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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.131.623-9, DO FORO DA COMARCA DE GUARANIAÇU VARA ÚNICA. RELATOR: DES. RUY CUNHA SOBRINHO APELANTE 1: MARIANE ROHENKOHL APELANTES 2: ÔMEGA COMÉRCIO DE FOGOS LTDA E OUTRO APELADOS: OS MESMOS REC. ADESIVO: MUNICÍPIO DE GUARANIAÇU ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. QUEIMA DE FOGOS DE ARTIFÍCIO EM FESTA COMEMORATIVA. AUTORA QUE SOFREU QUEIMADURAS DE TERCEIRO GRAU. EVENTO ORGANIZADO PELO MUNICÍPIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ART. 37, § 6º, CF. EMPRESA PRIVADA RESPONSÁVEL PELO SHOW PIROTÉCNICO. RESPONSABILIDADE PELO SERVIÇO. ART. 14, CDC. AÇÃO, NEXO DE CAUSALIDADE E DANOS MORAIS DEMONSTRADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO DEVIDO PELO ENTE PÚBLICO REDUZIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO ADEQUADA. CORREÇÃO MONETÁRIA PELO IPCA. JUROS DE MORA DE 0,5%. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO ARTIGO 1º-F, LEI 9.494/97. ADIN 4.357/DF. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO DO STJ. APLICAÇÃO DE OFÍCIO DA SÚMULA 54, STJ. SENTENÇA PARCIALMENTE ALTERADA. Recurso 1 não provido. Recurso 2 não provido. Recurso Adesivo parcialmente provido. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.131.623-9, do Foro da Comarca de Guaraniaçu Vara Única, em que é Apelante 1 MARIANE HOHENKOHL, Apelantes 2 ÔMEGA COMÉRCIO DE FOGOS LTDA E OUTRO, Apelados OS MESMOS, e Recorrente Adesivo MUNICÍPIO DE GUARANIAÇU. Mariane Rohenkohl ingressou com Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais (fls. 03/24) em face de Município de Guaraniaçu e Ômega Comércio de Fogos LTDA, argumentando, em síntese que: na festa de réveillon do ano de 2007/2008 o Município requerido teria organizado festividade em praça da cidade, na qual haveria queima de fogos promovida pela empresa requerida; que por negligência ou imperícia da empresa contratada, os fogos teriam saído do controle e caído no local onde se encontrava, provocando queimaduras de terceiro grau em suas pernas; do evento teria advindo danos materiais com o gasto com tratamento, pensão alimentícia pois teria ficado afastada de suas atividades profissionais -, morais e estéticos, pelos quais os demandados deveriam responder. Em contestação, o Município de Guaraniaçu pugnou pela sua exclusão do polo passivo, e sucessivamente refutou os argumentos da autora (fls. 52/66). A segunda requerida, por sua vez,
apresentou contestação às fls. 96/105, e defendeu sua ilegitimidade passiva, e combateu as demais alegações da demandante. Impugnações às fls. 72/94 e 107/129. A magistrada afastou as preliminares de ilegitimidade passiva (fls. 151/152), e deferiu o uso de prova emprestada relativa aos depoimentos testemunhais dos autos nº 41/08 (fls. 174/175). Alegações finais às fls. 240/246 e 247/249. Por meio da sentença de fls. 251/255 o condutor do processo em primeiro grau julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, para o fim de: a) condenar o Município de Guaraniaçu ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 10.000,00, corrigido pelo art. 1º-F, da Lei 9.494/97, e dos honorários advocatícios de 15% sobre o valor a que foi condenado; b) condenar a empresa Ômega Comércio de Fogos LTDA ao pagamento de R$ 5.000,00 pelos danos morais, corrigido e acrescido de juros de mora de 1% ao mês (art. 406, CC), e de honorários advocatícios na ordem de 15% sobre o valor da condenação. Ante a sucumbência recíproca, atribuiu 70% das custas e despesas aos réus e 30% à autora, e condenou os réus ao pagamento de R$ 800,00 ao patrono da autora a título de honorários de sucumbência. Mariane Rohenkohl recorre a este Tribunal (fls. 260/263), aduzindo, preliminarmente, a nulidade da sentença, sob o fundamento de que seria incabível a exigência de prévio depósito dos honorários do perito para realização da prova e que seria beneficiária da justiça gratuita, pelo que requereu a produção da prova pericial. No mérito, pugnou pela majoração dos valores das indenizações por danos morais. Ômega Comercio de Fogos LTDA também apela (fls. 266/272), asseverando, em síntese, que: não teria sido contratada nem seria a responsável pela realização do evento, tendo apenas vendido os produtos (fogos de artifício); não haveria provas dos danos e do nexo de causalidade, nem da sua contratação pelo município. Sucessivamente, pugnou pela minoração do quantum indenizatório. Contrarrazões às fls. 280/287 e 305/320. Município de Guaraniaçu interpôs recurso adesivo (fls. 290/304), alegando: que a responsabilidade seria da empresa contratada, o que seria fato excludente do seu dever indenizatório; o fabricante deveria responder pelos danos causados a consumidores; não haveria provas dos danos e do nexo de causalidade. Sucessivamente, pugnou pela minoração do quantum indenizatório e da verba honorária. Contrarrazões às fls. 336/342. É o relatório. VOTO. 1. Cinge-se a controvérsia recursal à responsabilidade do Município de Guaraniaçu e da empresa Ômega Comércio de Fogos LTDA por danos morais, materiais e estéticos suportados por Mariane Rohenkolh decorrentes de acidente com queima de fogos de artifício em festa comemorativa do réveillon. 2. Preliminar de nulidade Mariane Rohenkohl pugna pela nulidade do processo a partir do despacho do juiz que indeferiu a produção de prova pericial, eis que seria beneficiária da justiça gratuita e por isso não teria o dever de antecipar os honorários do perito. Muito embora os beneficiários da justiça gratuita não necessitem antecipar os honorários periciais, no caso em exame verificam-se peculiaridades que afastam esse direito da autora. Conforme se depreende do Termo de Audiência de Instrução e Julgamento de fl. 174, "a parte requerente informou que, mesmo sendo beneficiária da justiça gratuita, ante a deficiência existente neste tocante com relação aos peritos, se dispõe a arcar com as custas da perícia."
E em razão dessa manifestação, o magistrado em primeiro grau deferiu o prazo de 10 dias para que a autora providenciasse o depósito dos honorários do perito, sob pena de entender-se pela desistência da produção dessa prova (fl. 232). Desse despacho o advogado da requerente foi devidamente intimado (fl. 235), sem ter havido qualquer manifestação em sentido adverso. E, finalmente, ante a inércia da autora em recolher os honorários, o juiz a quo considerou como desistência da prova pericial (fl. 237), do que também foi intimado o patrono da demandante, também não havendo insurgência contra esse despacho. Como é possível verificar, ao manifestar-se pela possibilidade de efetuar o pagamento dos honorários do perito, a autora renunciou aos benefícios da justiça gratuita, não fazendo jus à proteção jurídica invocada, no sentido de que não teria a obrigação de antecipar essa verba, Nesse sentido, é o entendimento deste Tribunal de Justiça: "AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO - DECISÃO HOMOLOGATÓRIA DE ACOR DO QUE REVOGOU A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - TRANSAÇÃO NO CURSO DA DEMANDA, ONDE A PARTE AUTORA, BENEFICIÁRIA DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA, ASSUME VOLUNTARIAMENTE A RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS - RENÚNCIA TÁCITA AO BENEFÍCIO - PRINCÍPIO DA BOA-FÉ - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E NÃO PROVIDO. O beneficiário de assistência judiciária gratuita que, por meio de transação extintiva da lide firmada com a parte adversa, assume voluntariamente o compromisso de pagar as custas processuais e os honorários advocatícios de seu patrono, renuncia tacitamente as benesses anteriormente concedidas, demonstrando não mais se tratar de miserável no sentido técnico-jurídico do termo."
(TJPR - 17ª C.Cível - AC - 1052999-6 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Renato Lopes de Paiva - Unânime - - J. 31.07.2013).
Dessa forma, já que configurada a desistência da produção da prova pericial pela autora, não se há falar em nulidade, pelo que a preliminar é rejeitada. 3. Responsabilidade pelo evento danoso Consta dos autos que durante a queima de fogos de artifício em uma festividade de fim de ano, promovida pelo Município de Guaraniaçu em uma praça da cidade, a autora sofreu queimaduras em razão de falhas ocorridas durante referido show, pois alguns fogos a atingiram. Demonstrada a efetiva ocorrência do acidente, cumpre verificar a quem se deve atribuir a responsabilidade pelos danos suportados pela demandante, que apontou o Município de Guaraniaçu e a empresa Ômega Comércio de Fogos LTDA como responsáveis pelas falhas na execução do show de fogos de artifício. O condutor do processo em primeiro grau entendeu presente o dever indenizatório tanto para a municipalidade por ter promovido a festa e a sua responsabilidade ser objetiva -, quanto para a empresa que seria responsável pelos danos causados como fornecedor de um serviço com falhas (art. 14, CDC). E após o exame dos autos, verifica-se que a sentença não merece reparos neste ponto. 3.1 A responsabilidade da empresa Ômega Comércio de Fogos LTDA deve ser aferida por meio da regra do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe: "Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos." A teoria objetiva, também chamada de teoria do risco, prescinde da análise da culpabilidade e da antijuridicidade, não estando, por isso, vinculada à ocorrência de um ato ilícito ou de um comportamento antijurídico. Desse modo, para a identificação do dever reparatório basta verificar a existência de dano, ação e nexo de causalidade. Essa modalidade encontra respaldo no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002: "Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo." "Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."
Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE PELO FATO OU VÍCIO DO PRODUTO. DISTINÇÃO. DIREITO DE RECLAMAR. PRAZOS. VÍCIO DE ADEQUAÇÃO. PRAZO DECADENCIAL. DEFEITO DE SEGURANÇA. PRAZO PRESCRICIONAL. GARANTIA LEGAL E PRAZO DE RECLAMAÇÃO. DISTINÇÃO. GARANTIA CONTRATUAL. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DOS PRAZOS DE RECLAMAÇÃO ATINENTES À GARANTIA LEGAL. (...). - No sistema do CDC, a responsabilidade pela qualidade biparte-se na exigência de adequação e segurança, segundo
o que razoavelmente se pode esperar dos produtos e serviços. Nesse contexto, fixa, de um lado, a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, que compreende os defeitos de segurança; e de outro, a responsabilidade por vício do produto ou do serviço, que abrange os vícios por inadequação. - Observada a classificação utilizada pelo CDC, um produto ou serviço apresentará vício de adequação sempre que não corresponder à legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição, ou seja, quando a desconformidade do produto ou do serviço comprometer a sua prestabilidade. Outrossim, um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de adicionar riscos à sua incolumidade ou de terceiros. (...)." (REsp 967623/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 29/06/2009).
Assim, possível responsabilidade da empresa mencionada deverá ser verificada objetivamente, ou seja, com a identificação dos danos, da ação e do nexo de causalidade. 3.2 A responsabilidade civil da Administração Pública, como é sabido, encontra guarida na disposição do parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988: "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."
Da análise da norma constitucional, retira-se a matiz objetiva da responsabilidade estatal, com base na Teoria do Risco Administrativo, em que se dispensa a análise do elemento subjetivo, qual seja, a culpa lato sensu. Assim, para que haja a responsabilização do Estado pelos prejuízos causados aos seus administrados, necessário, apenas, que sejam identificados a ação administrativa, o dano e a relação de causa e efeito entre os dois. Sobre a aplicação da teoria objetiva da responsabilidade em casos de acidentes ocorridos durante festividades promovidas pela municipalidade, assim já se pronunciou este Tribunal: "APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE C/C DANOS MORAIS NULIDADE DA SENTENÇA INOCORRÊNCIA DECISÃO EXTRA PETITA NÃO VERIFICADA PERDA DA CAPACIDADE VISUAL DO OLHO ESQUERDO DO AUTOR, DECORRENTE DO ESTOURO DE ROJÃO EM FESTIVIDADE PROMOVIDA PELO MUNICÍPIO RÉU RESPONSABILIDADE OBJETIVA DEVIDAMENTE CARACTERIZADA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS FIXADA CORRETAMENTE PENSÃO VITALÍCIA DEVIDA, DIANTE DA DIMINUIÇÃO DA CAPACIDADE LABORATIVA. VERBA HONORÁRIA CORRETAMENTE ARBITRADA REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDOS." (TJPR - 2ª C.Cível - ACR - 592434-1 - Cruzeiro do Oeste - Rel.: Cunha Ribas - Unânime - - J. 20.07.2010). "DIREITO PROCESSUAL CIVIL - CRIAÇÃO DE COMARCA - APLICAÇÃO DO ART. 87, DO CPC - PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDITIONES - COMPETÊNCIA TERRITORIAL RELATIVA - DIREITO ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL - TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO - FESTA MUNICIPAL - SHOW PIROTÉCNICO - MUNÍCIPE ATINGIDO POR UM ROJÃO - INDENIZAÇÃO POR DANOS DEVIDA - IRRELEVÂNCIA DE NÃO SE AFERIR O AGENTE QUE OBROU COM CULPA (...). Provado o fato, a realização da Festa Municipal; o dano, a perfuração do tímpano do autor por um rojão, bem como, demonstrado o nexo de causalidade entre eles, na medida em que o autor foi atingido no momento em que assistia a evento da festa na arena municipal, em se tratando de responsabilidade civil objetiva, é despicienda a prova da culpa do agente. (...)." (TJPR - 4ª C.Cível - AC - 418959-1 - Umuarama - Rel.: Anny Mary Kuss - Unânime - - J. 10.12.2007). Dessa forma, a responsabilidade no presente caso deverá ser aferida sob o viés da teoria objetiva, tanto em relação à municipalidade quanto à empresa, pelo que se deve perquirir, apenas, a existência do dano, da ação, e do nexo de causalidade. 3.3 Ômega Comercio de Fogos LTDA assevera que não haveria provas dos danos, do nexo de causalidade, nem da sua contratação pelo Município de Guaraniaçu, bem assim que não seria a responsável pela realização do evento, tendo apenas vendido os produtos (fogos de artifício) para a municipalidade. Ocorre que a prova produzida nos autos conduz a conclusão diversa, não tendo a demandada demonstrado que apenas teria vendido os produtos. Como é possível perceber, o vínculo estabelecido entre a empresa e a municipalidade fica evidenciado pelo documento de fl. 35, que consiste em nota fiscal de compra e venda de "show pirotécnico kit", feita no dia 31/12/2007 (dia que antecedeu o evento danoso).
Se esse documentos fiscal se referisse tão somente a um produto vendido, outra descrição deveria lá constar, indicando, por exemplo, a transação comercial de certa quantidade de fogos de artifício, de classe A, B C ou D - categorias que diferem os fogos coloridos daqueles que apenas fazem um estrondo ou assobio. Ademais, a prova testemunhal ajuda a corroborar a realização do show pirotécnico pela empresa em questão, como se vê da declaração do Sr. Roberto Cesar Basso, à época servidor do Município de Guaraniaçu, que afirmou que a empresa Ômega foi contratada justamente para prestar o serviço de estourar os fogos. E também como elemento complementar desse fato, o documento de fl. 67 traz a discriminação dos produtos utilizados no show, o que totalizou o valor de R$ 4.400,00, sendo este o "total geral do valor do show pirotécnico incluso frete mão de obra e material". Igualmente o documento de fl. 68, que se refere a um "croqui de risco", uma espécie de projeto para o espetáculo que deveria ocorrer ao lado do salão paroquial. Note-se, por derradeiro, que o reconhecimento da responsabilidade da empresa não implica na exclusão da responsabilidade do Município, já que, como visto, o ente público responde objetivamente pelos danos causados aos munícipes em festividades por ele promovida. Por este motivo, não prospera a alegação da municipalidade de que a responsabilidade seria exclusiva da empresa demandada. A Apelação Cível nº 1.004.009-0, de relatoria do Desembargador Salvatore Antonio Astuti, narra o caso de outra vítima do mesmo acidente ocorrido na cidade de Guaraniaçu, e foi julgada por esta 1ª Câmara Cível na sessão de 20/05/2014. Por unanimidade de votos, manteve-se a condenação tanto do ente público municipal quanto da empresa Ômega pelo evento danoso, restando assim ementada: "Administrativo. Dano moral. Morte de filho. Atuação da Administração Pública que ocasionou evidente abalo emocional. Responsabilidade civil do Município. Culpa in eligendo e in vigilando. Falha no dever de guarda dos munícipes. Valor da indenização arbitrado. Ausência de excesso. Honorários advocatícios. Minoração. Adequação do valor arbitrado ao contido no art. 20, §4º, do CPC. Apelação cível parcialmente provida. Juros de mora e correção monetária. Matéria de ordem pública. Alteração de ofício. Sentença, no mais, mantida em reexame necessário." (TJPR - 1ª C.Cível - AC 1004009-0 - Guaraniaçu - Rel.: Salvatore Antonio Astutui - Unânime - - J. 20.05.2014).
O Relator destacou no acórdão trecho de decisão do Superior Tribunal de Justiça, que vale ser aqui transcrita:
"E isso porque era dever do Estado contratar pessoa jurídica que fosse idônea para a realização completa da instalação dos postes, bem como fiscalizar o trabalho que foi feito, sendo incabível querer afastar sua culpa in eligendo e in vigilando ao argumento de que o contrato teria transferido à empresa toda e qualquer responsabilidade decorrente de danos a terceiros. Assim, impunha tanto ao Estado obstar o efeito lesivo quanto à empresa zelar pela adequada conclusão da obra. (...). Afastar, por sua vez, a responsabilidade do município, apenas porque ele incumbiu a outrem a prestação de serviço de iluminação, é admitir que o Estado pode lavar aos mãos quando delega a terceiro atividades que vão afetar a vida de toda uma coletividade, que está subordinada ao poder do próprio Estado e cuja guarda depende da atuação deste." (REsp 784.928/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/09/2007, DJ 02/10/2007, p. 231).
Assim, fica evidente a responsabilidade da empresa Ômega Comércio de Fogos LTDA por ter prestado serviço ao
consumidor de forma ineficiente e do Município de Guaraniaçu objetivamente responsável por promover a festividade de fim de ano. 4. Danos e do quantum indenizatório Com relação aos danos, restou incontroverso nos autos que a autora sofreu queimaduras de terceiro grau em suas pernas (fls. 30/32), bem assim que tal fato se deu durante a festividade de ano novo em comento. E isento de dúvidas de que o evento danoso gerou à vítima danos de ordem moral, já que estava ferida em meio a uma multidão desesperada, que corria na tentativa de proteger-se dos fogos que contra si eram lançados. Com relação ao quantum indenizatório estabelecido em primeiro grau, demandante e demandados divergem. Ômega Comercio de Fogos LTDA, em sede de apelo, e Município de Guaraniaçu, em sede de recurso adesivo, defendem que os valores nos quais restaram condenados (R$ 5.000,00 e R$ 10.000,00, respectivamente) seriam excessivos, pelo que pugnaram pela minoração. Em contrapartida, a autora arguiu a necessidade de majorar o valor das indenizações, sob o fundamento de que seriam insuficientes. 4.1 É sabido que a fixação da compensação pelos danos morais é bastante complexa por envolver aspectos subjetivos da esfera de direitos lesionada, mormente por envolver sentimentos que variam de pessoa para pessoa e o dimensionamento daquilo que é "constrangedor". Para que se possa aferir um valor adequado à compensação, o Direito traz algumas orientações ao julgador, consubstanciados nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, e em elementos como a condição social e econômica das partes, o caráter dúplice da indenização (compensação e punição), a repercussão social da ofensa. Entretanto, não basta a afirmação da vítima de que sofreu dano de ordem moral (honra, imagem, bom nome, sentimento interno,
humilhação, entre outros), impondo-se que do fato extraia-se o seu resultado, como ensina Rui Stoco 1: "O dano em si, porque imaterial, não depende de prova ou de aferição do seu quantum. Mas o fato e os reflexos que irradia, ou seja, a sua potencialidade ofensiva, dependem de comprovação ou pelo menos que esses reflexos decorram da natureza das coisas e levem à presunção segura de que a vítima, face às circunstâncias, foi atingida em seu patrimônio subjetivo, seja com relação ao seu vultus, seja, ainda, com relação aos seus sentimentos, enfim, naquilo que lhe seja mais caro e importante. Em verdade, a fixação deve, ao mesmo tempo, compensar o sofrimento do lesado e servir de punição ao ofensor, não podendo configurar fonte de enriquecimento, nem configurar inexpressiva. Sobre o assunto, destaquem-se os seguintes precedentes: "No dano moral, o pretium dolores, por sua própria incomensurabilidade, fica a critério do juiz, que fixa o respectivo valor, de acordo com o seu prudente arbítrio, o que não configura cerceamento de defesa do réu. Grande, portanto, é o papel do magistrado na reparação do dano moral, competindo-lhe examinar cada caso, ponderando os elementos probatórios e medindo as circunstâncias". (RT 7330, p.307). "A indenização por dano moral é arbitrável, mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa." (RT 706, p.67).
Destarte, a indenização por dano moral deve ser fixada de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, comportando redução quando fixada em montante excessivo, ou então majoração, caso seja a situação inversa. Necessário observar a situação econômica das partes envolvidas, ou seja, de que se trata de lide envolvendo um ente público Estadual e uma pessoa jurídica em face de um particular, evidenciando a maior capacidade financeira dos primeiros em relação ao segundo. Mas não é demais lembrar que a parte autora não demonstrou a existência de danos para além daqueles que se presume com as queimaduras que sofreu, considerando que a ausência de prova pericial não permite se aquilatar a extensão do dano, não relatando nenhum tipo específico de trauma psicológico. Assim, as indenizações que se reconhecem devidas pelo Município de Guaraniaçu e pela empresa Ômega Comércio de Fogos deverão visar apenas a compensação dos constrangimentos inerentes ao evento danoso narrado no presente caso, já que a indenização é medida pela extensão do dano, nos termos do artigo 944, do Código Civil. Nesse raciocínio, seguindo a linha de precedentes deste Tribunal, os seguintes casos narram situações de danos causados a pessoas por estouro de rojões: a) Recurso Inominado nº 2010.0014472-7/0 (1ª Turma Recursal, j. 04/08/2011), caso em que a vítima teve três dedos amputados com a explosão, tendo a magistrada Ana Paula Kaled Accioly Rodrigues mantido o quantum indenizatório dos danos morais para R$ 7.000,00; b) Apelação Cível nº 296.768-2 (10ª Câmara Cível, j. 15/09/2005), que narra caso em que a vítima, menor, sofreu ferimentos na face, braços e perda auditiva sensorial pela perfuração traumática do tímpano, tendo o relator Des. Ronald Schulman reduzido a indenização por danos morais para R$ 5.000,00. E considerando o conjunto probatório dos autos bem como os precedentes deste Tribunal de Justiça em casos análogos, conclui-se que o valor fixado em primeiro grau a título de indenização por danos morais comporta alteração apenas no valor a que restou condenado o ente público municipal, porquanto excessivo o montante de R$ 10.000,00 Dessa forma, com esteio na fundamentação acima, cumpre minorar o quantum indenizatório a que restou condenado o Município de Guaraniaçu para o valor de R$ 5.000,00, sendo o valor adequado para cumprir a função punitiva do demandado pelo fato, e compensar a autora pelo sofrimento suportado, sem configurar enriquecimento ilícito. Com relação ao pleito da empresa Ômega de redução do valor da indenização, entendo que o valor de R$ 5.000,00 deva ser mantido, porquanto se afigura compatível com peculiaridades do caso em exame, na forma da fundamentação acima. 5. Honorários advocatícios O Município de Guaraniaçu pleiteou, em sede de recurso adesivo, a redução dos honorários advocatícios a que restou condenado, que totalizou 15% do valor da condenação (cerca de R$ 1.500,00). No que diz respeito ao arbitramento do valor dos honorários de sucumbência, não há dúvida de que quem tem melhores condições de avaliar o trabalho dos advogados no processo é o juiz sentenciante e, desta forma, salvo infração a norma legal ou evidente absurdo não é aconselhável que a instância recursal altere a fixação de honorários para mais ou para menos. Nota-se dos autos que a causa demandou a produção de prova documental e testemunhal, sendo que o cerne da questão não se revestiu de maior complexidade, haja vista o nexo de causalidade ter sido facilmente identificado. Some-se a isto o fato de que é a Fazenda Pública que figura como sucumbente e as questões debatidas nos autos, pelo que destaco o julgado do TASP, extraída da conhecidíssima obra Honorários Advocatícios de Yussef Cahali, que busca explicar o motivo do tratamento diferenciado conferido à Fazenda Pública quando sucumbente: "Percebe-se que o legislador, entre as exceções do §4º, deu à Fazenda Pública um tratamento especial, porque ela não é um ente concreto, mas a própria comunidade, representada pelo governante que é o administrador e preposto. (...)". (4ª Câmara do TJSP, 18.9.88, RJTJSP 116/148) (3ª ed., São Paulo: RT, 1997, p. 489.).
À vista da argumentação tecida, entende-se razoável manter a verba honorária devida pelo município-réu ao patrono da autora, pois atende aos requisitos do § 4º do art. 20 do CPC, mediante apreciação equitativa do juiz e observância das normas constantes das alíneas `a', `b', e `c' do parágrafo anterior. 6. Juros de mora e correção monetária A respeito da aplicabilidade do artigo 1º-F, da Lei 9.494/97, por se tratar de matéria de ordem pública, cumpre estabelecer algumas considerações a respeito da mudança de entendimento sobre o tema nos tribunais superiores. Por ocasião do julgamento da ADIN 4.357/DF, pelo Supremo Tribunal Federal, de relatoria do Ministro Ayres Britto, foi declarada a inconstitucionalidade parcial, das expressões "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança", e "independentemente de sua natureza" (quando os débitos fazendários ostentarem natureza tributária), constantes do artigo 100, § 12, do texto constitucional. E como o artigo 1º-F, da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09, praticamente reproduz a norma contida no dispositivo citado no parágrafo anterior, o STF o declarou parcialmente inconstitucional, por arrastamento. Isso alterou consideravelmente a
sistemática de incidência de correção monetária e juros de mora às condenações indenizatórias impostas à Fazenda Pública. Confira-se o teor de referida norma:
o "Art. 1 -F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. (Redação dada pela Lei nº 11.960, de 2009)."
Por consequência disso, o Superior Tribunal de Justiça adaptou seu posicionamento no novo recurso repetitivo - REsp nº 1270439/PR, que restou assim ementado:
"RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N.º 08/2008. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. (...) AÇÃO DE COBRANÇA EM QUE SE BUSCA APENAS O PAGAMENTO DAS PARCELAS DE RETROATIVOS AINDA NÃO PAGAS. (...) VERBAS REMUNERATÓRIAS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DEVIDOS PELA FAZENDA PÚBLICA. LEI 11.960/09, QUE ALTEROU O ARTIGO 1º-F DA LEI 9.494/97. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL POR ARRASTAMENTO (ADIN 4.357/DF). (...). 18. Em virtude da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/09: (a) a correção monetária das dívidas fazendárias deve observar índices que reflitam a inflação acumulada do período, a ela não se aplicando os índices de remuneração básica da caderneta de poupança; e (b) os juros moratórios serão equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança, exceto quando a dívida ostentar natureza tributária, para as quais prevalecerão as regras específicas. 19. O Relator da ADIn no Supremo, Min. Ayres Britto, não especificou qual deveria ser o índice de correção monetária adotado. Todavia, há importante referência no voto vista do Min. Luiz Fux, quando Sua Excelência aponta para o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que ora se adota. (...). 21. Recurso especial provido em parte. Acórdão sujeito à sistemática do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08/2008." (REsp 1270439/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/06/2013, DJe 02/08/2013)
E o presente caso trata de dívida do ente público, de natureza indenizatória, ou seja, de caráter não-tributário, pelo que, a partir da vigência da Lei 11.960/09, a correção monetária deverá ser feita pelo IPCA, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/09, e os juros de mora deverão ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, na forma do artigo 1º-F, da Lei 9.494/97, adotando-se o novo entendimento perfilhado pelo STF e pelo STJ. 7. Aplicabilidade da Súmula 54, STJ Por força do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, devem os juros de mora ser aplicados desde a data do evento danoso, reconhecendo-se a incidência da Súmula nº 54, ex ofício. Inicialmente, relevante mencionar que durante um tempo deixei de aplicar a Súmula 54 sobre as indenizações por dano moral, que dispõe que "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.", entendendo que o encargo deveria incidir a partir da data da fixação do quantum devido, com base no precedente de relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti (STJ, 4ª Turma, REsp 903.258/RS, , j.21.06.2011, DJe 17.11.2011). Todavia, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.132.866 / SP, em 23/11/2011 (publicado no DJ-e de 03/09/2012), a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça alterou esse entendimento, passando a reafirmar a aplicação da Súmula nº 54 nos casos de indenização por danos morais, tendo a Relatora Ministra Gallotti sido vencida nesta questão. Este julgado restou assim ementado: "RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL PURO. VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. DATA DO EVENTO DANOSO. SÚMULA 54/STJ. 1.- É assente neste Tribunal o entendimento de que os juros moratórios incidem desde a data do evento danoso em casos de responsabilidade extracontratual, hipótese observada no caso em tela, nos termos da Súmula 54/STJ: "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual". Na responsabilidade extracontratual, abrangente do dano moral puro, a mora se dá no momento da prática do ato ilícito e a demora na reparação do prejuízo corre desde então, isto é, desde a data do fato, com a incidência dos juros moratórios previstos na Lei. 2.- O fato de, no caso de dano moral puro, a quantificação do valor da indenização, objeto da condenação judicial, só se dar após o pronunciamento judicial, em nada altera a existência da mora do devedor, configurada desde o evento danoso. A adoção de orientação diversa, ademais, ou seja, de que o início da fluência dos juros moratórios se iniciasse a partir do trânsito em julgado, incentivaria o recorrismo por parte do devedor e tornaria o lesado, cujo dano sofrido já tinha o devedor obrigação de reparar desde a data do ato ilícito, obrigado a suportar delongas decorrentes do andamento do processo e, mesmo de eventuais manobras processuais protelatórias, no sentido de adiar a incidência de juros moratórios. 3.- Recurso Especial improvido." (grifou-se). (STJ, Segunda Seção, REsp 1.132.866 / SP, Rel. p/ acórdão Min. Sidnei Beneti, j. 23.11.2011, DJe 03.09.2012). O Ministro Sidnei Beneti, relator designado que inaugurou a divergência, assim fundamentou o entendimento da maioria: "Não obstante a indenização por dano moral só passe a ter expressão condenatória em dinheiro a partir da decisão judicial que a arbitra, a mora que fundamenta a incidência dos juros existe desde o ato ilícito que desencadeou a condenação à reparação dos danos morais sendo certo que estes poderiam ter sido objeto de reparação por outros meios, desde então. O fato, de que se origina o direito à indenização, porque provocador de dano moral, determina a data da lesão, de forma que a partir da data desse fato é que o lesado experimenta, no caso do dano patrimonial, o desfalque, e, no caso do dano moral, o sofrimento, a dor, o padecer e, eventualmente, suas consequências psicológicas definitivas."
E, no julgamento dos Embargos de Declaração 401.358 / PB, originados no Recurso Especial 2001/0169166-0, a Ministra Gallotti cedeu ao entendimento majoritário da 2ª Seção, passando a determinar a aplicação da Súmula 54 aos casos de dano moral puro: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPRENSA. PUBLICAÇÃO CALUNIOSA. REVISÃO DO VALOR. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. 1. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando ínfimo ou exagerado. Revisão do quantum indenizatório procedida em atendimento às circunstâncias de fato da causa, de forma condizente com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 2. Segundo o entendimento majoritário da Segunda Seção, sufragado no REsp 1.132.866/SP (julgado em 23.11.2011), no caso de indenização por dano moral puro decorrente de ato ilícito os juros moratórios legais fluem a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ). Ressalva do ponto de vista pessoal da Relatora. 3. Embargos de declaração parcialmente acolhidos. (STJ, Quarta Turma, Embargos de Declaração 401.358 / PB no REsp 2001/169166-0, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 02.10.2012, DJe 23.10.2012). A respeito da possibilidade de aplicação ex officio da incidência dos juros de mora desde a data do evento danoso, frise-se que a Súmula 54, do Superior Tribunal de Justiça, foi incorporada pelo artigo 398, do Código Civil que assim dispõe: "Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou."
Ademais, em recente decisão em embargos de divergência acerca da matéria em questão o Superior Tribunal de Justiça assim se posicionou: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. DATA DO EVENTO DANOSO. SÚMULA 54/STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. O acertamento do direito à indenização por dano moral e sua quantificação pela via judicial não elide o fato de que a obrigação de indenizar nasce com o dano decorrente da prática do ilícito, momento em que a reparação torna-se exigível. Inteligência dos arts. 186, 927 e 398, todos do Código Civil. 2. Os juros moratórios visam compensar o credor pelo atraso no adimplemento da obrigação exigível, e a judicialização da questão é mera expressão da existência de pretensão resistida (lide). 3. "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual" (Súmula 54/STJ). 4. Embargos de divergência providos para, reformando o acórdão embargado, determinar que o termo inicial para incidência dos juros moratórios sobre o dano moral fixado seja a data do evento danoso. (EREsp 494183/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/10/2013, DJe 12/12/2013).
E não destoa o posicionamento desta 1ª Câmara Cível: "Administrativo. Responsabilidade civil. Ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais. Nulidade da sentença por cerceamento de defesa. Rejeição. Mérito. Não localização dos restos mortais dos genitores da autora, sepultados no Cemitério Municipal. Responsabilidade civil do Município. Art. 37, §6º, Constituição Federal. Dever de guarda e identificação, que deve ser precisa e segura. Danos morais devidamente configurados. Juros de mora. Alteração de ofício. Aplicação da Súmula 54, STJ. Termo inicial. Data do evento danoso. Apelação cível não provida. Termo inicial dos juros de mora alterado, de ofício. Sentença mantida, no mais, em reexame necessário." (grifou-se).
(TJPR - 1ª C.Cível - ACR - 1127295-6 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Salvatore Antonio Astuti - Unânime - - J. 18.02.2014).
Diante disso, tendo em vista que a questão do termo inicial de incidência dos juros de mora está de acordo com a regra legal, impõe-se a aplicação de ofício da Súmula nº 54, do STJ, sem que se configure reformatio in pejus, considerando-se como ocorrido o evento danoso no dia 01/01/2008. 8. Em conclusão, voto pelo não provimento do Recurso 1 (interposto por Mariane Rohenkohl), não provimento do Recurso 2 (interposto por Ômega Comércio de Fogos LTDA), e parcial provimento do Recurso Adesivo (interposto pelo Município de Guaraniaçu), tão somente para o fim de reduzir o valor da indenização a que restou condenado o ente público para o montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), adequando-se, de ofício, a aplicação do artigo 1º-F, da Lei 9.494/97, e aplicando-se, também de ofício, as disposições da Súmula 54, do STJ, conforme fundamentado.
DECISÃO Diante do exposto, acordam os integrantes da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar pelo não provimento do Recurso 1, pelo não provimento do Recurso 2, e pelo parcial provimento do Recurso Adesivo. A Presidência coube a este Relator e do julgamento participaram os senhores Desembargadores RUBENS OLIVEIRA FONTOURA e RENATO BRAGA BETTEGA. Curitiba, 29 de julho de 2014.
Des. Ruy Cunha Sobrinho Presidente e Relator
-- 1 STOCO, Rui, Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª ed., rev., atual., amp., São Paulo: Revista dos Tribunal, 2004, p. 1691/1693. --
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