado o pleito de indenização por danos morais, já que o valor sentimental da coisa não está garantido pela segurança ofertada pelo estabelecimento. De corolário, condenou as partes ao pagamento de metade das custas processuais, bem como dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), sendo permitida a compensação, nos termos da Súmula n. 306, do Superior Tribunal de Justiça.
O autor opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados (fl. 158).
Insatisfeitas, ambas as partes apelam a este Tribunal.
A requerida apela a este Tribunal, sustentando, em síntese, que: a) houve cerceamento de defesa, já que não foi intimada do despacho que anunciou o julgamento antecipado da lide, acrescentando que a sentença deve ser anulada, uma vez que não foi oportunizada a produção de prova testemunhal apta a demonstrar a questão do controle de entrada e saída de automóveis, e que o autor estacionou seu veículo em área pública e não naquela destinada à clientes; b) as provas produzidas não demonstram que o veículo objeto de arrombamento estava estacionado no interior e sob a guarda da apelante, tampouco que havia um DVD automotivo instalado; c) o Boletim de Ocorrência é insuficiente para comprovar que os danos ocorreram da forma alegada e que o furto efetivamente ocorreu no interior do estabelecimento da recorrente; d) deve ser observado o valor atual do produto supostamente furtado para fins de indenização.
O requerente, por sua vez, sustentando, em suma, que: a) os danos morais restaram caracterizados pelo fato de o suplicante ter ficado "sem seu aparelho tão sonhado" (fl. 146), bem como em razão do arrombamento do seu automóvel em local que reputava estar seguro; b) os honorários
advocatícios devem ser elevados para 20% sobre o valor da causa, devendo ser afastada a ordem de compensação.
A ré apresentou contrarrazões (fls. 160-166).
É o relatório.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.
RECURSO DE APELAÇÃO Nº 01
A preliminar de nulidade da sentença, ante o cerceamento de defesa não merece ser acolhida, na medida em que a regra insculpida no artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, autoriza o julgamento antecipado da lide quando os elementos carreados aos autos são suficientes para formar o convencimento do Julgador.
Outrossim, as provas têm como destinatário o Juiz da causa, o qual tem o poder de indeferir diligências inúteis ou meramente protelatórias, formando seu convencimento a partir dos fatos e circunstâncias constantes dos autos (artigos 130 e 131, Código de Processo Civil), como corolário do princípio da persuasão racional do Juiz.
No caso, resta clara a desnecessidade de produção de provas, já que a questão da responsabilidade da ré pela guarda do veículo do autor é passível de ser decidida à vista dos elementos dos autos, como se verá, não prescindindo da produção de outras provas.
Assim, inexistindo fato controverso a ser objeto de indagação, e existindo nos autos elementos de prova documental suficientes, não há necessidade de produção de qualquer prova para o deslinde do litígio, não restando, portanto, caracterizado o alegado cerceamento de defesa.
O julgamento antecipado da lide no caso em comento é compatível com os princípios constitucionais da celeridade e economia processual, corolários do devido processo legal, na medida em que buscou acertadamente evitar que a decisão da causa se protraísse sem necessidade.
De mais a mais, convém consignar que a deliberação que anuncia o julgamento antecipado da lide tem natureza de mero despacho, sendo, portanto, irrecorrível.
Quanto ao mérito, cinge-se a controvérsia na questão da comprovação do furto do veículo do estacionamento da requerida, e da responsabilidade desta pelo evento. Inicialmente, atente-se que nos casos de furto de veículo ou de equipamentos que estavam em seu interior, é patente a dificuldade do cliente em produzir provas quanto à ocorrência do furto nas dependências do estabelecimento, até mesmo porque, a perpetração do crime prejudica substancialmente a produção desta prova.
Logo, diante desses casos em que a apuração dos fatos resulta em especiais dificuldades, modernamente tem se admitido pela doutrina e jurisprudência, a aplicação da "Teoria da Redução do Módulo da Prova", segundo a qual pode o Juiz fundamentar seu convencimento não só com base naquilo que restou cabalmente demonstrado, mas diante do conjunto probatório e de indícios, aptos a revelar a veracidade dos fatos narrados pelo cliente, isto é, possibilita o julgamento fundado em verossimilhança.
Neste sentido, atente-se ao escólio de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, que bem elucida a teoria do processualista alemão Gerhard Walter:
A particularidade da sua tese, em relação à teses antes expostas, reside no fato de que pergunta se existiria um princípio unitário, válido para todos os casos e procedimentos, segundo o qual deveria ser feita a constatação dos fatos. Indaga, em outros termos, se aquilo que chama de "módulo da prova" poderia variar conforme a situação concreta. [...] quando se determinada o "módulo da prova", não há como deixar de levar em conta a matéria subjacente ao direito processual, sob pena de os fins do próprio direito material serem desvirtuados, ou ainda de se entrar em choque com outros importantes princípios do direito. [...] Os casos devem formar um campo que, diante de sua natureza, tem dificuldade de ser esclarecido. Ademais, o direito material deve deixar entrever que essas dificuldades de prova não devem ser suportadas pela vítima. [...] Não há dúvida de que a dificuldade de prova e a natureza do direito material podem justificar a redução das exigências de prova no caso concreto, dando ao juiz a possibilidade de se contentar com a verossimilhança. (Curso de Processo Civil. 6ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2007. v. 2. p. 461-463).
E também, os precedentes desta Corte em casos análogos:
Apelação Civil. Danos Materiais. Furto de veículo em estacionamento pago. Redução do módulo da prova. Possibilidade. Culpa caracterizada. Negligência. Falta de diligências. Dano material configurado. Dever de indenizar. Sentença reformada. Inversão do ônus sucumbencial. Recurso provido. I - A dificuldade de se produzir prova cabal da forma que ocorreu o furto do veículo, tendo em vista que as provas restaram prejudicadas com o delito, há a possibilidade da aplicação da redução do módulo da prova, julgamento fundado na verossimilhança.
[...]. (Ap. Cível n. 416.157-9, Nona Câmara Cível, Rel. Des. Tufi Maron Filho, D.J.: 26/10/2007). AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - FURTO DE MOTOCICLETA EM ESTACIONAMENTO DE SUPERMERCADO - CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE - BOLETIM DE OCORRÊNCIA AMPARADO POR OUTRAS PROVAS - REDUÇÃO DO MÓDULO DA PROVA - CULPA DA EMPRESA PELO DEVER DE GUARDA - SÚMULA 130 DO STJ - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - DESCABIMENTO - MERO DISSABOR - AÇÃO PROCEDENTE - RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE, REFORMADA A R. SENTENÇA SOMENTE NO PARTICULAR ASPECTO DE EXCLUIR A CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS. (Ap. Cível n. 433.424-9, Décima Câmara Cível, Rel. Des. Ronald Schulman, D.J.: 14/09/2007).
No caso em apreço, é de se observar que a prova coligida nos autos, converge para a efetiva existência do furto, tal como narrado na inicial.
Com efeito, consta do Boletim de Ocorrência de fls. 31-34, que o crime ocorreu na Rua Martin Afonso, n. 2188, em frente ao supermercado Pão de Açúcar.
A par disso, observa-se que a noticia criminis foi efetuada menos de 48 horas após os fatos, ou seja, no dia 17/02/2010, às 11h31min.
A veracidade das declarações feitas perante a autoridade policial restam corroboradas pelo ticket acostado à fl. 14, comprovando que efetivamente o requerente esteve no estabelecimento da requerida naquele dia.
Destarte, o Boletim de Ocorrência, aliado ao ticket de compras, e ao fato de que o suplicante acionou a Polícia, pouco tempo após a constatação do furto do equipamento, o que espelha a reação ao ocorrido, são fatores que criam robusta verossimilhança das alegações iniciais, que não foram elididas em nenhum momento pela requerida.
A respeito, vale citar o trecho extraído do REsp n. 58.789/SP:
Apesar da resistência oposta pelo réu, a prova colhida nos autos convence que o veículo da segurada da autora realmente se encontrava nas dependências de seu estacionamento, quando foi furtado. Com efeito, até prova em contrário o "ticket" juntado pela autora aos autos (f. 9), demonstra que sua segurada esteve no supermercado réu, registrando- se que o horário assinalado nesse documento expedido pelo demandado se harmoniza com a prova produzida nos autos. Assim, ao lado da prova documental favorável à autora, há ainda o registro oportuno do furto do veículo perante a digna autoridade policial, o qual segundo entendimento consagrado na jurisprudência, "é prova hábil da existência do furto" (RT 638/92 e 646/92) e traz ínsita a certeza até provarem contrário da existência de "eventus damni" (RJTJESP 99/151). De outra parte, "a imediata reação do autor ao furto sofrido convence da veracidade dos fatos articulados na inicial, quanto aos prejuízos sofridos". (RJTJESP. Vol. 107/149).
Dito isso, cumpre analisar a responsabilidade pelo evento.
A despeito de a requerida ter aduzido que não se trata de um estacionamento, denota-se das fotografias colacionadas pelo demandante (fls. 35-37), que não foram impugnadas pela demandada, que o estacionamento está localizado na propriedade da ré, e que é utilizado pelos clientes do estabelecimento.
A par disso, desinfluente para a questão se a requerida exercia controle e a vigilância sobre aquele local, ou se o mesmo era ou não gratuito, pois a responsabilidade emerge tão somente pelo fato de disponibilizá-lo aos clientes.
Ora, se é verdade que a guarda e vigilância do veículo cabe ao proprietário, não é menos verdade que tal dever é transferido ao estabelecimento, quando este dispuser de estacionamento como uma facilidade oferecida aos consumidores.
Diga-se a propósito, que a discussão trazida à apreciação envolve questão que, de tão pacífica, já deflagrou a edição da Súmula nº 130, do Superior Tribunal de Justiça, com o seguinte enunciado: "A empresa responde, perante o cliente,
pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento".
Vale citar, ainda, os seguintes julgados do e. Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO EM ESTACIONAMENTO. SHOPPING CENTER. VEÍCULO PERTENCENTE A POSSÍVEL LOCADOR DE UNIDADE COMERCIAL. EXISTÊNCIA DE VIGILÂNCIA NO LOCAL. OBRIGAÇÃO DE GUARDA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. I - Nos termos do enunciado n. 130/STJ, "a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento". II - A jurisprudência deste Tribunal não faz distinção entre o consumidor que efetua compra e aquele que apenas vai ao local sem nada dispender. Em ambos os casos, entende-se pelo cabimento da indenização em decorrência do furto de veículo. III - A responsabilidade pela indenização não decorre de contrato de depósito, mas da obrigação de zelar pela guarda e segurança dos veículos estacionados no local, presumivelmente seguro. (REsp 437.649/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, D.J.: 24/02/2003). INDENIZAÇÃO. FURTO. ESTACIONAMENTO DE SUPERMERCADO. ÔNUS DA PROVA. ARTIGO 333 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. "A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto do veículo ocorridos em seu estacionamento." (verbete 130, Súmula STJ).
Compete ao autor a prova do fato constitutivo do seu direito e ao réu cabe a prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. [...] (REsp 535.002/RS, Quarta Turma, Rel. Min. César Asfor Rocha, D.J.: 06/10/2003).
Assim, restando configurado que o DVD automotivo instalado no veículo do suplicante foi furtado de local utilizado para o estacionamento de automóveis do supermercado da requerida, e a responsabilidade desta pelo evento, cumpre manter a sentença que condenou a demandada ao pagamento dos danos daí advindos, o que passo a analisar.
Quanto aos danos materiais, também tem aplicação a "Teoria da Redução do Módulo da Prova", possibilitando o julgamento fundado em um juízo de verossimilhança, a fim de se apurar a existência e o montante do seu prejuízo.
No caso, o demandante noticiou pouco tempo após o evento a subtração do "DVD AUTOMOTIVO DA MARCA NAPOLI" (B.O. de fl. 34), o que espelha a reação ao ocorrido.
Assim, plenamente possível presumir que o autor efetivamente possuía o bem arrolado na inicial, equipamento normalmente utilizado, podendo inferir a verossimilhança nas asserções de que o mesmo efetivamente estava instalado no automóvel.
Ora, não se pode exigir que as pessoas guardem notas fiscais de tudo o que possuem, por prazo indefinido, até mesmo porque, a simples posse do bem móvel indica a sua propriedade, tampouco exigir que a comprovação da preexistência de bens, se dê tão somente mediante a apresentação da nota de venda do aparelho.
Quanto ao valor atribuído ao bem, além de se revelar plenamente razoável, máxime com vistas à máxima da experiência comum, não foram impugnados especificamente pela ré, que sequer trouxe aos autos orçamentos aptos a ilidi-los, devendo ser mantido, pois, a condenação ao ressarcimento do montante de R$ 1.150,00 (mil cento e cinquenta reais).
RECURSO DE APELAÇÃO N. 02
No tocante aos danos morais, não obstante os inegáveis dissabores sofridos pelos suplicantes, em virtude da lesão patrimonial em apreço, infere-se que tais aborrecimentos são intrínsecos ao furto, e normais em situações semelhantes, aos quais, infelizmente, todos estão sujeitos, pela própria vida em sociedade.
A par disso, o evento em questão não trouxe vexame ou humilhação ao requerente, isto é, não houve abalo à moral ou honra, apto a ensejar a necessidade de reparação dos danos morais, ficando restrita a lesão exclusivamente aos prejuízos de ordem patrimonial.
Não é de se olvidar, ainda, que o autor direto do evento foi terceiro, que praticou o furto, derivando a responsabilidade do requerido apenas de ato omissivo, eis que não atentou para o dever de guarda e vigilância do bem, o que não enseja o dever de reparar os danos morais.
Atente-se aos precedentes desta Câmara em casos análogos:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO DE VEÍCULO EM ESTACIONAMENTO DE BINGO. PROVA DO FATO. CONJUNTO PROBATÓRIO. CONSISTÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CONFIGURAÇÃO. SERVIÇO PRESTADO NO INTERESSE DO PRÓPRIO INCREMENTO DO COMÉRCIO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DANOS MATERIAIS. ENCARGOS DO FINANCIAMENTO DO BEM. IMPOSSIBILIDADE DE INCLUSÃO NA INDENIZAÇÃO. APURAÇÃO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. CABIMENTO. DANOS MORAIS. INEXISTÊNCIA. RECURSO DE APELAÇÃO N. 01 CONHECIDO E NÃO PROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO N. 02 CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO [...] 4. O isolado furto de automóvel não tem o condão de gerar dano moral, pois sem consistência suficiente para abalar a honra ou a imagem da vítima. (Ap. Cível n. 384.716-9, Rel. Vitor Roberto Silva, D.J.: 01/06/2007). APELAÇÃO. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. RESPONSABILIDADE DA ESCOLA DERIVADA DA CULPA "IN VIGILANDO". OMISSÃO QUE NÃO GERA FERIMENTO AO ÍNTIMO DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO. ATO OFENSIVO À DIGNIDADE DO AUTOR PRATICADO PELOS AUTORES DO FURTO E NÃO A ESCOLA. RECURSO PROVIDO NESTE ASPECTO. Em caso de furto de veículo no estacionamento de empresa destinado a seus consumidores, esta responde apenas pelos danos materiais, não respondendo pelos danos morais, porque quem praticou o ato ofensivo (furto do veículo) não foi a empresa fornecedora de bens ou serviços. A responsabilidade desta se dá em razão do dever de guarda que possui (culpa "in vigilando"), isto porque, quem praticou o ato ofensivo que gerou a dor, sofrimento, ferindo o íntimo do proprietário do veículo foram os autores do furto. (Ap. Cível n. 286.411-5, Rel. Marcos de Luca Fanchin, D.J.: 15/04/2005).
Busca o autor, por fim, a elevação da verba honorária fixada em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) para a quantia correspondente a 20% sobre o valor da causa.
A pretensão não merece guarida, já que o montante fixado na sentença é inclusive superior ao pleiteado pelo autor nesta oportunidade, não se olvidando, também, que a demanda não é complexa, tanto que foi julgada antecipadamente, e ainda, que foi atribuído à causa o valor de R$ 1.200,00 (fl. 13), razão pela qual revela-se escorreita a quantia estabelecida pelo Juiz Sentenciante.
Por derradeiro, assiste razão ao
apelante quanto ao pleito de afastamento da ordem de compensação dos honorários advocatícios.
Até recentemente, sempre admiti a compensação da verba honorária com amparo na Súmula nº 3061, do Superior Tribunal de Justiça, até mesmo porque, este era o entendimento majoritário dos Julgadores que participavam do quórum de julgamento.
Todavia, considerando que a Lei nº 11.382/2006 passou a estabelecer a impenhorabilidade dos honorários do profissional liberal, no inciso IV2, do artigo 649, do Código de Processo Civil, e tendo em vista a natureza alimentar conferida atualmente à verba honorária, ainda que sucumbencial, sedimentada está a discussão, resultando inviável, pois, o acolhimento da compensação, na forma do artigo 373, incisos II e III, do Código Civil em vigor, assim transcritos:
Art. 373. A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto: I. Omissis; 1 Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte. 2 Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: IV os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios, as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo;
II. se uma se originar de comodato, depósito ou alimento; III. se uma for de coisa não suscetível de penhora;
Sobre o tema, confira-se a nota 25c, dada ao artigo 649, in verbis:
Os honorários advocatícios, tanto os contratuais quanto os sucumbenciais, têm natureza alimentar. Por isso mesmo, são bens insuscetíveis de medidas constritivas (penhora ou indisponibilidade) de sujeição patrimonial por dívidas do seu titular. A dúvida a respeito acabou dirimida com a nova redação do art. 649, IV, do CPC (dada pela Lei n. 11.382/2006)". (STJ RDDP 64/149: Corte Especial, ED no REsp 724.158, um voto vencido).3
Ainda:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DECORRENTES DE SUCUMBÊNCIA. NATUREZA ALIMENTAR. ARTS. 23 DA LEI Nº 8.906/94 E 100, CAPUT, DA CF/1988. ENTENDIMENTO ADOTADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES. 1. Embargos de divergência contra acórdão segundo o qual "os honorários advocatícios sucumbenciais, arbitrados pelo juiz em favor do vencedor, tem retribuição aleatória e incerta, razão pela qual não podem ser caracterizados como verba de natureza alimentar. 3 NEGRÃO, Theotonio, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 41ª edição, pág. 873.
2. O art. 23 do Estatuto dos Advogados (Lei nº 8.906/94) dispõe que "os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este o direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu nome". 3. A verba honorária com relação ao advogado não se inclui na sucumbência literal da ação, pois é apenas para as partes litigantes. O advogado não é parte, é o instrumento necessário e fundamental, constitucionalmente elencado, para os demandantes ingressarem em juízo. Portanto, não sendo sucumbenciais, os honorários do advogado constituem verba de caráter alimentar, devendo, com isso, ser inseridos na exceção do art. 100, caput, da CF/1988. 4. O Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, reconheceu a natureza alimentar dos honorários pertencentes ao profissional advogado, independentemente de serem originados em relação contratual ou em sucumbência judicial, nestes termos: "CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTÍCIA ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A definição contida no § 1º-A do artigo 100 da Constituição Federal, de crédito de natureza alimentícia, não é exaustiva. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NATUREZA EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA. Conforme o disposto nos artigos 22 e 23 da Lei nº 8.906/94, os honorários advocatícios incluídos na condenação pertencem ao advogado, consubstanciando prestação alimentícia cuja satisfação pela Fazenda ocorre via precatório, observada ordem especial restrita aos créditos de natureza alimentícia, ficando afastado o parcelamento previsto no artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, presente a Emenda Constitucional nº 30, de 2000.
Precedentes: Recurso Extraordinário nº 146.318-0/SP, Segunda Turma, relator ministro Carlos Velloso, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 4 de abril de 1997, e Recurso Extraordinário nº 170.220-6/SP, Segunda Turma, por mim relatado, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 7 de agosto de 1998" (RE nº 470407/DF, DJ de 13/10/2006, Rel. Min. Marco Aurélio). 5. De tal maneira, há que ser revisto o entendimento que esta Corte Superior aplica à questão, adequando-se à novel exegese empregada pelo colendo STF, não obstante, inclusive, a existência de recente julgado da 1ª Seção em 02/10/2006, que considera alimentar apenas os honorários contratuais, mas não reconhece essa natureza às verbas honorárias decorrentes de sucumbência. 6. Embargos de divergência conhecidos e providos para o fim de reconhecer a natureza alimentar dos honorários advocatícios, inclusive os provenientes de sucumbência.4
Este Tribunal, no julgamento dos Embargos Infringentes sob nº 556.515-5/02, assim também decidiu:
EMBARGOS INFRINGENTES. ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO. NÃO COMPENSAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DIREITO AUTÔNOMO DO PATRONO. IRRELEVÂNCIA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 306 DO STJ. MANUTENÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO POR OUTRO FUNDAMENTO. CARÁTER ALIMENTAR DOS HONORÁRIOS DO PROFISSIONAL LIBERAL. IMPENHORABILIDADE. CONSEQUENTE IMPOSSIBILIDADE DE
4 STJ 1ª Seção, EREsp nº 647283/SP, Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 2007/0209510-6, relator Ministro José Delgado, j. 14.05.08.
COMPENSAÇÃO PELO ORDENAMENTO SUBSTANCIAL CIVIL. MANUTENÇÃO DO VOTO MAJORITÁRIO. RECURSO NÃO PROVIDO.5
E consta do corpo do Acórdão, para bem elucidar a questão, o seguinte:
Logo, não é o fato de que não há reciprocidade entre credor e devedor que leva à impossibilidade de compensação e, portanto, ao afastamento da Súmula 306 e do artigo 21, conforme se poderia argumentar com base apenas no artigo 23 do Estatuto da Ordem dos Advogados, como fez o acórdão vencedor. Não é só a autonomia do crédito, fundamento já afastado pela sumula 306 do STJ. É sim a impenhorabilidade da verba de caráter alimentar destinada ao patrono que impede a compensação. Assim, em que pese inicialmente não se tenha extraído nenhuma conseqüência do fato de se ter estabelecido direito autônomo do advogado aos honorários, uma vez que continuava se determinando a compensação porque assim dispunha a legislação processual, torna-se impossível continuar a fazê-lo com a fixação do caráter alimentício aos honorários, posto que este caráter obsta qualquer tipo de compensação, por ser dívida decorrente de alimentos e impenhorável, nos termos da legislação material civil.
Convém consignar que o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, em seu artigo 73, § 11º, veda expressamente a compensação. Confira-se, in verbis:
5 17ª Câmara Cível, relator Des. Vicente Del Prete Misurelli.
Art. 73. [...] § 11. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, tendo os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.
Por tais fundamentos, afasta-se a aplicação do artigo 21 do CPC e da Súmula 306 do STJ, ao caso, em razão do artigo 23 do Estatuto da OAB, art. 649 do CPC e artigo 373, inciso I e II, do Código Civil de 2002, nos termos da fundamentação.
Vencido, neste ponto, o Eminente Desembargador Jurandyr Reis Junior, por entender cabível a compensação de honorários advocatícios e, portanto, nega provimento ao apelo.
Ex positis, o voto é no sentido de negar provimento ao recurso de apelação n. 01 (da ré), e dar parcial provimento ao recurso de apelação n. 02 (do autor), para afastar a compensação dos honorários advocatícios. Vencido, neste ponto, o eminente Desembargador Jurandyr Reis Junior, por entender cabível a compensação de honorários e, portanto, nega provimento ao apelo do demandante.
ACORDAM OS DESEMBARGADORES INTEGRANTES DA DÉCIMA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, POR UNANIMIDADE DE VOTOS, EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO N. 01 (DA RÉ), E, POR MAIORIA DE VOTOS, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO N. 02 (DO AUTOR). VENCIDO O DESEMBARGADOR JURANDYR REIS JUNIOR, SEM DECLARAÇÃO DE VOTO.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Desembargadores ÂNGELA KHURY e JURANDYR REIS JUNIOR. Curitiba, 22 de maio de 2014. LUIZ LOPES Relator
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